28 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 300 a 301

A PREGUIÇA PODE LEVAR A MORTE


1. Tramavam os tebanos uma conspiração contra seu rei Árquias. Um amigo deste, sabedor do que se tramava contra o rei, e até dos nomes dos conspiradores, escreveu-lhe uma carta muito urgente, que o rei recebeu quando estava celebrando um grande banquete. O mensageiro, encarregado de entregá-la, disse ao rei que abrisse, porque as noticias que continha eram gravíssimas. Árquias, porém, não quis interromper o banquete que com tanto prazer celebrava, e escondeu a carta, dizendo: “Em nossas horas de regozijo não devemos dar ouvidos as coisas sérias”. Pouco depois caía na emboscada de seus inimigos e perecia em suas mãos.

2. O príncipe Luis, filho de Napoleão III, quando pela manhã o despertavam, ou lhe diziam que terminara a hora do recreio, costumava exclamar: “Só dez minutos mais!” Mais tarde, tendo-se alistado na guerra contra os cafres, um dia, após longa caminhada sob o sol africano, descansava com outros companheiros sob a relva de uma paragem mais fresca. O comandante deu ordem de montar de novo, mas o príncipe exclamou: “Eu fico só mais dez minutos!” Nisto apareceu um bando de cafres. Os que já estavam montados escaparam; mas o príncipe caiu morto sobre a relva, transpassado pelos dardos dos selvagens.

27 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 297 a 299

A GLÓRIA DO TRABALHO


1. O Papa Adriano VI, quando estudante na Universidade de Lovaina, deixava os colegas ao anoitecer e voltava só depois de meia-noite sem que se soubesse onde passava aquelas horas. Um dia seguiram-lhe os passos e encontraram-no estudando ao lado da igreja. “Sou muito pobre, não posso comprar uma vela cada noite e, por isso, faz quatro meses que estudo onde encontro luz". Poucos anos mais tarde era chanceler daquela Universidade, depois preceptor do imperador Carlos V, que o nomeou primeiro ministro de Espanha, chegando afinal a ser Papa.

2. O Papa Leão XIII, durante seus estudos em Roma, não se ocupava de diversões nem de jogos. Seus livros eram todo o seu prazer, e aprofundar as ciências era toda a sua felicidade. Na idade de treze anos escrevia o latim em prosa e verso com uma elegância e facilidade maravilhosas. Foi um dos grandes papas da Igreja.

3. André Mantegna, famoso pintor, do século XV, era de família muito humilde. Por seu talento e amor ao trabalho chegou a ser cavalheiro da côrte do marquês de Mãntua. Foi, além disso, pintor, gravador, escultor, arquiteto e poeta. Na idade de dez anos foi admitido no grêmio dos pintores de Pádua. Trabalhou vários anos em Roma para o Papa Inocêncio VIII. Entre suas obras mais notáveis está o quadro do “Trânsito da Virgem”, que se conserva no Museu del Prado. Desse quadro disse Eugênio d’Ors que “é o cimo da dignidade artística... Não há quadro mais bem composto que este na antologia da pintura universal”.

25 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 293 a 296

OS TARDOS TRIUNFAM PELO TRABALHO

1. S. Tomás de Aquino, em seus primeiros anos de escola, era chamado de “boi mudo” por causa do silêncio que guardava entre seus companheiros de estudos. Mais tarde, porém, seus mugidos encheram o mundo de admiração. É verdade que aquela sua ciência singular foi uma graça do céu, mas por outro lado não faltou o seu trabalho pessoal.

2. Jeronimo Savonarola, quando pela primeira vez falou em Florença, riram-se dele os ouvintes. Sua voz era fanhosa, ridículos os seus gestos e repulsivo o seu porte. Mas, longe de desanimar., estudou com ardor crescente, conseguiu corrigir a voz e chegou a ser pouco depois o maior orador de seu tempo.

3. Gladstone, que devia ilustrar seu nome como orador e como homem de governo, era considerado como o aluno mais tapado de sua escola.

4. Newton foi durante muito tempo o último de sua classe. O colega, que o precedia, atracou-se com ele um dia e Newton o prostrou por terra. Desta vitória física nasceu em sua alma o desejo de obter idênticas vitórias intelectuais. Estudou, trabalhou e em pouco tempo conseguiu o primeiro lugar, que conservou até o fim de sua vida.

24 de fevereiro de 2017

Congresso Montfort - A Igreja contra as Heresias - Importante!

Importante!: Prezados Leitores, Salve Maria! - Estamos chegando próximo da realização do Congresso Montfort em Curitiba - A Igreja Contra as Heresias. Solicitamos aos interessados que façam suas inscrições através do e-mail saopiov@gsaopiov.com, o mais breve possível, visando garantir sua participação. Salientamos que as vagas são limitadas. O número de participantes inscritos visa auxiliar a preparação da infra-estrutura necessária para bem acomodar os mesmos, assim planejar o nosso coffee-break.
Um grande abraço em Cristo Nosso Senhor
Administrador do Blog São Pio V

Prezados Leitores, Salve Maria!

O Blog São Pio V tem o prazer de convidar nossos leitores para o Congresso Montfort - A Igreja Contra as Heresias. O congresso será realizado no Auditório da Associação da Vila Militar. Salientamos que a Associação da Vila Militar oferece estacionamento ao custo de R$ 5,00 (cinco reais), pelo período integral do congresso.
Faça sua inscrição pelo e-mail saopiov@gsaopiov.com.
Apresentamos logo a seguir a programação completa do evento. Divulgue e Participe!


Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

 Se Jesus Cristo revela ao mundo o dogma da Sua Filiação eterna, é pela Sua Humanidade que
 nos manifesta as perfeições da Sua natureza divina. Conquanto seja o verdadeiro Filho de Deus, compraz-se em se dizer «o Filho do homem»; dá-se este título, mesmo nas ocasiões mais solenes em que reivindica com mais autoridade as prerrogativas do Ser divino.
Com efeito, cada vez que nos achamos em contacto com Ele, estamos em presença deste mistério sublime: a união de duas naturezas, divina e humana, numa só e mesma pessoa, sem mistura nem confusão das naturezas, sem divisão da pessoa.
 É o mistério inicial, que devemos ter sempre diante dos olhos, quando contemplamos Nosso Senhor. Cada um dos Seus mistérios põe em relevo ou a unidade da Sua pessoa adorável ou a verdade da Sua natureza divina ou a atividade da Sua condição humana. 
Um dos aspectos mais profundos e mais tocantes da economia da Incarnação é a manifestação das perfeições divinas feitas aos homens pela natureza humana. Os atributos de Deus, as Suas eternas perfeições são para nós incompreensíveis neste mundo; ultrapassam a nossa ciência. Mas, fazendo-se homem, o Verbo Incarnado descobre aos espíritos mais simples, pelas palavras caídas dos seus lábios humanos, as perfeições inacessíveis da Divindade. Tornando-as perceptíveis às nossas almas por meio de ações sensíveis, arrebata-nos e atrai-nos a Si: Ut dum visibiliter Deum cognoscimus, per hunc invisibilium amorem rapiamur.
É sobretudo durante a vida pública de Jesus que se manifesta e realiza esta economia cheia de sabedoria e de misericórdia.
 De todas as perfeições divinas é, sem dúvida, o amor que o Verbo Incarnado mais se compraz em nos revelar.
 O coração humano precisa dum amor  tangível que lhe faça entrever o amor infinito, muito mais profundo, mas que excede todo o conhecimento. Realmente, nada seduz tanto o nosso pobre coração, como contemplar N. S. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a traduzir a eterna bondade em gestos humanos. Quando O vemos derramar profusamente, em redor de Si, inesgotáveis tesouros de compaixão, inexauríveis riquezas de misericórdia, podemos conceber um pouquinho da infinidade desse oceano da bondade divina, onde para nós vai haurir a santa Humanidade de Jesus. Consideremos alguns passos característicos. Veremos com que condescendência, por vezes assombrosa, o nosso Salvador se curva para as misérias humanas de toda a espécie, incluindo o pecado. E nunca esqueçais que, mesmo então, quando se inclina para nós, continua a ser o próprio Filho de Deus, Deus em pessoa, o Ser Todo poderoso, a Sabedoria infinita que, fixando as coisas na verdade, nada executa que não seja soberanamente perfeito. Naturalmente, isto dá às palavras de bondade que profere, aos atos de misericórdia que pratica, um valor inestimável que os realça infinitamente, e sobretudo é o que mais cativa as nossas almas, manifestando-nos os profundos encantos do Coração de Jesus Cristo, do nosso Deus. 
Conheceis o primeiro milagre da vida pública de Jesus: a água convertida em vinho nas bodas de Caná, a pedido de Sua Mãe. Para os nossos corações humanos, que revelação inesperada das ternuras e delicadezas divinas! Ascetas austeros escandalizam-se ao verem pedir ou fazer um milagre para encobrir a indigência de parentes pobres num banquete de núpcias. E, no entanto, nem a Virgem hesitou em o solicitar nem Jesus Cristo em o fazer. Jesus deixa-se comover pelo embaraço em que se vai achar, publicamente, aquela pobre gente; e, para o impedir, opera um grande prodígio. E o que o Seu Coração nos revela aqui de bondade humana e de humilde condescendência é apenas a manifestação exterior duma bondade mais elevada, da bondade divina, de que aquela deriva. Porque tudo o que faz o Filho, fá-lo também o Pai.
 Passado pouco tempo, na sinagoga de Nazaré, Jesus toma de Isaías, fazendo-o Seu, o programa da Sua obra de amor: «O espírito do Senhor está sobre mim, consagrou-me com Sua unção para levar aos pobres a boa nova; enviou-me a curar aqueles que têm o coração alanceado, a anunciar aos cativos a sua libertação, a dar vista aos cegos, a libertar os oprimidos e a publicar o ano da salvação divina». 
«O que acabais de ouvir, acrescentava Jesus, começa hoje mesmo a realizar-se». 
E, de fato, o Salvador revelava-se a todos, desde logo, como «um Rei cheio de mansidão e bondade». Ser-me-ia preciso citar todas as páginas do Evangelho, se quisesse mostrar-vos como a miséria, a fraqueza, a enfermidade, o sofrimento têm o condão de O comover, e de modo tão irresistível que nada lhes pode recusar. S. Lucas tem o cuidado de notar que Jesus é «movido de compaixão»; Misericórdia motus. Apresentam-se diante d'Ele os cegos, os surdo-mudos, os paralíticos, os leprosos; e o Evangelho diz-nos que «os curava a todos»: Sanabat omnes.
 A todos acolhe com incansável mansidão; deixa-se incessantemente empurrar, assediar por todos os lados, mesmo depois do sol posto; e de tal forma que, um dia, nem sequer tempo teve para comer. Doutra vez, nas margens do lago de Tiberíades, é obrigado a entrar numa barca para se livrar da multidão e poder distribuir assim a palavra divina com mais liberdade. Noutra ocasião, de tal modo se enche a casa em que se encontra que, para fazer chegar à Sua presença um paralítico deitado na cama, o único recurso foi descer o doente pela abertura feita no telhado.
 Os Apóstolos, esses mostravam-se muitas vezes impacientes; mas o divino Mestre aproveitava essas ocasiões para lhes mostrar a Sua bondade. Um dia, querem afastar d'Ele as crianças que Lhe apresentam e que eles julgam importunas. «Deixai estas crianças, diz-lhes Jesus, e não as estorveis de vir a mim; pois delas é o reino dos céus». E parava a abençoá-las. Noutra ocasião, os discípulos, irritados por O não terem recebido numa cidade de Samaria, «insistem com Ele para que deixe o fogo do céu descer sobre os habitantes e consumi-los »; Domine, vis dicimus ut ignis descendat de caelo? E Jesus logo os repreende: Et conversus increpavit illos;  «Não sabeis de que espírito sois! O filho do homem não veio ao mundo para perder homens, mas para os salvar».
 E a prova disto é chegar a operar milagres para ressuscitar os mortos. Em Naim, encontra uma pobre viúva, desfeita em lágrimas, a acompanhar os restos mortais do seu filho único. Jesus vê as suas lágrimas; o Seu Coração profundamente comovido não pode sofrer tão intensa dor: « Mulher, não chores»! Noli flere. E imediatamente ordena à morte que abandone a sua presa:  « Mancebo, eu to ordeno, levanta-te»! O mancebo levanta-se, e Jesus entrega-o à mãe.
Todas estas manifestações da misericórdia e bondade de Jesus, que nos revelam os sentimentos do Seu Coração humano, tocam as mais profundas fibras do nosso ser; revelam-nos, de modo palpável, o amor infinito do nosso Deus. Quando vemos Jesus Cristo chorar junto do túmulo de Lázaro e ouvimos os judeus, testemunhas do fato, dizer uns para os outros: «Vede como o amava», os nossos corações compreendem esta linguagem silenciosa das lágrimas humanas de Jesus, e penetramos no santuário do amor eterno que elas revelam: Qui videt me, videt et Patrem.
 Mas como este procedimento de Jesus Cristo condena o nosso egoismo, a nossa dureza, a nossa frieza de coração, a nossa indiferença, a nossa impaciência, os nossos ressentimentos para com o próximo! ... Esquecemos tantas vezes as palavras do Salvador: «Todas as vezes que usastes de misericórdia para com o mais pequenino dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes».
 Ó Jesus, que dissestes: « Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração», fazei os nossos corações semelhantes ao Vosso. Que, a exemplo Vosso, sejamos misericordiosos, «a fim de alcançarmos misericórdia», e, sobretudo, a fim de que, imitando-Vos, nos tornemos « semelhantes ao nosso Pai dos céus!»

