31 de janeiro de 2012

Tesouro de Exemplos - Parte 23

UM MÁRTIR DA CONFISSÃO E DA EUCARISTIA
Em 1927 dominavam no México os inimigos da Igreja Católica. Os ministros de Jesus Cristo eram perseguidos, presos e fuzilados sem compaixão. Do número desses mártires foi o ancião Pe. Mateus Correa.
Estava em casa de um amigo, num dos bairros mais radicais, quando o foram chamar para um pobre indio que queria receber os últimos sacramentos. Apesar do perigo que corria, o padre quis cumprir com esse dever de caridade. Tomando consigo o Santíssimo, dirigiu-se com o amigo à casa do doente.
Escolheram de propósito os caminhos menos frequentados, mas, assim mesmo, os soldados de Calles os surpreenderam e, vendo que o Padre levava o Santíssimo, quiseram arrancar-lho à força para o profanar. Mas o Pe. Correa foi mais esperto que os soldados, pois, consumindo imediatamente a sagrada partícula, disse:
- Matai-me, se quiserdes: mas não a Jesus não o profanareis.
Depois de maltratarem cruelmente ao pobre Padre, levaran-no à cidade de Valparaíso, onde o meteram no cárcere. Acusado de ter cumplicidade com os Cristeros que combatiam nos arredores, detiveram-no até que o General Ortiz o levou consigo a Durango.
Ali chegaram a 4 de fevereiro e já no dia 6 seria julgado o padre pelo General em pessoa. Vários outros presos iam ser fuzilados. Dirigindo-se ao Pe. Correa, disse o General:
- Ouça primeiro a confissão desses bandidos, pois vão pagar logo os seus crimes.
Ouvi-lhes o Padre a confissão e preparou-os para uma boa noite.
Tendo terminado, disse-lhe o General:
- Agora diga-me o que esses canalhas lhe contaram.
Erguendo-se o Padre com nobre altivez, respondeu:
- Nunca, isso nunca!
- Não quer dizer?
- Não nunca!
- Então será fuzilado com os outros.
- Fuzile-me, mas o segredo da confissão não o violarei jamais.
O infame General mandou matá-lo com os demais presos; e, assim, o grande mártir selou com o próprio sangue sua Fé e seus sagrados ministérios.

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO IX.

Da Coroação de Espinhos

1. Continuando ainda os soldados a flagelar cruelmente o inocente Cordeiro, narra-se que se adiantou um dos assistentes, e, tomando ânimo, disse-lhes: “Vós não tendes ordem de matar este homem, como pretendeis fazer”. E com isso, cortou as cordas que ligavam o Senhor. Isso foi revelado a S. Brígida: Tunc unus concitato in se spiritu quaesivit: Numquid interficietis eum sic iniudicatum? Et statim secuit vincula eius (Lib. I, Rev. c. 10) [1]. Mas, tão logo terminou a flagelação, aqueles bárbaros ministros, instigados e corrompidos com dinheiro pelos judeus, como afirma S. Jo. Crisóstomo, fazem o Redentor sofrer uma nova espécie de tormento [2]. Tunc milites praesidis suscipientes Iesum in praetorium, congregaverunt... universam cohortem, et exuentes eum, chlamydem coccineam circumdederunt ei, et plectentes coronam de spinis, posuerunt super caput eius et arundinem in dextera eius (Matth. XXVII, 27, 28, 29). Eis como os soldados o despojam novamente, e, tratando-o como rei de burla, põem-lhe uma veste vermelha, que não era outra coisa que um retalho de manto usado pelos soldados romanos e chamado clâmide; põem-lhe na mão uma cana em sinal de cetro e um feixe de espinhos na cabeça em sinal de coroa.
Ah meu Jesus, mas não sois vós o verdadeiro rei do universo? E como vos tornastes agora rei de dor e de vitupério? Eis aonde vos conduziu o amor. - Ó meu Deus amabilíssimo, quando será aquele dia quando me unirei a vós de tal forma que nada possa separar-me de vós, e eu não possa mais deixar de amar-vos? Ah Senhor, enquanto eu vivo nesta terra, estou sempre em perigo de voltar-vos as costas e negar-vos o meu amor, como, infeliz, fiz no passado. Meu Jesus, se vedes que eu, vivendo, havesse de padecer esta suma desgraça, fazei-me morrer agora mesmo, que espero estar na vossa graça! Rogo-vos pela vossa Paixão, não me abandoneis àquele grande mal. Eu o mereceria pelos meus pecados, mas não o mereceis vós; estipulai qualquer castigo para mim, mas não este. Não, meu Jesus, meu Jesus, não quero jamais me ver separado de vós.
2. Et plectentes coronam de spinis, posuerunt super caput eius (Matth., loc. cit.). Bem refletiu o devoto Laspérgio, que este tormento dos espinhos foi dolorosíssimo, enquanto eles perfuraram toda a sagrada cabeça do Senhor, parte sensibilíssima, porque da cabeça emanam todos os nervos e as sensações do corpo; e foi ainda o tormento mais longo da sua Paixão, posto que Jesus sofreu os espinhos até a morte, ficando os mesmos fixos dentro da cabeça. Toda vez que eram tocados os espinhos ou a cabeça, sempre se lhe renovava o espasmo [3]. Segundo, pois, o sentimento comum dos escritores, com S. Vicente Ferrer, a coroa foi entrelaçada de vários ramos de espinhos, e feita fechada à maneira de capacete ou chapéu [4], de modo que perfurava toda a cabeça e descia até a metade da fronte segundo a revelação feita a S. Brígida: Corona spinea capiti eius arctissime posita fuit, quae ad medium frontis descendebat (Lib. IV, Rev. c. 70) [5].
E como diz S. Lourenço Justiniano com S. Pedro Damião, eram os espinhos tão longos que chegaram a penetrar o cérebro: Spinae cerebrum perforantes (D. Laur. Iust. de triumph. Chr. c. 14). E o manso Cordeiro deixava-se atormentar à sua vontade sem dizer palavra, sem gritar, mas, fechando os olhos por causa do espasmo, dava muitos amargos suspiros como um atormentado que está perto da morte, conforme foi revelado à B. Ágata da Cruz: Saepius oculos clausit, et acuta edidit suspira quasi morituri [8]. Tanta era a quantidade de sangue que escorria das feridas da sagrada cabeça, que na sua face não se via outra cor além da de sangue, segundo a revelação de S. Brígida: Plurimis rivis sanguinis decurrentis per faciem eius, et crines, et oculos, et barbam replentibus, nihil nisi sanguis totum videbatur (Lib. IV, Rev. c. 70) [9]. E S. Boaventura acrescenta que não aparecia mais a bela face do Senhor, mas parecia a cabeça de um homem esfolado: Non amplius facies Domini Iesu, sed hominis excoriati videretur [10].
Ó amor divino, exclama Salviano, eu não sei como chamar-te, doce ou cruel; pois pareces ter sido ao mesmo tempo doce e cruel: Amor, quid te appellem nescio ducem an asperum? Utrumque esse videaris (Ep. I) [11]. Ah meu Jesus, o amor bem vos torna doce para conosco, descobrindo-vos ser um amante tão apaixonado das nossas almas: mas vos torna desapiedado convosco mesmo, fazendo-vos padecer tormentos tão acerbos. Quisestes ser coroado de espinhos para obter-nos a coroa de glória no céu: Coronatus est spinis, ut nos coronemur corona danda electis in patria (B. Dion. Cart.) [12]. Meu dulcíssimo Salvador, espero ser a vossa coroa no Paraíso, salvando-me pelos méritos das vossas dores; aí louvarei para sempre o vosso amor e as vossas misericórdias. Misericordias Domini in aeternum cantabo, in aeternum cantabo (Ps. LXXXVIII, 2).
3. Ai espinhos cruéis, ingratas criaturas, por que atormentais assim o vosso Criador? Mas de que adianta, diz S. Agostinho, censurar os espinhos? Eles foram inocentes instrumentos: os nossos pecados, os nossos maus pensamentos foram os malvados espinhos que afligiram a cabeça de Jesus Cristo: Spinae quid, nisi pecactores? [13]
Aparecendo um dia a S. Teresa Jesus coroado de espinhos, a santa se pôs a compadecer-se dele; mas o Senhor disse: “Teresa, não tenhas compaixão de mim pelas feridas que me fizeram os espinhos dos judeus; tem piedade de mim pelas chagas que me fazem os pecados dos cristãos” [14].
Minha alma, tu também, portanto, atormentaste então a veneranda cabeça do teu Redentor com os vossos tantos maus consentimentos. Scito et vide, quia malum et amarum est reliquisse te Dominum Deum tuum! (Ier. II, 19). Abre agora os olhos, e vê e chora amargamente em toda a tua vida o mal que fizeste voltando as costas com tanta ingratidão ao teu Senhor e Deus. - Ah meu Jesus, não merecíeis ser tratado por mim como vos tratei. Fiz mal, errei; desagrada-me de todo o coração; perdoai-me e dai-me uma dor que me faça chorar toda a vida os erros que vos fiz. Meu Jesus, meu Jesus, perdoai-me, que eu quero sempre vos amar.
4. Et genu flexo ante eum illudebant ei, dicentes: Ave rex Iudaeorum; et exspuentes in eum, acceperunt arundinem, et percutiebant caput eius (Matth. XXVII, 29, 30). Ajunta S. João: Et dabant ei alapas (Io. XIX, 3). Depois que aqueles bárbaros puseram sobre a cabeça de Jesus aquela tormentosa coroa, não lhes bastou apertá-la com toda a força com as mãos, mas tomaram a cana para fazer o ofício de martelo, para fazer entrar mais para dentro os espinhos. Então começaram a rir-se dele como rei de zombaria, primeiro saudando-o, ajoelhados, rei dos judeus; e depois, levantando-se, cuspiam-lhe na face, e mofavam dele com gritos e risadas de desprezo. Ah meu Jesus, aonde fostes reduzido! Qualquer um que tivesse, então, passado por acaso naquele lugar e tivesse visto Jesus Cristo tão dessangrado, coberto daquele trapo vermelho, com aquele cetro na mão, com aquela coroa na cabeça, e tão desprezado e maltradado por aquela gentalha, considerá-lo-ia o que, se não o homem mais vil e perverso do mundo? Eis o Filho de Deus tornado o vitupério de Jerusalém! Ó homens, exclama aqui o B. Dionísio Cartuxo, se não queremos amar a Jesus Cristo porque é bom e porque é Deus, amemo-lo ao menos por tantas penas que sofreu por nós: Si non amamus eum, quia bonus, quia Deus, saltem amemus, quoniam tanta pro nostra salute perpessus est (In c. XXVII Matth.) [15].
Ah, meu caro Redentor, recebeu um servo rebelde que vos deixou, mas que agora, arrependido, a vós retorna. Quando eu fugia de vós e desprezava o vosso amor, vós não deixastes de vir atrás de mim para atrair-me a vós; por isso não posso temer que me expulsaríeis, agora que eu vos procuro, vos estimo e vos amo sobre todas as coisas. Fazei-me conhecer aquilo que eu devo fazer para dar-vos gosto, que eu quero fazer tudo aquilo. Ó Deus amabilíssimo, eu vos quero amar de verdade e não quero dar-vos desgosto nunca mais. Ajudai-me com a vossa graça, não permitais jamais que eu vos deixe.
Maria, minha esperança, rogai a Jesus por mim. Amém.

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Notas:

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[1]: “Cumque filius meus (ait Maria) totus sanguinolentus, totus sic laceratus stabat ut in eo non inveniretur sanitas nec quid flagellaretur, tunc unus concitato in se spiritu quaesivit: “Numquid interficietis eum sic iniudicatum?” Et statim secuit vincula eius.” Revelationes S. BIRGITTAE... a Card. Turrecremata recognitae, lib. 1, cap. 10.

[2]: “Et quomodo milites haec faicebant, non mandante praetore? In Iudaeorum gratiam: siquidem initio non ab illo iussi noctu profecti sunt, sed in gratiam Iudaeorum et pecuniae causa omnia audebant.” S. Io. CRYSOSTOMUS, In Ioannem, hom. 84 (al. 83), n. 1. MG 59-456.

[3]: “Meditare... quanto cruciatu plena fuerit haec coronatio. Erat enim corona ipsa.... ex spinis longis, duris, acutis et penetrativis ita plexa, ut ex omni parte caput ambiens et pungens vulneraret, nec minus vertex, quam tempora, spinis tegeretur... Si vel una spina sano integroque capiti usquequaque incolumi infixa, tantum poenae ingerit ut nihil consolationis prae dolore libeat, quem putas cruciatum... intulerunt Christi capiti, iam plagis livido ac prorsus infirmo, tot spinae lacerantes atque secantes?... Spinea corona, ut semper tangebat, ut semper pungebat, ita numquam non cruciabat... Quoties percussum fuit Christi caput, quoties corona mota, toties dolor renovatus in eo augebatur... Haec autem poena atrocissima perseverabat a tertia hora diei usque ad horam nonam, qua Passio eius per mortem fuit consummata... Collige nunc in unam summam circumstantias omnes.... advertes quantum dolorem.. Christi caput perpessum sit. Potentia enim seu virtus sensitiva, generaliterque omnes sensus corporis, ex cerebro manant... ut non tantum ex propriis, verum etiam ex singulis... cruciatibus quorumcumque membrorum intelligamus caput Christi et cerebrum eius nobilissimum atque tenerrimum afflictum; nec solum ex poenis membroum, verum etiam per organa sensuum.” Ioan. Iustus LANSPERGIUS, Cartusianus, Beneficiorum Salvatoris.... et eorum quae.... recepit malefactorum liber unus. Theorma et concio XIX: De Iesu coronatione. Sermonuum tom. 3, p. 204, 205, 206. Coloniae Agrippinae, 1693.

