Jesus quis sofrer muito por nós, a fim de dar-nos a conhecer o grande amor que nos tem.
1. Duas coisas, escreveu Cicerone, dão a conhecer um amante, o fazer bem ao amado e o padecer pelo amado; e isso é o maior sinal de um verdadeiro amor: Duo sunt quae amantem produnt, amato benefacere, et pro amato cruciatus ferre, et hoc est maius [1]. Deus já havia bem demonstrado o seu amor ao homem com tantos benefícios a ele dispensados; mas apenas beneficiar o homem ele julgou ser muito pouco para o seu amor, se não tivesse encontrado o modo de demonstrar-lhe quanto o amava também padecendo e morrendo por ele, como fez tomando carne humana: Sed parum esse credidit, si affectum suum non etiam adversa sustinendo monstraret [2]. E que modo mais adaptado poderia Deus encontrar para mostrar-nos o amor imenso que tem por nós do que fazendo-se homem e padecendo por nós? Non aliter Dei amor erga nos declarari poterat, escreve a tal propósito S. Gregório Nazianzeno [3]. - Meu amado Jesus, muito suportastes para declarar-me o vosso afeto e para enamorar-me da vossa bondade. Muito, pois, seria o erro que vos faria, se vos amasse pouco ou amasse outra coisa que não vós.
2. Ah, que fazendo-se ver por nós como um Deus chagado, crucificado e moribundo, bem ele deu, diz Cornélio de Lápide (In 1. Cor.), o maior sinal do amor que nos tem: Summum Deus in cruce ostendit amorem [4]. E antes dele dissera S. Bernardo que Jesus, na sua Paixão, deu-nos a conhecer que o seu afeto para conosco não poderia ser maior do que o quanto era: In Passionis rubore maxima et imcomparabilis ostenditur caritas (De Pass. c. 41) [5]. Escreve o Apóstolo que quando Jesus Cristo quis morrer pela nossa salvação, apareceu, então, até onde chegava o amor de um Deus a nós, míseras criaturas: Apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei (Ad Tit. III, 4). - Ah, meu enamorado Senhor, entendo já que todas as vossas chagas falam-me do amor que me tendes! E quem é que, em vista de tantos sinais da vossa caridade, poderá resistir e não vos amar? Tinha razão em dizer S. Teresa, ó amabilíssimo Jesus, que quem não vos ama dá sinal de que não vos conhece [6].
3. Bem podia Jesus Cristo obter-nos a salvação sem padecer e levando na terra uma vida doce e deliciosa; mas não, diz S. Paulo: Proposito sibi gaudio, sustinuit crucem (Hebr. XII, 2). Recusou ele as riquezas, as delícias, as honras terrenas, e elegeu para si uma vida pobre e uma morte cheia de dores e de opróbrios. E por quê? Não bastava, porventura, que ele tivesse suplicado ao Eterno Pai que perdoasse o homem com uma simples oração, a qual, sendo de infinito valor, era suficiente para salvar o mundo e infinitos mundos? E por que quis, então, escolher para si tantas penas com uma morte tão cruel que bem diz um autor (Contens. theol. t. 2. 1. 10, dis. 4) que por pura dor a alma de Jesus se separou do corpo: Inter agones purus dolor animam e corpore disiunxit [7]? Para que tanto gasto para redimir o homem? Responde S. Jo. Crisóstomo: Bastava sim uma oração de Jesus para redimir-nos, mas não bastava para demonstrar-nos o amor que esse Deus nos tem: Quod sufficiebat Redemptioni non sufficiebat amori (Ser. 128) [8]. E o confirma S. Tomás dizendo: Christus ex caritate patiendo magis Deo exhibuit, quam exigeret recompensatio offensae humani generis (3. p. q. 48. a. 2) [9]. Porque Jesus nos amava assaz bastante, queria ser muito amado por nós; e por isso fez o quanto pôde também padecendo para conquistar o nosso amor e para fazer-nos conhecer que ele não tinha quase nada mais para fazer para fazer-se amar por nós. Multum fatigationis assumpsit, diz S. Bernardo, quo multae dilectionis hominem teneret [10]. Ele tomou muito a padecer para muito obrigar o homem a amá-lo.
