27 de agosto de 2011

CANTOS A MARIA (VI-2)

Maria prefigurada

Ave Rainha celestial,
admiravelmente constituída imperatriz
pela Tripla Majestade Divina.

O Rei dos anjos e dos santos,
atraído e impressionado
pelo perfume de tuas virtudes
desceu dento de ti.

Tu, louvor de Padres e Profetas,
tu, de muitas escrituras
brilhante comentário e encanto dos corações
por causa de tua doçura

Porta fechada, jamais aberta,
transpassada e sempre selada
te descreveu Ezequiel como te viu

A sarça em chamas sem consumir-se,
que foi admiração do profeta
te cantou casta e parturiente

São figuras tuas
a vara seca embora florecida,
a lã de Gedeão
em celestial orvalho embebida

Por ti, Ester, a Mardoqueo
o justo judeu salva o rei
e executa a Hamã o réu
por causa de delito seu

Com a espada de Judite
abates a soberba de Holofernes
que ameaça com a ruína de Judá

Pelo supremo rei coroada
Mãe clemente, doce e cara,
sê nossa advogada, Virgem pia.

Bendigamos e louvemos a Jesus,
que a sua Mãe Maria
bendisse em Deus pela eternidade

O Natal

Todo o mundo esteja em festa
com alegria e coração puro,
sem mancha e sem vícios,
porque é o dia do Senhor,
que da Virgem há nascido

No parto de Maria
Mãe pia,
que o povo se alegre
e cada qual lhe renda
os louvores mais expressivos

Desfruta, homem, na terra
com júbilo e entusiasmo,
dê graças ao Divino Filho
porque por seu auxílio
da culpa fica limpo

Louvores a ti, Mãe feliz
em cujo regaço virginal,
nascido por obra do Paráclito;
sem intervenção de varão,
o supremo Criador do mundo
encontra seu descanso.

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de Maria nunquam satis"
"sobre Maria nunca se falará o bastante"
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(KEMPIS, Tomás de. Imitación de María: Libro Cuarto, Capítulo VI. pág. 127 - 129)

20 de agosto de 2011

CANTOS A MARIA (VI-1)

Quem é Maria

Maria é o translúcido vaso
do Espírito Santo Paráclito,
a gloriosa cidade de Deus,
a mulher das virtudes
que esmagou a cabeça viperina.

Mais esplendorosa que o sol,
mais encantadora que a lua
mais brilhante que a aurora,
com mais claridade que as estrelas.

A ela pecadores e devotos
acudimos, entre golpes de peito,
dizendo: “Santa, Santa, Santa Maria,
Nossa Senhora Clemente e pia,
faça-nos participar por teus rogos
da glória do céu”.

Poesia sobre a Bem-aventurada Virgem

Ave belíssima Rainha,
A quem por graça divina
exaltou a Trindade,
a que nem antes nem depois
outra fez maior.

Em tua juventude
Por tuas provadas virtudes
O Rei dos reis, sumo e eterno Deus,
Te elegeu como esposa.

Um anjo te convidou,
ó maravilha,
tanto lhe agradaste
e quando disse: “Cheia de graça”,
como Virgem concebeste,
e Virgem permaneceste.


E exclamaste: “Faça-se em mim
segundo tua palavra”.

Saudação e louvor de Padres e Profetas,
Comentário de muitas Escrituras,
Porta transpassada y siempre fechada
de Ezequiel

Como a sarça que Moisés observou
incendiada sem consumir-se,
sssim dá à luz Emanuel,
Virgem que não conhece varão.

Como floresceu a vara seca de Arão
contrariando as leis naturais,
como o velo de lã de Gedeão
maravilhosamente se empapou
de orvalho celestial,
assim na salvaguarda do pudor,
na ausência de dor
e da intervenção de varão
tu deste à luz, como atesta Gabriel.

Salve Ester, por teu intermédio
o rei salvou a Mardoqueu,
matando a Hamã o réu.
Tu, Judite, mostras a cabeça
decapitada de Holofernes
que soberbo sonhava em dispersar
ao povo de Judá

Rainha, mãe do sábio Salomão
que governa em Sião,
a cuja destra está sentada
como nossa advogada,
Virgem clemente e pia,
protege-nos Maria. Amém.

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de Maria nunquam satis"
"sobre Maria nunca se falará o bastante"
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(KEMPIS, Tomás de. Imitación de María: Libro Cuarto, Capítulo VI. pág. 124 - 127)

13 de agosto de 2011

ROGAR E CANTAR A MARIA (V)

Oração à Bem-aventurada Virgem para a hora da morte

1) Amabilíssima Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, rica, além de todo limite, de uma doçura tão notável que a mente humana não pode compreender nem expressar, eu, humilde servido teu, me inclino submisso e com todo o afeto do coração diante de teu gloriosíssimo trono, exaltado por todos os coros angelicais no Reino dos céus.

2) Tu a mereceste, digníssima Mãe de Deus, porque foste achada a mais humilde entre as filhas de Jerusalém e foste agradável aos olhos do Senhor, Virgem estimadíssima, dado que não se encontrou na terra nenhuma outra semelhante a ti. Portanto, me inclino uma vez mais ante teus pés desejando saudar-te e louvar-te como é devido com lábios devotos e coração puro.

3) Mãe excelsa, demasiado sei que não sou digno de alçar meus olhos impuros, com freqüência manchados pela concupiscência da carne e pela soberba da vida, até teu limpidíssimo rosto, radiante de luz divina, admirado por toda milícia celestial. Em tudo tu luzes esplêndida, ornada maravilhosamente de cândidos véus e rosas vermelhas e pequenas flores de ouro. Por isso fico confuso por minha impureza, pensando tristemente em minha indignidade.

4) Por tua clemência e por tua doçura, sinto ainda surgir em mim a grande e forte esperança de poder impetrar quanto antes a graça e o pleno perdão, à mercê de tua intervenção e de tua mediação. E que outra coisa poderia desejar de tua parte, misericordiosíssima Mãe e dulcíssima Virgem, fora sentir-me perdoado de todos os pecados com amor e misericórdia?

5) Em virtude desta clemência e generosidade, me refugio sob seu amparo, onde os débeis adquirem força e os presos obtêm liberdade. Seja para meu coração Mãe boa e misericordiosa, para que possa experimentar com felicidade que és a consoladora de todos e o incentivo dos que te servem.

6) Ademais, ó Maria, gloriosíssima Mãe de Deus, desde este momento e até a última hora de minha vida, rogo-te que não te canses nunca de olhar-me com semblante sereno e propício e também com dulcíssimo afeto, e que jamais sintas fadiga de velar por mim. Põe-me sob tua proteção e estende teus santíssimos braços sobre mim, qualquer que seja o lugar onde eu for.

7) Quando chegar para mim o último dia, que eu ignoro, e a hora de minha morte, que tanto temo mas que não posso evitar, tu, clementíssima Senhora, minha grande confiança em qualquer dificuldade e sobretudo na hora da morte, recorda-te de mim e assiste-me quando terminar minha vida, confortando a minha alma envergonhada.

8) Nesse momento, protege a minha alma dos espíritos imundos e espantosos, para que não se atrevam a aproximar-se; e digna-te visitá-la com tua doce presença, junto à multidão dos anjos e dos santos. Antes que eu deixe este mundo, compromete-te também a aplacar com teus puríssimos rogos a teu divino Filho, ao que tantas vezes e tão gravemente ofendi com meus pecados.

9) Recebe logo minha alma que se distancia deste desterro, e introduz-la através das portas do céu aos felizes lugares do paraíso. Coloca-me junto a ti e fale em meu favor ao teu Filho, Rei dos séculos, com palavras boas e suaves, tu que recebeste aquela saudação santa e bendita da boca de Gabriel. Por seu poder digna-te proteger-me em vida e na morte, e faça que eu possa manifestar com freqüência, com reconhecimento e com devoto coração, teu louvor e a glória de teu doce e bendito nome.

10) Aceita, então, a oração que teu servidor recita ante ti, e olha-me, misericordiosíssima Mãe de Jesus, amadíssima Virgem Maria. Recorda-te sempre de mim, posto que se eu alguma vez me esqueço de ti, fico por isto muito entristecido. Não te esquece nunca de mim, tu que geraste a misericórdia para todos.

11) Agora te saúdo, ó Virgem Maria, te saúdo de joelhos e com intensa devoção, agradecendo-te uma vez mais com aquela devota homenagem: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo, tu és a bendita entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre, Jesus Cristo. Amém.”

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de Maria nunquam satis"
"sobre Maria nunca se falará o bastante"
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(KEMPIS, Tomás de. Imitación de María: Libro Cuarto, Capítulo V. pág. 121 - 124)

7 de agosto de 2011

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO IV.

O grande desejo que teve Jesus de padecer e morrer por nosso amor.

1. Muito terna, amorosa e obsequiante foi aquela declaração que fez o nosso Redentor da sua vinda à terra, quando disse que veio para acender nas almas o fogo do divino amor, e que outro não era seu desejo senão ver acesa essa santa chama em todos os corações dos homens: Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur? (Luc. XII, 49). Segiu, pois, dizendo imediatamente que ele esperava ser batizado com o batismo do seu mesmo sangue, não já para lavar os seus pecados, enquanto ele era incapaz de culpa, mas para lavar os pecados nossos que ele viera a satisfazer com as suas penas: Passio Christi dicitur baptisma, quia in eius sanguine purificamur (S. Bon.) [1]. E então o nosso amante, Jesus, para fazer-se entender qual era a ardência desse seu desejo de morrer por nós, com a mais doce expressão de amor, ajuntou que ele sentia um afã imenso por aquele tempo, no qual demorava-se a execução da sua Paixão, tanto era o desejo de padecer por nosso amor. Eis as suas amorosas palavras: Baptismo autem habeo baptizari, et quomodo coarctor, usquedum perficiatur? (Luc. XII, 50).

2. Ah, Deus enamorado pelos homens, e que podíeis mais dizer e fazer para pôr-me em necessidade de amar-vos? E que bem voz trazia o meu amor, que para obtê-lo quisestes morrer e tanto desejastes a morte? Se um servo meu tivesse apenas desejado morrer por mim, já teria conquistado o meu amor; e eu poderia viver sem amar com todo o meu coração a vós, meu Rei e Deus, que morrestes por mim e com tanto desejo de morrer para conquistar-vos o meu amor?

3. Sciens Iesus quia venit hora eius, ut transeat ex hoc mundo ad Patrem, cum dilexisset suos... in finem dilexit eos (Io. XIII, 1). Diz S. João que Jesus chamou sua hora a hora da Paixão, porque, como escreveu um devoto expositor, esse foi o tempo do nosso Redentor mais suspirado na sua vida; enquanto então, padecendo e morrendo pelo homem, ele queria fazer-lhe compreender o amor imenso que lhe tinha. Amantis illa hora est, qua pro amico patitur (Barrad. ap. Spondan.) [2]: é cara a quem ama a hora em que padece pelo amado; pois padecer pelo amado é a obra mais apta para manifestar o amor do amante e para cativar para si o amor do amado. - Ah, meu caro Jesus, então para demonstrar-me vós o vosso grande amor não quisestes que outrem senão vós cumprísseis a obra da minha Redenção. Tanto então vos importava o meu amor que tanto quisestes sofrer para conquistar-vo-lo? E que mais poderíeis vós ter feito, se devêsseis ganhar-vos o amor do vosso divino Pai? Que mais poderia padecer um servo para ganhar o afeto do seu senhor, do que o que vós sofrestes para ser amado por mim, escravo vil e ingrato?

4. Mas eis o nosso amoroso Jesus já perto de ser sacrificado sobre o altar da cruz pela nossa salvação, naquela feliz noite precedente à sua Paixão. Ouçamos o que diz aos seus discípulos na última ceia que faz com eles: Desiderio, diz, desideravi hoc pascha manducare vobiscum (Luc. XXII, 15). S. Lourenço Justiniano, considerando essas palavras, afirma que elas foram todas palavras de amor: Desiderio desideravi. Caritatis est vox haec [3]. Como se tivesse dito o nosso amante Redentor: Homens, sabei que esta noite, na qual se dará o princípio à minha Paixão, foi o tempo por mim mais suspirado em toda a minha vida, porque agora, com as minhas penas e com a minha dura morte, far-vos-ei conhecer o quanto vos amo, e com isso vos obrigarei a amar-me do modo mais porte que me é possível. Diz um autor que na Paixão de Jesus a onipotência divina se uniu com o amor: o amor procurou amar o homem até onde pudesse chegar a onipotência, e a onipotência procurou comprazer o amor até onde pudesse chegar o seu desejo.

Ó sumo Deus, vós vos destes todo a mim, e como posso pois eu não amar-vos com todo o meu ser? Eu creio, sim, o creio, que morrestes por mim: e como vos amo tão pouco que tão amiúde me esqueço de vós e de quanto padecestes por mim? E por que, Senhor, eu ainda, pensando na vossa Paixão, não fico todo aceso pelo vosso amor e não me torno todo vosso como tantas almas santas que, considerando as vossas penas, se tornaram presas felizes do vosso amor e se deram todas a vós?