23 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 288 a 292

OS POBRES E O PREMIO DO TRABALHO

1. S. Pascoal Bailão, filho de pais muito pobres, nem sequer podia ir à escola. Adquiriu uma cartilha e, quando ia guardar o rebanho, pedia aos transeuntes lhe ensinassem as letras por caridade. Assim aprendeu a ler e escrever, fez-se religioso, escreveu obras espirituais e veio a ser um grande santo.

2. S. António M. Claret era filho de um pobre tecelão, e chegou a ser arcebispo de Cuba, confessor da rainha da Espanha, fundador dos Missionários do Imaculado Coração de Maria e hoje venerado sobre os altares.

3. O Papa Sixto V, quando menino, guardava ovelhas e porcos. Um dia viu um franciscano que não sabia o caminho para Áscoli, e guiou-o até o convento. Pelo caminho mostrou grande desejo de estudar e, para que o instruíssem, resolveu ficar no convento. Em seguida foi franciscano e sacerdote, doutor e professor de teologia em Sena, sendo afinal elevado ao trono pontifício em 1586. Foi um dos grandes papas da História.

4. S. Pio X era filho de um pobre oficial de justiça. Sua mãe era modesta. Após a morte do pai, a mãe, com o trabalho de suas mãos e o auxilio das filhas, ganhava o pão para a numerosa família de nove filhos. Para aprender latim e humanidades, o menino José Sarto tinha que andar diariamente os sete quilômetros de distância entre Riese e Castelfranco, a pé e descalço; e o mesmo fazia na volta, para não gastar calçado. Quando Papa, era infatigável em seus trabalhos cotidianos e, conforme atestavam seus contemporâneos, trabalhava por quatro.

5. Frei Luis de Granada, o príncipe dos prosadores espanhóis do século dezesseis, era filho de uma lavadeira.
Pizarro, de guardador de porcos, veio a ser. o conquistador do Peru.
Cristovão Colombo, o descobridor da América, era filho de um cardador de lãs.
Murat, que chegou a ser rei de Nápoles, era filho de um estalajadeiro.
Franklin teve de viver durante muito tempo de trabalhos de imprensa e da venda de livros.
Copérnico era filho de um padeiro polaco.
Faraday era filho de um ferreiro e em sua juventude foi aprendiz de encadernador e prático desse oficio até aos vinte anos.
Keppler era filho de um taverneiro alemão.
Herschel, o astrônomo insigne, ganhava a vida tocando numa orquestra; durante os intervalos saía da sala de baile e observava os astros com um binóculo e depois tinha que continuar tocando na orquestra. Até que um dia o músico descobriu a estrela Urano, e de repente tornou-se célebre.
E, como estes, inúmeros outros que eram pobres, mas por seu trabalho e esforço se tornaram grandes homens.