[4]: “Erat (corona) ad modum pilei, ita quod undique caput tegeret et tangeret, ita quod aculei ossa penetrarent.” S. VINCENTIUS FERRERIUS, O. P., Sermo in die Parasceves.

[5]: “Mater (B. V. Maria) loquitur: “... Et tunc (cioé dopo la crocifissione, di nuovo) corona spinea capiti eius arctissime imposita fuit, quae ad medium frontis descendebat, plurimis rivis sanguinis ex aculeis infixis decurrentibus per faciem eius, et crines, oculos et barbam replentibus, ut quasi nihil nisi sanguis totum videretur, nec ipse me adstantem cruci videre potuit, nisi sanguine expresso per ciliorum compressionem.” Revelationes S. BIRGITTAE.... a Card. Turrecremata recognitae, lib. 4., cap. 70.

[6]: “Capitis delicati sensibilitatem considera, spinarum punctiones cerebrum perforantes mirare.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De triumphali Christi agone, cap. 14. Opera, Venetiis, 1721, pag. 260, col. 1.

[7]: Como acima (cap. 8, nota 3), S. Afonso citou um texto do De triumphali agone Christi, atribuindo-o a S. Pedro Damião, assim aqui cita ambos os santos: talvez houvesse algum autor, ou editor, ou tipógrafo, que atribuísse a S. Pedro Damião aquela devota obra.

[8]: “Par ces vues surnaturelles, elle était à même de se pénétrer à fond des pieux sentiments que la méditation du Rosaire fait naître, et de recueillir pleinement a grâce de chaque mystére. Cette grâce affluait et inondait son coeur comme un torrent, dans les mystére douloureux. Aucun détail de l' Agonie, de la flagellation, du couronnement d' épines, du portement de croix, du crucifiement n' échappait à l' épouse du divin Sauveur”. Vén. Agathe de la Croix, 1546-1621; Année Dominicaine, Lyon, Jevain, 1889, Avril, pag. 563. - A Vida escrita pelo Fr. Antônio dos Mártires, à qual faz referência a breve passagem da Année Dominicaine, não a encontramos.

[9]: Vide acima, nota 5.

[10]: Vide Apêndice, 2, 1°. Não encontramos esta frase em S. Boaventura.

[11]: “O amor, quid te appellem nescio, bonum an malum, dulcem an asperum, suavem an iniucundum. Ita enim utroque plenus es, ut utrumque esse videaris.” SALVIANUS, Epistola 1. ML 53-157.

[12]: “Ille coronatus est spinis, ut nos coronemur corona de lapide pretioso, danda electis in patria.” B. DIONYSIUS CARTUSIANUS, Enarratio in Evangelium secundum Ioannem, art. 45, declaratio capituli 19. - Quanto ao título de Beato, atribuído aqui e em outro lugar, por S. Afonso, a este devotíssimo autor, vide Doctoris Extatici Dionysii Opera omnia, I, Monstrolii, 1896, Praefatio, pag. VIII.

[13]: “Spinae quid significant nisi peccatores? Qui peccat quotidie, etiamsi non magna peccata, minutissimis spinis coopertus est.” S. AUGUSTINUS, Enarratio in Ps. 103, sermo 3, n. 18. ML 37-1372, 1373. - “Et ipsae spinae quoniam ad populum Dei pertinent, vis audire? Ita posita est ipsa similitudo: Sicut lilium, inquit, in medio spinarum, ita proxima mea in medio filiarum (Cant. II, 2). Numquid dixit: in medio alienarum? Non, sed in medio filiarum. Sunt ergo filiae malae, et inter illas est lilium in medio spinarum.” Enarratio in Ps. 47, n. 8. ML 36-538, 539. - “O Domine... quid est quod dicis? Sicut li ium in medio quarum spinarum? Ita proxima mea in medio quarum filiarum? quas dicis spinas, ipsas filias? Respondet: Spinae sunt propter mores suos; filiae, propter sacramenta mea.” Enarratio in Ps. 99, n. 8. ML 37-1275, 1276. “Si spinas non haberes, capiti creatoris tui coronam spineam non imponeres.” Sermo de cultura agri dominici (dubius ), cap. 2, n. 3. ML 40-688.

[14]: “Acabando de comulgar, segundo dia de Cuaresma, en San Josef de Malagòn, se me representò nuestro Senor Jesucristo en visiòn imaginaria como suele, y estando yo miràndole, vi que en la cabeza, en lugar de corona de espinas, en toda ella, que debia ser adonde hicieron llaga, tenia una corona de gran resplandor. Como yo soy devota de este paso, consoléme mucho y comencé a pensar qué gran tormento debia sre, pues habia hecho tantas heridas, y a darme pena. Dijome el Senor que “no le hubiese làstima por aquellas heridas, sino por las muchas que ahora le daban.” S. TERESA, Las Relaciones, Mercedes de Dios, IX. Obras, II, 44, 45.

[15]: “Si non amamus eum quia bonus, quia Deus et frater est noster, saltem idcirco eum amemus quoniam tanta pro nostra salute perpessus est, tantaque nobis beneficia est largitus, et maiora spopondit.” B. DIONYSIUS CARTUSIANUS, Enarratio in Evangelium secundum Matthaeum, art. 43. Expositio capitulo 27.

Flores da Eucaristia - 31 de Janeiro

“Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida.”
Estas palavras proferidas por Nosso Senhor Jesus quando ainda estava no mundo, vão além da vida humana do Salvador. São palavras que não passam, e que Ele poderá repetir sempre, com o mesmo cunho de verdade, no SSmo. Sacramento.
Há caminhos fictícios, atalhos, na vida espiritual, estradas que se podem trilhar por algum tempo e abandonar depois.
Jesus no Santíssimo Sacramento é o Caminho imutável. É o meio, o modelo, porquanto nos seria de pouco proveito conhecer o caminho se Ele não nos ensinasse, com o seu exemplo, a palmilhá-lo.
Somente se pode alcançar o céu pela participação da vida de Nosso Senhor. Que a nossa vida espiritual consista, portanto, em contemplar a Eucaristia e n’Ela procurar o exemplo que temos que fazer em todas as circunstâncias da vida cristã. Eis em que se resume e como se entretêm a união com Jesus – Hóstia, e será assim que nos tornaremos eucarísticos em nossa vida, e que nos santificaremos segundo a graça da Eucaristia.

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 31 Janeiro

Não devo deixar passar o primeiro mês do ano, minha caríssima filha, sem enviar à tua alma a saudação da minha alma, assegurando-te o afeto que o meu coração nutre pelo teu, ao qual não deixo nunca de desejar toda a sorte de bênçãos e de felicidade espiritual. No entanto, minha boa filha, quanto ao teu coração, recomendo-te especialmente: procura torná-lo dia a dia mais grato ao nosso doce Salvador, de maneira que o presente ano seja mais fértil do que o ano passado em boas obras, já que, à medida que os anos passam e que se aproxima a eternidade, é preciso redobrar a coragem e elevar o nosso espírito a Deus, servindo-o com maior diligência em tudo o que a nossa vocação e profissão cristãs nos obriga.

30 de janeiro de 2012

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO VIII.

Sobre a flagelação de Jesus Cristo.