5. Dizia a esposa dos Cânticos que sempre que o seu esposo a introduzia na cela sagrada da sua Paixão, via-se tão acesa por todos os lados do amor divino, que, gemendo toda de amor, era constrangida a procurar alívios para o seu coração ferido: Introduxit me rex in cellam vinariam, ordinavit in me caritatem. Fulcite me floribus, sipate me malis, quia amore langueo (Cant. II, 4, 5) [4]. E como é possível que uma alma, começando a considerar a Paixão de Jesus Cristo, por aquelas dores e aquelas agonias, que tanto afligiram o corpo e a alma do seu amante Senhor, não fique ferida como por tantas setas de amor, e docemente forçada a amar quem tanto a amou?

Ó Cordeiro imaculado, assim lacerado, sangrento e deformado como vos vejo sobre essa cruz, quanto me pareceis belo e amável! Sim, porque todas essas chagas que vejo em vós são todas para mim sinais e provas do grande amor que me tendes. Ah! que se todos os homens frequentemente vos contemplassem naquele estado no qual fostes um dia feito espetáculo a toda Jerusalém, quem poderia não ficar tomado do vosso amor? Meu amado Senhor, aceitai-me a amar-vos, enquanto eu vos dou todos os meus sentidos e toda a minha vontade. E como posso eu negar-vos algo, se vós me não negastes o sangue, a vida e a todo vós mesmo?

6. Foi tanto o desejo de Jesus de padecer por nós, que na noite precedente à sua morte não somente ele de boa vontade foi ao horto, onde já sabia que deviam vir prendê-lo os Judeus, mas, sabendo que Judas, o traidor, com a companhia dos soldados, já se aproximava, disse aos discípulos: Surgite, eamus: ecce qui me tradet prope est (Marc. XIV, 42). Quis ele mesmo ir ao seu encontro, como se viessem para conduzi-lo não já ao suplício da morte, mas à coroa de um grande reino. - Ó meu doce Salvador, vós, portanto, ides ao encontro da morte com tanto desejo de morrer pela ânsia que tendes de ser amado por mim? E eu não terei desejo de morrer por vós, meu Deus, para demonstrar-vos o amor que vos tenho? Sim, meu Jesus morto por mim, eu também desejo morrer por vós. Eis o sangue, a vida, toda vo-la ofereço. Eis-me pronto para morrer por vós como e quando vos agradar. Agrade-vos esse mísero sacrifício que vos rende um mísero pecador, o qual antes vos ofendeu, mas agora vos ama mais do que a si mesmo.

7. S. Lourenço Justiniano contempla que aquele Sitio que proferiu Jesus morrendo na cruz, e diz que essa sede não foi sede que vinha da falta de humores, mas sede que nascia da ardência do amor que Jesus tinha por nós: Sitis haec de ardore nascitur caritatis [5]. Pois com tal palavra quis o nosso Redentor declarar-nos, mais que a sede do corpo, o desejo que tinha de padecer por nós, demonstrando-nos o seu amor e também o desejo que tinha de ser amado por nós, com tantas penas que sofria: Sitis haec nascitur de ardore caritatis. E S. Tomás: Per hoc Sitio ostenditur ardens desiderium de salute generis humani (In c. XIX Io., lect. 3) [6].

Ah, Deus enamorado, é possível que um excesso de tanta bondade fique sem correspondência? Sói dizer-se que amor com amor se paga, mas o vosso amor com que amor se poder pagar? Seria necessário que um outro Deus morresse por vós para compensar o amor que nos tivestes morrendo por nós. E pois, meu Senhor, como pudestes dizer que as vossas delícias eram de estar com os homens, se por eles não recebestes mais do que injúrias e maus tratos? O amor, então, vos fez suportar em delícias as dores e os vitupérios sofridos por nós.

8. Ó Redentor amabilíssimo, eu não quero mais resistir às vossas finezas: eu vos dou todo o meu amor. Vós, entre todas as coisas, sois e haveis de ser sempre o único amado da minha alma. Vós vos fizestes homem para ter uma vida para dar por mim: eu quero mil vidas para sacrificar todas por vós. Amo-vos, bondade infinita, e quero amar-vos com todas as minhas forças. Quero fazer o quanto posso para dar-vos gosto. Vós, inocente, padecestes tanto por mim: eu, pecador, que mereci o inferno, quero padecer por vós o quanto quiserdes. Ajudai-, meu Jesus, pelos méritos vossos, este meu desejo que vós mesmo me dais. Ó Deus infinito, em vós creio, em vós espero, amo-vos.

Maria, minha mãe, intercedei por mim. Amém.

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NOTAS:
[1]: “Passio Christi dicitur baptismus, quia in eius sanguine purificamur quasi in lavacro baptismali.” S. BONAVENTURA, Commentarius in Evang. S. Lucae, cap. 12, n. 71 (in vers. 50). Opera, VII, ad Claras Aquas, 1895, p. 331, col. 1.

[2]: “Hora eius erat hora mortis, quia nos amabat pro quibus moriebatur. Amantis enim hora illa est, qua pro amico patitur.” Sebastianus BARRADAS, S. I., Commentatiorum in concordiam et historiam IV Evangelistarum tom. 4, lib. 2, cap. 5.

[3]: “Vulnerati cordis et flagrantissimae caritatis est vox haec. Habet in se unde pascat ruminantes se.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De triumphali Christi agone, cap. 2. Opera, Venetiis, 1721, p. 229.

[4]: Introduxit me rex in cellaria sua. Cant. I, 3. - Introduxit me in cellam vinariam, ordinavit in me caritatem. Fulcite me floribus, stipate me malis: quia amore langueo. Cant. II, 4, 5.

[5]: “Sitis haec de ardore dilectionis, de amoris fonte, de latitudine nascitur caritatis.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De triumphali Christi agone, cap. 19. Opera, Venetiis, 1721, pag. 273, col. 2.

[6]: “Per hoc vero quod dicit Sitio... ostenditur eius ardens desiderium de salute generis humani. ” S. THOMAS, Commentaria in Evang. secundum Ioannem, cap. 19, lectio 5, n. 1.

6 de agosto de 2011

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO III.

Jesus por nosso amor quis desde o princípio da sua vida sofrer as penas da sua Paixão.

1. Veio o Verbo divino ao mundo tomar carne humana para fazer-se amar pelo homem, porquanto veio com tanta fome de sofrer por nosso amor que não quis perder nem um instante em começar a atormentar-se, ao menos com a apreensão. Apenas foi concebido no seio de Maria, ele imaginou todos os padecimentos da sua Paixão, e para obter-nos o perdão e a divina graça, ofereceu-se ao Eterno Pai para satisfazer por nós com as suas penas todos os castigos devidos pelos nossos pecados; e, desde então, começou a padecer tudo o que depois sofreu na sua amaríssima morte. - Ah, meu amorosíssimo Redentor, e eu, até agora, que fiz, que tenha padecido por vós? Se eu, por mil anos, tolerasse por vós todos os tormentos que sofreram todos os mártires, ainda seria pouco, em vista só daquele primeiro momento no qual vós vos oferecestes e começastes a padecer por mim.

2. Padeceram tão bem os mártires grandes dores e ignomínias, mas as padeceram só no tempo do seu martírio. Jesus padeceu sempre desde o primeiro instante da sua vida todas as penas da sua Paixão, pois que desde o primeiro momento pôs diante dos olhos toda a horrível cena dos tormentos e das injúrias que devia receber dos homens. Por isso ele disse pela boca do profeta: Dolor meus in conspectu meo semper (Ps. XXXVII, 18). Ah, meu Jesus, vós por meu amor ficastes tão ávido de penas que quisestes sofrê-las antes do tempo, e eu sou assim tão ávido de prazeres desta terra? Quantos desgostos vos dei para contentar o meu corpo? Senhor, pelos méritos dos vossos afãs, tirai-me o afeto aos diletos terrenos. Eu por vosso amor proponho abster-me daquela satisfação (nomear qual).

3. Deus, por sua piedade, costuma não nos fazer saber antes do tempo destinado a sofrê-las, as penas que nos esperam. Se a um réu condenado à forca fosse-lhe revelado desde o uso da razão o suplício que lhe tocava, seria ele, em algum momento, capaz de alegria? Se a Saul, desde o princípio do seu reino, fosse-lhe revelada a espada que lhe devia transpassar; e se Judas tivesse previsto o laço que devia sufocá-lo, quão amargas teriam sido suas vidas? O nosso amável Redentor, desde o primeiro instante da sua vida, fez-se sempre presentes os flagelos, os espinhos, a cruz, os ultrajes da sua Paixão, a morte desolada que lhe esperava. Quando olhava as vítimas que se sacrificavam no templo, bem sabia que todas eram figuras do sacrifício que ele, Cordeiro imaculado, devia consumar sobre o altar da cruz. Quando via a cidade de Jerusalém, bem sabia que aí devia deixar a vida num mar de dores e vitupérios. Quando olhava sua querida Mãe, já se imaginava a vê-la agonizante pela dor ao pé da cruz. Quando via a cidade de Jerusalém, perto de si, moribundo. - Assim é, ó meu Jesus, que a vista horrível de tantos males em toda a vossa vida vos atormentou e afligiu sempre antes do momento da vossa morte. E vós tudo aceitastes e sofrestes por meu amor.

4. A vista somente, ó meu Senhor apaixonado, de todos os pecados do mundo, e especialmente dos meus, com os quais já prevíeis que eu vos ofenderia, fez com que a vossa vida fosse mais aflita e penosa do que todas as vidas que já existiram e que existirão. Mas ó Deus, e em que bárbara lei está escrito que um Deus ame tanto uma criatura e que depois disso a criatura viva sem amar o seu Deus, aliás, que o ofende e desgoste? Senhor, fazei-me conhecer a grandeza do vosso amor, para que não seja mais ingrato. Ó, se vos amasse, meu Jesus, se vos amasse deveras, quão doce ser-me-ia padecer por vós!

5. À Irmã Madalena Orsini, que estava há longo tempo com uma tribulação, apareceu um dia Jesus na cruz e a animou a sofrê-la com paz. A serva de Deus respondeu: “Mas, Senhor, vós só por três horas estivestes na cruz, mas para mim são vários anos que sofro esta pena.” Então disse-lhe, reprovando-a, Jesus Cristo: “Ah, ignorante, que dizes? Eu desde o primeiro momento que estive no seio da minha mãe, sofri no Coração aquilo que depois na morte tolerei sobre a cruz” [1]. - E ei, meu caro Redentor, como, à vista de tantos afãs que sofrestes por meu amor em toda a vossa vida, posso lamentar-me daquelas cruzes que vós me enviais para padecer pelo meu bem? Agradeço-vos por me haverdes redimido com tanto amor e com tanta dor. Vós, para me animar a sofrer com paciência as penas desta vida, quisestes tomar para vós todos os nossos males. Ah, Senhor, faze-me recordar-me frequentemente das vossas dores, a fim de que eu aceite e deseje sempre padecer pelo vosso amor.

6. Magna velut mare contritio tua (Thren. II, 13), Como as águas do mar são todas salgadas e amargas, assim a vida de Jesus foi toda cheia de amarguras e priva de todo alívio, como ele mesmo disse a S. Margarida de Cortona [2]. Demais, como no mar se unem todas as águas da terra, assim em Jesus Cristo se uniram todas as dores dos homens; por isso pela boca do Salmista ele disse: Salvum me fac, Deus, quoniam intravenerunt aquae usque ad animam meam. Veni in altitudinem maris, et tempestas demersit me (Ps. LXVIII, 2, 3): Salvai-me, ó meu Deus, porque os afãs entraram no íntimo da minha alma; e eu fui submerso por uma tempestade de ignomínias e de dores externas e internas. - Ah, meu caro Jesus, meu amor, minha vida, meu tudo, se eu olho de fora o vosso sagrado corpo, não vejo nada além de chagas. Se entro, então, no vosso Coração desolado, eu não encontro outra coisa além de amarguras e fãs que voz fazem padecer agonias de morte. Ah, meu Senhor, e quem mais além de vós, porque sois uma bondade infinita, podia chegar a padecer tanto e morrer por uma vossa criatura? Mas porque vós sois Deus, amais como Deus, com amor que não pode igualar-se a qualquer outro amor.

7. Diz S. Bernardo: Ut servum redimeret nec Pater Filio, nec Filius sibi ipsi pepercit(Ser. fer. 4) [3]. Ó caridade infinita de Deus! De uma parte o Eterno Pai impôs a Jesus Cristo o satisfazer por todos os pecados dos homens: Posuit in eo iniquitatem omnium nostrum (Is. LIII, 6). De outra, Jesus, para salvar os homens, e do modo mais amoroso que pudesse, quis pagar sobre si, com todo o rigor, à divina justiça as penas a eles devidas; donde, como afirma S. Tomás, ele se sobrecarregou com todas as dores e todos os ultrajes em sumo grau: Assumpsit dolorem in summo, vituperationem in summo [4]. Por isso Isaías chamo-o o homem das dores e o mais desprezado entre todos os homens: Despectum et novissimum virorum, virum dolorum (Ibid., 3). E com razão, enquanto Jesus foi atormentado em todos os membros e sentidos do corpo, e mais amargamente foi afligido em todas as potências da alma, de modo que as penas internas superaram imensamente as dores externas. Ei-lo, portanto, lacerado, exangue, tratado como enganador, mago, louco, abandonado pelos próprios amigos e perseguido finalmente por todos, até acabar a fina sobre um infame patíbulo.