22 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

II

Se agora formos a inquirir a razão por que Jesus Cristo atesta a Sua Divindade, vemos que é para firmar a nossa fé.
 É uma verdade que já conheceis; mas é tão importante, que não devemos cessar de a contemplar, pois toda a nossa vida sobrenatural e toda a nossa santidade tem por base a fé, e a nossa fé baseia- se nos testemunhos que demonstram a Divindade do Salvador. 
S. Paulo exorta-nos a «considerar Nosso Senhor como o Apóstolo e o Pontífice da nossa fé» : Considerate apostolum et pontificem confessionis nostrae Jesum. «Apóstolo» quer dizer enviado para cumprir uma missão; e S. Paulo diz que Jesus é o Apóstolo da nossa fé. Como assim?
 O Verbo Incarnado é, segundo a expressão da Igreja, Magní consilii angelus -«o Enviado do supremo conselho» - que permanece nos esplendores da Divindade. E para que é enviado? Para revelar ao mundo «o mistério oculto em Deus desde séculos», o mistério da salvação do mundo por um Homem Deus. «É esta a verdade fundamental de que Jesus Cristo deve dar testemunho»: Ego in hoc natus sum et ad hoc veni in mundum, UT testimonium perhibeam verítati.
 A grande missão de Jesus, sobretudo durante a Sua vida pública, é, portanto, manifestar a Sua Divindade ao mundo: lpse enarravit. Todos os Seus ensinamentos, todos os Seus atos, todos os Seus milagres, têm por fim consolidá-la no espírito dos Seus ouvintes. Vede, por exemplo, junto do túmulo de Lázaro. Antes de ressuscitar o amigo, Jesus Cristo levanta os olhos ao céu: «Pai, diz Ele, graças te dou por me teres atendido; mas digo isto por causa da multidão que me rodeia, para que eles creiam que foste tu que me enviaste»: Ut credant quia tu me misisti.
 É certo que Nosso Senhor só aos poucos vai insinuando esta verdade. Para não ir diretamente de encontro às ideias monoteístas dos judeus, não se revela senão gradualmente. Mas, com uma sabedoria admirável, faz convergir tudo para esta manifestação da Sua filiação divina. No fim da Sua vida, quando os espíritos retos estão já suficientemente preparados, não hesita em confessar a Sua Divindade diante dos juízes, com risco da própria vida. Jesus é o rei dos mártires, de todos aqueles que, pela efusão do próprio sangue, professaram a fé na Sua Divindade; foi Ele quem primeiro foi entregue e imolado por se ter proclamado o Filho único de Deus.
 Na Sua última prece, dá, para assim dizer, contas ao Pai da Sua missão, e resume tudo nestas palavras: «Pai, cumpri a missão que me havias confiado». E qual foi o fruto dela? «E os meus discípulos, por sua vez, aceitaram o meu testemunho: ficaram a conhecer que eu saí de ti, acreditaram que tu me enviaste».
Eis porque a fé na Divindade do Seu Filho é, segundo a própria palavra de Jesus, a obra por excelência, que Deus reclama de nós: Hoc est opus Dei, ut credatis in eum quem misit ille. 
É esta fé que cura numerosos doentes: Secundum fidem vestram fiat vobis; que perdoa os pecados à Madalena: Fídes tua te salvam fecit, vade in pace. É por ela que Pedro merece ser escolhido para fundamento indestrutível da Igreja; é ela que torna os Apóstolos agradáveis ao Pai e faz deles o objeto do Seu amor: Patet amat vos, quia vos me amastis et credidistis.
 É ainda por esta fé que «nascemos filhos de Deus»: His qui credunt in nomine ejus; é ela que faz «brotar em nossos corações as fontes divinas da graça do Espírito Santo»: Qui credit in me, flumina de ventre ejus fluent aquae vivae; que «dissipa as trevas da morte»: Veni ut omnis qui credit in me in tenebris non maneat; que «nos proporciona a vida divina, pois Deus amou o mundo, a ponto de lhe dar o Seu Filho único, para que todos os que n'Ele crerem não pereçam, mas tenham a vida eterna» : Ut omnis qui credit in ipsum non pereat, sed habeat vitam aeternam.
 É por não terem esta fé que os inimigos de Jesus hão de perecer: «Se eu não tivesse vindo e não lhes houvesse falado, não teriam pecado; mas agora o seu pecado não tem desculpa»: e é por isso que «aquele que não crê em Jesus, Filho único de Deus, está desde já julgado e condenado »: Qui autem non credit, jam judicatus est; quia non credit in nomine Unigeniti Filii Dei. 
Já vedes como tudo se resume na fé em Jesus Cristo, Filho eterno de Deus; esta constitui a base de toda a nossa vida espiritual, a raiz profunda de toda a justificação, a condição essencial de todo o progresso, o meio certo de chegar aos cimos da santidade.
 Prostremo-nos aos pés de Jesus e digamos-Lhe: Jesus Cristo, Verbo Incarnado, descido do céu «para nos revelar os segredos que, como Filho único de Deus, contemplais sempre no seio do Pai», creio e confesso que «sois Deus como Ele, igual a Ele»; creio em Vós; creio «nas Vossas obras»; creio na Vossa pessoa; «creio que saístes de Deus»; que «sois um com o Pai», que «aquele que Vos vê, O vê a Ele»; creio que sois «a ressurreição e a vida». Isto creio e, crendo-o, adoro-Vos e consagro ao Vosso serviço todo o meu ser, toda a minha atividade, toda a minha vida. Creio em Vós, Cristo Jesus, mas aumentai a minha fé! Credo, Domine, sed adjuva incredulitatem meam!

21 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 287

O TRABALHO E AS GRANDES OBRAS

Dante escreveu no exílio, lutando com grande miséria, a magnífica obra “A Divina Comédia”, que lhe custou trinta anos de trabalho.
Vergílio trabalhou na composição da “Eneida” durante mais de vinte anos e, ao morrer, mandou que fosse destruída, por considerá-la imperfeita.
Ticiano trabalhou diariamente durante sete anos, muitas vezes até durante a noite, em pintar seu célebre quadro da Ceia.
Stephenson ocupou-se durante quinze anos no aperfeiçoamento de sua locomotiva.
Watt meditou durante trinta anos na máquina condensadora de vapor.
Newton escreveu quinze vezes a sua Cronologia, e Fénelon dezoito vezes o seu Telêmaco.

20 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.


No batismo de Jesus, que marca o início da Sua vida pública, ouvimos o Pai proclamar Jesus Cristo « Seu Filho muito amado ».
O ensinamento de Jesus, durante os três anos do Seu ministério exterior junto das almas, não é mais do que um incessante comentário daquele testemunho. Vamos ver Jesus Cristo manifestar-se em Seus atos e palavras, não como Filho adotivo de Deus, como um eleito escolhido para desempenhar uma missão especial junto do seu povo (como eram os simples profetas) mas como o próprio Filho de Deus, Filho por natureza, que possui, por conseguinte, as prerrogativas divinas, os direitos absolutos do Ser soberano, e reclama de nós a fé na Divindade da Sua obra e da Sua pessoa. 
Quando lemos o Evangelho, vemos que Jesus Cristo fala e opera, não somente como homem, semelhante a nós, mas também como Deus, elevado acima de todas as criaturas. 
Ora vede. Diz-se maior do que Jonas, Salomão, Moisés. Se, enquanto homem, por seu nascimento de Maria, é Filho de David, é também  «  o Seu Senhor, sentado à direita de Deus», de cujo poder eterno e glória infinita compartilha.
 Por isso se declara o supremo Legislador, pelo mesmo título que Deus. Assim como Deus deu a lei a Moisés, assim Ele estabelece o código do Evangelho. «Deus disse aos antigos ..... E eu digo-vos ... ».  É a fórmula que se repete em todo o sermão da montanha. Mostra-se por tal forma o senhor da lei, que a derroga por autoridade própria, quando lhe apraz, com inteira independência, como sendo Aquele que a instituiu e dela é o Senhor soberano.
 Este poder não tem limites. Jesus perdoa os pecados, privilégio que só a Deus pertence, visto que o pecado só a Deus ofende.  « Tem confiança, os teus pecados te são perdoados», diz a um paralítico que Lhe apresentam. Os fariseus, escandalizados por ouvirem um homem falar assim, murmuram entre si:  «Quem pode perdoar os pecados senão Deus » ? Mas Jesus lê-lhes nos corações os pensamentos secretos: e, para provar aos que Lho contestam que possuí este poder divino, não por delegação, mas por titulo próprio e pessoal, opera logo um milagre.  « Para que saibais que o Filho do homem tem o poder de perdoar os pecados, levanta-te, diz ao paralitico, pega a tua cama e anda.»
Este exemplo é característico. Jesus Cristo opera os milagres por Sua autoridade própria, por Si mesmo. Excetuando a ressurreição de Lázaro, em que pede antes ao Pai que o prodígio que vai realizar alumie as inteligências das testemunhas, nunca hora antes de manifestar o Seu poder, como faziam os profetas; mas, com uma palavra, um gesto, um simples ato da Sua vontade, cura os coxos, faz andar os paralíticos, multiplica os pães, acalma a fúria das ondas, expulsa os demônios, ressuscita os mortos.