1. Entremos no pretório de Pilatos, feito um dia horrendo teatro das ignomínias e das dores de Jesus; vejamos quanto foi injusto, ignominioso e cruel o suplício aí dado ao Salvador do mundo. - Vendo Pilatos que os judeus continuavam a tumultuar contra Jesus, ele, o injustíssimo juiz, condenou-o a ser flagelado: Tunc ergo apprehendit Pilatus Iesum et flagellavitI (Io. XIX, 1). Pensou o iníquo juiz que com este modo bárbaro ganhar-lhe-ia a compaixão dos inimigos, que assim o livrariam da morte: Corripiam ergo illum, disse, et dimittam (Luc. XXIII, 22). Era a flagelação castigo só dos escravos. Portanto, diz S. Bernardo, o nosso amoroso Redentor quis tomar a forma não somente de servo para sujeitar-se à vontade alheia, mas até de servo mau, para ser castigado com os flagelos, e assim pagar a pena merecida pelo homem, feito já servo do pecado: Non solum formam servi accepit ut subesset, sed etiam mali servi ut vapularet, et servi peccati ut poenam solveret [1].
Ó Filho de Deus, ó grande amante da minha alma, como vós, Senhor de infinita majestade, pudestes amar tanto um objeto assim tão vil e ingrato como eu, a ponto de submeter-vos a tantas penas para livrar-me da pena devida? Um Deus flagelado! É mais admirável um Deus sofrer um mínimo golpe, que se fossem destruídos todos os homens e todos os anjos. Ah meu Jesus, perdoai-me as ofensas que vos fiz, e depois castigai-me como vos agradar. Mas basta só que eu vos ame e vós me ameis, e então me contento de padecer todas as penas que quiserdes.
2. Chegado que foi ao pretório, o nosso amável Salvador, como foi revelado a S. Brígida (Rev. 1. IV, c. 70) [2], ao comando dos ministros, ele mesmo se despiu, abraçou a coluna, e então aplicou nela as mãos para ser ligado. Ó Deus, já se dá princípio ao cruel tormento! Ó anjos do céu, vinde assistir a este doloroso espetáculo; e se não vos é permitido livrar o vosso rei da bárbara tortura que lhe preparam os homens, ao menos vinde chorar de compaixão. - E tu, minha alma, imagina-te presente nesta horrenda carnificina do teu amado Redentor. Olha como está o teu aflito Jesus, com a cabeça abaixada, olhando a terra, e, todo tímido pelo rubor, espera aquele grande tormento. Eis que aqueles bárbaros, como tantos cães raivosos já se aventam com os flagelos sobre o inocente cordeiro. Vê lá quem bate no peito, quem golpeia as costas, quem fere os flancos e quem as pernas; também a sagrada cabeça e a sua bela face não ficam isentas dos golpes. Ai! Já escorre aquele sangue divino de todas as partes; já de sangue estão cheios os flagelos, e as mãos dos carnífices, a coluna e a terra. Laeditur, chora S. Pedro Damião, totoque flagris corpore laniatur; nunc scapulas, nunc crura cingunt: vulnera vulneribus, et plagas plagis recentibus addunt [3].
Ah, cruéis, que fazeis? Parai, parai: sabei que errastes. Este homem, que vós atormentais, é inocente, e santo: sou eu o réu; a mim, a mim, que pequei, tocam os flagelos e os tormentos. Mas vós não me ouvis. - Eterno Pai, e como podeis sofrer esta grande injustiça? Como podeis ver o vosso Filho dileto padecer assim e não o socorrer? Que crime ele cometeu que merecesse um castigo tão vergonhoso e atroz?
3. Propter scelus populi mei percussi eum (Is. LIII, 8). Eu bem sei, diz o Eterno Pai, que este meu Filho é inocente, mas porque ele se ofereceu para satisfazer a minha justiça por todos os pecados dos homens, convém que eu o abandone assim ao furor dos seus inimigos. Portanto, ó meu adorado Salvador, para pagar os nossos delitos, e especialmente os pecados de impureza - que é o pecado mais comum dos homens - quisestes que fossem laceradas as vossas puríssimas carnes? E quem não exclamará com S. Bernardo: O ineffabilem Filii Dei erga peccatores caritatem! [4]
Ah, meu Senhor flagelado, agradeço-vos tanto amor, e dói-me que eu também, com os meus pecados, tenha chegado a flagelar-vos. Odeio, meu Jesus, todos aqueles prazeres malvados que vos custaram tanta dor. Ó, já há quantos anos deveria eu queimar no inferno! Mas vós, porque me esperastes até agora com tanta paciência? Suportastes-me, afim de que eu, vencido finalmente por tantas finezas de amor, rendesse-me a amar-vos, deixando o pecado. Meu amado Redentor, não quero resistir mais ao vosso afeto; eu quero amar-vos quanto posso de agora em diante. Mas vós já conheceis a minha fraqueza, sabeis das traições que vos fiz. Desprendei-me de todas as afeições terrenas que me impedem de ser todo vosso. Recordai-me amiúde o amor que me tendes, e a obrigação que tenho de amar-vos. Em vós ponho todas as minhas esperanças, meu Deus, meu amor, meu tudo.
4. Chora S. Boaventura: Fluit regius sanguis, superadditur livor super livorem, fractura super fracturam [5]. Escorria já por tudo aquele sangue divino; aquele sagrado corpo se tornara todo uma chaga; mas aqueles cães com raiva não cessavam de adicionar ferida a ferida, como predisse o Profeta: Et super dolorem vulnerum meorum addiderunt (Ps. LXVIII, 27). De modo que os açoites não só chagavam todo o corpo, mas puxavam consigo até os pedaços pelos ares, e tanto foram abertas aquelas sagradas carnes, que se podiam contar os ossos: Concisa fuit caro, ut ossa dinumerari possent (Contens., loc. cit.) [6]. Diz Cornélio de Lápide (In c. XXVIII, Matth.) que, neste tormento, Jesus Cristo naturalmente devia morrer, mas ele, com a sua virtude divina, quis conservar-se em vida, a fim de sofrer penas maiores por nosso amor [7]. E antes disse S. Lourenço Justiniano: Debuit plane mori, se tamen reservavit ad vitam, volens graviora perferre [8].
Ah, meu Senhor amantíssimo! Vós sois digno de um amor infinito. Vós padecestes tanto, a fim de que eu vos amasse. Não permitais que eu, em vez de amar-vos, vos ofenda e desgoste mais. Que inferno à parte seria para mim, se eu, depois de ter conhecido o amor que me tivestes, miseravelmente me condenasse, desprezando um Deus vilipendiado, surrado e flagelado por mim! E que, além disso, depois que eu o ofendi tantas vezes, me perdoou com tanta piedade! Ah meu Jesus, não o permitais, não. Ó Deus, o amor e a paciência que tivestes comigo ser-me-ia, lá no inferno, um outro inferno, para mim mais tormentoso.
5. Cruel demais foi este tormento da flagelação ao nosso Redentor, pois, primeiro, muitos foram os ministros que o flagelaram: segundo a revelação feita a S. Maria Madalena de’ Pazzi foram não menos de sessenta (In vita P. VI) [9]. Ora, estes, instigados pelos demônios e mais ainda pelos sacerdotes, que temiam que Pilatos, depois daquele castigo, quisesse libertar o Senhor, como já anunciara dizendo: Corripiam ergo illum, et dimittam (Luc. XXIII, 22), puseram-se, com os flagelos, a privá-lo da vida. Convêm então os autores com S. Boaventura que eles escolheram, para este ofício, os instrumentos mais atrozes [10], de modo que cada golpe fez uma chaga, como afirma S. Anselmo [11], e que as batidas chegaram a vários milhares, flagelando, como escreveu o Pe. Crasset [12], não já segundo o costume dos hebreus, para os quais o Senhor proibiu que se passasse o número de quarenta golpes: Quadregenarium numerum non excedant, ne foede laceratus ante óculos tuos abeat frater tuus (Deut. XXV, 3); mas à maneira dos romanos, que não tinha medida.
Por isso refere José, o hebreu - que viveu pouco depois de nosso Senhor -, que Jesus foi lacerado de tal modo na flagelação, que chegavam a aparecerem-lhe descobertos os ossos das costelas [13]; como foi também revelado a S. Brígida pela SS. Virgem, que disse: Ego quae astabam, vidi corpus eius flagellatum usque ad costas, ita ut costae eius viderentur. Et quod amarius erat, quum retraherentur flagella, carnes ipsis flagellis sulcabantur (Lib. I, Rev. c. 10) [14]. A S. Teresa apareceu Jesus flagelado: por isso quis a santa que ele fosse pintado tal qual lhe aparecera, e disse ao pintor que, no cotovelo direito, havia um pedaço de carne pendurada; mas, perguntando então o pintor de que forma devia pintá-la, ele se voltou para o quadro, e encontrou o talho já formado (Cron. Disc. t. I, c. 14) [15]. Ah, meu Jesus amado e adorado, quanto padecestes por meu amor! Não sejam perdidos para mim tantas dores e tanto sangue!
6. Mas, só com as Escrituras bem se discute quanto foi desapiedada a flagelação de Jesus Cristo. E por que Pilatos, depois da flagelação, mostrou-o ao povo, dizento: Ecce homo, se não porque o nosso Salvador estava reduzido a uma figura tão digna de compaixão que Pilatos, fazendo-o apenas ver, creu que moveria a compaixão dos seus próprios inimigos, de modo que deixassem de pedir-lhe a morte? E por que, na viagem que então fez Jesus ao Calvário, as mulheres judias seguiam-no com lágrimas e lamentos? Sequebatur autem illum multa turba populi, et mulierum, quae plangebant, et lamentabantur eum (Luc. XXIII, 27). Acaso porque aquelas mulheres o amavam ou o consideravam inocente? Não, as mulheres, em sua maioria, seguem os sentimentos dos seus maridos, e por isso elas também o consideravam um réu; mas, porque Jesus, depois da flagelação, fazia uma vista tão horrenda e tão piedosa que movia a chorar até aqueles que o odiavam, por isso as mulheres choravam e suspiravam. Por que ainda nesta viagem os judeus tomaram-lhe a cruz de sobre as costas e deram-na a carregar ao Cireneu - segundo a opinião mais provável e como se deduz claramente de S. Mateus: Hunc angariaverunt, ut tolleret crucem eius (Matth., XXVII, 32) e de S. Lucas: Et imposuerunt illi crucem portare post Iesum (Luc. XXIII, 26) - talvez porque ele lhe tinham piedade e queriam aliviar-lhe a pena? Não, aqueles iníquos o odiavam e procuravam afligi-lo o máximo que podiam. Mas, como diz o B. Dionísio Cartusiano (In c. XXIII Luc.), timebant ne moreretur in via [16]. Vendo que o nosso Senhor, depois da flagelação, ficara exangue e tão privado de forças que quase não se podia sustentar em pé, e andava caindo pelo caminho sob a cruz, e ia caminhando, por assim dizer, expirando a alma a cada passo; por isso, a fim de levá-lo vivo até o Calvário, e vê-lo morto na cruz, como pretenderam, para que ficasse para sempre infame o seu nome: Eradamus eum, diziam eles, como predisse o profeta, de terra viventium, et nomen eius non memoretur amplius (Ier. XI, 19), por isso constrangeram o Cireneu a carregar a cruz.
Ah Senhor, grande é o meu contento em entender o quanto me haveis amado, e que agora conservais por mim o mesmo amor que me tínheis no tempo da vossa Paixão! Mas quão grande é a minha dor em pensar que ofendi um Deus tão bom! Pelo mérito da vossa flagelação, meu Jesus, peço-vos o perdão. Arrependo-me, sobre todos os males, de ter-vos ofendido, e proponho antes morrer que ofender-vos mais. Perdoai-me todos os erros que vos fiz, e dai-me a graça de amar-vos sempre de agora em diante.
7. O profeta Isaías representou mais claramente que todos o estado digno de compaixão, no qual previu reduzido o nosso Redentor. Disse ele que a sua santíssima carne na Paixão devia tornar-se não só chagada, mas toda quebrada e esmagada: Ipse autem vulneratus est propter iniquitates nostras, attritus est propter scelera nostra (Is. LIII, 5). Porque, segue dizendo o profeta, o seu Eterno Pai, para dar à sua justiça uma maior satisfação e para fazer compreender aos homens a deformidade do pecado, não se contentou até que não viu o Filho esmagado e consumido pelos flagelos: Et Dominus voluit conterere eum in infirmitate (Ibid., 10): de modo que o corpo bendito de Jesus deveu tornar-se como o corpo de um leproso, todo em chagas da cabeça aos pés: Et nos putavimus eum quase leprosum, et percussum a Deo (Ibid., 4).
Eis então, ó meu Senhor lacerado, a que estado vos reduziram as nossas iniquidades. O bone Iesu, nos peccavimus, et tu luis? (S. Bern.) [17]. Seja sempre bendita a vossa imensa caridade, e sede amado como mereceis por todos os pecadores, e especialmente por mim, que mais do que os outros vos desprezei.
8. Apareceu um dia Jesus flagelado à Irmã Vitória Angelini, e, mostrando-lhe o seu corpo todo ferido: “Estas chagas, disse-lhe, Vitória, todas te pedem amor” [18]. Amemus sponsum, diz o enamorado S. Agostinho, et quanto nobis deformior commendatur, tanto carior, et tanto dulcior factus est sponsae [19]. Sim, meu doce Salvador, vejo-vos todo cheio de chagas: vejo a vossa bela face, mas, ó Deus, que não aparece mais calma, mas horrenda e escurecida pelo sangue, pelas contusões e pelos escarros! Non est species ei, neque decor; et vidimus eum, et non erat aspectus (Is. LIII, 2). Mas, quanto mais deformado vos vejo, ó meu Senhor, tanto mais belo e amável me pareceis. E que são estes, senão sinais da ternura e do amor que me tendes?
Amo-vos, Jesus chagado e lacerado por mim. Queria ver-me também eu flagelado por vós, como tantos mártires que tiveram esta sorte. Mas, se não posso agora oferecer-vos feridas e sangue, ofereço-vos ao menos sofrer todas as penas que me ocorrerem. Ofereço-vos o meu coração, com esta vontade de amar-vos o mais ternamente que posso. E quem deve amar com mais ternura a minha alma, se não um Deus flagelado e dessangrado por mim? Amo-vos, ó Deus de amor; amo-vos, bondade infinita; amo-vos, meu amor, meu tudo; amo-vos e não quero nunca cessar de dizer nesta vida e na outra, eu vos amo, eu vos amo, eu vos amo. Amém.


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Notas:

[1]: “Filius erat, et factus est tamquam servus. Non solum formam servi accepit, ut subesset; sed etiam mali servi, ut vapularet; et servi peccati, ut poenam solveret, cum culpam non haberet.” S. BERNARDUS, In feria IV Hebdomadae Sanctae, Sermo de Passione Domini, n. 10. ML 183-268.

[2]: “Mater (Maria) loquitur: “... Deinde, iubente lictore, seipsum vestibus exuit, columnam sponte amplectens, recte ligatur...” Revelationes S. BIRGITTAE.... a Card. Turrecremata recognitae, lib. 4, cap. 70. Coloniae Agrippinae, 1628.

[3]: “Ligatur, caeditur, totoque flagris corpore dissipatur. Nunc scapulas, nunc ventrem, nunc brachia, nunc crura cingunt. Vulnera vulneribus, plagas plagis recentibus addunt.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, (e não S. Pedro Damião). De triumphali Christi agone, cap. 14. Opera, Venetiis, 1721, pag. 260, col. 1.

[4] Muitas vezes (come tra altre, qui appresso si vedrà, cap. XI, note 1 e 2) S. Afonso atribui a S. Bernardo uma passagem de S. Anselmo (Orationes, Oratio 2, ML 158-861): “Quid commisisti.... ut sic tractareris? etc.” Do mesmo lugar parece tirada a exclamação aqui referida. Assim diz S. ANSELMO (I. c.): “Quae causa mortis, quae occasio tuae damnationis? Ego enim sum tui plaga doloris, tuae culpa occisionis.... O... ineffabilis mysterii dispositio! peccat iniquus, et punitur iustus... Quo, Nate Dei, quo tua descendit humilitas?... quo tuus attigit amor?... Te perfecta caritas ducit ad crucem.” - Cf. Apêndice, 3, B.

[5]: “Fluit undique regius sanguis de omnibus partibus corporis, superadditur, reiteratur, et spissatur livor super livorem, et fractura super fracturam, quousque tam tortoribus quam inspectoribus fatigatis, solvi iubetur.” Meditationes vitae Christi, cap. 76. Inter Opera S. Bonaventurae, VI, p. 387, col. 1. Lugduni (post Vaticanam et Germanicam editiones), 1668. - Vedi Appendice, 2, 7°.

[6]: “In flagellatione sic lacerata et concisa fuit caro, ut facile ossa dinumerari possent.” Vincentius CONTENSON, O. P., Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1, Tertius excessus.

[7]: “Naturaliter ex tot verberibus mori saepius debuisset Christus; sed deitas carnem sustentabat, ut plura pati et tandem crucifigi posset.” CORNELIUS A LAPIDE, S. I., In Matthaeum XXVIII, 26.

[8]: “Debuit plane mori, tanto dolore transfixus; se tamen reservavit ad vitam, ut his etiam graviora perferret.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De Triumphali Christi agone, cap. 14. Opera, Venetiis, 1721, p. 260, col. 1. - Isto, porém, diz S. Lourenço Justiniano falando da coroação de espinhos.

[9]: “Neste mistério da flagelação, demonstrou ela (a Santa, em êxtase, enquanto nela se renovava toda a Paixão de Cristo) participar tão intensos afãs e tormentos, contorcendo-se às vezes na pessoa e fazendo atos de grande dor, que não se teria dito outra coisa senão que então ela fosse cruel e verdadeiramente flagelada no corpo. Neste tempo, disse apenas estas palavras: ‘Ó, se vós mudásseis, assim, convertendo-vos!’. Queria dizer que, se fossem mudados aqueles ministros que batiam em Jesus, convertendo-se, assim como se trocavam, quanto estavam cansados de flagelá-lo, bem-aventurados eles. Enquanto isso, percebeu, como ela disse depois, que trinta pares de ministros, isto é, sessenta homens, foram os que flagelaram Jesus na coluna.” PUCCINI Vita, Firenze, 1611, parte 6, cap. 2.

[10]: “Suscipit... flagella dura et dolorosa caro illa innocentissima et tenerrima.” Meditationes vitae Christi, cap. 76. Inter Opera S. Bonaventurae, VI, 387, col. 1. Lugduni (post editiones Vaticanam et Germanicam) 1668. - Vide Apêndice, 2, 7°.

[11]: “Nec pepercit (Pilatus) amarissimis verberibus virgineam carnem tuam divellere plagis, livores livoribus crudeliter infligens.” S. ANSELMUS, Meditationes, Meditatio 9, De humanitate Christi. ML 158-754.

[12]: CRASSET, S. I., Meditações doces e afetuosas para todos os dias da Quaresma sobre a Paixão e morte de N. S. Jesus Cristo, meidtação 28, consideração 3. (Entretiens doux et affectueux pour tous les jours du Carême sur la mort et la Passion de N. S. Jésus-Christ.) “Aquilo, enfim, que tornou o tormento da flagelação duro e sangrento ao Filho de Deus, é a multidão dos golpes que recebeu, porque não foi flagelado à maneira dos hebreus, que não podiam dar, segundo a Lei, mais do que quarenta golpes, temendo que o paciente expirasse pela violência da dor; mas foi flagelado segundo o costume dos romanos, cuja severidade não tinha termo nem medida. Não há certeza quanto ao número de golpes por ele recebidos... Mas o que é certo é que ficou de tal maneira flagelado que lhe ficaram descobertas as costelas, e se viam por meio das suas chagas. Tanto refere o autor Josefo Hebreu, que viveu pouco depois de Nosso Senhor, e fez o relato dos seus milagres e dos seus padecimentos.”