8. Scitis quid fecerim vobis? (Io. XIII, 12). Senhor, já sei quanto fizestes e padecestes por meu amor; mas vós sabeis que eu até agora não fiz nada por vós. Meu Jesus, ajudai-me a sofrer algo por vosso amor antes que me venha a morte. Eu me envergonho de comparecer diante de vós; mas não quero mais ser aquele ingrato que fui tantos anos convosco. Vós vos privastes de todo prazer por mim: eu renuncio por vosso amor todos os diletos dos sentidos. Vós sofrestes tantas dores por mim: eu por vós quero sofrer todas as penas da minha vida e da minha morte, como vos agradará. Vós fostes abandonado: eu me contento de que me abandonem todos, desde que não me abandoneis vós, meu único e sumo bem. Vós fostes perseguido: eu aceito qualquer perseguição. Vós, finalmente, morrestes por mim: eu quero morrer por vós. Ah, meu Jesus, meu tesouro, meu amor, meu tudo, eu vos amo: dai-me mais amor. Amém.

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NOTAS:

[1]: “Enquanto era ainda secular, lamentava-se frequentemente com o seu Senhor que uma tal tribulação, por durar tempo muito longo, tornasse-se-lhe insuportável. Uma noite, em sonho, pareceu-lhe ver diante de si Cristo pregado na cruz, o qual a exortava com seu exemplo à paciência, e ela, com movimento natural, respondeu: ‘Senhor, a vossa cruz durou só três horas, mas esta minha dura muitos anos’. Aqui o Redentor, com voz severa, replicou dizendo: ‘Ah ingrata, como ousas falar dessa maneira, sabendo que desde o princípio por toda a vida vivi em fadigas e sofrimentos, terminando finalmente a minha vida numa cruz?’ Com tal resposta, ficando confusa, procurou dali em diante tolerar com paciência aquele trabalho.” P. BONAVENTURA BORSELLI, O. P., Vita della Ven. Madre Suor M. Maddalena Orsini, domenicana, Roma, Tinassij, 1668, cap. XV, pag. 66.

[2]: “Audivit (Margarita) Christum dicentem sibi: “... Tu clamare non cesses meam per ordinem Passionem, et quod semper in hac vita, pro amore humani generis, vixi in laboribus et in poenis.” Fr. IUNCTA BEVEGNAS, Vita, cap. 5, § 13. - “Audivit Christum dicentem sibi: “Tu vis esse filia lactis; sed tu eris filia fellis in poenis quas patieris. Sed per eas efficieris filia mea electa et soror, et similabunt te mihi.” Ibid., § 18. - “In festo protomartyris Stephani, post fletum indicibilem et multas cum Christo allocutiones factas, intulit natus ex Virgine Filius Dei, dicens: “... In huius saeculi vita misera, gloriam meam desideras possidere. Sed nolo quod habeas laetitiam in hoc mundo, ad instar mei, sequendo me in degustatione poenarum mearum. Quare, para te ad tribulationes, quia in via non est patria obtinenda.” Ibid. § 33. - “Quodam die post festum Ascensionis Christi, dixit oranti Dominus: “... Para te ad infirmitates et tribulationes, et recordare quod pro te aspera passus sum; et sicut in hac vita quietem non habui, ita et tu habitura non es.” Ibid., § 34.

[3]: S. BERNARDUS, In feria IV Hebdomadae Sanctae, Sermo de Passione Domini, n. 4. ML 183-264.

[4]: “Dolor in Christo fuit maximus inter dolores praesentis vitae.” S. THOMAS, Sum. Theol., III, qu. 46. art. 6, c. - “(Ex Augustino) Nihil enim erat, inter omnia genera mortis, illo genere (nempe morte crucis) exsecrabilius et formidabilius.” Ibid., art 4, c. - “Christus fuit novissimus: primo propter doloris acerbitatem.... secundo propter mortis turpitudinem.” In Isaiam, cap. 53, 3. - “ Humiliavit semetipsum factus obediens usque ad mortem, mortem autem crucis: in quo ostenditur et cruciatus acerbitas.... et mortis vilitas et ignominia.” In Epist. ad Hebr. , cap. 12, lectio 1, v. 2. - “Convenit etiam (mors crucis) quantum ad exemplum perfectae virtutis. Homines enim quandoque non minus refugiunt vituperabile genus mortis quam mortis acerbitatem: unde ad perfectionem virtutis pertinere videtur, ut propter bonum virtutis etiam aliquis vituperabilem mortem non refugiat pati... (Mors autem crucis) mors turpissima videbatur.” Compendium theologiae, ad Reginaldum. Opusculum 2 (al. 3), cap. 228: Operum tom. 17, Romae, 1570.

ROGAR E CANTAR A MARIA (IV)

Oração à Bem-aventurada Virgem Maria quando surge uma tribulação

1) Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo, Virgem serena. Ave, particular esperança dos necessitados. Ave, Mãe benigna dos órfãos. Ó Maria, quando estão fechadas todas as portas do céu e me é negado aproximar de Deus por causa de meus pecados; quando o bom ânimo e a força da mente me abandonam e em nada posso encontrar ajuda; quando o tédio da vida presente e a ansiedade do coração me forçam de tal modo que já nada me agrada nesse mundo; quando desaparece o estímulo do consolo celestial e me oprime a opressiva desolação; quando surgem os ventos das tentações e se levantam os movimentos das paixões; quando sobrevém uma imprevista enfermidade ou outras adversidades; quando todos estes feitos se precipitam sobre mim, para onde fugirei e a quem me dirigirei fora du, benigníssima Consoladora dos pobres? A quem pedirei ajuda para chegar ao porto da salvação, senão à fulgidíssima Estrela do mar, sempre esplendorosa, que não oculta jamais a graça de sua luz?

Ó Maria, doce e querida Mãe: és a fulgidíssima Estrela do mar, que consola aos que te olham e invocam, e nos conduz com rapidez ao porto da serenidade. Portanto, hoje me dirijo a ti, e te suplico que me ajudes, posto que tudo o que pedires o obterás facilmente de teu Filho.

3) Se tu, minha muito gloriosa Senhora, estiveres comigo, quem poderia estar contra mim? E se me concedes a graça, quem poderá ma rechaçar? Abre amplamente teus braços para mim neste momento e neles encontrarei refúgio. Diz à minha alma: “Eu sou tua advogada, não temas. Como uma mãe consola a seu filho, assim eu te consolarei”. Esta é tua voz, doce Maria.

4) Mas, quem ajudará meu coração a escutá-la sempre? Quão doces são tuas palavras! Fala, Senhora minha, ao coração de teu servidor, pois teu servidor te escuta. Eu sou servidor teu e servidor de teu Filho. Mas digo mais: tu és minha Mãe e Jesus meu irmão. Atrevo-me a acrescentar isto, porque tu o geraste não somente para ti, senão para todo o mundo.

5) Por isto mesmo, não quero chamar “mãe” a nenhuma outra na terra. Recuso-me a ter outra fora de ti, Mãe de Deus. Não há outra que possa se comparar contigo, por virtude, por beleza, por caridade e mansidão, por piedade e doçura, por fidelidade e consolo maternal, por misericórdia e por tantos gestos de compaixão.

6) Hoje me entrego confiadamente a ti e desejo que isto seja confirmado para sempre por meio de ti. Para vencer minha debilidade, basta manter-me em estreita união contigo. Por isso, me alegrarei e me consolarei profundamente em ti, e cantarei com júbilo os louvores de teu santo nome.

7) Que bela e amável és, minha Senhora, Santa Maria, cheia de toda graça! Se alguém pudesse contar as estrelas do céu, poderia também enumerar tuas virtudes, já que assim como são distantes os céus da terra, igualmente dista tua vida da vida dos homens, e o brilho de tua glória resplandece muito acima dos coros angelicais.

8) Suba a ti, então, minha pobre oração, ó nobilíssima Senhora, e possa voar até teus ouvidos meu clamor, para que te dignes patrocinar minha cause ante teu Filho, já que, de per si, ninguém pode constar como justo por seu próprio juízo. Ó clementíssimo Senhora, pelo imenso amor e pela profunda confiança que sinto por ti, te manifestei minhas necessidades e as manifestarei ainda. Experimento efetivamente que dimana de ti um grande poder, e a lembrança de teu nome será sempre o incentivo de minha alma.

9) Ó dulcíssimo Nome de Maria, Nome de salvação e de graça, que deve ser sempre recordado, pensado, pronunciado e venerado! Nome celestial e verdadeiramente angélico, que da boca do evangelista foi piedosamente revelado aos fiéis: “E seu nome é Maria” (Lc. 1, 27). Ó Maria, santíssima e digníssima de todo louvor, tu és a porta do céu, o templo de Deus, o sacrário do Espírito Santo.

10) O que noto de formoso e atrativo nas criaturas, o que admiro de grande e de virtuoso nos santos, tudo desejo comparar com tua excelsa grandeza, porque é justo, como também para todas as outras criaturas junto a mim, que o transfira em perpétuo louvor a ti, a quem elegi como minha singular Mãe e também fidelíssima advogada, a fim de merecer, depois desta vida, a glória de teu bendito Filho Jesus Cristo. Amém.

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de Maria nunquam satis"
"sobre Maria nunca se falará o bastante"
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(KEMPIS, Tomás de. Imitación de María: Libro Cuarto, Capítulo IV. pág. 117 - 120)

5 de agosto de 2011

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO II.

Jesus quis sofrer muito por nós, a fim de dar-nos a conhecer o grande amor que nos tem.