 Enfim, é tão grande o seu poder, que virá sobre as nuvens julgar todas as criaturas. «Foi-Lhe dado pelo Pai todo o poder no céu e na terra ». Como o Pai, promete «a vida eterna àqueles que O seguirem ».
 Estas palavras e ações mostram-nos  Jesus igual a Deus, participante do poder supremo da Divindade, das Suas prerrogativas essenciais, da Sua dignidade infinita. 
Possuímos testemunhos mais explícitos ainda.
 Conheceis o episódio em que Pedro confessa a sua fé na Divindade do Mestre. « Bem aventurado és tu, Simão, filho de  Jonas» - diz-lhe Jesus logo a seguir -, porque «não foi pelas tuas próprias luzes naturais que chegaste a este conhecimento da minha Divindade, mas foi o meu Pai celeste quem te revelou ». E, para salientar a grandeza deste ato de fé, o Salvador promete a Pedro fazer dele o fundamento da sua Igreja.
 No momento da Paixão, diante dos Seus juízes, Nosso Senhor proclama, com mais autoridade ainda, a Sua Divindade. Na sua qualidade de presidente do supremo conselho, Caifás diz ao Salvador: « Eu te conjuro, em nome de Deus vivo, que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus vivo »! «Tu o disseste, respondeu Jesus; e vereis o Filho do homem, sentado à direita do Deus Todo poderoso, vir sobre as nuvens do céu ». Sabeis que o «sentar-se à direita de Deus » era considerado pelos judeus como prerrogativa divina, e usurpar esta prerrogativa constituía uma blasfêmia que importava a pena de morte. Foi por isso que, apenas Caifás ouviu a resposta de Jesus, rasgou as vestes em sinal de protesto e exclamou: « Blasfemou; que mais necessidade temos de testemunhas »? E todos responderam: « É réu de morte ». E Jesus Cristo preferiu aceitar a condenação a retratar-se. 
É principalmente no Evangelho de S. João que encontramos nos lábios de Jesus testemunhos que estabelecem tal união entre Ele e o Pai, que só se pode explicar pela natureza divina, natureza que possui de modo indivisível com o Pai e o seu comum Espírito.
 Deveis notar que Nosso Senhor Jesus Cristo, exceto quando ensina os discípulos a orar, nunca diz: « Pai nosso »; diz sempre: «o Pai, o meu Pai »; e, dirigindo-se aos discípulos: «o vosso Pai ». Nosso Senhor tem todo o cuidado em frisar a diferença essencial que existe, neste ponto, entre Ele e os outros homens: Ele é Filho de Deus por natureza, os outros são-no apenas por adoção.
 Por isso, tem com o Pai relações pessoais de caráter único, que não podem derivar senão da Sua origem divina.
 Um dia dizia diante dos discípulos: « Graças te dou, ó Pai, por teres ocultado estas coisas aos sábios e as teres revelado aos humildes. Assim é, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi dado por meu Pai. E ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar ». Por estas palavras, o Verbo Incarnado indica-nos claramente que entre Ele e o Pai há perfeita igualdade de conhecimento, incompreensível para nós. Este Filho, que é Jesus, é tão grande, e tão inefável a Sua filiação, que só o Pai, que é Deus, O pode conhecer; o Pai é de tal majestade, a Sua paternidade é um mistério tão sublime, que só o Filho pode saber o que é o Pai; este conhecimento excede a tal ponto toda a ciência criada, que homem algum pode participar dele, a não ser que lhe seja comunicado por revelação. 
Vedes como Nosso Senhor afirma a Sua união divina com o Pai. Esta união, porém,  não se limita ao conhecimento; estende-se a todas as operações realizadas fora da Divindade. 
Jesus cura um paralítico, e manda-lhe pegar na cama e andar. Era dia de descanso. Logo os judeus, escandalizados, censuram o Salvador por não observar o sábado. E que responde Nosso Senhor ? Para lhes mostrar que é, pelo mesmo título que o Pai, Senhor supremo da lei, responde aos fariseus: 
« O meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho como Ele e com Ele ». Os ouvintes compreendem tão bem com estas palavras Ele proclamar-se Deus, que O procuram matar; porque, «não satisfeito com violar o sábado, diz que Deus é seu Pai, fazendo-se assim igual a Ele ». Nosso Senhor não só não os contradiz, como ainda confirma aquela interpretação: « Em verdade vos digo, o Filho nada pode fazer por Si mesmo, mas só o que vê fazer ao Pai; e tudo o que faz o Pai, fá-lo igualmente o Filho. Porque o Pai ama o Filho e mostra- Lhe tudo o que faz ... ». Lede no Evangelho a continuação e o comentário destas palavras; vereis com que autoridade Jesus Cristo se proclama em tudo igual ao Pai, Deus com Ele e como Ele. 
Todo o discurso depois da Ceia e toda a oração sacerdotal de Jesus naquele momento solene estão cheios de afirmações destas, que mostram que Ele é o próprio Filho de Deus, que tem a mesma natureza divina, possui os mesmos direitos soberanos, desfruta da mesma glória eterna: Ego et Pater unum sumus. 