[13]: Assim o Crasset (op. c., I. c.: vide a nota precedente). Em FLAVIO GIUSEPPE, não se encontra outra coisa, quanto a Jesus Cristo, senão o célebre texto - sobre o qual ainda se discute se é interpolado - Antiquitatum Iudaicarum lib. 18, cap. 6 (Basileae, apud Ioannem Frobenium, 1524, pag. 518): “Fuit autem iisdem temporibus Iesus, sapiens vir, si tamen virum eum nominare fas est. Erat enim mirabilium operum effector, et doctor hominum eorum qui libenter quae vera sunt audiunt. Et multos quidem Iudaeorum, multos etiam ex gentibus sibi adiunxit. Christus hic erat. Hunc, accusatione primorum nostrae gentis virorum, cum Pilatus in crucem agendum esse decrevisset, non deseruerunt hi qui ab initio eum dilexerunt. Apparuit enim eis tertia die iterum vivus: secundum quod divinitus inspirati prophetae vel haec vel alia de eo innumera miracula futura esse praedixerant. Sed et in hodiernum. Christianorum, qui ab ipso nuncupati sunt, et nomen perseverat et genus.”

[14]: Revelationes S. BIRGITTAE...a Card. Turrecremata recognitae, lib. 1, cap. 10.

[15]: FRANCESCO DI SANTA MARIA, Reforma dos Descalços de Nossa Senhora do Carmo, lib. 1, cap. 14. - “Representòseme Cristo delante con mucho rigor... Vile con los ojos del alma màs claramente que le pudiera ver con los del cuerpo, y quedòme tan imprimido, che hà esto màs de ventiséis anos, y me parece lo tengo presente.” S. TERESA, Libro de la Vida, cap. 7. Obras, I, Burgos, 1915.

[16]: “Quia ex poenis iam valde lassatus fuit, timebant ne forte sub onere crucis deficiens, moreretur in via.” B. DIONYSIUS CARTUSIANUS, Enarratio in Evangelium secundum Lucam, art. 49, Expositio capituli XXIII, v. 26.

[17]: A mesma sentença é atribuída a S. Bernardo de Lohner, Bibliotheca concionatoria, v. Passio Domini, § 3, n. 1; da Contenson (Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissert. 4, cap. 1, speculatio 2, Reflexio ) a S. Bernardo e a S. Anselmo. Na verdade é de S. ANSELMO, Oratio 2, ML. 158-861, quantunque in forma un poco differente e più diffusa. - Vide Apêndice, 3, A.

[18]: “Ela viu aproximar-se Cristo pendente da cruz todo chagado, e com as feridas gotejando tanto sangue que teria movido à compaixão a insensata dureza de um mármore... Nesta guisa, disse: ‘Vê a que sinal foram reduzidos os membros de um Deus, e nega, se podes, a sinceridade do meu amor... Este corpo chagado que te dou a ver, sabe que não menos constrange à obrigação todo o gênero humano junto, que a tua alma só, pela qual padeci de bom grado. Eu não peço outra recompensa senão o amor... Ama, pois, ó Marina, este teu Esposo, que espera, por meio do teu amor, levar consigo a recompensa dos seus favores.” PACICHELLI, Vita, parte I, pag. 147 e seg., Roma, 1670. - A Ven. Irmã Maria Vitória Angelini (1590-1659) Romana, Terciária da Ordem dos Servos, chamada antes Merinda, tomou o nome de Marina ao receber o sacramento da Crisma.

[19]: “Amemus sponsum. Quanto magis deformis nobis commendatur, tanto carior, tanto dulcior est factus sponsae.” S. AUGUSTINUS, Sermo 44, cap. 2, n. 4. ML 38-259.

Quarto Domingo depois da Epifania

Flores da Eucaristia - 30 de Janeiro

A Santa Eucaristia é Jesus Cristo passado, presente e futuro; é o supremo desenvolvimento da Encarnação e da vida mortal do Salvador, que aí concedem todas as graças. É o mistério régio da nossa fé, para qual convergem todas as verdades católicas, como os rios se lançam no oceano que os alimenta.
Que a Santa Eucaristia seja portanto o nosso ponto de partida na meditação dos mistérios, das virtudes e das verdades da religião, de que é o centro. Essas verdades são apenas raios, e se partirmos do centro, haveremos de seguir-lhe o curso.
Com efeito, que de mais simples do que estabelecer relação entre o nascimento de Jesus no presépio e o seu nascimento sacramental sobre o altar e em nossos corações?
Quem não reconhece que a vida oculta de Nazaré continua na divina Hóstia do Tabernáculo, e que a Paixão do Homem Deus sobre o Calvário se renova no Santo Sacrifício? E não é Nosso Senhor manso e humilde no SSmo. Sacramento como em sua vida na terra? Não está sempre aí como o Bom Pastor, o Consolador divino, o Amigo do coração?
FELIZ A ALMA QUE SABE ENCONTRAR JESUS NA EUCARISTIA, E, NA EUCARISTIA TODAS AS COISAS!

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 30 Janeiro

Não empreendas ação alguma, mesmo aquela que considerar a mais trivial ou a mais indiferente, sem antes oferecê-la a Deus.

Quarto Domingo depois da Epifania

O Evangelho deste Domingo e do anterior foram tirados do mesmo capítulo de S. Mateus. Jesus manifesta a sua realeza e divindade imperando aos ventos e ao mar; e o Evangelho, para relevar a importância do fato, põe em contraste a agitação furiosa das vagas com a tranquilidade que depois se seguiu. Mas é no seio da Igreja e no domínio íntimo das consciências que se verifica sobretudo a realeza de Cristo. Por isso os Padres viram no vento ruidoso da procela o símbolo de Satanás que levanta as tempestades de perseguição contra os santos, e no mar tumultuoso, as paixões e a maldade dos homens que não cessam de promover na terra o ódio e a violação da lei de Deus. Na Igreja de Cristo, ao contrario, é a grande lei da caridade que regula e harmoniza todos os membros; porque se os três primeiros preceitos do Decálogo nos impõem o amor de Deus, perfeito e absoluto, os últimos sete obrigam-nos, como consequência lógica, ao amor de todos os homens. Na Epifania, Jesus revela-se aos homens como Filho de Deus e dá-lhes a faculdade de participar nos privilégios e na realeza do seu corpo místico, se o quiserem reconhecer como tal e aceitar como Chefe e Cabeça. Todos os cristãos, com efeito, constituem um corpo só de que Jesus é a cabeça, e todos se devem por conseguinte amar com aquele amor que dedicam em intensidade e pureza ao próprio Jesus Cristo. Aquela barca frágil que voga tranquila entre as vagas, é a Igreja de Deus que vai conduzindo através da tempestade dos séculos a divindade de Cristo. É a proteção do Salvador, que leva dentro de si, deve o milagre de não sossobrar aos assaltos das vagas.

29 de janeiro de 2012

Tesouro de Exemplos - Parte 22

DAI-ME JESUS ! E SEREI BOAZINHA.......
Entre os meninos e meninas mais pequeninos, puros e bons, costuma Jesus Menino escolher seus pajens (cruzadinhas) para que o acompanhem aonde quer que vá.
Uma dessas crianças foi S. Gema Galgani, uma santa de nossos tempos, que durante toda a sua vida recordava com prazer as primeiras práticas que tivera com Jesus Sacramentado, sendo ainda muito pequena.
O rosto de minha mãe, depois de receber a comunhão, dizia, ficava radiante de alegria e meu coração batia mais depressa, quando ela me chegava a seu peito, dizendo:
- Gema, aproxima-te de meu peito para dar um beijo a Jesus. Desde aquela idade na cessava de pedir a suas professoras capelães que lhe dessem o seu Jesus.
Eles olhavam para ela e sorriam, pois, apesar de ter nove anos, era tão pequena que parecia ter apenas seis. Naquele tempo o Papa não havia dado ainda o decreto da comunhão dos pequeninos e exigiam-se para a mesma instruções e conhecimentos cabais.
- Tem paciência, dizian-lhe, até que tenhas a idade requerida.
Mas Gema pedia, sem se cansar:
"Dai-me Jesus, dai-me.......E vereis que serei boazinha, não pecarei mais e serei bem comportada. Dai-me Jesus, porque me parece que não poderei viver sem Ele".
Estes belos sentimentos de um coração tão puro e amante moveram seus superiores a apressar o dia feliz e suspirado e satisfazer-lhe as ânsias de apertar Jesus a seu peito.
Gema tornou-se realmente, em sua vida pobre e humilde, uma grande Santa que mereceu as honras do altar.

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO VII.

Do amor de Jesus em sofrer tantos desprezos na sua Paixão.

