6 de janeiro de 2010

Oitava ingratidão dos homens para com Jesus Sacramentado

Impiedade dos que em estado de pecado mortal recebem Jesus Sacramentado

Chegamos ao cume da maior ingratidão que pode praticar um Cristão com o divino Amante Sacramentado, porque não há palavars bastantes para explicar a maldade de quem chega a pôr a boca imunda pelo pecado no Corpo Puríssimo de Jesus. Não cessa ainda toda a Igreja Militante de admirar-se de como o Criador dos Céus não teve horror de entrar do puríssimo ventre de uma Virgem, e era mais puro que uma açucena, e mais incorruptível que um sol. E que dirá a Triunfante? Que dirão aqueles espíritos angélicos em ver seu próprio Criador albergado numa alma, que, morta mela culpa, está escrava e tiranizada pelo Demônio? Ao traidor, culpado de Sua morte, chamou Satanás o Redentor, porque já o cruel tirano havia tomado posse de seu coração. Assim é. A Alma que jaz no miserável estado de culpa é um trono do príncipe das trevas, e se ela recebe em si o Corpo de Sangue de Jesus, é como pô-l'O aos pés do Demônio. (Continua)

Chorando tanta ingratidão, São Pedro Crisólogo exclamava: Ah! Deus Imortal! Unde te traxit amor? Aonde, Senhor, arrastou-Vos o amor pelos homens? A um presépio e a um calvário? Mais ainda. A uma habitação onde reina Satanás. Aí põem as criaturas Vosso Divino Corpo, onde este infernal príncipe pretende todas as adorações. Ele ali manda, ali reina, ali domina; e Vós, Onipotente e Imenso, sofreis que, nessa Alma onde entrais, exercite seu tirânico império? Envolta entre os mais duros grilhões do pecado, procura tragá-la o cruel logo, e Vós consentis que esteja juntamente ali Vossa Carne e Sangue, Que é A do mais Inocente Cordeiro?
Porém, olhai, Católicos, como neste caso vos ameaça o mais paciente entre os mortais: Panis in utero illius in fel convertetus aspidum. Este Pão, Que comeis indignamente, se vos converterá em fel de víboras venenosas. Quer dizer que Este Pão Que, a outros, dá vida, para vós será veneno. De um peixe chamado fastino, dizem os naturais que tem virtude de fazer doce toda a água salgada que entre em sua boca. Mas, a quem recebe em pecado o Sangue de Jesus, acontece-lhe o contrário, porque a bebida doce A faz amarga, e Aquele Sacramento Que é uma torrente de delícias, Se lhe converte em um mar de amarguaras.
Não para aqui o merecido castigo de sua ingratidão, diz o citado Profeta: Divitias quas devoravit evomit. Volta a vomitar aquele precioso manjar que engoliu. É o sentir de mui graves autores, que os Anjos, celando a pureza devida a Este Augustíssimo Sacramento, tiraram-n'O da boca imunda de Judas, antes que chegasse ao peito. Mas que é isso, se até os próprios Demônios obrigaram uma infeliz mulher, depois de morta, a lançar da garganta o Santíssimo Sacramento, que acabara de receber no mal estado: Divitias quas devoravir evomit. O Angélico Doutor põe em disputa qual seja maior sacrilégio: comungar em pecado mortal ou arrojar na imundície o adorável Corpo de Jesus Sacramentado. É certo que uma e outra culpa não cabem num coração caracterizado com o nome de Católico.
Convidado um grave filósofo à função de uns desponsórios, vestiu-se e aornou-se com extraordinário alinho, e, perguntado pela causa daquele primor, respondeu: Ut pulcher ad pulchrum vadam. Eu vou comer com uma beleza, e é preciso que não se veja em mim fealdade alguma. Assim deve fazer quem não só vai comer com Jesus, Que é o mais formoso dos homens, mas comer também Sua própria Carne e beber Seu Sangue. Deve vestir-se primeiro do candor da inocência, e, com lágrimas de compunção, lavar a mais pequena mancha de pecado.
O cisne, a mais branca entre as aves, nunca come o pão sem lavá-lo primeiro na água. Assim merece ser comido o Divino Pão Eucarístico, molhado primeiro com lágrimas de amor. Só assim gozará uma Alma de Seus admiráveis efeitos, porque o Corpo Sacramentado de Jesus é como o sol, que, conforme às disposições que encontra na terra, numa produz ouro, noutra prata, noutra ferro e noutra nada. Ó que infelicidade para uma Alma ser terreno tão árido e tão inútil, que nada produza nela Este Sol Divino de Jesus! Ó que desgraça! Levantar-se em jejum do real banquete do Sacramento, como os convidados de Heliogábalo, os quais, encontrando só os manjares pintados, saíam de sua mesa mais famintos do que haviam entrado.
Mas assim é. Entra o Sol Sacramentado nestas Almas, e nada produz nelas, porque as deixa como as acha. Dormia um centinela sobre os muros de Atenas, sitiada pelos inimigos, quando rondava seu vigilante capitão, e, vendo-o dormindo, tirou-lhe a vida, dizendo: Talem inveni, qualem reliqui. Morto estava, e morto o deixei. Assim obra Jesus Sacramentado com aquele que encontra morto pelo pecado mortal: deixa-o como se acha: Talem inveni, qualem reliqui. Castigo bem merecido por sua ingratidão, ficar morto nos braços da mesma vida, naufragar no porto, cegar-se com a luz e perecer com o remédio.

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