19 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 284 a 286

A CONSTÂNCIA NO TRABALHO

1. S. Carlos Borromeu soube reservar ao estudo parte de sua vida laboriosíssima, e até durante suas muitas e tongas viagens dedicava horas inteiras à leitura dos livros que levava sempre consigo.
Convidaram-no um dia a descer ao jardim. Ele se escusou, dizendo: "O jardim dos bispos é a Sagrada Escritura”.

2. S. Afonso M. de Ligório desde menino era tão aplicado e mostrou sempre qualidades tão extraordinárias que, aos dezesseis anos, dispensados três anos e alguns meses que lhe faltavam, foi-lhe conferido em Nápoles o grau de Doutor em ambos os Direitos, com aplauso e admiração geral. Depois fez voto de jamais estar ocioso, e andava solícito por não perder nem um minuto de tempo. Apesar de missionário infatigável e bispo ativíssimo, ainda encontrou tempo para escrever numerosas obras morais e ascéticas, que tiveram um êxito imenso, e que tanto trabalho lhe custaram. Basta lembrar que só sua Teologia Moral contém oitenta mil citações tiradas de oitocentos autores.

3. Dizia o cardeal Cheverus: “Quanto a mim, não preciso de nada para passar horas deliciosas: a oração e o estudo foram sempre o encanto de minha vida... Quando os vivos me fatigam, venho descansar com os mortos”.

18 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

XI

 VIDA PÚBLICA DE JESUS 
(Tempo da Quaresma) 

Se quiséssemos, diz o Apóstolo S. João no fim do seu Evangelho, contar minuciosamente muitas outras coisas que Jesus fez, creio que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que seria preciso escrever.
 No momento de principiarmos a contemplar a vida pública de Jesus, devemos ter o mesmo pensamento. Se quiséssemos comentar por miúdo cada uma das Suas palavras, considerar cada um dos Seus gestos, explicar cada um dos Seus atos, não bastaria toda a nossa existência. 
Esta contemplação seria, sem dúvida, uma ocupação muito do agrado das nossas almas. Não podendo deter-nos em cada página do Evangelho, vamos ver, neste período da vida do Salvador, apenas alguns traços característicos, o bastante para admirar até que ponto brilha a sabedoria e a misericórdia eterna nos mistérios da Incarnação e da Redenção.
 Vamos ver primeiramente de que modo N. S. Jesus Cristo proclama e estabelece a Divindade da Sua missão e da Sua pessoa, com o fim de fundamentar a nossa fé. Contemplaremos em seguida com que incansável condescendência da Sua Humanidade para com a miséria, sob todas as suas formas, revela ao mundo a imensidade e as riquezas da bondade infinita. Esta revelação receberá, por contraste, todo o seu brilho, se considerarmos o procedimento, todo impregnado de justiça, de Nosso Senhor para com o orgulho dos fariseus.
 São estes, entre muitos outros, três aspectos da vida pública de Jesus, em que as nossas almas poderão fixar a sua atenção para daí colher graças de luz e princípios de vida. 

17 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 283

O TRABALHO É LEI DA VIDA

Os pássaros não se cansam de trinar, mesmo que ninguém os ouça. O rio não se cansa de correr, mesmo que ninguém o contemple. O sol não se cansa de alumiar, mesmo que ninguém o elogie. E nós, que lutamos pela verdade e pelo bem, pelo progresso e pela paz, havemos de cansar-nos por encontrarmos os ouvidos cerrados, as mãos mortas e rostos apáticos? Não; mil vezes não. Esse marasmo, essa apatia, essa sonolência devem erguer-nos. Não se cansar, não desanimar, não se deixar abater, eis o grande tônico.