1. Diz o Belarmino que maior pena dão aos espíritos nobres os desprezos que as dores do corpo: Nobiles animi pluris faciunt ignominiam, quam Dolores corporis [1]. Pois, se estas afligem a carne, aqueles afligem a alma, a qual, quanto mais nobre do que o corpo, tanto mais sente a pena. Mas quem mais teria podido imaginar que a personagem mais nobre do céu e da terra, o Filho de Deus, vindo ao mundo para fazer-se homem por amor dos homens, viesse a ser tratado por eles com tantos vitupérios e injúrias, como se fosse o último e o mais vil de todos os homens? Vidimus eum... despectum, et novissimum virorum (Is. LIII, 2, 3). Afirma S. Anselmo que Jesus Cristo quis sofrer tais e tantas desonras que não pôde ser mais humilhado do que foi na sua Paixão: Ipse tantum se humiliavit, ut ultra non posset [2].
Ó Senhor do mundo, vós sois o maior de todos os reis, mas quisestse ser desprezado mais do que todos os homens, para ensinar-me o amor aos desprezos. Já que, então, sacrificastes a vossa honra por meu amor, eu quero oferecer, por vosso amor, todas as afrontas que me sejam feitas.
2. E que sorte de afrontas não sofreu o Redentor na sua Paixão? Ele se viu afrontado pelos seus próprios discípulos. Um deles o traiu e o vendeu por trinta dinheiros. Outro o nega várias vezes, protestando publicamente que não o conhece, e atestando com isso que se envergonhava de tê-lo conhecido pelo passado. Os outros discípulos, depois, ao vê-lo preso e ligado, fugiram todos e o abandonaram: Tunc discipuli eius relinquentes eum, omnes fugerunt (Marc. XIV, 50).
Ó meu Jesus abandonado, e quem tomará a vossa defesa, se, ao princípio da vossa captura, os vossos mais caros partem e vos abandonam? Mas, ó Deus, esta desonra não terminou com a vossa Paixão. Quantas almas, depois de se dedicarem a seguir-vos, e depois de serem favorecidas por vós com tantas graças e sinais especiais de amor, constrangidas depois por qualquer paixão de vil interesse, ou de respeito humano, ou de sórdido prazer, ingratas, vos deixam? Quem se encontra no número destes ingratos, chore e diga [3]: Ah, meu caro Jesus, perdoai-me, que eu não quero mais deixar-vos; quero antes perder a vida e mil vidas, que perder a vossa graça, ó meu Deus, meu amor, meu tudo.
3. Eis como Judas, chegando ao horto junto com os soldados, avança, abraça o seu Mestre e o beija. Jesus permite que o beije; mas, conhecendo já o seu ânimo iníquo, não pode deixar de reclamar com ele daquela muito injusta traição, dizendo-lhe: Iuda, osculo Filium hominis tradis? (Luc. XXII, 48). Então ajuntam-se em torno de Jesus aqueles insolentes ministros, lançam as mãos sobre eles, e o ligam como um rebelde: Ministri Iudaeorum comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum (Io. XVIII, 12).
Ai, o que vejo! Um Deus amarrado! Por quem? Pelos homens! Por vermes criados por ele mesmo! Anjos do Paraíso, que dizeis disso? E vós, meu Jesus, como vos fazeis amarrar? Que têm a ver, diz S. Bernardo, os ligames dos escravos e dos réus convosco, que sois o Santo dos Santos, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores? O rex regum, dominus dominantium, quid tibi et vinculis? (De cur. vit. c. 4) [4].
Mas se os homens vos ligam, vós, porque não os soltais e vos livrais dos tormentos e da morte que estes vos preparam? Mas já entendo: não são já, ó meu Senhor, estas cordas que vos constringem; é só o amor que vos tem ligado e vos constringe a padecer e morrer por nós. O caritas, exclama S. Lourenço Justiniano, quam magnum est vinculum tuum, quo Deus ligari potuit (De lign. vit. c. 6) [5]. Ó amor divino, tu sozinho pudeste ligar um Deus, e conduzi-lo a morrer por amor dos homens!
4. Intuere, homo, diz S. Boaventura, carnes illos trahentes, et agnum quasi ad victimam mansuetum sine resistentia sequi. Unus apprehendit, alius ligat, alius impellit, alius percutit (Med. c. LXXVI) [6]. Portanto, já ligado o nosso doce Salvador, antes à casa de Anás, depois à de Caifás, onde Jesus, interrogado sobre os seus discípulos e a sua doutrina por aquele malvado, respondeu que ele não falara em secreto, mas em público, e que os mesmos que lhe estavam ao redor sabiam bem o que ensinara. Ego palam locutus sum...; ecce hi sciunt quae dixerim ego (Io. XVIII, 20, 21). Mas, a tal resposta, um daqueles ministros, tratando-o como temerário, deu-lhe um forte tapa: Unus assistens ministrorum dedit alapam Iesu, dicens: Sic respondes pontifici? (Ibid. 22). Aqui exclama S. Crisóstomo: Angeli, quomodo siletis? An quod attonitos vos tenet tanta patientia? (Hom. LXXXI, in Io.) [7]. - Ah meu Jesus, como uma resposta tão justa e tão modesta merecia uma afronta tão grande à presença de tanta gente?
O indigno pontífice, em vez de repreender a insolência daquele audaz, louva-o ou, ao menos, com os sinais, aprova-o. E vós, meu Senhor, tudo sofreis para pagar as afrontas que eu, mísero, fiz à divina majestade com os meus pecados. Meu Jesus, agradeço-vos. Eterno Pai, perdoai-me, pelos méritos de Jesus.
5. Então o iníquo pontífice perguntou-lhe se era deveras o Filho de Deus: Adjuro te per Deum vivum, ut dicas nobis, si tu es Christus Filius Dei (Matth. XXVI, 63). Jesus, por respeito ao nome de Deus, afirmou sê-lo de fato; e então Caifás rasgou as vestes, dizendo que blasfemara; e todos então gritaram que merecia a morte: At illi respondentes dixerunt: Reus est mortis (Matth. XXVI, 66). Sim, com razão, ó meu Jesus, eles vos chamaram réu de morte, enquanto vós quisestes encarregar-se de satisfazer por mim, que merecia a morte eterna. Mas, se com a vossa morte vós me comprastes a vida, é justo que a minha vida eu a gaste toda, e até, se preciso, a perca, por vós. Sim, meu Jesus, não quero mais viver para mim, mas só para vós e para o vosso amor. Socorrei-me vós com a vossa graça.
6. Tunc exspuerunt in faciem eius, et colaphis eum ceciderunt (Matth. XXVI, 67). Depois de tê-lo publicado réu de morte, como homem já condenado ao suplício e declarado infame, pôs-se aquela caterva a maltratá-lo por toda a noite com golpes, com bofetadas, com chutes, arrancando-lhe a barba, e até cuspindo-lhe na face, zombando dele como falso profeta, e dizendo-lhe: Prophetiza nobis, Christe, quis est qui te percussit? (Ibid., 68). Tudo predisse o nosso Redentor por Isaías: Corpus meum dedi percutientibus, et genas meãs vellendibus: faciem meam nona verti ab increpantibus, et conspuentibus (Is. L, 6). - Refere o devoto Taulero ser sentença de S. Girolamo, que todas as penas e injúrias que sofreu Jesus naquela noite, somente no dia do juízo final se farão conhecidas [8]. S. Agostinho, falando das ignomínias padecidas por Jesus Cristo, diz: Haec medicina si superbiam non curat, quid eam curet, nescio (Dom. II. quadrag. serm. 1) [9]. Ah, meu Jesus, como vós sois tão humilde, e eu tão soberbo? Senhor, dai-me luz, fazei-me conhecer quem sois vós e quem sou eu.
Tunc exspuerunt in faciem eius. - Exspuerunt! Ó Deus, e que maior afronta há que ser injuriado com os escarros? Ad extremam iniuriam pertinet sputamenta accipere, diz Orígenes [10]. Onde se costuma escarrar, senão no lugar mais sórdido? E vós, meu Jesus, sofreis que vos escarrem na face? Eis como estes iníquos vos maltratam com as bofetadas e com os chutes, injuriam-vos, cospem-vos na face, fazem de vós o que querem: e vós não os ameaçais, não os reprovais? Cum malediceretur, non maledicebat; cum pateretur, non comminabatur; tradebat autem iudicanti si iniuste (I Petr. II, 23). Não, mas como um cordeiro inocente, humilde e manso, tudo sofreu sem nem se lamentar, tudo oferecendo ao Pai, para obter-nos o perdão dos nossos pecados: Quasi agnus coram tondente se obmutescet, et non aperiet os suum (Is. LIII, 7). - Meditando um dia S. Gertrudes nas injúrias feitas a Jesus na sua Paixão, começou a louvá-lo e a bendizê-lo; e o Senhor comprazeu-se disso de tal forma, que amorosamente lhe agradeceu [11].
Ah, meu vituperado Senhor, vós sois o Rei do céu, o Filho do Altíssimo; não mereceis ser maltratado e vilipendiado, mas ser adorado e amado por todas as criaturas. Eu vos adoro, bendigo-vos, e agradeço-vos. Amo-vos com todo o meu coração. Arrependo-me de ter-vos ofendido. Ajudai-me vós, tende piedade de mim.
7. Amanhecendo, os judeus conduzem Jesus a Pilatos, para fazê-lo condenar à morte, mas Pilatos declara-o inocente: Nihil invenio in hoc homine (Luc. XXIII, 4). E, para livrar-se dos insultos dos judeus, que continuavam pedindo a morte do Salvador, mandou-o a Herodes. Herodes alegrou-se ao ver-se conduzido diante de Jesus Cristo, esperando que, em sua presença, para livrar-se da morte, ele faria algum prodígio daqueles tantos que ouvira narrar; por isso interrogou-o com mais perguntas. Mas Jesus, porque não queria ser livrado da morte, e porque aquele malvado não era digno de suas respostas, calou-se e não lhe respondeu. Então o rei soberbo fez-lhe muitos desprezos com a sua corte, e, fazendo-o cobrir com uma veste branca, declarando-o assim homem ignorante e estúpido, devolveu-o a Pilatos. Sprevit autem illum Herodes cum exercitu suo, et illusit indutum veste alba, et remisit ad Pilatum (Luc. XXIII, 11). Comenta o Cardeal Hugon: Illudens ei quasi fatuo, induit veste Alba [12]. E S. Boaventura: Sprevit illum tamquam impotentem, quia signum non fecit; tamquam ignorantem, quia verbum non respondit; tamquam stolidum, quia se non defendit [13].
Ó Sabedoria eterna, ó Verbo divino, esta outra ignomínia vos faltava, de ser tratado como louco, privado de juízo! Tanto então vos constrangeu a nossa salvação, que quisestes, por nosso amor, não só ser vituperado, mas saciado de vitupérios, como de vós já profetizou Jeremias: Dabit percutienti se maxillam, saturabitur opprobriis (Thren. III, 30). E como pudestes ter tanto amor pelos homens, dos quais não recebestes mais do que ingratidões e desprezos? Ai que, dentre estes, eu sou um que, pior do que Herodes, ultrajei-vos. Meu Jesus, não me castigueis como Herodes privando-me das vossas palavras. Herodes não vos reconhecia como sendo aquilo que sois [14], eu vos confesso meu Deus; Herodes não vos amava, eu vos amo mais do que a mim mesmo. Não me negueis as palavras; as vossas inspirações, como eu mereceria, pelas ofensas que vos fiz. Dizei o que quereis de mim, que eu, com a vossa graça tudo o quero fazer.
8. Reconduzido que foi Jesus a Pilatos, o governador o apresentou ao povo, para perguntar quem queriam libertar naquela Páscoa, Jesus ou Barrabás homicida. Mas o povo gritou: Non hunc sed Barabbam (Io. XVIII, 40). Então disse Pilatos: Quid igitur faciam de Iesu? (Matth. XXVII, 22). Responderam: Crucifigatur. Mas que mal fez este inocente? Pilatos replicou: Quid... Mali fecit? E eles responderam: Crucifigatur (Matth. XXVII, 23). Mas, ó Deus, que até o presente a maior parte dos homens seguem dizendo: Non hunc sed Barabbam, preferindo a Jesus Cristo um prazer do sentido, um ponto de honra, uma explosão de raiva.
Ah, meu Senhor, bem sabeis vós que um tempo vos fiz eu a mesma injúria, quanto vos pospus aos meus malditos gostos! Meu Jesus, perdoai-me, que eu me arrependo do passado, e de hoje em diante quero preferir-vos a todas as coisas. Eu vos estimo, eu vos amo mais do que todos os bens; e quero antes mil vezes morrer, que deixar-vos. Dai-me a santa perseverança, dai-me o vosso amor.
9. Abaixo se falará dos outros opróbrios que recebeu Jesus Cristo até morrer finalmente numa cruz: Sustinuit crucem, confusione contempta (Hebr. XII, 2). Mas, entretanto, consideremos que do nosso Redentor bem se cumpriu aquilo que dele predisse o Salmista, que ele, na sua Paixão, devia tornar-se o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe: Ego autem sum vermis, et non homo; opprobrium hominum et abiectio plebis (Ps. XXI, 7). Até morrer envergonhado, julgado por mão de um carnífice em um patíbulo, como um malfeitor em meio a dois malfeitores: Et cum sceleratis reputatus est (Is. LII, 12).
Ó Senhor, o mais alto, exclama S. Bernardo, tornou-se o mais baixo entre os homens! Ó excelso tornado vil! Ó glória dos anjos tornado o opróbrio dos homens: O novissimum et altissimum! O humilem et sublimem! O opprobrium hominum et gloriam angelorum! [15]
10. Ó graça! Ó força do amor de um Deus, diz S. Bernardo. Assim, pois, o sumo Senhor de todos tornou-se o mais vilipendiado que todos! O gratiam! O amoris vim! Itane omnium imus factus est omnium? [16] E quem, ajunta o santo, operou tudo isso? Quis hoc fecit? Amor [17]. Tudo o fez o amor que Deus tem para com os homens, para demonstrar o quanto ele nos ama, e para ensinar-nos com o seu exemplo a sofrer com paz os desprezos e as injúrias. Christus passus est pro nobis, escreveu S. Pedro, vobis reliquens exemplum, ut sequamini vestigia eius (I Petr. II, 21). - S. Elzeário, perguntado pela sua esposa como fazia para suportar com tanta paz as tantas injúrias que se lhe faziam, respondeu: “Eu me volto a contemplar Jesus desprezado, e digo que as minhas afrontas não são nada diante daquelas que ele, sendo meu Deus, quis tolerar por mim” [18].
Ah, meu Jesus, e como eu, à vista de um Deus tão desonrado por meu amor, não sei sofrer um mínimo desprezo por vosso amor? Pecador e soberbo! E donde, meu Senhor, pode vir-me esta soberba? Pelos méritos dos vossos desprezos sofridos, dai-me a graça de sofrer com paciência e com alegria as afrontas e as injúrias. Proponho, de hoje em diante, com a vossa ajuda, não mais me ressentir, e receber com alegria todos os opróbrios que me serão feitos. Outros desprezos mereceria eu, que desprezei a vossa majestade divina, e mereci para mim os desprezos do inferno. E vós, meu amado Redentor, tornastes muito doces e amáveis as afrontas, tendo abraçado tantos desprezos por meu amor. Proponho, ainda, para dar-vos gosto, fazer todo o bem que eu puder a quem me despreza; ao menos falar bem e rezar por ele. E desde agora vos rogo que cumuleis de graça todos aqueles dos quais recebi alguma injúria. Amo-vos, bondade infinita, e quero sempre amar-vos quanto posso. Amém.


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Notas:

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[1]: “Octava poena nascebatur ex verbis contumeliosis et blasphemis quae in ipsum Pharisaei et Scribae et Sacerdotes iaciebant: haec enim poena hominibus ingenuis gravior esse solet quam poenae corporales, cum istae carnem, illae animum torqueant.” S. ROBERTUS BELLARMINUS, Cardinalis, De gemitu columbae, lib. 2, cap. 3.

[2]: “Ipse se tantum humiliavit, ut ultra non posset, propter quod et Deus tantum exaltavit illum, ut ultra non posset.” Ven. HERVEUS, Burgidolensis monachus, In Epistolam ad Philippenses, cap. 2, v. 9. ML 181-1293. - Estes Comentários sobre as Epístolas de S. Paulo, quando foram encontrados e impressos, foram, pelos primeiros editores, atribuídos a S. Anselmo.

[3]: Nas edições de 1751 (Pellecchia, Paci), de 1754 (Gessari), e na Romana (De' Rossi, 1755) em vez de “Quem se encontra etc.”, lê-se: “Misero me, che tra questi ingrati anche stato son io.”

[4]: Vitis mystica, seu Tractatus de Passione Domini, cap. 4, n. 12. Inter Opera S. Bernardi, ML 184-644. - “O Rex regum et Domine dominantium, quid tibi et vinculis?” S. BONAVENTURA, Vitis mystica.... Opera, VIII, ad Claras Aquas, 1898, pag. 165. - S. Alfonso, na nota: “De cur. vit. c. 4 ” isto é De cura vitis. Ora este cap. 4 foi intitulado “De vinculis nostrae Vitis ( Opera S. Bern.) ” ou “De ligatura vitis (S. Bonav.). ” Mas é o último dos capítulos que têm por assunto, como se diz no princípio do cap. 5, “quae viti ad culturam exterius ahibentur”. - Vide Apêndice, 2, 9°.

[5]: “Caritas ligat Deum et hominem, quia vinculum est. O caritas, quam magnum est vinculum tuum, quo Deus ligari potuit!” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, Lignum vitae, tractatus IV (vel VI), De caritate, cap. 6.

[6]: “Magis ac magis eorum (discipulorum) augebatur dolor, cum videbant et Dominum suum sic viliter trahi, et canes istos trahentes eum ad victimam, et illum quasi agnum mansuetissimum sine resistentia ipsos sequi.” Meditationes vitae Christi, cap. 75. Inter Opera S. Bonaventurae, VI, pag. 386, col. 1, Lugduni (post editiones Vaticanam et Germanicam), 1668. - “Alius ipsum dulcem et mitem et pium Iesum apprehendit, alius ligat, alius insurgit et alius exclamat, alius impellit, alius blasphemat, ... alius, dum ducitur, percutit.” Ibid., cap. 74, pag. 384, col. 2. - Vide Apêndice, 2, 7°.

[7]: “Unus autem ex adstantibus ministris dedit ei alapam, haec dicenti. Exhorresce, caelum, contremisce, terra, de Domini patientia et de servorum scelere.” S. Io. CHRYSOSTOMUS, In Ioannem, hom. 83 (al. 82), n. 3. MG 59-451. - Mansi, Bibliotheca moralis praedicabilis, tract. 61, discursus 2, n. 1 (dall' omilia, come dice, 81 del Grisostomo in Ioannem ): “O angeli, quomodo siletis? Quomodo manus continere potestis? An quod attonitos vos tenet tanta insolentia et tanta mansuetudo; tanta perversitas et tanta patientia?” Como se vê, a substância é do Crisóstomo, com um pouco de paráfrase do Mansi ou de outro.
Este episódio de zombaria ocorreu na casa de Anás: as cenas seguintes se desenvolveram na de Caifás (Io. XVIII, 20-22; Matth. XXVI, 59 et seq.).