4. E que prova maior de afeto, disse o próprio nosso Salvador, pode dar um amante à pessoa amada, que dar a vida por seu amor? Maiorem hac dilectionem nemo habet, ut animam suam ponat quis pro amicis suis (Io. XV, 13). Mas vós, ó amantíssimo Jesus, diz S. Bernardo, fizestes mais do que isso, enquanto quisestes dar a vida por nós, não amigos, mas vossos inimigos e rebeldes: Tu maiorem habuisti, Domine, caritatem, ponens animam pro inimicis [11]. E é isso que advertiu o Apóstolo, quando escreveu: Commendat caritatem suam in nobis, quia cum adhuc peccatores essemus, secundum tempus Christus pro nobis mortuus est (Rom. V, 8, 9). Então, meu Jesus, vós por mim, vosso inimigo, quisestes morrer, e eu poderia resistir a tanto amor? Eis-me, já que vós com tanta pressa desejais que eu vos ame, eu vos amo sobre todas as coisas, expulso de mim todo outro amor e só a vós quero amar.
5. Diz S. Jo. Crisóstomo que o fim principal que teve Jesus na sua Paixão foi mostrar-nos o seu amor, e assim atrair para si os nossos corações com a memória dos males por nós sofridos: Haec prima causa Dominicae Passionis, quia sciri voluit, quantam amaret hominem Deus, qui plus amari voluit quam timeri [12]. Acrescenta S. Tomás que nós, por meio da Paixão de Jesus, conhecemos a grandeza do amor que Deus tem ao homem: Per hoc enim homo cognoscit, quantum Deus hominem diligat [13]. E antes já o dissera S. Jo.: In hoc cognovimus caritatem Dei, quoniam ille animam suam pro nobis posuit [14]. Ah, meu Jesus, ó Cordeiro imaculado sacrificado sobre a cruz por mim, tantus labor non sit cassus [15], não seja perdido tudo o que padecestes por mim; atingi em mim o fim das vossas tantas penas! Ligai-me com as doces cadeias do vosso amor, para que eu não vos deixe e não me separe mais de vós. Iesu dulcissime, ne permittas me separari a te: ne permittas me separari a te.
6. S. Lucas refere que, falando Moisés e Elias sobre o monte Tabor, sobre a Paixão de Jesus Cristo, chamavam-na um excesso: Dicebant excessum eius quem completurus erat in Ierusalem (Luc. IX, 31). Sim, diz S. Boaventura, com razão a Paixão de Jesus foi chamada um excesso, pois que foi um excesso de dor e um excesso de amor: Excessus doloris, excessus amoris [16]. E um devoto autor acrescenta: Quid ultra pati potuit, et nun pertulit? Ad summum pervenit amoris excessus (Contens) [17]. E como não? A divina lei não impõe aos homens outra coisa além de amar o próximo como a si mesmos; mas Jesus amou os homens mais do que a si mesmo: Magis hos, quam seipsum amavit, diz S. Cirilo [18]. - Então, meu amado Redentor, dir-vos-ei com S. Agostinho, vós chegastes a amar-me mais do que a vós mesmo, enquanto para me salvar quisestes perder a vossa vida divina, vida infinitamenet mais preciosa do que as vidas de todos os homens e de todos os anjos juntos: Dilexisti me plus quam te, quoniam mori volutisti pro me [19].
7. Ó Deus infinito, exclama o abade Guerrico, vós por amor do homem, se se pode dizê-lo, tornastes-vos pródigo de vós mesmo: O Deum, si fas est dici, prodigum sui prae desiderio hominis! E como não?, acrescenta, já que não só quisestes dar os vossos bens, mas também a vós mesmo para recuperar o homem perdido? An non prodigum sui, qui non solum sua, sed seipsum impendit, ut hominem recuperaret? [20] Ó prodígio, ó excesso de amor digno só de uma bondade infinita! E quem, diz S. Tomás de Vilanova, poderá, Senhor, mesmo de longe, entender a imensidade do vosso amor em haver tanto amado a nós, míseros vermes, que por nós tenhais querido morrer e morrer na cruz? Quis amoris tui cognoscere vel suspicari posset a longe caritatis ardorem; quod sic amares, ut teipsum cruci et morti exponeres pro vermiculis? Ah, que esse amor, conclui o mesmo santo, excede toda medida, toda inteligência: Excedit haec caritas omnem modum, omnem sensum [21].