16 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

VI

 Vede quão invencível é a alma « que habita no santuário da Divindade ».
 Não esqueçamos, porém, que o não conseguiremos senão pela fé em Jesus Cristo, nosso Chefe e nosso modelo.
 Com efeito, diz o salmista que, para nos proteger dos dardos inimigos, «Deus nos cercará com a Sua verdade como se fosse um escudo»: Scuto circumdabit te VERlTAS EJUS. É igualmente o pensamento de S. Paulo, ao descrever as armas de que deve munir-se o cristão para a luta espiritual: IN OMNIBUS sumentes scutum FlDEL,­ in quo possitis OMNIA tela nequissimi ignea extinguere. «Em todas as circunstâncias, armai-vos do escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do espírito maligno». S. P.edro exprime-se no mesmo sentido:  « O demônio anda sempre a rondar em torno de vós, em busca duma presa para a devorar; e é pelo vigor da vossa fé que lhe haveis de resistir»: Cui resistite FORTES 1N FIDE.
 Deveis ter notado que, para repelir o demônio, Jesus Cristo apela sempre para a palavra divina. Esta mesma tática nos levará a nós ao triunfo. 
Assim, por exemplo, quando o demônio vos tentar contra a fé, lembrai-vos do testemunho do Pai Eterno a proclamar que Jesus é o Seu Filho muito amado; lembrai-vos de que « só os que creem em Jesus, Filho de Deus, só esses vêm de Deus ». Quando vos induzir à desconfiança, repeti as palavras de Jesus Cristo: «Só Deus é bom»: Nemo bonus nisi solus Deus: ou então: <
 Em todas as circunstâncias - In omnibus - armai-vos das palavras do Verbo; são um escudo contra o qual todos os dardos se virão a quebrar e perder.
 A fé é a arma por excelência. « Tenho como certo - escrevia Santa Teresa, que Deus jamais permitirá ao demônio enganar uma pessoa que, desconfiando de si mesma, está tão firme na fé que, pela menor das verdades reveladas, estaria pronta a afrontar mil mortes.». É a fé que, na hora da provação, no momento da tentação, nos lembra os direitos soberanos de Deus à obediência à sua justiça, os sofrimentos indizíveis pelos quais Jesus expiou o pecado, a gratuitidade da graça, a necessidade da oração, a eternidade das penas com que Deus castiga o pecador que morre impenitente, a infinita beatitude com que recompensa magnificamente uma fidelidade de poucos anos. Todas estas verdades nos está repetindo a fé. E por mais temíveis que sejam as setas do inimigo, por mais violentas que sejam as suas sugestões, por mais prolongado que seja o combate, a alma que tem uma fé viva encontra nessa fé, e na união com Jesus Cristo que ela produz, o melhor apoio da sua resistência, o próprio princípio da sua estabilidade no bem, o verdadeiro segredo da vitória.
 << Feliz da alma - é Deus quem o diz - feliz da alma que suporta assim a tentação sem a ela se expor, que passa através do fogo com os olhos da fé fixos nas palavras e exemplos de Jesus Cristo e nas promessas divinas; triunfará nesta vida e receberá mais tarde o prêmio da sua generosidade e do seu amor: BEATUS vir qui sutfert tentationem: quoniam cum probatus fuerit, accipiet coronam vitae quam repromisit Deus díligentibus se.
 Porque, diz S. Paulo, Jesus Cristo não abandona os Seus discípulos na luta.« Pontífice compassivo que sofreu a tentação, conhece o que é a provação e pode sustentar-nos no meio do combate ». Socorre-nos com a Sua graça, ajuda-nos com a Sua oração. Repete por nós o pedido que fez ao Pai no momento em que ia sofrer, para delas sair vitorioso, as derradeiras investidas do inferno: «Pai, não Vos peço que os tireis do mundo, mas que os preserveis do mal ». E porque cremos em Seu Filho Jesus, porque não nos queremos afastar d'Ele, porque desconfiando de nós mesmos, só n'Ele colocamos, pela oração, a nossa esperança, porque nos vê e nos ama em Seu Filho - Quia tui sunt -, o Pai nos preservará do mal»; mandará os Seus bons Anjos« que invisivelmente se aproximem de nós e nos sirvam ».É  aliás, a magnífica promessa que nos fez, pelos lábios do escritor sagrado, no belo salmo XC, que quero citar ainda ao terminar esta palestra. « Porque recorreu a mim, diz o Senhor, eu o libertarei; porque me reconheceu como o Todo-poderoso, protegê-lo-ei; invocar-me-á.  e eu o atenderei; estarei com ele na aflição para o libertar e cumular de glória; dilatar-lhe-ei os seus dias; e far-lhe-ei ver, para que sempre dela goze, a salvação que só eu posso dar»: Clamabit ad me, et ego exaudiam eum;  cum ipso sum in tribulatione; eripiam eum et glorificabo eum; longitudine dierum replebo eum, et ostendam illi salutare meum.

15 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 282

A INVEJA LEVA A CALUNIA

Numa aldeia da Austria, em 1847, vivia uma pobre mulher, viúva com cinco filhinhos, de seu trabalho de costura e bordado. Uma jovem costureira, chamada Ana Geisel, invejosa da muita freguesia que tinha a viúva e desejando que a perdesse, levantou-lhe Uma calúnia: espalhou que a costureira tinha uma doença contagiosa das mais repugnantes. Os fregueses deram-lhe crédito e, não recebendo mais trabalho, a viúva viu-se obrigada a pedir esmola. Mas mesmo as portas daqueles que antes a favoreciam agora se fechavam para ela. Por ocasião do jubileu de Pio IX, naquele ano, a invejosa-caluniadora confessou a verdade e fez pública retratação numa declaração firmada de próprio punho. Essa declaração a caluniadora mandou fixar no quadro de avisos da prefeitura; além disso enviou à viúva uma pequena indenização pelos prejuízos causados e logo, desapareceu da aldeia para ocultar sua vergonha.
A pobre invejada e caluniada recobrou sua antiga freguesia e dai em diante foi sempre muito favorecida de todos.