[8]: “É sentença de S. Girolamo que as moléstias e penas dadas naquela noite ao Senhor não devem ser manifestadas antes do dia do juízo, de maneira que cada devoto, que deseja exercitar-se na Paixão do Senhor, deveria fazer qualquer coisa em honra daqueles tormentos ocultos de Deus, oferecendo-os ao Pai celeste, ao qual são todos conhecidos, pelos seus pecados ocultos e não conhecidos.” Jo. TAULERO, OP., Meditações (não genuínas) sobre a Vida e Paixão de Jesus Cristo, cap. 17.

[9]: “Erat unde extolleretur gens Iudaea, et per ipsam superbiam factum est ut Christo nollet humiliari, auctori humilitatis, repressori tumoris, medico Deo, qui propter hoc, cum Deus esset, homo factus est, ut se homo hominem cognosceret. Magna medicina. Haec medicina si superbiam non curet, quid eam curet nescio.” S. AUGUSTINUS, Sermo 77, cap. 7. n. 11. ML 38-488. (Opera S. Augustini, X, Parisiis, Chevallon, 1531, sermo 74 de Tempore, In Dom. II in Quadragesima sermo 1.)

[10]: “ Non enim est indecorum ei qui vult numerare in quantis se Christus humiliavit, ut dinumeret extra ea quae Paulus exposuit, dicens (i. e. et dicat): Humiliavit se factus obediens usque ad palmas, usque ad confusionem sputamentorum, et flagellorum, et mortis... Ad extremam iniuriam accipitur sputamentorum iniuria.” ORIGENIS in Matthaeum commentariorum series, n. 113 (in hunc locum). MG 13-1761.

[11]: “Dominica vero Iudica (de Passione), dum, in honorem Passionis Dominicae, quod specialius ipso die recolenda inchoatur, se totam cum anima et corpore Domino exhibuisset ad tolerandum et perficiendum tam corpore quam spiritu quodcumque suae divinae complaceret voluntati, pius Dominus talem ipsius voluntatem ineffabili gratitudine videbatur acceptare. Ipsa vero divinitus inspirata intimo cordis affectu salutare coepit singula membra Domini, pro salute nostra diversis poenis in Passione cruciata. Unde quandocumque aliquod membrum salutabat, statim ex illo membro Domini splendor quidam divinus procedens, animam ipsius irradiabat... Hinc inter Missam, dum legeretur in Evangelio: Daemonium habes, ista medullitus super contumelia Domini sui commota, nec sufferens dilectum animae suae tam indebite sibi obiecta advertere, ex intimo cordis affectu his verbis vice versa ipsi blandiebatur dicens: “Ave, vivificans gemma divinae nobilitatis. Ave, immarcescibilis flos humanae dignitatis, Iesu amantissime: tu mea vera summa et unica salus.” Cui benignus amator more solito vicem dignantissimam recompensans, manu sua benedicta mentum eius apprehendens, seque ad ipsam blande inclinans, auri animae eius haec verba suavissimo susurro instillavit dicens: “Ego Creator, Redemptor et amator tuus, per angustias mortis cum omni beatitudine mea acquisivi te.” Tum omnes Sancti quasi in admirationem provocati ex tam mira dignatione Dei, cum ingenti gaudio benedicebant Dominum pro tam dignantissima sui ad animam illam inclinatione. - Hinc Dominus ait: “Quicumque contra blasphemias et contumelias mihi in terris illatas me salutaverit illo affectu quo tu me modo salutasti, huic eo me in iudicio illo districto, quo in morte iudicandus accusationibus daemonum praegravatur, eadem blanditate exhibebo quo me modo exhibui tibi, et eisdem verbis ipsum consolabor dicens: Et ego Creator, Redemptor et amator tuus, etc. Unde si nunc ad illa verba Sancti in caelo sic sunt admirati, quanto magis putas obstupescent et territi fugient omnes adversarii animae illius, quae hoc donum consolationis in iudicio meretur acipere a pietate mea divina?” S. GERTRUDIS MAGNA, O. S. B., Legatus divinae pietatis, lib. 4, cap. 22 (editionis Solesmensis pag. 364, 365, 366).

[12]: “Domini taciturnitatem reputavit Herodes fatuitatem: ideo, illudens ei quasi fatuo, induit eum veste alba.” HUGO A SANCTO CHARO, O. P. Cardinalis primus, In Evangelium secundum Lucam, in Luc. XXIII, 1. Opera, VI, fol. 266, col 1, Venetiis, 1703.

[13]: “Sprevit, inquam, tamquam impotentem, quia signum non fecit; tamquam ignorantem, quia verbum non respondit; tamquam stolidum, quia contra accusantes se non defensavit.” S. BONAVENTURA, Commentarius in Evangelium S. Lucae, in Luc. XXIII, 11, cap. 23, n. 13. Opera, VII, p. 569, col. 1.: ad Claras Aquas, 1895.

[14]: “Herodes não vos conhecia, eu...” (Pellecchia e Paci, 1751; Gessari, 1754; De' Rossi, 1755).

[15]: S. BERNARDUS, In feria IV Hebdomadae Sanctae, Sermo de Passione Domini, n. 3. ML 183-264.

[16]: “O suavitatem! o gratiam! o amoris vim! Itane summus omnium unus factus est omnium?” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 64, n. 10. ML 183-1088. -
Desta passagem, na qual S. Bernardo se maravilha das suaves familiaridades usadas conosco por Jesus Cristo, o qual se fez como nosso igual, e diz “nós”, onde poderia, e, parece, deveria dizer “eu”, o compilador do tratado De caritate (inter Opera S. Bernardi, De caritate, cap. 8, n. 29, ML 184-599) tirou esta outra sentença: “O suavitatem! o gratiam! o amoris vim! Itane summus omnium imus factus est omnium?”. Do resto, nesta opereta, nos capítulos 5-9, no qual todas as palavras são tiradas de S. Bernardo, nos seus Sermões sobre os Cânticos.

[17]: De caritate (inter Opera S. Bernardi), cap. 8, n. 29. ML 184-599. - “Quis hoc fecit? Amor, dignitatis nescius, dignatione dives, affectu potens, suasu efficax. Quid violentius? Triumphat de Deo amor. Quid tamen tam non violentum? AMor est. Quae est ista vis, quaeso, tam violenta ad victoriam, tam victa ad violentiam? Denique semetipsum exinanivit (Philipp. II, 7), ut scias amoris fuisse quod plenitudo effusa est, quod altitudo adaequata est, quod singularitas associata est.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 64, n. 10. ML 183-1088. - Vedi la nota precedente.

[18]: “Ecquid vero, Delphina, prodest irasci? Nihil profecto. Attamen explicabo tibi arcanum pectoris mei. Noveris me interdum sentire aliuqam in animo adversus infestantes me indignationem; sed illico me converto ad cogitandas iniurias Christo illatas, eumque imitari cupiens, dico mihi ipsi: Etiamsi famuli tui barbam tuam convellerent, et colaphos tibi infringerent, nihil esset ad Dominum tuum, qui maiore perpessus est. Certumque habeas, Delphina, me numquam cessare a commemorandis iniuriis Salvatoris mei, donec animus meus plane sit tranquillatus. Atque hanc fateor me a Domino habere peculiarem gratiam, ut eos qui mihi iniuriosi sunt, vel aeque ut ante, vel plus etiam amem, et pro eis specialiter orem, agnoscamque et confitear me maioribus et atrocioribus iniuriis dignum esse.” WADDINGUS, Annales Minorum, an. 1319, n. 5. -
Este santo conde de Ariano viveu no matrimônio em virgindade, com o consenso da santa esposa Delfina. O seu nome era Elzéar, em latim Elzearius; em italiano, do tradutor da Crônica de Marcos de Lisboa, é chamado, como por S. Afonso, Elezaro.

Flores da Eucaristia - 29 de Janeiro

Jesus Eucaristia é a grande luz que ilumina todo homem que vem a este mundo. É o sol interior que esclarece as almas que O desejam seguir.
Eis porque os santos encontravam ao pé do Tabernáculo o conhecimento das grandes verdades, raios de claridade, a ciência de Deus tão preciosa e tão rara!
Jesus na Eucaristia é sempre o bom Mestre que instrui a alma fiel, e que lhe revela, com doçura, a sua própria miséria, o seu nada. Mostra-lhe a verdade sem discussões, sem nuvens e sem lhe exigir esforços; manifesta-lhe com amor a sua santa vontade, seu bel prazer sobre sua pessoa.
Ah! Como esta palavra interior penetra o recôndito da alma! Quanto a empolgam deliciosamente a beleza, a verdade, a presença de Jesus, com sua divindade, sua bondade!
E a alma então, é qual outra Madalena aos pés de Jesus iluminada pela sua graça, é um outro São João reclinado no Coração de Jesus e haurindo n’Ele a ciência e a doçura da santa dileção.

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 29 Janeiro

Bendita a alma que atinge a beleza desejada por Deus, atraindo não tanto o olhar dos anjos, quanto o olhar de Jesus.

28 de janeiro de 2012

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO VI.

Do suor de sangue e agonia padecida por Jesus no horto.