8. É doce coisa e ver-se alguém amado por alguma grande personagem, tanto mais se aquela pode elevá-lo a um grande destino. Ora, quanto mais doce e caro deve ser-nos ver-nos amados por Deus, que pode elevar-nos a um destino eterno? Na antiga lei, podia um homem duvidar se Deus o amasse com terno amor; mas depois de tê-lo visto sobre um patíbulo a derramar sangue e morrer, como nós podemos ainda duvidar se ele nos ama com toda a ternura e afeto? Alma minha, olha o teu Jesus que penda daquela cruz todo chagado; eis como, por aquelas feridas, ele bem de demonstra o amor do seu Coração enamorado. Patent arcana cordis per foramina corporis, fala S. Bernardo [22]. - Meu querido Jesus, aflige-me tanto o ver-vos morrer com tantos afãs sobre este lenho de opróbrio, mas muito me consola e me enamora de vós o conhecer por meio dessas chagas o amor que me tendes. Serafins do céu, que vos parece a caridade do meu Deus, qui dilexit me, et tradidit semetipsum pro me? (Galat. II, 20).
9. Diz S. Paulo que os Gentis, ouvindo pregar Jesus crucificado por amor dos homens, julgavam-no uma loucura a não se poder crer: Nos autem praedicamus Christum crucifixum, Iudaeis quidem scandalum, Gentibus autem stultitiam (I Cor. I, 23). E como é possível, diziam eles, crer que um Deus onipotente, que não tem necessidade de ninguém para ser felicíssimo que é, tenha querido, para salvar os homens, fazer-se homem e morrer na cruz? Isso seria o mesmo, diziam, que crer em um Deus que se tornou louco por amor dos homens: Gentibus autem stultitiam [23]. E com isso recusavam crê-lo. - Mas essa grande obra da Redenção que os gentios julgavam e chamavam loucura, nós sabemos pela fé que Jesus a empreendeu e terminou. Agnovimus sapientem amoris nimietate infatuatum [24]: nós vimos, diz S. Lourenço Justiniano, a sabedoria eterna, o Unigênito de Deus, tornado, por assim dizer, louco pelo amor excessivo que tem pelos homens. Sim, por que não parece outra coisa além de uma loucura de amor, acrescenta o cardeal Hugon, ter Deus querido morrer pelo homem: Stultitia videtur, quod mortuus fuerit Deus pro salute hominum [25].
10. O Bem-Aventurado Giacopone, homem que no século foi letrado e depois se tornou franciscano, parecia que se havia tornado louco pelo amor que tinha por Jesus Cristo. Um dia apareceu-lhe Jesus e disse-lhe: "Giacopone, por que fazes estas loucuras?" - "Por que as faço?, respondeu, porque vós mas ensinastes. Se eu sou louco, disse, vós fostes muito mais louco que eu, querendo morrer por mim: Sultus sum, quia stultior me fuisti" [26]. Assim também S. Maria Madalena de' Pazzi, elevada em êxtase, exclamava (In vita, c. 11): Ó Deus de amor! ó Deus de amor! É demais, meu Jesus, o amor que tendes às criaturas [27]. E um dia, estando raptada fora de si num, tomou uma imagem do Crucifixo e se pôs a correr pelo monastério, gritando: Ó amor! ó amor! não cessarei jamais, meu Deus, de chamar-te amor. Então, dirigindo-se às religiosas, disse: "Não sabeis vós, caras irmãs, que o meu Jesus não é outra coisa além de amor? aliás, louco de amor? Louco de amor digo que és, ó meu Jesus, e sempre o direi" [28]. E dizia que, chamando Jesus de amor, teria querido ser ouvida por todo o mundo, para que por todos fosse conhecido e amado o amor de Jesus [29]. E umas vezes se punha a tocar o sino, para que viessem todas as pessoas da terra, como desejava, se fosse possível [30], para amar o seu Jesus [31].
11. Sim, meu doce Redentor, permiti-me dizê-lo, bem tinha razão essa vossa esposa em chamar-vos louco de amor. E não parece uma loucura que vós tenhais querido morer por mim? morrer por um verme ingrato qual eu sou, cujas ofensas e traições, que eu devia fazer-vos, já víeis? Mas se vós, meu Deus, como que enlouquecestes por meu amor, como eu não enlouqueço por amor de um Deus? Depois que eu vos vi morto por mim, como posso pensar em outra coisa além de vós? como posso amar outra coisa além de vós? Sim, meu Senhor, meu sumo bem, amável sobre todo bem, eu vos amo mais do que a mim mesmo. Prometo-vos não amar, de hoje em diante, outra coias além de vós, e pensar sempre no amor que me demonstrastes morrendo entre tantas penas por mim.