1. Duas coisas, escreveu Cicerone, dão a conhecer um amante, o fazer bem ao amado e o padecer pelo amado; e isso é o maior sinal de um verdadeiro amor: Duo sunt quae amantem produnt, amato benefacere, et pro amato cruciatus ferre, et hoc est maius [1]. Deus já havia bem demonstrado o seu amor ao homem com tantos benefícios a ele dispensados; mas apenas beneficiar o homem ele julgou ser muito pouco para o seu amor, se não tivesse encontrado o modo de demonstrar-lhe quanto o amava também padecendo e morrendo por ele, como fez tomando carne humana: Sed parum esse credidit, si affectum suum non etiam adversa sustinendo monstraret [2]. E que modo mais adaptado poderia Deus encontrar para mostrar-nos o amor imenso que tem por nós do que fazendo-se homem e padecendo por nós? Non aliter Dei amor erga nos declarari poterat, escreve a tal propósito S. Gregório Nazianzeno [3]. - Meu amado Jesus, muito suportastes para declarar-me o vosso afeto e para enamorar-me da vossa bondade. Muito, pois, seria o erro que vos faria, se vos amasse pouco ou amasse outra coisa que não vós.
2. Ah, que fazendo-se ver por nós como um Deus chagado, crucificado e moribundo, bem ele deu, diz Cornélio de Lápide (In 1. Cor.), o maior sinal do amor que nos tem: Summum Deus in cruce ostendit amorem [4]. E antes dele dissera S. Bernardo que Jesus, na sua Paixão, deu-nos a conhecer que o seu afeto para conosco não poderia ser maior do que o quanto era: In Passionis rubore maxima et imcomparabilis ostenditur caritas (De Pass. c. 41) [5]. Escreve o Apóstolo que quando Jesus Cristo quis morrer pela nossa salvação, apareceu, então, até onde chegava o amor de um Deus a nós, míseras criaturas: Apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei (Ad Tit. III, 4). - Ah, meu enamorado Senhor, entendo já que todas as vossas chagas falam-me do amor que me tendes! E quem é que, em vista de tantos sinais da vossa caridade, poderá resistir e não vos amar? Tinha razão em dizer S. Teresa, ó amabilíssimo Jesus, que quem não vos ama dá sinal de que não vos conhece [6].
3. Bem podia Jesus Cristo obter-nos a salvação sem padecer e levando na terra uma vida doce e deliciosa; mas não, diz S. Paulo: Proposito sibi gaudio, sustinuit crucem (Hebr. XII, 2). Recusou ele as riquezas, as delícias, as honras terrenas, e elegeu para si uma vida pobre e uma morte cheia de dores e de opróbrios. E por quê? Não bastava, porventura, que ele tivesse suplicado ao Eterno Pai que perdoasse o homem com uma simples oração, a qual, sendo de infinito valor, era suficiente para salvar o mundo e infinitos mundos? E por que quis, então, escolher para si tantas penas com uma morte tão cruel que bem diz um autor (Contens. theol. t. 2. 1. 10, dis. 4) que por pura dor a alma de Jesus se separou do corpo: Inter agones purus dolor animam e corpore disiunxit [7]? Para que tanto gasto para redimir o homem? Responde S. Jo. Crisóstomo: Bastava sim uma oração de Jesus para redimir-nos, mas não bastava para demonstrar-nos o amor que esse Deus nos tem: Quod sufficiebat Redemptioni non sufficiebat amori (Ser. 128) [8]. E o confirma S. Tomás dizendo: Christus ex caritate patiendo magis Deo exhibuit, quam exigeret recompensatio offensae humani generis (3. p. q. 48. a. 2) [9]. Porque Jesus nos amava assaz bastante, queria ser muito amado por nós; e por isso fez o quanto pôde também padecendo para conquistar o nosso amor e para fazer-nos conhecer que ele não tinha quase nada mais para fazer para fazer-se amar por nós. Multum fatigationis assumpsit, diz S. Bernardo, quo multae dilectionis hominem teneret [10]. Ele tomou muito a padecer para muito obrigar o homem a amá-lo.
4. E que prova maior de afeto, disse o próprio nosso Salvador, pode dar um amante à pessoa amada, que dar a vida por seu amor? Maiorem hac dilectionem nemo habet, ut animam suam ponat quis pro amicis suis (Io. XV, 13). Mas vós, ó amantíssimo Jesus, diz S. Bernardo, fizestes mais do que isso, enquanto quisestes dar a vida por nós, não amigos, mas vossos inimigos e rebeldes: Tu maiorem habuisti, Domine, caritatem, ponens animam pro inimicis [11]. E é isso que advertiu o Apóstolo, quando escreveu: Commendat caritatem suam in nobis, quia cum adhuc peccatores essemus, secundum tempus Christus pro nobis mortuus est (Rom. V, 8, 9). Então, meu Jesus, vós por mim, vosso inimigo, quisestes morrer, e eu poderia resistir a tanto amor? Eis-me, já que vós com tanta pressa desejais que eu vos ame, eu vos amo sobre todas as coisas, expulso de mim todo outro amor e só a vós quero amar.
5. Diz S. Jo. Crisóstomo que o fim principal que teve Jesus na sua Paixão foi mostrar-nos o seu amor, e assim atrair para si os nossos corações com a memória dos males por nós sofridos: Haec prima causa Dominicae Passionis, quia sciri voluit, quantam amaret hominem Deus, qui plus amari voluit quam timeri [12]. Acrescenta S. Tomás que nós, por meio da Paixão de Jesus, conhecemos a grandeza do amor que Deus tem ao homem: Per hoc enim homo cognoscit, quantum Deus hominem diligat [13]. E antes já o dissera S. Jo.: In hoc cognovimus caritatem Dei, quoniam ille animam suam pro nobis posuit [14]. Ah, meu Jesus, ó Cordeiro imaculado sacrificado sobre a cruz por mim, tantus labor non sit cassus [15], não seja perdido tudo o que padecestes por mim; atingi em mim o fim das vossas tantas penas! Ligai-me com as doces cadeias do vosso amor, para que eu não vos deixe e não me separe mais de vós. Iesu dulcissime, ne permittas me separari a te: ne permittas me separari a te.
6. S. Lucas refere que, falando Moisés e Elias sobre o monte Tabor, sobre a Paixão de Jesus Cristo, chamavam-na um excesso: Dicebant excessum eius quem completurus erat in Ierusalem (Luc. IX, 31). Sim, diz S. Boaventura, com razão a Paixão de Jesus foi chamada um excesso, pois que foi um excesso de dor e um excesso de amor: Excessus doloris, excessus amoris [16]. E um devoto autor acrescenta: Quid ultra pati potuit, et nun pertulit? Ad summum pervenit amoris excessus (Contens) [17]. E como não? A divina lei não impõe aos homens outra coisa além de amar o próximo como a si mesmos; mas Jesus amou os homens mais do que a si mesmo: Magis hos, quam seipsum amavit, diz S. Cirilo [18]. - Então, meu amado Redentor, dir-vos-ei com S. Agostinho, vós chegastes a amar-me mais do que a vós mesmo, enquanto para me salvar quisestes perder a vossa vida divina, vida infinitamenet mais preciosa do que as vidas de todos os homens e de todos os anjos juntos: Dilexisti me plus quam te, quoniam mori volutisti pro me [19].
7. Ó Deus infinito, exclama o abade Guerrico, vós por amor do homem, se se pode dizê-lo, tornastes-vos pródigo de vós mesmo: O Deum, si fas est dici, prodigum sui prae desiderio hominis! E como não?, acrescenta, já que não só quisestes dar os vossos bens, mas também a vós mesmo para recuperar o homem perdido? An non prodigum sui, qui non solum sua, sed seipsum impendit, ut hominem recuperaret? [20] Ó prodígio, ó excesso de amor digno só de uma bondade infinita! E quem, diz S. Tomás de Vilanova, poderá, Senhor, mesmo de longe, entender a imensidade do vosso amor em haver tanto amado a nós, míseros vermes, que por nós tenhais querido morrer e morrer na cruz? Quis amoris tui cognoscere vel suspicari posset a longe caritatis ardorem; quod sic amares, ut teipsum cruci et morti exponeres pro vermiculis? Ah, que esse amor, conclui o mesmo santo, excede toda medida, toda inteligência: Excedit haec caritas omnem modum, omnem sensum [21].
8. É doce coisa e ver-se alguém amado por alguma grande personagem, tanto mais se aquela pode elevá-lo a um grande destino. Ora, quanto mais doce e caro deve ser-nos ver-nos amados por Deus, que pode elevar-nos a um destino eterno? Na antiga lei, podia um homem duvidar se Deus o amasse com terno amor; mas depois de tê-lo visto sobre um patíbulo a derramar sangue e morrer, como nós podemos ainda duvidar se ele nos ama com toda a ternura e afeto? Alma minha, olha o teu Jesus que penda daquela cruz todo chagado; eis como, por aquelas feridas, ele bem de demonstra o amor do seu Coração enamorado. Patent arcana cordis per foramina corporis, fala S. Bernardo [22]. - Meu querido Jesus, aflige-me tanto o ver-vos morrer com tantos afãs sobre este lenho de opróbrio, mas muito me consola e me enamora de vós o conhecer por meio dessas chagas o amor que me tendes. Serafins do céu, que vos parece a caridade do meu Deus, qui dilexit me, et tradidit semetipsum pro me? (Galat. II, 20).
9. Diz S. Paulo que os Gentis, ouvindo pregar Jesus crucificado por amor dos homens, julgavam-no uma loucura a não se poder crer: Nos autem praedicamus Christum crucifixum, Iudaeis quidem scandalum, Gentibus autem stultitiam (I Cor. I, 23). E como é possível, diziam eles, crer que um Deus onipotente, que não tem necessidade de ninguém para ser felicíssimo que é, tenha querido, para salvar os homens, fazer-se homem e morrer na cruz? Isso seria o mesmo, diziam, que crer em um Deus que se tornou louco por amor dos homens: Gentibus autem stultitiam [23]. E com isso recusavam crê-lo. - Mas essa grande obra da Redenção que os gentios julgavam e chamavam loucura, nós sabemos pela fé que Jesus a empreendeu e terminou. Agnovimus sapientem amoris nimietate infatuatum [24]: nós vimos, diz S. Lourenço Justiniano, a sabedoria eterna, o Unigênito de Deus, tornado, por assim dizer, louco pelo amor excessivo que tem pelos homens. Sim, por que não parece outra coisa além de uma loucura de amor, acrescenta o cardeal Hugon, ter Deus querido morrer pelo homem: Stultitia videtur, quod mortuus fuerit Deus pro salute hominum [25].
10. O Bem-Aventurado Giacopone, homem que no século foi letrado e depois se tornou franciscano, parecia que se havia tornado louco pelo amor que tinha por Jesus Cristo. Um dia apareceu-lhe Jesus e disse-lhe: "Giacopone, por que fazes estas loucuras?" - "Por que as faço?, respondeu, porque vós mas ensinastes. Se eu sou louco, disse, vós fostes muito mais louco que eu, querendo morrer por mim: Sultus sum, quia stultior me fuisti" [26]. Assim também S. Maria Madalena de' Pazzi, elevada em êxtase, exclamava (In vita, c. 11): Ó Deus de amor! ó Deus de amor! É demais, meu Jesus, o amor que tendes às criaturas [27]. E um dia, estando raptada fora de si num, tomou uma imagem do Crucifixo e se pôs a correr pelo monastério, gritando: Ó amor! ó amor! não cessarei jamais, meu Deus, de chamar-te amor. Então, dirigindo-se às religiosas, disse: "Não sabeis vós, caras irmãs, que o meu Jesus não é outra coisa além de amor? aliás, louco de amor? Louco de amor digo que és, ó meu Jesus, e sempre o direi" [28]. E dizia que, chamando Jesus de amor, teria querido ser ouvida por todo o mundo, para que por todos fosse conhecido e amado o amor de Jesus [29]. E umas vezes se punha a tocar o sino, para que viessem todas as pessoas da terra, como desejava, se fosse possível [30], para amar o seu Jesus [31].
11. Sim, meu doce Redentor, permiti-me dizê-lo, bem tinha razão essa vossa esposa em chamar-vos louco de amor. E não parece uma loucura que vós tenhais querido morer por mim? morrer por um verme ingrato qual eu sou, cujas ofensas e traições, que eu devia fazer-vos, já víeis? Mas se vós, meu Deus, como que enlouquecestes por meu amor, como eu não enlouqueço por amor de um Deus? Depois que eu vos vi morto por mim, como posso pensar em outra coisa além de vós? como posso amar outra coisa além de vós? Sim, meu Senhor, meu sumo bem, amável sobre todo bem, eu vos amo mais do que a mim mesmo. Prometo-vos não amar, de hoje em diante, outra coias além de vós, e pensar sempre no amor que me demonstrastes morrendo entre tantas penas por mim.
12. Ó flagelos, ó espinhos, ó pregos, ó cruz, ó chagas, ó afãs, ó morte do meu Jesus, vós muito me constrangis e obrigais a amar quem tanto me amou. Ó Verbo Encarnado, ó Deus amante, a minha alma enamorou-se de vós. Quero amar-vos tanto, que não encontre outro gosto que em dar-vos gosto, dulcíssimo meu Senhor. Visto que vós tanto anseais o meu amor, eu atesto que não quero viver senão por vós. Quero fazer quanto quereis de mim. Meu Jesus, ajudai-me, fazei que eu vos agrade inteiramente e sempre, no tempo e na eternidade.
Maria, minha mãe, orai a Jesus por mim, a fim de que me dê o seu amor, porque não desejo outra coisa nesta e na outra vida, além de amar a Jesus. Amém.

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NOTAS:

[1]: Esta sentença, não a encontramos nem em Cicerone, nem em nenhum dos antigos.

[2]: “Sed adhuc parum esse credidit, si affectum suum erga non praestando prospera tantum, et non etiam adversa sustinendo monstraret.” S. PETRUS CHRYSOLOGUS, Sermo 69. ML 52-397.

[3]: “Non aliter Dei erga nos amor testatus esse poterat, quam ex eo quod caro in memoria fuerit, (cioé che non si dicesse: Verbum homo vel anima factum est) et quia nostri causa ipse etiam usque ad deteriorem partem sese demisit. Carnem enim anima viliorem esse nemo sanae mentis indiciabitur. Itaque hic locus, Verbum caro factum est, eamdem vim et significationem mihi habere videtur cum eo, quod peccatum quoque ipsum et maledictum factus esse dicitur; non quod Dominus in haec immutatus sit: qui enim id fieri posset? sed quia per id quod haec suscepit, iniquitates nostras sustulit, et morbos portavit.” S. GREGORIUS NAZIANZENUS, Epistola 101, ad Cledonium presbyterum, contra Apollinarium. MG 37-190.

[4]: CORNELIUS A LAPIDE, S. I., Commentaria in I Epist. ad Corinthios, cap. 1, v. 25.

[5]: Vitis mystica seu tractatus de Passione Domini, cap. 41, n. 132. Inter Opera S. Bernardi, ML 184-715. - “In Passione ac Passionis rubore ardor maximae et incomparabilis ostenditur caritatis.” Vitis mystica seu tractatus de Passione Domini, cap. 23. Opera S. BONAVENTURAE, VIII, ad Claras Aquas, 1898, pag. 186. - Veja Appendice, 2, 9°.

[6]: “Oh, Senor y verdadero Dios mio! Quien no os conoce, no os ama. Oh qué gran verdad es ésta!” S. TERESA, Exclamaciones del alma a Dios. XIV. Obras, IV, 287.

[7]: “Inter has languoris luctas, inter obruentes agones, purus dolor animam a corpore disiunxit.” Vincentius CONTENSON, Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1, (tertius excessus, in fine).

[8]: S. PETRUS DAMIANUS, sermo 47, De exaltatione S. Crucis, ML 144-172. - S. Io. CHRYSOSTOMUS, in Epist. ad Ephes., hom. 3, n. 3. MG 62-27. - Veja Appendice 4.

[9]: “Ille proprie satisfacit pro offensa qui exhibet offenso id quod aeque vel magis diligit quam oderit offensam. Christus autem, ex caritate et obedientia patiendo, maius aliquid Deo exhibuit quam exigeret recompensatio totius offensae humani generis.” S. THOMAS, Sum. Theol., III, qu. 48, art. 2, c.

[10]: “Multum fatigationis assumpsit, quo multae dilectionis hominem debitorem teneret.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 11, n. 7. ML 183-827.

[11]: “Maiorem, inquit, caritatem nemo habet, quam ut animam suam ponat quis pro amicis suis (Ioan. XV, 13). Tu maiorem habuisti, Domine, ponens eam etiam pro inimicis.” S. BERNARDUS, Sermo de Passione Domini, in feria IV Hebdomadis Sanctae, n. 4. ML 183-264.