1. Eis como o nosso amorosíssimo Salvador, chegando ao horto de Getsêmani, quis, por si mesmo, dar início à sua amarga Paixão, dando liberdade às paixões do temor, do tédio e da tristeza que viessem a afligi-lo com todos os seus tormentos: Coepit pavere, taedere et mestus esse (Ex Marc. XIV, 33 et Matth. XXVI, 37) [1]. Começou, então, primeiro a sentir um grande temor daquela morte e daquelas penas que devia em breve sofrer: Coepit pavere. Mas como? Não era ele aquele que espontaneamente se oferecera a tais padecimentos? Oblatus est quia ipse voluit (Is. LII, 7). Não era ele aquele que tinha tanto desejado este tempo da sua Paixão, tendo pouco antes dito: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum? (Luc. XXII, 15). E, então, como tomou tanto temor de sua morte, que chegou a rezar a seu Pai para que o liberasse dela: Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste? (Matth. XXVI, 39). Responde o V. Beda e diz: Orat transire calicem, ut ostendat quod vere homo erat [2]. Ele, o amante Senhor, bem queria morrer por nós para demonstrar-nos com a sua morte o amor que nos tinha; mas, afim de que os homens não tivessem pensado que ele tivesse tomado um corpo fantástico - como blasfemaram alguns hereges - ou que, por virtude da sua divindade, morresse sem provar pena alguma; por isso ele fez aquela oração ao Pai, não já para ser atendido, mas para dar a entender a nós que ele morria como homem, e morria aflito por um grande temor da morte e das dores que deviam acompanhar a sua morte.
Ó Jesus amabilíssimo, vós quisestes tomar para vós a nossa timidez para dar-nos a vossa coragem no sofrer os trabalhos desta vida. Sede sempre bendito por tanta piedade e amor. Amem-vos todos os nossos corações tanto quanto vós o desejais e quanto o mereceis.
2. Coepit taedere. Começou também a sentir um grande tédio das penas que se lhe aproximava. Quando há tédio, até as delícias tornam-se penosas. Quais angústias unidas ao tédio deveu, então, dar a Jesus o horrível aparato que então se lhe representou à mente, de todos os tormentos externos e internos que naquele resto de vida deviam duramente torturar o seu corpo e a sua alma bendita? Então se lhe apresentaram distintamente todas as dores que devia sofrer, todos os desprezos que receberia dos judeus e dos romanos: todas as injustiças que lhe deviam fazer os juízes da sua causa: e especialmente se lhe apresentou aquela morte desolada por que devia passar, abandonado por todos, pelos homens e por Deus, num mar de dores e de desprezos. E foi isso que lhe causou um tédio tão amargo que o obrigou a pedir conforto ao seu Eterno Pai. Ah, meu Jesus, compadeço-me de vós, agradeço-vos e amo-vos.
3. Apparuit autem... angelus... confortans eum (Luc. XXII, 43). Veio o conforto, mas este, diz Beda, mais lhe agravou que diminuiu a pena: Confortatio dolorem non minuit sed anxit [3]. Sim, porque o anjo o confortou para padecer mais por amor do homem e para a glória do seu Pai. - Ó, quanto afã vos trouxe, meu amado Senhor, este primeiro combate! No progresso de vossa Paixão, os flagelos, os espinhos, os pregos vieram individualmente atormentar-vos, mas, no horto, as dores de toda a vossa Paixão vos assaltaram para afligir-vos todas juntas. E vós tudo aceitastes por meu amor e para o meu bem. Ah, meu Deus, quanto me pesa de não vos ter amado no passado e de ter posposto a vossa vontade aos meus malditos gostos! Detesto-os sobre todo mal, e me arrependo deles com todo o coração. Meu Jesus, perdoai-me.
4. Coepit contristari et maestus esse. Com o temor e com o tédio, começou Jesus a sentir também uma grande melancolia e aflição de alma. Mas, meu Senhor, vós não sois aquele que aos vossos mártires destes tanta alegria em padecer, que chegavam a desprezar os tormentos e a morte? De S. Vicente, diz S. Agostinho que falava com tanta alegria no seu martírio, que parecia fosse um que padecesse e outro que falasse [4]. De S. Lourenço, narra-se que, queimando sobre a grelha, era tanta a consolação de que gozava na alma, que insultava o tirano, dizendo-lhe: Versa et manduca [5]. E como, então, vós mesmo, ó meu Jesus, que destes uma alegria assim tão grande aos vossos servos no morrer, escolhestes morrer em tanta tristeza?
5. Ó alegria do paraíso, vós com o vosso gáudio alegrais o céu e a terra, e, então, porque vos vejo tão aflito e triste? E vos ouço dizer que a tristeza que vos aflige é capaz de dar-vos a morte? Tristis est anima mea usque ad mortem (Marc. XIV, 34). Meu Redentor, e por quê? Ah, já vos entendo! Não, que não tanto foram as dores da vossa Paixão, quanto os pecados dos homens, e, entre estes, os meus pecados, que então vos trouxeram aquela grande pena de morte.
6. Ele, o Verbo Eterno, quanto amava o seu Pai, tanto odiava o pecado, cuja malícia bem conhecia: porquanto, para tirar o pecado do mundo e para não ver mais ofendido o seu amado Pai, ele viera à terra e se fizera homem, e começara a sofrer uma Paixão e uma morte tão dolorosa. Mas, vendo então que, com todas as suas penas, mesmo assim se haveriam de cometer tantos pecados no mundo, esta dor, diz S. Tomás, superou a dor que qualquer penitente jamais sentiu pelas suas próprias culpas: Excessit omnem dolorem cuiuscumque contriit [6]; e superou qualquer pena que possa afligir um coração humano [7]. A razão disso é porque todas as penas dos homens são sempre misturadas com algum alívio, mas a dor de Jesus foi pura dor sem consolação: Purum dolorem absque ulla consolationis permixtione expertus est (Contest. II, 1. 10, diss. 4) [8]. - Ah, se eu vos amasse, se eu vos amasse, ó meu Jesus, vendo quanto vós padecestes por mim, tornar-se-me-iam doces todas as dores, todos os opróbrios e moléstias do mundo. Concedei-me vós o vosso amor, afim de que eu padeça com gosto, ou ao menos com paciência, aquele pouco que me dais a sofrer. Não me façais morrer assim ingrato a tantas finezas do vosso amor. Proponho dizer sempre nas tribulação que me ocorrerem: meu Jesus, abraço esta pena por vosso amor; quero sofrê-la para dar-vos gosto.
7. Nas histórias, lê-se que muitos penitentes, iluminados pela divina luz para verem a malícia dos seus pecados, chegaram a morrer de pura dor [9]. Que tormento devia ser, então, para o Coração de Jesus, a vista de todos os pecados do mundo, de todas as blasfêmias, sacrilégios, desonestidades e de todas as outras culpas que se haveriam de cometer pelos homens depois da sua morte, cada um das quais veio então como uma fera cruel lacerar-lhe o Coração com a sua própria malícia? Por isso dizia então o nosso aflito Senhor, agonizando no horto: Então, ó homens, é esta a recompensa que me dais ao meu imenso amor? Ah, se eu visse que vós, gratos pelo meu afeto, deixásseis de pecar, e começásseis a amar-me, ó com quanta alegria minha iria agora morrer por vós! Mas ver tantos pecados depois de tantas penas minhas, depois de tanto meu amor e tanta ingratidão, isto é o que mais me aflige, entristece-me até a morte, e faz-me suar sangue vivo. Et factus est sudor eius sicut guttae sanguinis decurrentis in terram (Luc. XXII, 44). Por isso, ao dizer do Evangelista, este suor de sangue foi tão copioso que primeiro banhou todas as vestes do Redentor, e depois escorreu abundantemente banhando a terra.
8. Ah, meu enamorado Jesus, eu não vejo neste horto nem flagelos, nem espinhos, nem pregos que vos firam; e como vos observo todo banhado de sangue, da cabeça aos pés? Então os meus pecados foram a cruel prensa, que então, a força de aflição e de tristeza, espremeram tanto sangue do vosso Coração? Então eu ainda fui um dos vossos mais cruéis carnífices, que cheguei a maiormente torturar-vos com os meus pecados? É certo que, se eu tivesse pecado menos, vós, meu Jesus, teríeis então padecido menos. Quanto, então, mais prazer eu tive em ofender-vos, tanto mais afã eu acrescentei ao vosso Coração doloroso. E como este pensamento agora não me faz morrer de dor, entendendo que eu paguei o amor que me demonstrastes no vossa Paixão, com acrescentar-vos tristeza e pena? Eu, então, atormentei aquele Coração tão amável e amoroso, que me amou tanto? Senhor, já que agora não tenho outro meio para consolar-vos senão doer-me de ter-vos ofendido, sim, meu Jesus, isso me dói, e me desagrada de todo o coração. Dai-me vós uma dor tão forte, que me faça chorar continuamente, até o último suspiro da minha vida, os desgostos que vos dei, meu Deus, meu amor, meu tudo.
9. Procidit in faciem suam (Matth. XXVI, 39). Jesus, vendo-se encarregado do peso de satisfazer por todos os pecados do mundo, lançou-se com a face por terra, rezando pelos homens, como se tivesse vergonha de levantar os olhos ao céu, vendo-se carregado de tantas manchas. - Ah, meu Redentor, eu vos vejo todo afanado e pálido pela pena! Vós estais em agonia de morte, e rezais! Factus in agonia prolixius orabat (Luc. XXII, 43). Dizei-me, por quem rezais? Ah, que então não rezais tanto por vós, quanto por mim, oferecendo ao Eterno Pai as vossas poderosas orações, unidas às vossas penas, para obter-me, ao miserável de mim, o perdão das minhas culpas! Qui in diebus carnis suae preces supplicationesque ad eum, qui possit illum salvum facere a morte, cum clamore valido et lacrimis offerens, exauditus est pro sua reverentia (Hebr. V, 7). Ah, meu Redentor, como pudestes tanto amar quem tanto vos ofendeu? Como pudestes abraçar tantas penas por mim, vendo já, desde então, a ingratidão que eu devia usar para convosco?
10. Reparti comigo, meu aflito Senhor, aquela dor que então tivestes dos meus pecados. Eu os aborreço pelo presente e uno este meu aborrecimento ao aborrecimento que vós deles tivestes no horto. Ah, meu Salvador, não olheis os meus pecados, porque não me bastaria o inferno; olhai as penas que padecestes por mim! - Ó amor do meu Jesus, vós sois o meu amor e a minha esperança. Senhor, eu vos amo com toda a minha alma e quero sempre amar-vos. Pelos méritos daquele tédio e tristeza que padecestes no horto, dai-me fervor e coragem nas obras da vossa glória. Pelos méritos da vossa agonia, dai-me conforto para resistir a todas as tentações da carne e do inferno. Dai-me a graça de sempre encomendar-me a vós e de sempre replicar-vos com Jesus Cristo: Non quod ego volo, sed quod tu (Marc. XIV, 36). Não se faça a minha, mas sempre a vossa divina vontade. Amém.

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Notas:
[1]: Coepit pavere et taedere. Marc. XIV, 33. - Coepit contristari et maestus esse. Matt. XXVI, 37.

[2]: S. BEDA VENERABILIS, In Marci Evangelium expositio, lib. 4. ML 92-276.

[3]: Também o Mansi, Bibliotheca moralis praedicabilis, tract. 60, discursus 17, n. 8, refere ex Beda in Lucam estas palavras: “Confortatus est, sed tali confortatione quae dolorem non minuit, sed magis auxit. Confortatus enim est ex fructus magnitudine, non subtracta doloris amaritudine.” Però non si ritrovano nel Commentario di S. Beda, in Luc. XXII, 43.

[4]: “Tanta poena erat in membris tanta securitas in verbis, tamquam alius torqueretur, alius loqueretur.” S. AUGUSTINUS, Sermo 275, in Natali martyris Vincentii, n. 1. ML 38-1254.

[5]: “Elevans oculos suos in Decium, dixit: Ecce, miser, assasti unam partem, regira aliam et manduca.” Acta S. Laurentii, ex Martyrologio Adonis, n. 11: inter Acta Sanctorum Bollandiana, die 10 augusti. - “Cum, illuso tyranno, impositus super craticulam exureretur: “Assum est, inquit, versa et manduca.” Ita animi virtute vincebat ignis naturam.” S. AMBROSIUS, De officiis ministrorum, lib. 1, cap. 41, n. 206. ML 16-85, 86.

[6]: “Christus non solum doluit pro amissione vitae corporalis propriae, sed etiam pro peccatis omnium aliorum. Qui dolor in Christo excessit omnem dolorem cuiuslibet contriti; tum quia ex maiori sapientia et caritate processit, ex quibus dolor contritionis augetur; tum etiam quia pro omnium peccatis simul doluit.” S. THOMAS, Sum. Theol., III, qu. 46, art, 6, ad 4.

[7]: “Dolor in Christo fuit maximus inter dolores praesentis vitae.” S. THOMAS, I. c., c.

[8]: Vincentius CONTENSON, O. P., Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1, Tertius excessus.

[9]: Vários destes exemplos se podem ler nos Sermones Discipuli de tempore et de sanctis cum exemplorum promtuario, Venetiis, 1598. Muito provavelmente, S. Afonso alude os dois exemplos - 20 e 21 - que se encontram na p. 92 do Prontuário, dos quais o segundo é referido também nas Glórias de Maria.

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 28 Janeiro

"Enquanto tiveres medo, não pecarás."
- Será Padre? Mas sofro tanto...
"É claro que sofremos; no entanto, é preciso confiar, pois há o temor de Deus e o temor de Judas.
"O medo em demasia, nos faz agir sem amor, e a demasiada confiança nos impede de avaliar e temer o perigo que devemos vencer."
"A confiança e o temor devem andar sempre juntos e dar-se as mãos, como irmão e irmã. Devemos fazer assim, pois, se sentimos medo e temor exagerados, recorremos à confiança, e, se confiamos em demasia, devemos ter um pouco de temor, porque o amor caminha na direção do objeto amado, mas neste caminhar é cego, não enxerga, e o santo temor o ilumina."

Flores da Eucaristia - 28 de Janeiro

O silêncio é a maior prova de respeito, e o respeito é a primeira disposição para a oração.
Prestemos a Nosso Senhor a homenagem de um sentimento de respeito, ao chegarmos á sua presença, pois que nos mostramos miseráveis quando a leviandade e a negligência precedem essa homenagem.
Devemos tributar a Nosso Senhor o respeito exterior, que é a oração do corpo; nada auxilía tanto a oração da alma. Evitemos atitudes familiares diante de Deus, pois demonstram menosprezo.
Se o coração não estiver ardente de amor, que ao menos o corpo de testemunho de verdadeira fé e desejo de amar e ser agradável.
Pensemos que o Mestre aí está, e façamos com que o nosso espírito se compenetre disto: ATENÇÃO A NOSSO SENHOR JESUS CRISTO!
Sejamos, pois muito severos no tocante ao culto de respeito; conservemos a dignidade do porte e uma atitude religiosa, guardando um rigoroso silêncio e um perfeito recolhimento.

27 de janeiro de 2012

Tesouro de Exemplos - Parte 21

QUERO SER PADRE!


Aquele que havia de ser o fundador da Congregação do SS. Sacramento, o Pe Julião Eymard, parecia predistinado desde pequenino a ser um grande devoto da Eucaristia. Quando sua mãe, levando-o nos braços, ia à benção do Santissimo, o menino não se cansava de olhar para Jesus na custódia.
Ia com a mãe em todas as visitas à igreja e não se cansava nem pedia para sair antes dela.
Sua irmã Mariana, que tinha dez anos mais e foi sua segunda mãe, costumava comungar com frequência. O irmãonzinho, invejando-a, dizia:
- Oh! como você é feliz, podendo comungar tantas vezes; faça-o alguma vez por mim.
- E que pedirei a Jesus por voçê?
- Peça-lhe que eu seja muito mansinho e puro e me de a graça de ser padre.
Às vezes desaparecia durante horas inteiras. Procuravam-no e iam encontrá-lo ajoelhado num banquinho perto do altar, rezando com as mãos juntas e os olhos pregados no sacrário.
Antes mesmo do uso da razão ansiava por confessar-se; mas não o admitiam. Quando tinha nove anosquia aproveitar a festa de Natal para converte-se como dizia.
Apresentou-se ao vigário e depois ao coadjutor, mas, como estavam ocupados, não o entenderam.
Apresentou-se ao vigário e depois ao coadjutor, mas, como estavam muito ocupados, não o atenderam.
Partiu, pois, com um companheiro, em jejum, e, fazendo uma caminhada de oito quilometros sobre a neve, lá, na paróquia vizinha, coseguiu confessar-se.
- Como sou feliz - dizia - como estou contente! Agora estou puro!
- Que grandes pecados havia cometido?
- Ai! cometi muitos pecados em minha infância: roubei um quepe (boné) numa loja e, depois, arrependido, voltei e deixei-o em cima do balcão.
Para preparar-se para a primeira comunhão, começou a fazer penitências: Colocava uma tábua em baixo do lençol, jejuava e quando a fome apertava, corria a fazer uma visita ao Santissimo para esquecê-la.
Enfim, a 16 de março de 1823, chegou para ele o grande dia. Que se passou neste seu primeiro abraço com Jesus?
Quando o apertava ao coração, dizia-lhe:
"Quero ser padre! Eu prometo".

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 27 Janeiro

Lembra-te de que, na primeira infância, a mãe ensina o seu próprio filho a andar, sustentando-o; mas logo depois, a criança deve começar a caminhar sozinha. Também tu deves procurar raciocinar com tua própria cabeça.