12. Ó flagelos, ó espinhos, ó pregos, ó cruz, ó chagas, ó afãs, ó morte do meu Jesus, vós muito me constrangis e obrigais a amar quem tanto me amou. Ó Verbo Encarnado, ó Deus amante, a minha alma enamorou-se de vós. Quero amar-vos tanto, que não encontre outro gosto que em dar-vos gosto, dulcíssimo meu Senhor. Visto que vós tanto anseais o meu amor, eu atesto que não quero viver senão por vós. Quero fazer quanto quereis de mim. Meu Jesus, ajudai-me, fazei que eu vos agrade inteiramente e sempre, no tempo e na eternidade.
Maria, minha mãe, orai a Jesus por mim, a fim de que me dê o seu amor, porque não desejo outra coisa nesta e na outra vida, além de amar a Jesus. Amém.
_____
NOTAS:
[1]: Esta sentença, não a encontramos nem em Cicerone, nem em nenhum dos antigos.
[2]: “Sed adhuc parum esse credidit, si affectum suum erga non praestando prospera tantum, et non etiam adversa sustinendo monstraret.” S. PETRUS CHRYSOLOGUS, Sermo 69. ML 52-397.
[3]: “Non aliter Dei erga nos amor testatus esse poterat, quam ex eo quod caro in memoria fuerit, (cioé che non si dicesse: Verbum homo vel anima factum est) et quia nostri causa ipse etiam usque ad deteriorem partem sese demisit. Carnem enim anima viliorem esse nemo sanae mentis indiciabitur. Itaque hic locus, Verbum caro factum est, eamdem vim et significationem mihi habere videtur cum eo, quod peccatum quoque ipsum et maledictum factus esse dicitur; non quod Dominus in haec immutatus sit: qui enim id fieri posset? sed quia per id quod haec suscepit, iniquitates nostras sustulit, et morbos portavit.” S. GREGORIUS NAZIANZENUS, Epistola 101, ad Cledonium presbyterum, contra Apollinarium. MG 37-190.
[4]: CORNELIUS A LAPIDE, S. I., Commentaria in I Epist. ad Corinthios, cap. 1, v. 25.
[5]: Vitis mystica seu tractatus de Passione Domini, cap. 41, n. 132. Inter Opera S. Bernardi, ML 184-715. - “In Passione ac Passionis rubore ardor maximae et incomparabilis ostenditur caritatis.” Vitis mystica seu tractatus de Passione Domini, cap. 23. Opera S. BONAVENTURAE, VIII, ad Claras Aquas, 1898, pag. 186. - Veja Appendice, 2, 9°.
[6]: “Oh, Senor y verdadero Dios mio! Quien no os conoce, no os ama. Oh qué gran verdad es ésta!” S. TERESA, Exclamaciones del alma a Dios. XIV. Obras, IV, 287.
[7]: “Inter has languoris luctas, inter obruentes agones, purus dolor animam a corpore disiunxit.” Vincentius CONTENSON, Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1, (tertius excessus, in fine).
[8]: S. PETRUS DAMIANUS, sermo 47, De exaltatione S. Crucis, ML 144-172. - S. Io. CHRYSOSTOMUS, in Epist. ad Ephes., hom. 3, n. 3. MG 62-27. - Veja Appendice 4.
[9]: “Ille proprie satisfacit pro offensa qui exhibet offenso id quod aeque vel magis diligit quam oderit offensam. Christus autem, ex caritate et obedientia patiendo, maius aliquid Deo exhibuit quam exigeret recompensatio totius offensae humani generis.” S. THOMAS, Sum. Theol., III, qu. 48, art. 2, c.
[10]: “Multum fatigationis assumpsit, quo multae dilectionis hominem debitorem teneret.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 11, n. 7. ML 183-827.
[11]: “Maiorem, inquit, caritatem nemo habet, quam ut animam suam ponat quis pro amicis suis (Ioan. XV, 13). Tu maiorem habuisti, Domine, ponens eam etiam pro inimicis.” S. BERNARDUS, Sermo de Passione Domini, in feria IV Hebdomadis Sanctae, n. 4. ML 183-264.