[12]: “Haec prima causa est Dominicae Passionis: quia sciri voluit quantum amaret hominem Deus, qui plus amari voluit quam timeri.” Inter Opera S. Io. Chrysostomi, III, Venetiis, 1574, De Passione Domini sermo sextus, fol. 297, col. 4. - Porém esses Sermões sobre a Paixão não são lembrados nem na edição Beneditina. Mas, nas suas obras genuínas, desenvolve mais vezes esse pensamento o Crisóstomo. - Veja Appendice, 5.

[13]: S. THOMAS, Sum. Theol., III, qu. 46, art. 3, c.

[14]: Esse texto de S. João (III, 16) falta nas edições de 1751 (Pellecchia, Paci) e na Romana (De' Rossi, 1755).

[15]: Sequentia Dies irae.

[16]: “Excessus recte nominat Passionem, quia in ea fuit excessus humilitatis... Fuit etiam excessus paupertatis... Fuit excessus doloris.... Fuit etiam excessus amoris.” S. BONAVENTURA, Commentarius in Evangelium S. Lucae, cap. XI, n. 54 (in vers. 31). Opera, VII, ad Claras Aquas, 1895, pag. 234.

[17]: Vincentius CONTENSON, Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1, Reflexio ( in fine).

[18]: “Vides dilectionis erga nos novitatem? Lex enim praecepit diligere fratrem sicut seipsum: Dominus autem noster Iesus Christus dilexit nos plus quam seipsum: nec enim in forma et aequalitate Dei ac Patris exsistens, ad nostram humilitatem descendisset, neque tam acerbam corporis mortem pro nobis pertulisset, non colaphos iudaicos, non sannas et contumelias, uno verbo cetera omnia, ut ne singula quae passus est numrando in infinitum sermonem proferamus, pertulisset; sed neque dives cum esset pauper fieri voluisset, nisi nos magis dilexisset quam seipsum. Inauditus itaque ac novus est huius dilectionis modus.” S. CYRILLUS ALEXADRINUS, In Ioannis Evangelium liber 9, in Io. XIII, 34. MG 74-162, 163.

[19]: Soliloquia animae ad Deum, cap. 13. Inter Opera S. Augustini, ML 40-874. - Obrazinha, não de S. Agostinho, mas de um compilador mais recente, talvez Alchero, monge de Claraval.

[20]: “Dedit (Pater) Filium in pretium redemptionis; dedit Spiritum in privilegium adoptationis; se denique totum servat haereditatem adoptatis. O Deum, si fas est dici, prodigum sui, prae desiderio hominis! An non prodigum, qui non solum sua, sed et seipsum impendit, ut hominem recuperaret, non tam sibi quam homini ipsi?” GUERRICUS Abbas, In festo Pentecostes, sermo 1, n. 1. ML 185-157.

[21]: “Quis enim, non dicam hominum, sed angelorum, qui a saeculo vident te, amoris tui immensum pondus et ardentissimam vim tam plene cognosceret? Quis eorum vel suspicari posset a longe tantae caritatis ardorem: quod sic amares, ita diligeres, ut teipsum cruci et morti exponeres pro vermiculo? S. THOMAS A VILLANOVA, In festo Natalis Domini concio 3, n. 7. Conciones, Mediolani, 1760: II, 52. - “Excedit, exsuperat supra modum haec caritas tua, Domine, quam in nostra redemptione monstrasti, omnem scientiam, et omnem sensum, non solum humanum, sed etiam angelicum.” Ibid.

[22]: “Patet arcanum cordis per foramina corporis.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 61, n. 4. ML 183-1072.

[23]: A repetição do texto latino de S. Paulo "Gentibus autem stultitiam" foi acrescentada nas edições posteriores a 1755.

[24]: “Adeamus cum fiducia, non ad thronum gloriae, sed ad diversorium humanitatis eius (specum nempe Bethleemiticum).... Ibi namque agnoscemus exinanitam maiestatem. Verbum abbreviatum, solem carnis nube obtectum, et sapientiam amoris nimietate infatuatam.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, Sermo in festo Nativitatis Domini, Opera, Venetiis, 1721, pag. 328, col. 1.

[25]: “Cum uno verbo posset omnes homines salvare, stultitia videtur, procedentibus secundum naturales rationes, quod mortuus fuerit (Deus) propter salutem hominum.” HUGO DE SANCTO CHARO, Cardinalis primus O. P., In Epist. I ad Cor., cap. 1, v. 23. Opera, VII, fol. 75, col. 3, post medium. Venetiis, 1703.

[26]: Este amoroso divérbio entre si e Cristo refere o mesmo B. JACOPONE DA TODI nas suas Lauda XC, Amor de caritate: Le laude, reimpressão integral da primeira edição (1490), Florença, 1923.
(Parla Cristo):

Tutte le cose qual aggio ordenate

si so fatte con numero e misura,

e molto più ancora caritate



si è ordenata nella sua natura.

Donqua co per calura, - alma, tu sé empazita?

For d' orden tu se' uscita, - non t' è freno el fervore.



(Risponde Jacopone):

Cristo, che lo core si m' hai furato,

dici che ad amor ordini la mente,

come da poi ch' en te si so mutato

de me remasta, fusse convenente?



A te si può imputare - non a me quel che faccio;

però, se non te piaccio, - tu a te non piaci, amore.



Questo ben sacci che, s' io so empazito,

tu, somma sapienza, si el m' hai fatto.



Ad tal fornace perché me menavi,

se volevi ch' io fossi en temperanza?

Quando sì smesurato me te davi, tollevi da me tutta mesuranza.



Onde, se c' è fallanza, - amor, tua è, non mia,

però che questa via - tu la facesti, amore.



Tu, sapienzia, non te contenesti

che l' amor tuo spesso non versasse,

d' amor non de carne tua nascesti,

umanato amor che ne salvasse;

per abbracciarne en croce tu salesti,

e credo che per ciò tu non parlasse.

[27]: "Tendo, então, nos seus raptos, fixado o seu puríssimo intelecto na contemplação do infinito amor que moveu Deus a fazer tanto pela vilíssima criatura do homem, não podia segurar-se e não dizer em voz alta: "Ó Amor, ó Amor, ó Deus, que amas as criaturas com amor puro! Ó Deus de amor! ó Deus de amor! Ó meu Senhor, não mais amor, não mais amor: é demais, ó meu Jesus, o amor que tendes às criaturas." PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 11.

[28]: "Uma vez, estando em rapto, pegou um crucifixo na mão, e pôs-se a correr pelo convento, e, desafogando com o Verbo divino amorosos avisos e intensos afetos, exclamava: "Ó Amor, ó Amor, ó Amor!" Isso fazia com doces sorrisos, e com o semblante tão cumulado de alegria, que olhá-la causava grandíssima consolação. Ora fixava os olhos no céu, ora no Crucifixo, ora apertava-o no peito, e o beijava com excessivo fervor, enquanto não cessava de replicar: "Ó Amor, ó Amor! não cessarei jamais, ó meu Deus, de chamar-te Amor, júbilo do meu coração, esperança e conforto da minha alma". - "Depois, voltando-se às irmãs que a seguiam, acrescentava: 'Não sabeis vós, caras irmãs, que o meu Jesus não é outra coisa além de Amor, aliás, louco de amor? Louco de amor digo que és, ó meu Jesus, e sempre o direi. Tu és todo amável e gracioso: tu recreativo e confortativo; tu nutritivo e unitivo. És pena e refrigério, fadiga e repouso, morte e vida ao mesmo tempo: finalente, o que não há em ti?'" PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 11.

[29]: "Outra vez exclamava: "Ó Amor, ó Amor", e, voltando-se ao céu, dizia: "Dai-me tanta voz, ó meu Senhor, que, chamando-te Amor, seja ouvida do Oriente ao Ocidente, e por todas as partes do mundo, até no inferno; para que tu sejas conhecido e reverenciado como verdadeiro Amor." PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 11.

[30]: Este inciso que restringe o sentido tão amplo da frase, se encontra acrescentado nas edições posteriores a 1754.

[31]: "No meio daquele (incêndio de amor), bem amiúde corria com enorme velocidade, ora pelo convento, ora por todo o horto, dizendo que andava procurando almas que conhecessem e amassem o Amor. Por isso, encontrando-se uma vez com uma Irmã, a segurava pela mão, e, apertando-a muito fortemente, dizia-lhe: 'Ó alma, amais vós o Amor? como fazeis para viver? não vos sentis consumir e morrer por amor ?'. Quando, então, havia caminhado por bom espaço de tempo, pegava as cordas dos sinos, e, tocando-os, em alta voz exclamava: 'Vinde, almas, amar, vinde amar o Amor, pelo qual fostes tanto amadas'." PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 12.

4 de agosto de 2011

Sermão do VI Domingo depois de Pentecostes

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO I.

Do amor de Jesus Cristo em querer ele satisfazer a divina justiça pelos nossos pecados.