Flores da Eucaristia - 27 de Janeiro

Nosso senhor deixaria por assim dizer de corresponder a uma necessidade imperiosa do homem, se apenas quisesse receber de nossa parte homenagens interiores, porquanto não sabemos amar sem provar o nosso amor por testemunhos exteriores de amizade e afeição.
Jesus desce do céu trazendo apenas sua bondade; nada mais possui e espera de seus fiéis todas as suas condições de existência neste mundo: o templo, a matéria do Sacrifício, as lâmpadas, os vasos sagrados necessários para que se torne Sacramento. Tudo recebe de nós!
E Jesus se faz nosso devedor. Mas Ele pode e quer pagar as suas dividas. Sim, Jesus que se constituiu caução de seus membros sofredores dizendo: Tudo o que fizerdes ao menor de meus irmãos vos retribuirei ao cêntuplo.
Jesus que paga as dívidas alheias, com maior razão há de pagar as próprias. Que felicidade, portanto, fazermos jus a lucros eternos, dando a Nosso Senhor!
Consolai-O no seu abandono socorra-O na sua pobreza! Jesus não considera a quantidade dos dons, mas o coração que os oferece.

26 de janeiro de 2012

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 26 Janeiro

É preciso caminhar para frente e nunca recuar, na vida espiritual; senão, sucederá o mesmo que acontece a um barco que, ao parar, em vez de avançar, é levado para trás, pelo vento.

Flores da Eucaristia - 26 de Janeiro

A presença de Jesus na Eucaristia além de ser a vida do culto exterior, oferece-nos ocasião de Lhe dar esmolas.
Dar a Jesus Cristo! É uma honra, um consolo, uma necessidade do coração!
Nem todos podem prestar homenagem ao soberano do país; somente algumas pessoas privilegiadas. E quem ousaria, a não ser um íntimo, oferecer a um amigo de posição mais elevada um ramalhete de flores?
Jesus, entretanto, se bem verdadeiro Rei, e Criador de todos os reis, foge à etiqueta dos soberanos da terra e permite que Lhe prestemos continuamente as nossas homenagens!
Que honra! E que consolação para a alma fervorosa poder dizer: - Dou ao meu próprio Deus alguma coisa de minhas economias, de meu pão, e posso repartir com Ele, com Jesus, o fruto do meu trabalho!
Sim. Nosso Senhor não poderia sair do Tabernáculo se não houvesse o luminário e um pequeno trono. Podemos dizer-Lhe, portanto: - Estais num belo trono que vos erguemos; fomos nós que vos abrimos a porta da prisão e fizemos desaparecer a nuvem que vos ocultava, ó Sol de amor! Dardejai agora os vossos raios sobre todos os corações.

25 de janeiro de 2012

Tesouro de Exemplos - Parte 20

QUE É QUE PEDES A JESUS?

Joei era uma menina que as Irmãs de Caridade encontraram abandonada pelos pais às margens do Rio Amarelo da Grande China.
Estava a criancinha a morrer de fome e frio, quando as Irmãs a levaram para o hospital. Logo que as vestiram e alimentaram, dando-lhe leite quente, começou a pequenina a recobrar a vida e a saúde. Foi batizada e logo brilhou a inteligência em seus olhinhos vivos e começou a conhecer a Deus e a aprender as coisas do céu. Andava já pelos oito anos e gostava de assistir à doutrina com as crianças que se preparavam para a primeira comunhão. Mas a sua memória não acompanhava o seu coração e quando o missionário foi examiná-la, teve que dar-lhe a triste notícia de que não seria admitida à primeira comunhão enquanto não soubesse melhor a doutrina.
Julgava o Padre que essa determinação a deixaria indiferente. Mas não foi assim. Daquele dia em diante notou-se uma mudança extraordinária no comportamento da menina.
Em lugar de brincar, como antes, com as crianças de sua idade, Joei começou a passar seus recreios na capela aos pés de Jesus.
Um dia, estando Joei diante do Santíssimo, o Padre acercou-se dela devagarinho e ouviu que repetia com freqüência o nome de Jesus.
- Que é que fazeis aí?
- Estou visitando o Santíssimo Sacramento.
- Visitando o Santíssimo!? tu nem sabes quem é o Santíssimo...
- É meu Jesus, respondeu Joei.
- Bem; e que pedes a Jesus?
Então, com as mãos postas e sem levantar a cabeça, com lágrimas nos olhos, respondeu com indizível doçura:
- Peço a Jesus que me dê Jesus.
E a pequena Joei teve licença de fazer sua primeira comunhão.

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 25 Janeiro

Esforça-te para dar, cada dia, um passo à frente, na vertical, de baixo para cima.

Flores da Eucaristia - 25 de Janeiro

Acercou-se de Jesus certo dia uma piedosa adoradora trazendo-Lhe um vaso de alabastro cheio de perfumes, e os derramou sobre os pés a fim de Lhe testemunhar o seu amor e honrar-Lhe a divindade e a Humanidade Santíssima.
“Para que este desperdício murmura o traidor Judas; estes perfumes podiam ser vendidos por elevado preço, distribuindo-se com os pobres o seu valor.”
Jesus, porém defende a sua serva: “Praticou uma boa obra para comigo, e por toda a parte em que se pregar este Evangelho, esta ação será contada em seu louvor.”
Jesus está no Santíssimo Sacramento para receber dos homens as mesmas homenagens que Lhe prestaram os que tiveram a felicidade de acercar-se d’Ele durante sua vida mortal. Está aí afim de que todos possam Lhe render homenagem pessoais, e se a única razão de ser da Eucaristia fosse esta de podermos tributar a Nosso Senhor em pessoa nossos deveres de cristãos, isso deveria ser suficiente para nos tornar felizes.

24 de janeiro de 2012

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 24 Janeiro

Se desejamos colher alguma coisa, não é tão necessário o semear como o lançar as sementes em bom terrenno; e, quando as sementes plantadas se transformarem em plantação, é preciso vigiar muito e ter muito cuidado para que o joio não sufoque os tenros brotos.

Flores da Eucaristia - 24 de Janeiro

A Eucaristia, afeto soberano do coração!
O coração há de estar onde se encontra o seu tesouro, isto é, as suas alegrias, os seus desejos, a sua felicidade.
O pensamento do coração é sempre ativo, é chama de um fogo sempre ardente. Assim, o pensamento eucarístico do coração acompanha-lhe as aspirações, as pulsações. Jesus Eucaristia não somente constitui toda a sua felicidade, mas se torna a paixão viva e poderosa da alma, que O deseja e procura com Madalena e com a Esposa dos Cantares, chorando a sua ausência e suspirando pelo Bem Amado.
Finalmente, a Eucaristia, como bem supremo da vontade, faz com que a alma considere sem valor os bens e prazeres desta terra e as criaturas.
É que a Eucaristia é seu único tesouro, seu elemento, sua vida. Fora disto, sofre e se consome.

23 de janeiro de 2012

Tesouro de Exemplos - Parte 19

JESUS NÃO FICARÁ SÓ

Robertinho é Cruzado do Santíssimo. Ouvira a Missa, rezara sua ação de graças e queria voltar para casa, quando ouviu o pároco dizer ao sacristão:
- Êste ano não haverá exposição do Santíssimo nas Quarenta Horas, durante o carnaval.
- Mas por que, Sr. Vigário?
- Porque o Santíssimo ficará só, como o ano passado...
- Só, o Santíssimo! diz Robertinho pesaroso; não, não pode ser, não será.
De um salto põe-se à porta da igreja por onde está o pároco a sair.
- Que acontece, Robertinho?
- Ouvi que o Sr. não fará a exposição...
- Sim, temo que deixem Jesus sózinho.
- Padre, faça a exposição; êles virão.
- Êles, quem?
- Os cruzadinhos.
- Todos?
- Sim, sr. Vigário, todos; eu os trarei.
- Mas a exposição dura o dia inteiro...
- Sim, estaremos aqui todo o dia.
Em vista da firme resolução do menino, o pároco prometeu fazer a exposição.
No dia seguinte, às sete da manhã, todos os Cruzados estavam prontos para a Missa e, depois, fariam meia hora de guarda ao Santíssimo, revezando-se por turnos. Preparou-lhes o pároco uns lindos genuflexórios forrados de vermelho.
Revezaram-se os Cruzados até meio-dia, voltando alguns ao seu pôsto até três vêzes.
Roberto dissera: "Trarei todos os Cruzados"; mas consigo dizia: "As mães também virão, e os irmãos maiores e até os pais".
E assim foi realmente. Foi uma beleza!
É que Robertinho percorrera as casas dos Cruzadinhos convidando-os com ardor para a guarda ao Santíssimo e pedindo-lhes que rezassem, fizessem sacrifícios e pedissem a seus pais e irmãos que não faltassem.
Eis o que pode um Cruzadinho fervoroso.

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 23 Janeiro

O coração bom, é sempre forte; sofre, mas esconde as suas lágrimas e se consola sacrificando-se pelo próximo e por Deus.

Flores da Eucaristia - 23 de Janeiro

Ter espírito de fé eucarística é comprazer-se no serviço do Deus da Eucaristia, procurar todas as ocasiões que possam honrar e glorificar a Jesus Hóstia.
Viver do espírito de fé eucarística é fazer da Eucaristia o centro dos pensamentos – a preocupação amorosa do espírito, o afeto soberano do coração, o bem supremo da vontade.
A Eucaristia, preocupação amorosa do espírito, torna como que instintivo à alma este pensamento amável, e de tal forma que ele vem sem esforço, sem trabalho, naturalmente; torna-o tão habitual e universal que tudo suscita a lembrança da Eucaristia, constituindo-a o ramalhete espiritual da alma.
Oh! Quão ditosa e livre é a alma que tem o pensamento em Jesus- Hóstia! Adoradora perpétua recebe sempre os raios deste Sol de amor, porquanto o seu espírito vive em Jesus Eucaristia!
O pensamento de Jesus Eucaristia domina inteiramente a alma, a vida toda. Daí provem que a alma eucarística está sempre em paz. É que se estabeleceu nela a unidade de pensamentos, e, por conseguinte, a unidade de amor e de vida.

Terceiro Domingo depois da Epifania

Estes quatro domingos referem-se todos, igualmente, à realeza de Cristo. Os dois milagres referidos no Evangelho de hoje têm ambos a mesma significação. O primeiro é a cura de um leproso judeu. E o Senhor quer que os Príncipes dos Sacerdotes constatem oficialmente o prodígio. O segundo é o do Centurião, de um pagão, que humildemente confessa a sua indignidade e a sua fé. Todos os povos são convidados a tomar parte na herança do reino e no banquete da glória, em que a própria divindade será o pão da nossa alma. Filhos do reino de Deus, renovemos a nossa fé na divindade de Cristo e proclamemo-la com atos de virtude e daquela caridade que constitui o grande mandamento e que S. Paulo nos recorda na epistola de hoje. "A graça da fé em Jesus, diz S. Agostinho, opera a caridade". Que nada nos separe desta caridade, e que ela produza na nossa alma sentimentos de paz e de amor para com todos os homens.

22 de janeiro de 2012

Terceiro Domingo depois da Epifania

Bom dia! Padre Pio de Pieltrelcina - 22 Janeiro

Na vida espiritual, quanto mais se corre, menos se sente o cansaço; pelo contrário, a paz, prelúdio do júbilo eternno, apossar-se-á de nós e seremos felizes e fortes à medida que vivendo dentro desse esquema, façamos Jesus viver entre nós, mortificando-nos a nós mesmos.

Flores da Eucaristia - 22 de Janeiro

Gostamos de penetrar uma verdade oculta, descobrir um tesouro escondido, triunfar de uma dificuldade.
Assim também a alma fiel, em presença do véu eucarístico, procura o seu Jesus, qual Madalena, no túmulo.
- Mestre querido de minha alma, hei de procurar-vos sem cessar, e mostrará vossa Face adorável!
E Jesus se manifesta gradualmente á alma, na medida de sua fé e de seu amor, e a alma encontra em Jesus alimento renovado, vida inesgotável.
O objeto divino de sua contemplação lhe aparece sempre ornado de mais uma qualidade, e aureolado de uma bondade nova e maior.
E como neste mundo o amor vive de felicidade e de desejos, a alma, pela Eucaristia, goza de deseja ao mesmo tempo; alimenta-se e tem sempre fome.
Ah! Somente a sabedoria e a bondade de Nosso Senhor poderiam ter inventado o Véu eucarístico!
Jesus encobre o seu amor, e o retém; seu ardor é tal que nos consumiria se estivéssemos expostos à intensidade dos seus raios: Ignis consumens est: Deus é um fogo consumidor.

Tesouro de Exemplos - Parte 18

A HONRA DE AJUDAR À MISSA

Foi em 1888, Ano Jubilar do Santo Padre Papa Leão XIII. Num dos altares da Basílica de São Pedro encontravam-se dois sacerdotes: um era prelado romano e cônego da Basílica Vaticana; o outro era o bispo duma diocesa italiana, vindo a Roma para assistir às festas jubilares.
O prelado romano, que se dispunha para celebrar a missa, olhava inquieto ao redor, porque seu ajudante não aparecia. O Bispo, que estava ajoelhado ali perto, aproxima-se com grande simplicidade e diz:
- Permita-me, Monsenhor, que seja eu o ajudante de sua missa?
- Não, excelência, não o permitirei: não convém a um Bispo fazer de coroinha.
- Por que não? garanto-lhe que darei conta.
- Disso não duvido, Excelência; mas seria muita humilhação. Não, não o permitirei.
- Fique tranqüilo, meu amigo. Depressa ao altar; comece: Introibo...
Dito isto, o Bispo ajoelha-se e o prelado teve que ceder. Assistido por seu novo ajudante, o prelado romano prosseguia a sua Missa com uma emoção sempre crescente.
Terminada a Missa, o celebrante se desfez em agradecimentos perante o Bispo.
Aquêle pio e humilde ajudante, vinte anos mais velho que o prelado romano, era a glória da diocese de Mântua, D. José Sarto, o futuro Papa Pio X, hoje canonizado por Pio XII.
Para o Cruzadinho, amigo fervoroso de Jesus Eucarístico, não deve haver honra nem glória maior do que poder ajudar devotamente o sacerdote ao altar.