[12]: “Haec prima causa est Dominicae Passionis: quia sciri voluit quantum amaret hominem Deus, qui plus amari voluit quam timeri.” Inter Opera S. Io. Chrysostomi, III, Venetiis, 1574, De Passione Domini sermo sextus, fol. 297, col. 4. - Porém esses Sermões sobre a Paixão não são lembrados nem na edição Beneditina. Mas, nas suas obras genuínas, desenvolve mais vezes esse pensamento o Crisóstomo. - Veja Appendice, 5.
[13]: S. THOMAS, Sum. Theol., III, qu. 46, art. 3, c.
[14]: Esse texto de S. João (III, 16) falta nas edições de 1751 (Pellecchia, Paci) e na Romana (De' Rossi, 1755).
[15]: Sequentia Dies irae.
[16]: “Excessus recte nominat Passionem, quia in ea fuit excessus humilitatis... Fuit etiam excessus paupertatis... Fuit excessus doloris.... Fuit etiam excessus amoris.” S. BONAVENTURA, Commentarius in Evangelium S. Lucae, cap. XI, n. 54 (in vers. 31). Opera, VII, ad Claras Aquas, 1895, pag. 234.
[17]: Vincentius CONTENSON, Theologia mentis et cordis, lib. 10, dissertatio 4, cap. 1, speculatio 1, Reflexio ( in fine).
[18]: “Vides dilectionis erga nos novitatem? Lex enim praecepit diligere fratrem sicut seipsum: Dominus autem noster Iesus Christus dilexit nos plus quam seipsum: nec enim in forma et aequalitate Dei ac Patris exsistens, ad nostram humilitatem descendisset, neque tam acerbam corporis mortem pro nobis pertulisset, non colaphos iudaicos, non sannas et contumelias, uno verbo cetera omnia, ut ne singula quae passus est numrando in infinitum sermonem proferamus, pertulisset; sed neque dives cum esset pauper fieri voluisset, nisi nos magis dilexisset quam seipsum. Inauditus itaque ac novus est huius dilectionis modus.” S. CYRILLUS ALEXADRINUS, In Ioannis Evangelium liber 9, in Io. XIII, 34. MG 74-162, 163.
[19]: Soliloquia animae ad Deum, cap. 13. Inter Opera S. Augustini, ML 40-874. - Obrazinha, não de S. Agostinho, mas de um compilador mais recente, talvez Alchero, monge de Claraval.
[20]: “Dedit (Pater) Filium in pretium redemptionis; dedit Spiritum in privilegium adoptationis; se denique totum servat haereditatem adoptatis. O Deum, si fas est dici, prodigum sui, prae desiderio hominis! An non prodigum, qui non solum sua, sed et seipsum impendit, ut hominem recuperaret, non tam sibi quam homini ipsi?” GUERRICUS Abbas, In festo Pentecostes, sermo 1, n. 1. ML 185-157.
[21]: “Quis enim, non dicam hominum, sed angelorum, qui a saeculo vident te, amoris tui immensum pondus et ardentissimam vim tam plene cognosceret? Quis eorum vel suspicari posset a longe tantae caritatis ardorem: quod sic amares, ita diligeres, ut teipsum cruci et morti exponeres pro vermiculo? S. THOMAS A VILLANOVA, In festo Natalis Domini concio 3, n. 7. Conciones, Mediolani, 1760: II, 52. - “Excedit, exsuperat supra modum haec caritas tua, Domine, quam in nostra redemptione monstrasti, omnem scientiam, et omnem sensum, non solum humanum, sed etiam angelicum.” Ibid.
[22]: “Patet arcanum cordis per foramina corporis.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 61, n. 4. ML 183-1072.
[23]: A repetição do texto latino de S. Paulo "Gentibus autem stultitiam" foi acrescentada nas edições posteriores a 1755.
[24]: “Adeamus cum fiducia, non ad thronum gloriae, sed ad diversorium humanitatis eius (specum nempe Bethleemiticum).... Ibi namque agnoscemus exinanitam maiestatem. Verbum abbreviatum, solem carnis nube obtectum, et sapientiam amoris nimietate infatuatam.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, Sermo in festo Nativitatis Domini, Opera, Venetiis, 1721, pag. 328, col. 1.
[25]: “Cum uno verbo posset omnes homines salvare, stultitia videtur, procedentibus secundum naturales rationes, quod mortuus fuerit (Deus) propter salutem hominum.” HUGO DE SANCTO CHARO, Cardinalis primus O. P., In Epist. I ad Cor., cap. 1, v. 23. Opera, VII, fol. 75, col. 3, post medium. Venetiis, 1703.