1. Narra-se nas histórias um caso de um amor tão prodigioso que será a admiração de todos os séculos. Havia um rei, senhor de muitos reinos, que tinha um único filho, tão belo, tão santo e tão amável, que era o amor do pai, que o amava tanto quanto a si mesmo. Ora, esse principezinho tinha um grande afeto por um seu escravo, de tal modo que, tendo esse escravo cometido um delito, pelo qual já fora condenado à morte, o príncipe se ofereceu ele mesmo a morrer pelo escravo: e o pai, porque era cioso da justiça, contentou-se em condenar o amado filho à morte, a fim de libertar o escravo do merecido castigo. E assim foi feito: o filho morreu condenado, e ficou liberto o escravo [1].
2. Ora, esse caso, ao qual semelhante jamais houve nem haverá no mundo, está registrado nos Evangelhos, onde se lê que o Filhinho de Deus, o Senhor do universo, tendo sido o homem condenado pelo pecado à morte eterna, quis tomar carne humana e assim pagar com a sua morte a pena devida ao homem: Oblatus est quia ipse voluit (Is. LIII, 7). E o Eterno Pai fê-lo morrer na cruz para salvar-nos a nós, miseráveis pecadores: Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum (Rom. VIII, 32). Que vos parece, alma devota, este amor do Filho e do Pai?
3. Então, meu amado Redentor, vós, com a vossa morte, quisestes sacrificar-vos, para obter-me o perdão? E o que vos retribuirei por gratidão? Vós muito me haveis obrigado a amar-vos; por demais vos seria ingrato se eu não vos amasse com todo o meu coração. Vós me destes a vossa vida divina; eu, miserável pecador que sou, dou-vos a minha vida. Sim, aquela vida ao menos que me resta quero empregá-la somente em amar-vos, obedecer-vos e dar-vos gosto.
4. Homens, homens, amemos este Redentor, que sendo Deus não se dedignou encarregar-se dos nossos pecados para satisfazê-los com as suas penas e castigos por nós merecidas: Vere languores nostros ipse tulit, et dolores nostros ipse portavit (Is. LIII, 4). - Diz S. Agostinho que o Senhor, ao criar-nos, formou-nos por virtude de seu poder, mas, ao redimir-nos, salvou-nos da morte por meio das suas dores: Condidit nos fortitudine sua, quaesivit nos infirmitate sua [2]. Quanto vos devo, ó Jesus meu Salvador! Se eu desse mil vezes o sangue por vós, se gastasse mil vidas, mesmo assim seria pouco. Ó, quem pensasse frequentemente no amor que vós nos demonstrastes na vossa Paixão, como poderia amar outro além de vós? Por aquele amor com que nos amastes sobre a cruz, dai-me a graça de amar-vos com todo o coração. Amo-vos, bondade infinita, amo-vos sobre todo bem, e não desejo outra coisa além do vosso santo amor.
5. Mas como é isso? pergunta o mesmo S. Agostinho. Como o vosso amor, ó Salvador do mundo, pôde chegar a tal ponto que eu tenha cometido o crime e vós tenhais pago a pena dele? Quo tuus attigit amor? Ego inique egi, tu poena multaria? [3] E o que vos importava, acrescenta S. Bernardo, que nós nos perdêssemos e fôssemos castigados como já merecíamos, que tenhais querido vós satisfazer na vossa carne inocente os nossos pecados? e, para livrar-nos da morte, vós, Senhor, tenhais querido morrer? O bone Iesu, quid tibi est? mori nos debuimus, et tu solvis? nos peccavimus, et tu luis? Opus sine exemplo, gratia sine merito, caritas sine modo (Quod. 1. 5) [4]. Ó obra que não teve nem terá jamais semelhante! Ó graça que nós não poderíamos jamais merecer! Ó amor que não se poderá jamais compreender! [5]
6. Predissera já Isaías que o nosso Redentor devia ser condenado à morte e, como um cordeiro inocente, levado ao sacrifício: Sicut ovis ad occisionem ducetur (Is. LIII, 7). Qual maravilha, ó Deus, devia fazer aos anjinhos ver o seu inocente Senhor ser conduzido como vítima para ser sacrificado sobre o altar da cruz por amor do homem! E que susto deve ter dado no céu e no inferno, ver um Deus condenado como um vilão num patíbulo de opróbrio pelos pecados das suas criaturas!
7. Christus nos redemit de maledictio legis, factus pro nobis maledictum (quia scriptum est: maledictus omnis qui pendet in ligno) ut in gentibus benedictio Abrahae fieret in Christo Iesu (Gal. III, 13, 14). Aqui diz S. Ambrósio: Ille maledictum in cruce factus, ut tu benedictus esses in regno Dei (Ep. 47) [6]. Portanto, meu caro Salvador, vós, para obter-me a divina bênção vos contentastes em abraçar para vós a desonra de aparecer sobre a cruz, maldito diante do mundo e abandonado ao padecimento até mesmo pelo vosso Eterno Pai, pena que vos fez gritar em alta voz: Deus meus, Deus meus, ut quid dereliquisti me? (Matth. XXVII, 46). Sim, comenta Simão de Cássia, Jesus foi abandonado na sua Paixão para que nós não ficássemos abandonados nos pecados por nós cometidos: Ideo Christus derelictus est in poenis, ne nos derelinquamur in culpis [7]. Ó prodígio de piedade! ó excesso de amor de um Deus para com uns homens! E como se pode encontrar, ó meu Jesus, alma que creia nisso e não vos ame?
8. Dilexit nos, et lavit nos a peccatis nostris in sanguine suo (Apoc. I, 5). Eis aonde chegou, ó homens, o amor de Jesus para conosco para lavar-nos das manchas dos nossos pecados. Ele, derramando todo o seu sangue, quis conceder-nos um banho de salvação no seu mesmo sangue. Offert sanguinem, diz um douto autor (Contens. theol. to. 2. 1. 10. dis. 4), melius clamantem, quam Abel; quia iste iustitiam, sanguis Christi misericordiam interpellabat [8]. Mas aqui exclama S. Boaventura: O bone Iesu, quid fecisti? Ó meu Salvador, o que fizestes? aonde vos transportou o amor? que vistes em mim, que tanto de mim vos enamorastes? Quid me tantum amasti? quare, Domine, quare? quid sum ego? [9] Por que quisestes sofrer tanto por mim? Quem sou eu que a tão caro preço tenhais querido ganhar o meu amor? Ah! foi tudo obra do vosso amor infinito! que por isso sejais sempre louvado e bendito.
9. O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut dolor meus (Thren. I, 12). Considerando o mesmo Seráfico Doutor essas palavras de Jeremias, como ditas pelo nosso Redentor enquanto estava na cruz morrendo por nosso amor, diz: Imo, Domine, attendam et videbo, si est amor sicut amor tuus [10]. E quer dizer: já vejo e entendo, ó meu apaixonado Senhor, o quanto padeceis sobre este lenho infame; mas aquilo que mais me constrange a amar-vos é o contemplar o afeto que vós me demonstrais com tanto sofrimento, a fim de ser amado por mim.
10. O que mais inflamava S. Paulo a amar Jesus era pensar que ele não só por todos, mar por ele em particular quis morrer: Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me (Gal. II, 20): Ele me amou, dizia, e por mim se deu à morte. E assim diga cada um de nós; porque afirma S. João Crisóstomo que Deus tanto ama cada homem quanto ama todo o mundo: Adeo singulum quemque hominum pari caritatis modo diligit, quo diligit universum orbem [11]. De modo que cada um de nós não é menos obrigado a Jesus Cristo por ter ele padecido por todos, que se tivesse padecido por ele só [12]. Ora, se Jesus, meu irmão, fosse morto para salvar-vos só a vós, deixando os demais na sua ruína original, que obrigação não terias para com ele? Mas deveis entender ainda que maior obrigação lhe tendes por ter morrido para salvar a todos. Se ele tivesse morrido por vós somente, que pena seria a vossa em pensar que os vossos próximos, pais, irmãos e amigos devessem ser condenados, e que teríeis de ser, depois desta vida, deles sempre separado? Se vós tivésseis sido escravo com toda a vossa família e alguém viesse resgatar-vos a vós só, quanto lhe pediríeis que, junto convosco, resgatasse também os vossos pais e irmãos? E quanto o agradeceríeis, se ele o fizesse para contentar-vos? Dizei, pois, a Jesus: Ah, meu doce Redentor, isso fizestes vós por mim sem que eu o tivesse pedido, não só me resgatastes a mim da morte com o preço do vosso sangue, mas também os meus parentes e amigos, de modo que bem posso eu esperar que, unido com eles, gozar-vos-emos para sempre no paraíso. Senhor, eu vos agradeço e amo, e espero agradecer-vos e amar-vos eternamente naquela pátria feliz.
11. E quem poderá explicar, diz S. Lourenço Justiniano, o amor que tem o Verbo divino por cada um de nós, enquanto ele excede o amor de todo filho por sua mãe e de toda mãe por seus filhos? Praecellit omnem maternum ac filialem affectum Verbi Dei intensa caritas; neque humano valet explicari eloquio, quo circa unumquemque moveatur amore [13]. De modo que revelou o Senhor a S. Gertrudes, que ele estaria pronto para morrer tantas vezes quantas são as almas condenadas, se fossem ainda capazes de redenção: Toties morerer quot sunt animae in inferno [14]. Ó Jesus, ó bem mais amável que qualquer outro bem [15], por que os homens vos amam tão pouco? Dai a conhecer o que sofrestes por cada um deles, o amor que por eles tendes, o desejo que tendes de ser por eles amado, as belas recompensas que por ser amado tendes. Fazei-vos conhecer, ó meu Jesus, e fazei-vos amar.
12. Ego sum pastor bonus, disse o Redentor, bonus pastor animam suam dat pro ovibus suis (Io. X, 11). Mas, Senhor, onde se acham no mundo pastores semelhantes a vós? Os outros pastores dão a morte às suas ovelhas para conservar a própria vida: vós, pastor por demais amoroso, quisestes dar a vossa vida divina para obter a vida às vossas amadas ovelhinhas. E dessas ovelhinhas, ó meu amabilíssimo pastor, uma por minha sorte sou eu. Qual é, pois, minha obrigação de amar-vos e de gastar toda a minha vida para vós, já que vós, por amor meu em particular, morrestes? E que confiança eu devo ter no vosso sangue, sabendo que foi derramado para pagar os meus pecados? Et dices in die illa: Confitebor tibi, Domine. Ecce Deus salvator meus, fiducialiter agam et non timebo (Is. XII, 1, 2). E como posso ainda desconfiar da vossa misericórdia, ó meu Senhor, vendo as vossas chagas? - Vamos, ó pecadores, e recorramos a Jesus que está sobre aquela cruz como em trono de misericórdia. Ele aplacou a justiça divina por nós desdenhada. Se nós havemos ofendido a Deus, ele por nós fez a penitência: basta que nós nos arrependamos disso.
13. Ah, meu caríssimo Salvador, a que vos reduziu a piedade e o amor que tendes para comigo! Peca o escravo, e vós, Senhor, pagais a sua pena? Se penso, portanto, nos meus pecados, devo tremer pelo castigo que mereço: mas, pensando na vossa morte, tenho mais razão para esperar do que para temer. Ah, sangue de Jesus, tu és toda a minha esperança.
14. Mas esse sangue, assim como nos dá confiança, assim também nos obriga a sermos todos do nosso Redentor. Exclama o Apóstolo: An nescitis, quia non estis vestri? Empti enim estis pretio magno (I Cor. VI, 19 et 20). Não que não posso, meu Jesus, sem injustiça, dispor mais de mim e das minhas coisas, enquanto fui feito vosso, tendo-me vós recomprado com a vossa morte. O meu corpo, a minha alma, a minha vida não é mais minha, é vossa e é toda vossa. Quero, pois, só em vós esperar, só a vós quero amar, ó meu Deus crucificado e morto por mim. Eu não tenho nada para oferecer-vos além desta alma resgatada com o vosso sangue; ofereço-vo-la. Aceitai-me a amar-vos, que eu não quero outra coisa além de vós, meu Salvador, meu Deus, meu amor, meu tudo. No passado fui bem grato com os homens, só convosco fui ingrato. No presente eu vos amo; e não há pena que mais me aflija do que ter-vos desgostado. Ó meu Jesus, dai-me confiança na vossa Paixão, e tirai do meu coração todo afeto que não é para vós. Eu quero amar só a vós, que mereceis todo o meu amor e muito me haveis obrigado a amar-vos.
15. E quem poderá resistir a não amar-vos vendo-vos, a vós que sois o dileto do Eterno Pai, que quisestes por nós terminar a vida com uma morte tão amarga e impiedosa?
Ó Maria, ó mãe do belo amor, pelos méritos do vosso Coração inflamado, obtende-nos a graça de viver só para amar o vosso Filho, que, sendo por si digno de um infinito amor, quis a tanto custo conquistar para si o amor de mim, mísero pecador.
Ó amor das almas, ó meu Jesus, eu vos amo, eu vos amo, eu vos amo. Mas vos amo pouco demais; dai-me vós mais amor, mais chamas que me façam viver sempre ardendo no vosso amor. Eu não o mereço, mas bem o mereceis vós, bondade infinita. Amém, assim espero, assim seja.


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NOTAS:
[1]: Nas primeiras edições (Pellecchia, Paci 1751, De’ Rossi 1755) foi posto sob o n. 1 aquilo que nas edições posteriores, e também na nossa, é dividido entre os nn. 1 e 2. Nelas falta a última frase do nosso n. 2.

[2]: “Invenimus virtutem Iesum, et invenimus infirmum Iesum: fortem et infirmum Iesum... Vis videre quam iste Filius Dei fortis sit? Omnia per ipsum facta sunt... et sine labore facta sunt... Infirmum vis nosse? Verbum caro factum est et habitavit in nobis. Fortitudo Christi te creavit, infirmitas Christi te recreavit... Condidit nos fortitudine sua, quaesivit nos infirmitate sua.” S. AUGUSTINUS, In Ioannis Evangelium, tractatus 15, n. 6. ML 35-1512.

[3]: Liber Meditationum, cap. 7. Inter Opera S. Augustini, ML 40-906. Porém, essas Meditações são obra de um compilador mais recente, provavelmente de Alchero, monje de Claraval. - A passagem aqui aludida é de S. Anselmo. “Quo tuus attigit amor?... Ego enim inique egi, tu poena multaris.” S. ANSELMUS, Orationes, Oratio 2. ML 158-861.

[4]: A mesma sentença se encontra em Lohner, Bibliotheca concinatoria, titulus 110, Passio Christi, §3, n. 1, com a mesma indicação de fonte. - Veja Appendice, 3, A.

[5]: Nas edições de 1751 (Pellecchia, Paci) e na de De’ Rossi (1755), a última exclamação é: “Ó amor sem medida!”.

[6]: S. AMBROSIUS, Epistola 46, ad Sabinum, n. 13. ML 16-1149.

[7]: “Ideo Christus est derelictus in poenis, ne nos derelinqueremur in peccatis, ut ipsius derelictio sit nostra liberatio peccatorum.” SIMON DE CASSIA, De gestis Domini Salvatoris, lib. 13 (de Passione Domini), cap. 116.

[8]: Vincentius CONTENSON. O. P., Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1 (quartus excessus).

[9]: “O bone Iesu, quid fecisti, quid me tantum amasti? Quare, Domine, quare? Quare, Domine Iesu? Quid sum ego?” Stimulus amoris, pars 1, cap. 13. Opera S. Bonaventurae, VII, p. 206, col. 2: Lugduni, 1668, post editiones Vaticanam et Germanicam. - Vedi Appendice, 2, 5°.

[10]: “Prae nimia doloris vehementia clamavit, dicens: O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si est dolor sicut dolor meus. Re vera, Domine Iesu Christe, numquam fuit dolor similis dolori tuo. Tanta enim fuit sanguinis tui effusio, ut totum corpus tuum aspergeretur... Scio, Domine, et vere scio, quia propter aliud hoc non fecisti, nisi ut ostenderes quanto affectu me diligeres.” S. BONAVENTURA, De perfectione vitae ad Sorores, cap. 6, n. 6. Opera, VIII, ad Claras Aquas, 1898.

[11]: “Declarat (Paulus) hoc quoque par esse, ut quisque nostrum non minus agat gratias Christo, quam si propter ipsum solum advenisset. Neque enim recusaturus erat vel ob unum tantam exhibere dispensationem: adeo unumquemque hominem pari caritatis modo diligit, quo diligit orbem universum.” S. IO. CHRYSOSTOMUS, In Epistolam ad Galatas, cap. 2, n. 8. MG 61-646.

[12]: Nas edições de 1751 (Pellecchia, Paci) e na Romana (De’ Rossi, 1755) - que foi feita sobre as precedentes - essa última frase é: “De modo que, meu Redentor, se não houvesse no mundo ninguém além de mim, só por mim ter-vos-íeis feito homem, se morreríeis na cruz.” - Em seguida falta todo o restante, até o n. 11, que foi acrescentado nas edições posteriores.

[13]: S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De triumphali Christi agone, cap. 5 (princípio).

[14]: “Hanc (Gertrudis) percepit instructionem, quod, cum homo dirigit se ad Crucifixum, aestimet in corde suo Dominum Iesum blanda voce sibi dicentem: “Ecce quomodo causa tui amoris pependi in cruce nudus et despectus, et toto corpore vulneratus necnon per singula membra distentus. Et iam tali dulcore caritatis afflicitur Cor meum erga te, quod, si saluti tuae expediret et aliter salvari non posses, iam pro te solo vellem omnia tolerare quae umquam aestimare posses me tolerasse pro toto mundo. Sed vere iam impossibile est quod corpus meum possit amplius mori seu aliquam poenam vel tribulationem pati. Et sic etiam impossibile est quod aliqua anima, quae post mortem meam est vel fuerit in infernum condemnata, inde umquam amplius liberetur... sed sentient infernales poenas in aeterna morte, quia noluerunt frui beneficio mortis et Passionis meae.” S. GERTRUDIS MAGNA, Legatus divinae pietatis, lib. 3, cap. 41 (edizione dei Benedettini di Solesmes, 1875), p. 205. - Questo presso S. Geltrude. Ma le stessissime parole qui riferite da S. Alfonso sono prese dalle Rivelazioni di S. BRIGIDA, Revelationum lib. 7, cap. 19: “Contigit uni personae vigilanti et orationi vacanti, quod... videbat se raptam esse in spiritu in unum palatium... Videbatur quoque sibi Iesus Christus sedere inter sanctos suos... qui suum benedictum os aperiens, proferebat haec verba: “Ego vere sum ipsa summa caritas... Caritas ita incomprehensibilis et intensa nunc in me est, sicut erat in tempore Passionis meae... Si adhuc possibile esset quod ego toties morerer quot sunt animae in inferno, ita quod pro qualibet earum talem mortem iterum sustinerem qualem tunc pro omnibus sustinui, adhuc corpus meum paratum esset subire haec omnia, cum libenti voluntate et perfectissima caritate.”

[15]: Pellecchia, Paci (Napoli 1751): “Ó Jesus, ó homem mais amável e mais amante que todos os homens...”

3 de agosto de 2011

O Amor das Almas, S. Afonso de Logório. FRUTOS QUE SE TIRAM DE MEDITAR A PAIXÃO DE JESUS CRISTO.

1. O amante das almas, o nosso amantíssimo Redentor, declarou que não teve outro fim em vir à terra fazer-se homem, senão acenter fogo de santo amor nos corações dos homens: Ignem veni mittere in terram, et quid volo, nisi ut accendatur? (Luc. XII, 49). E, ó, que belas chamas de caridade ele acendeu em tantas almas, especialmente com as penas que ele escolheu padecer na sua morte, a fim de nos demonstrar o amor imenso que por nós conserva! Ó quantos corações felizes, nas chagas de Jesus, como em tantas fornalhas de amor, inflamaram-se tanto amando-o que não recusaram consagrar-lhe os bens, a vida e a si mesmos totalmente, superando com grande coragem todas as dificuldades que surgiam-lhes na observância da divina lei, por amor daquele Senhor que, sendo Deus, quis sofrer tanto por amor deles! Foi justamente esse o conselho que nos deu o Apóstolo para não errar, e para correr depressa no caminho do céu: Recogitate eum, qui talem sustinuit adversus semetipsum a peccatoribus contradictionem, ut ne fatigemini animis vestris deficientes (Hebr. XII, 3).
2. Por isso o enamorado S. Agostinho, à vista de Jesus pregado na cruz, assim docemente rezava: Scribe, Domine, vulnerata tua in corde meo, ut in eis legam dolorem et amorem: dolorem ad sustinendum pro te omnem dolorem: amorem ad contemnendum pro te omnem amorem [1]. Escreve, dizia, ó meu amantíssimo Salvador, escreve no meu coração as tuas chagas, a fim de que nelas eu leia sempre a vossa dor e o vosso amor; sim, porque tendo diante dos meus olhos a grande dor que vós, meu Deus, sofrestes por mim, eu sofrerei com paz todas as penas que me occorrerem padecer; e à vista do vosso amor, que me declarastes sobre a cruz, eu não amarei nem poderei amar nada além de vós.
3. E de onde os santos tiraram ânimo e força para sofrer os tormentos, os martírios e as mortes, senão das penas de Jesus crucificado? S. José de Leonessa, capuchinho, vendo que os outros queriam amarrá-lo com cordas por um corte doloroso no corpo, que lhe devia dar o cirurgião, ele pegou nas mãos o seu Crucifixo e disse: "Que cordas, que cordas! eis os meus ligames: este meu Senhor pregado por meu amor; Ele com as suas dores me constrange a suportar todas as penas por seu amor". E assim sofreu o corte sem se lamentar [2], vendo Jesus, que, tantum agnus coram tondente se obmutui, et non aperuit os suum (Is. LIII, 7) [3]. Quem poderá dizer que padece injustamente, vendo Jesus, que attritus est propter scelera nostra? (Ibid. 5). Quem poderá recusar obedecer por causa de qualquer incômodo, sendo Jesus factus obediens usque ad mortem? (Philip. II, 8). Quem poderá recusar as ignomínias, vendo Jesus tratado como louco, como rei de burla, como vilão, zombado, cuspido na face e levantado a um patíbulo infame?
4. Quem poderá, pois, amar outro objeto senão Jesus, vendo-o morrer entre tantas dores e desprezos, a fim de cativar a si o nosso amor? Um devoto solitário pedia a Deus que lhe ensinasse o que poderia fazer para amá-lo perfeitamente; revelou-lhe o Senhor que, para chegar ao seu perfeito amor, não havia exercício mais apto do que meditar amiúde a sua Paixão [4]. Chorava S. Teresa e se lamentava de alguns livros que lhe haviam ensinado a deixar de meditar a Paixão de Jesus Cristo, porque isso podia ser um impedimento à contemplação da Divindade; por isso a santa exclamava: "Ó Senhor da minha alma, ó meu Bem, Jesus crucificado, nunca me lembro dessa opinião sem que me pareça ter feito uma grande traição. E é possível que vós, Senhor, me fosses impedimento a um bem maior? E donde me vieram todos os bens, senão de vós?" E então ajuntou: "Vi que para contentar a Deus, e para que nos faça grandes graças, ele quer que isso passe pelas mãos dessa humanidade sacratíssima, na qual disse que sua divina majestade punha suas complacências" [5].
5. Por isso dizia o P. Baldassarre Alvarez que a ignorância dos tesouros que temos em Jesus, era a ruína dos Cristãos; por isso a meditação da Paixão de Jesus Cristo era a sua mais dileta e usada, meditando em Jesus principalmente três dos seus padecimentos: a pobreza, o desprezo e a dor; e exortava os seus penitentes a meditar frequentemente a Paixão do Redentor, dizendo que não pensassem ter feito nada, se não chegassem a ter sempre fixo no coração Jesus crucificado [6].
6. Quem quer, ensina S. Boaventura, crescer sempre de virtude em virtude, de graça em graça, medite sempre Jesus apaixonado: Si vis, homo, de virtute in virtutem, de gratia in gratiam proficere, quotidie mediteris Domini Passionem. E ajunta que não há exercício mais útil para tornar uma alma santa, que considerar amiúde as penas de Jesus Cristo: Nihil enim in anima ita operatur universalem sanctificationem, sicut meditatio Passionis Christi [7].
7. Além disso dizia S. Agostinho (Ap. Bernardin. de Bustis) que vale mais uma só lágrima derramada por memória da Paixão de Jesus, que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum em pão e água [8]. Sim, porque para tal fim o nosso amante Salvador padeceu tanto, para que nós pensássemos nisso; porque, pensando nisso, não é possível não se inflamar no divino amor: Caritas enim Christi urget nos, diz S. Paulo (II Cor. V, 14). Jesus é amado por poucos porque poucos são aqueles que consideram as penas que ele padeceu por nós; mas quem as considera com frequência, não pode viver sem amar Jesus: Caritas... Christi urget nos. Sentir-se-á constranger de tal modo pelo seu amor que não lhe será possível resistir e não amar um Deus tão enamorado que tanto padeceu para fazer-se amar [9].
8. Por isso o Apóstolo dizia que ele não queria saber de outra coisa que Jesus e Jesus crucificado, isto é, o amor que ele nos demonstrou na cruz: Non iudicavi me scire aliquid inter vos, nisi Iesum Christum, et hunc crucifixum (I Cor. II, 2). E na verdade, de que livros podemos nós aprender a ciência dos santos, que é a ciência de amar a Deus, senão de Jesus crucificado? O grande servo de Deus Frei Bernardo de Corlione, capuchinho, não sabendo ler, seus religiosos queriam instruí-lo; ele foi aconselhar-se com o Crucifixo, mas Jesus lhe respondeu da cruz: "Que livros! que ler! Eis que eu sou o teu livro, onde sempre podes ler o amor que eu tive por ti" [10]. Ó grande ponto para se considerar por toda a vida e por toda a eternidade: um Deus morto por nosso amor! um Deus morto por nosso amor! Ó grande ponto!
9. Um dia, S. Tomás de Aquino, visitando S. Boaventura, perguntou-lhe que livro mais ele usava para registrar tantas belas doutrinas que ele havia escrito. S. Boaventura mostrou-lhe a imagem do Crucifixo, toda enegrecida por tantos beijos que lhe havia dado, dizendo: "Eis o meu livro, do qual tiro tudo o que escrevo; ele me ensinou todo o pouco que eu sei" [11]. Todos os santos aprenderam a arte de amar a Deus pelo estudo do Crucificado. Frei João de Alvernia todas as vezes que olhava Jesus pregado, não podia conter as lágrimas [12]. Frei Tiago de Tuderto, ouvindo ler a Paixão do Redentor, não só chorava abundantemente, mas irrompia em gritos, estupefato pelo amor do qual se sentia inflamado pelo amado Senhor [13].
10. O P. S. Francisco, neste doce estudo do Crucificado, tornou-se aquele grande serafim [14]. Ele derramava lágrimas continuamente ao meditar as penas de Jesus Cristo, tanto que quase perdeu a vista [15]. Uma vez, encontrado a gritar chorando, perguntaram-lhe o que tinha. "E que quero ter?, respondeu o santo, choro as dores e as afrontas dadas ao meu Senhor; e cresce, acrescentou, a minha pena ao ver os homens ingratos, que não o amam e vivem esquecidos dele" [16]. E todas as vezes que ouvia balir um cordeiro sentia-se ferido de compaixão, pensando na morte de Jesus, Cordeiro imaculado, exangue na cruz pelos pecados do mundo [17]. E por isso o enamorado santo não sabia exortar com maior urgência outra coisa aos seus irmãos, senão recordar-se frequentemente da Paixão de Jesus [18].
11. Eis, portanto, o livro, Jesus crucificado, que, se ainda for por nós lido amiúde, nós ficaremos, de uma parte, bem amaestrados a temer o pecado, e de outra, inflamados a amar a um Deus que tanto ama, lendo naquelas chagas a malícia do pecado que reduziu um Deus a sofrer uma morte tão amarga para satisfazer a divina justiça; e o amor que nos revelou o Salvador ao querer padecer tanto para fazer-nos entender o quanto ele nos amava.
12. Rezemos à divina mãe Maria, a fim de que nos obtenha do Filho a graça de entrar também nós naquelas fornalhas de amor onde ardem tantos corações enamorados: a fim de que, ficando aí consumados todos os nossos afetos terrenos, possamos também nós queimar naquelas felizes chamas que tornam as almas santas na terra e bem-aventuradas no céu. Amém.


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NOTAS:

[1]: Essa oração não é de S. Agostinho: porém o pensamento é seu. - Veja Appendice, 1.

[2]: "Crescia a cada dia na sua carne a gangrena... Determinaram (os médicos) realizar a amputação. Tratando o cirurgião de amarrá-lo, para que, pela veemência da dor, não se desconcertasse, tomando nas mãos o seu Crucifixo, disse: "Não são necessários outros ligames além daqueles da caridade mostrada a nós pelo Filho de Deus nessa cruz"; e com tanta fortaleza de alma sofreu aquela incisão, que não lhe saiu da boca um só suspiro e nenhuma voz de lamento, mas repetia somente a oração Sancta Maria, succurre miseris... Chegou-se à segunda incisão no dia seguinte, a qual ele suportou com a mesma paciência." Zaccaria BOVERIOi], Anais dos Capuchinhos, ano 1612, n. 155.

[3]: Quasi agnus coram tondente se obmutescet, et non aperiet os suum, Is. LIII, 7.

[4]: Quem é esse devoto solitário, não se sabe. Muito provavelmente S. Afonso chegou ao conhecimento deste fato por Ludolfo de Saxônia: "Multum quippe placet Deo quod homo memoriam Passionis et vulnerum eius portet in corde suo. Narratur enim quod cum quidam eremita sanctissimae vitae instanter Dominum exoraret, ut sibi ostenderet quod sibi inter cetera servitia magis acceptaret, vidit hominem nudum trepidantem frigore, et crucem magnam super se baiulantem, et sibi quis esset interroganti dicentem: Iesus Christus ego sum. Rogasti enim me ut tibi ostenderem quod inter cetera servitia mihi magis complaceret, et nunc tibi dico quod hoc, scilicet quod quis homo iuvet me portare crucem meam, et vulnera, et Passionem in corde suo. "Et haec dicens evanuit." LUDOLPHUS DE SAXONIA, Ord. Carthus., Vita Iesu Christi, pars 2, cap. 58. - Cf. AURIEMMA, S. I., Stanza dell' anima nelle piaghe di Gesù, Venezia, 1755, parte 2, cap. 20, p. 421.