[26]: Este amoroso divérbio entre si e Cristo refere o mesmo B. JACOPONE DA TODI nas suas Lauda XC, Amor de caritate: Le laude, reimpressão integral da primeira edição (1490), Florença, 1923.
(Parla Cristo):
Tutte le cose qual aggio ordenate
si so fatte con numero e misura,
e molto più ancora caritate
si è ordenata nella sua natura.
Donqua co per calura, - alma, tu sé empazita?
For d' orden tu se' uscita, - non t' è freno el fervore.
(Risponde Jacopone):
Cristo, che lo core si m' hai furato,
dici che ad amor ordini la mente,
come da poi ch' en te si so mutato
de me remasta, fusse convenente?
A te si può imputare - non a me quel che faccio;
però, se non te piaccio, - tu a te non piaci, amore.
Questo ben sacci che, s' io so empazito,
tu, somma sapienza, si el m' hai fatto.
Ad tal fornace perché me menavi,
se volevi ch' io fossi en temperanza?
Quando sì smesurato me te davi, tollevi da me tutta mesuranza.
Onde, se c' è fallanza, - amor, tua è, non mia,
però che questa via - tu la facesti, amore.
Tu, sapienzia, non te contenesti
che l' amor tuo spesso non versasse,
d' amor non de carne tua nascesti,
umanato amor che ne salvasse;
per abbracciarne en croce tu salesti,
e credo che per ciò tu non parlasse.
[27]: "Tendo, então, nos seus raptos, fixado o seu puríssimo intelecto na contemplação do infinito amor que moveu Deus a fazer tanto pela vilíssima criatura do homem, não podia segurar-se e não dizer em voz alta: "Ó Amor, ó Amor, ó Deus, que amas as criaturas com amor puro! Ó Deus de amor! ó Deus de amor! Ó meu Senhor, não mais amor, não mais amor: é demais, ó meu Jesus, o amor que tendes às criaturas." PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 11.
[28]: "Uma vez, estando em rapto, pegou um crucifixo na mão, e pôs-se a correr pelo convento, e, desafogando com o Verbo divino amorosos avisos e intensos afetos, exclamava: "Ó Amor, ó Amor, ó Amor!" Isso fazia com doces sorrisos, e com o semblante tão cumulado de alegria, que olhá-la causava grandíssima consolação. Ora fixava os olhos no céu, ora no Crucifixo, ora apertava-o no peito, e o beijava com excessivo fervor, enquanto não cessava de replicar: "Ó Amor, ó Amor! não cessarei jamais, ó meu Deus, de chamar-te Amor, júbilo do meu coração, esperança e conforto da minha alma". - "Depois, voltando-se às irmãs que a seguiam, acrescentava: 'Não sabeis vós, caras irmãs, que o meu Jesus não é outra coisa além de Amor, aliás, louco de amor? Louco de amor digo que és, ó meu Jesus, e sempre o direi. Tu és todo amável e gracioso: tu recreativo e confortativo; tu nutritivo e unitivo. És pena e refrigério, fadiga e repouso, morte e vida ao mesmo tempo: finalente, o que não há em ti?'" PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 11.
[29]: "Outra vez exclamava: "Ó Amor, ó Amor", e, voltando-se ao céu, dizia: "Dai-me tanta voz, ó meu Senhor, que, chamando-te Amor, seja ouvida do Oriente ao Ocidente, e por todas as partes do mundo, até no inferno; para que tu sejas conhecido e reverenciado como verdadeiro Amor." PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 11.
[30]: Este inciso que restringe o sentido tão amplo da frase, se encontra acrescentado nas edições posteriores a 1754.
[31]: "No meio daquele (incêndio de amor), bem amiúde corria com enorme velocidade, ora pelo convento, ora por todo o horto, dizendo que andava procurando almas que conhecessem e amassem o Amor. Por isso, encontrando-se uma vez com uma Irmã, a segurava pela mão, e, apertando-a muito fortemente, dizia-lhe: 'Ó alma, amais vós o Amor? como fazeis para viver? não vos sentis consumir e morrer por amor ?'. Quando, então, havia caminhado por bom espaço de tempo, pegava as cordas dos sinos, e, tocando-os, em alta voz exclamava: 'Vinde, almas, amar, vinde amar o Amor, pelo qual fostes tanto amadas'." PUCCINI, Vita, Florença, 1611, parte 1, cap. 12.