[5]: "(En algunos libros que están escritos de oración) avisan mucho que aparten de sí toda imaginacion corpórea, y que se lleguen a contemplar en la Divinidad; porque dicen que, qunque sea la Humanidad de Cristo, a los que llegan ya tan adelante, que embaraza u impide a la màs perfeta contemplaciòn.... Esto bien me parece a mi algunas veces; mas apartarse del todo de Cristo, y que entre en cuenta este divino Cuerpo con nuestras miserias ni con todo lo criado, no lo puedo sufrir... Si me hubiera estado en ello, creo nunca hubiera llegado a lo que ahora, porque, a mi parecer, es engano.... Ya no habia quien me hiciese tornar a la Humanidad, sino que, en hecho de verdad, me parecia me era impedimento. Oh Señor de mi alma y Bien mio Jesucristo crucificado! No me acuerdo vez de esta opiniòn que tuve que no me da pena; y me parece que hice una gran traiciòn, aunque con inorancia... Durò muy poco estar en esta opiniòn, y ansi siempre tornaba a mi costumbre de holgarme con este Señor... Es posible, Señor mio, que cupo en mi pensamiento, ni un hora, que Vos me habiades de impidir para mayor bien? De donde me vinieron a mi todos los bienes sino de Vos? No quiero pensar que en esto tuve culpa, porque me lastimo mucho, que cierto era inorancia... Y veo yo claro, y he visto después, que para contentar a Dios y que nos haga grandes mercedes, quiere sea por manos de esta Humanidad sacratisima, en quien dijo Su Majestad se deleita. Muy, muy muchas veces lo he visto por expiriencia; hámelo dicho el Señor." S. TERESA, LIbro de la Vida, cap. 22. Obras, I, 165-169.

[6]: "Sobre todos os mistérios do Salvador, tinha singular devoção àqueles da santíssima sua Paixão e morte de cruz, a qual tinha muito fixa na memória, e muito gostava de meditar... Era tão grande o proveito que tirava daí, que a todos os que começavam a fazer oração mental, aconselhava que meditassem a Paixão, como fonte que é de todo proveito espiritual. E costumava repetir ora e ora nas suas exortações ordinárias: 'Não pensemos ter feito coisa alguma de relevante, se não chegamos a levar sempre nos nossos corações Jesus crucificado.' ... Aquilo que meditava com especial sentimento e com fervor em Cristo crucificado eram os três companheiros que o seguiram desde o presépio por todo o tempo da sua vida, e com mais razão na sua Paixão e na sua morte: a saber, Pobreza, Desprezo e Dor." Ven. Lodovico DA PONTE, Vita, cap. 3, § 2. - "Como se previsse que chegava ao final da vida, ele se aplicou naqueles exercícios com tanto fervor, mais do que em qualquer outro tempo, meditando ... os sagrados mistérios da Paixão, a fim de renovar no seu coração a viva imagem de Jesus crucificado, acompanhado dos seus três perpétuos companheiros, Pobreza, Desprezo e Dor". Ibid., cap. 47.

[7]: "(Christi) Passionem rumines quotidie. Huius enim Passionis Christi meditatio continua mentem elevabit, quid agendum, quid meditandum, quid quiescendum et sentiendum sit, indicabit; te demum ad ardua infiammabit; te vilificari, et contemni, et affligi faciet; affectus tuos tam in cogitatione quam in locutione ac etiam operatione regulabit... Vere mirabile est quod Christus in cruce sitiens inebriat, nudus exsistens virtutum vestimentis ornat... O Passio mirabilis, quae suum meditatorem alienat, et non solum reddit angelicum, sed divinum." Stimulus amoris, pars 1, cap. 1. Inter Opera S. Bonaventurae, VII, Lugduni, 1668. - Vedi Appendice, 2, 5°. - "Quoniam devotionis fervor per frequentem Christi Passionis memoriam nutritur et conservatur in homine, ideo necesse est ut frequenter, ut semper oculis cordis sui Christum in cruce tamquam morientem videat qui devotioinem in se vult inexstinguibilem conservare. Propter hoc Dominus dicit in Levitico (VI, 12): Ignis in altari meo semper ardebit, quem nutriet sacerdos subiiciens ligna per singulos dies. Audi, mater devotissima: Altare Dei est cor tuum: in hoc altari debet semper ardere ignis fervidae devotionis, quem singulis diebus debes nutrire per ligna crucis Christi et memoriam Passionis ipsius. Et hoc est quod dicit Isaias propheta (XII, 3): Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris; ac si diceret: quicumque desiderat a Deo aquas gratiarum, aquas devotionis, aquas lacrimarum, ille hauriat de fontibus Salvatoris, id est de quinque vulneribus Iesu Christi." S. BONAVENTURA, De perfectione vitae ad Sorores, cap. 6, n. 1. Opera, VIII, ad Claras Aquas, 1898, pag. 120.

[8]: "Quam magni sit meriti Passionem Filii Dei piangere, ostendit Augustinus in quodam sermone (?), dicens quod magis meretur vel unam solam lacrimam emittens ob memoriam Passionis Christi, quam si usque ad terram promissionis peregrinaretur, et quam si per totum annum omni hebdomada totum psalterium diceret, et plus quam si qualibet anni hebdomada disciplinam faceret, vel in pane et aqua ieiunaret." BERNARDINUS DE BUSTO, O. M., Rosarium Sermonum, pars 2, Sermo 15 (logo após o exórdio e invocação). - Mais provavelmente, segundo Tiepolo (Considerações da Paixão, tratado 1, 16°), essa sentença é atribuída a S. Alberto Magno: porém não a encontramos no tratado De sacrificio Missae, ao qual ele faz referência.

[9]: As edições de 1751 (Pellechia, Paci) unem os nossos nn. 6 e 7; na Romana (De' Rossi, 1755) falta a supracitada sentença de S. Agostinho.

[10]: "Bernardo, não procures outro livro, mas te baste aquele das minhas Chagas, porque dele aprenderás doutrina mais proveitosa do que possa haver em qualquer outro." GABRIELE DA MODIGLIANA, Vida do B. Bernardo de Corlione, Leigo professo Capuchinho, lib. 1, cap. 12.

A frase seguinte falta nas edições de 1751 e de 1755 (De' Rossi).
[11]: "Tantam admiratus est in operibus eius doctrinam et eruditionem sanctus Thomas Aquinas, ut petierit a Bonaventura sibi ostendi libros ex quibus tam multiplicem atque adeo magnam eruditionis ubertatem hauriret. Is vero Christi Domini cruci affixi imaginem demonstravit, e quo fonte uberrimo se accipere professus est quidquid vel legeret vel scriberet." WADDINGUS, Annales Minorum, an. 1260, n. 20.

[12]: "Natus est hoc anno (1259) Beatus Ioannes Firmanus, de Alvernia cognominatus ob diutinam in illo monte habitationem... Septimo aetatis anno, puerulorum fugiebat consortia, solitaria frequentans loca. In quibus amarissime Christi deflebat Passionem, lacrimis addens verbera et profundos singultus.... Noctu etiam Christum passum meditatus, in tanta copia lacrimas mittebat, ut suppositum cervical madefieret. Atque adeo cordi insita erat Passionis huiusmodi compassio, ut etiam dormiens fieret amare".WADDINGUS, Annales Minorum, an. 1259, n. 7.

[13]: "Adeo fervebat Dei amore, uti mente a sensibus alienata esse videretur; interim psallebat, interim plorabat, creberrime autem in suspiria erumpebat. Saepenumero sese a congressu hominum subducens, praecurrebat acri divini amoris stimulo incitatus, sibique Iesum Christum amplexari constringereque visus, amplectebatur arborem quampiam, vociferans eumque summa voce nominibus diversis inclamans, ingeminando identidem: "O Iesu dulcis! O Iesu suavis! O Iesu amantissime! " - Rogatus aliquando a Fratre quid adeo lacrimaretur: respondit id se eo facere quod "Amor non amaretur". WADDINGUS, Annales Minorum, an. 1298, n. 38 et 40. - Porém, das suas lágrimas e gritos ao ouvir ler a Paixão de Cristo, não fala Valdingo, nem Marcos de Lisboa. Mas não falta outro testemunho. "Beatus Frater noster Jacoponus de Tuderto, audiens legi Passionem Christi, non solum lacrimas, sed nec clamores valebat continere. " Ven. BERNARDINUS DE BUSTO, O. M., Rosarium sermonum, pars 2, sermo 15, De lacrimosa Passione Domini (após o exórdio e a invocação).

[14]: "Cum igitur seraphicis desideriorum ardoribus sursum ageretur in Deum, et compassiva dulcedine in eum transformaretur qui ex caritate nimia voluit crucifigi..." S. BOVANENTURA, Legenda S. Francisci, cap. 13, n. 3. Opera, VIII, ad Claras Aquas, 1898, p. 542.

[15]: "Entre outros contínuos exercícios nos quais S. Francisco exercitava a sua alma, o principal era a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, tanto que, desde o princípio da sua conversão, havia-a ele mesmo esculpido no profundo do seu coração, e toda vez que se lembrava dela, não podia conter as lágrimas... Pelo que ele, pela oração contínua, abstinência, vigílias e peregrinações que fazia, ficou todo enfermo na cabeça, nos olhos e no pulmão, mas nem assim cessava." MARCOS DE LISBOA, Crônicas do P. S. Francisco, parte 1, lib. 1, cap. 86. - Vir autem Dei.... nemora replebat gemitibus, loca spargebat lacrimis... A Fratribus... aliquoties auditus est... deplorare.... alta voce, quasi coram positam, dominicam Passionem." S. BONAVENTURA, Legenda S. Francisci, cap. 10, n. 4. - "Cum.... ex continuo fletu infirmitatem oculorum incurrisset gravissimam, suadente sibi medico quod abstineret a lacrimis, si corporei visus caecitatem vellet effugere, vir sanctus respondit: “Non est, frater medice, ob amorem luminis quod habemus commune cum muscis, visitatio lucis aeternae repellenda vel modicum..."Ibid., cap. 5, n. 8.

[16]: "Numa dessas vezes... gritava em alta voz... Ouvido por uma pessoa nobre e temente a Deus que passava, e que fora bem familiar a ele no século, perguntou-lhe, com instância e maravilha, que desgraça lhe havia ocorrido; e o Santo, chorando, respondeu: 'Doo-me e choro pelos graves tormentos e desonras que deram e fizeram ao meu Senhor Jesus Cristo aqueles crudelíssimos Judeus; e tanto mais as sinto com pesar quando ouço e vejo que todo o mundo, aqueles por quem ele padeceu, ingratissimamente se esqueceu de um benefício assim tão inestimável.' E, dizendo isso, começou a derramar um rio de lágrimas." MARCOS DE LISBOA, Crônicas do Padre S. Francisco, parte 1, lib. 1, cap. 86.

[17]: "Illas (creaturas) viscerosius complexabatur et dulcius, quae Christi mansuetudinem piam similitudine naturali praetendunt et Scripturae significatione figurant. Redemit frequenter agnos qui ducebantur ad mortem, illius memor Agni mitissimi qui ad occisionem adduci voluit pro peccatoribus redimendis... Lamentabatur pro morte agniculi (quem sus ferocissima vix natum necaverat) coram omnibus, dicens: "Heu me, frater agnicule, animal innocens, Christum hominibus repraesentans, maledicta sit impia, nullusque de ea comedat homo vel bestia." (Post tres dies, sus necem ex infirmitate pertulit, ac proiecta et in modum tabulae desiccata, nulli fuit esca famelico.)." S. BONAVENTURA, Legenda S. Francisci, cap. 8, n. 6.

[18]: "Exortava os seus filhinhos a folhear bem amiúde, dia e noite, este piedoso livro da Paixão de Cristo... E todos os seus sermões e exortações eram... desta cruz e Paixão santíssima." MARCOS DE LISBOA, Crônicas do P. S. Francisco, parte 1, lib. 1, cap. 87. - "Persuadia continuamente os seus que procurassem purificar-se com as lágrimas derramadas pela Paixão do Senhor." Ibid., cap. 88. - "Recollegit se vir Dei cum ceteris sociis in quodam tugurio derelicto iuxta civitatem Assisti.... Librum crucis Christi continuatis aspectibus diebus ac noctibus revolvebant, exemplo Patris et eloquio eruditi, qui iugiter faciebat eis de Christi cruce sermonem." S. BONAVENTURA, Legenda S. Francisci, cap. 4, n. 3. - "Semper ante oculos habete, fratres carissimi, viam humilitatis et paupertatis sanctae Crucis, per quam nos minavit Salvator noster Iesu Christus... Plane probat (anima quae vere Deum amat et a Spiritu Sancto ducitur) in nulla alia re perfectius requiescere amorem suum quam in compassione caritativa Christi." S. FRANCISCUS, Opuscula, Pedeponti, 1739, tom. 3, Collationes monasticae sive ad Fratres, Collatio 24, De meditanda assidue Christi Passione.