14 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

v

 A graça que o Verbo Incarnado nos mereceu, suportando a tentação, foi a força de vencermos o demônio, de sairmos vitoriosos da luta que necessariamente temos de sustentar, antes de sermos admitidos ao gozo da vida divina na bem aventurança celeste. Jesus Cristo obteve que aqueles que estão unidos a Ele participassem - e participam na própria medida da sua união com Ele - da Sua impecabilidade. 
Tocamos aqui no âmago do mistério.
 Vemos no Evangelho que Jesus Cristo era impecável, impassível, inacessível à menor imperfeição. Mas qual é a fonte desta invulnerabilidade moral?
 A razão fundamental é ser Ele o próprio Filho de Deus; como segunda pessoa da Santíssima Trindade, é a santidade infinita e não pode sucumbir ao mal.
Todavia, se examinarmos a Humanidade de Jesus em si mesma, veremos que ela é criada como a nossa, semelhante à nossa; a união com a Divindade não lhe tirou aquelas fraquezas que são compatíveis com a qualidade de Filho de Deus. Jesus Cristo padece fome, sede; a fadiga acabrunha-o;  o sono Lhe cerra as pálpebras; o medo, a tristeza, o tédio invadem-Lhe verdadeiramente a alma; e, no entanto, não há n'Ele a menor sombra de imperfeição. Logo, se a Humanidade de Jesus, como tal, goza da impecabilidade, é porque está maravilhosamente corroborada no bem. Ora qual foi o meio de que se serviu Deus para tornar a santa alma de Jesus inacessível ao mal moral, ao pecado, para afirmar na impecabilidade?
  Foi fazê-la «habitar sob a proteção do Altíssimo »: In adjutorio Altissimi; ou, segundo os termos mais significativos do texto original, « In sanctuario secreto divinitatis». E qual é este asilo, este santuário? - É a visão beatífica.
 Como sabeis, a visão beatífica é a contemplação bem aventurada de Deus, tal qual é em Si mesmo. Aquele a quem tal graça é concedida não pode desprender-se de Deus, porque vê que Deus é o soberano Bem e que nenhum bem particular, por maior que seja, Lhe pode ser comparado. Portanto, o pecado - que consiste em se afastar de Deus para se apegar a um bem que se encontra em si ou na criatura - torna-se radicalmente impossível. Neste bem aventurado estado, em que a inteligência contempla a própria Verdade, não há lugar para ignorância, ilusão ou erro de espécie alguma; e a vontade, presa ao Bem absoluto que encerra em si a plenitude de todo o bem, não conhece hesitações nem desfalecimentos. A alma que atinge tal altura encontra-se, segundo a linguagem teológica, perfeitamente « confirmada na graça >>. 
Esta confirmação na graça é uma consequência da predestinação; comporta diferentes graus proporcionados à perfeição e à medida desta predestinação.
 A Humanidade de Jesus foi predestinada para ser unida ao Verbo eterno; por isso, desde o primeiro instante da sua existência, a alma de Cristo possui, como privilégio resultante desta união, como atributo << conatural », a visão beatífica; ela é confirmada em graça, no grau mais elevado, isto é, na impecabilidade essencial e absoluta. Eis porque ouvimos Nosso Senhor, Chefe de todos os predestinados, desafiar assim os judeus: <
 Na terra, não nos é dado ainda habitar permanentemente nesse << asilo da Divindade ». Mas o que é que para nós substitui neste mundo a visão beatífica? A fé. Pela fé temos Deus sempre presente: Per fidem enim ambulamus; esta fé a cuja luz caminhamos é a fonte da nossa união com Jesus e a raiz da nossa perfeição: Ambula coram me, et esto perfectus. Na medida em que, pela fé, vivermos na contemplação de Deus e permanecermos unidos a Jesus Cristo, nessa mesma medida nos tornaremos invulneráveis à tentação. 
Neste mundo, encontram-se almas já por tal modo unidas a Jesus Cristo, possuidoras duma fé tão grande, que são logo confirmadas em graça. Assim, a Santíssima Virgem foi, por privilégio único, predestinada a ser isenta de todo o pecado, mesmo do pecado original: Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non est in te. S. João, o Precursor, foi santificado no seio materno, e os Padres da Igreja ensinam-nos que ele foi confirmado na graça divina; o mesmo sucedeu com os Apóstolos, depois de receberem o dom do Espírito Santo no dia do Pentecostes.
 A todos dá Deus uma parte desta confirmação em graça, parte correspondente, como disse, à nossa vida de fé. Uma alma que, pela fé, vive habitualmente na contemplação divina bebe de contínuo nessa fonte de vida: Quoniam apud te est fons vitae; participa da união de Jesus Cristo com o Pai -Ego in eis, et tu in me - e, por conseguinte, do amor que o Pai tem ao Seu Filho Jesus: Ut dilectio qua dilexisti me in ipsis sit, et ego in ipsis.
 Por isso, o Senhor tem para com esta alma verdadeiras complacências; protege-a, torna-a, pouco a pouco, invulnerável. Poderão atacá-la todos os inimigos; «cairão mil à sua esquerda, dez mil à sua direita, nada a atingirá»; calcará aos pés os demônios; pode o universo inteiro sublevar-se em volta dela, desencadear-se contra ela; dirá a Deus: «Sois o meu protetor e o meu refúgio, e o Senhor a libertatá de todas as ciladas e de todos os perigos>>: Quoniam in me speravit liberabo eum. 
A lgteja, que tanta solicitude dispensa a seus filhos, que conhece a quantos perigos estão expostos, que sabe, por outro lado, as poderosas graças de vida que nos trazem os mistérios do Verbo Incarnado e a nossa união com Ele, recorda-nos todos os anos, no princípio da Quaresma, o mistério da tentação de Jesus. Quer que, a exemplo do Mestre, vivamos durante quarenta dias em espírito de penitência, no retiro, na solidão e na oração.
 Para nos ajudar a bem passar este tempo, para despertar em nossos corações os sentimentos que os devem animar, dá-nos a ler, no princípio desta santa quarentena, a narração do jejum, da tentação e do triunfo de Jesus Cristo.
 Ao mesmo tempo, põe em nossos lábios todo o salmo XC, que começa pelas palavras que vos acabo de explicar: «Aquele que habita no seio da Divindade permanecerá sob a proteção do Deus do céu ». É por excelência o salmo da confiança no meio da luta, da provação e da tentação.
 As magníficas promessas que nele se encerram aplicam-se em primeiro lugar a Jesus Cristo e depois a todos os membros do Seu Corpo Místico, na medida da vida da graça e fé que possuem.
 Por tal motivo, a Igreja não se contenta com no-lo fazer ler, por inteiro, na Missa do primeiro Domingo da Quaresma; extrai dele ainda para o seu Ofício canônico versículos que nos faz recitar todos os dias deste longo período, afim de colocar incessantemente diante dos nossos olhos as atenções do Pai celeste. « Ordenou a Seus Anjos que te guardassem em todos os teus caminhos»: Angelis suis (Deus) mandavit de te: ut custodiant te in omnibus viis tuis. «É Ele quem liberta a minha alma da rede do passarinheiro e da palavra amarga que abate>>: lpse liberavít me de laqueo venantium et a verbo aspero. «Cobrir-te-á  com as suas asas, e n'Ele encontrarás um refúgio cheio de esperança»: Scuto circumdabit te veritas ejus; non timebis a timore nucturno.
 Quanta confiança não despertam na alma semelhantes promessa diariamente repetidas! Que segurança lhe não infundem para trilhar o caminho da salvação -  Ecce nunc dies salutís -, por mais rodeada que esteja de ciladas e de inimigos! Deus está com ela; e, « se Deus está conosco, diz S. Paulo, que poderão aqueles que estão contra nós? ». Porque, acrescenta «nunca o Senhor permitirá que sejamos tentados ou experimentados além das nossas forças; antes nos protegerá e, pela sua proteção, fará com que vençamos a provação, resistamos à tentação e mostremos a nossa fidelidade, fonte de merecimentos e de glória: Cum tentatione praventum .

13 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 281

O INVEJOSO CAUSA DANO A SI PRÓPRIO

Um príncipe de Siracusa tinha dois criados: um era avarento e o outro, invejoso.
Um dia disse-lhes o príncipe: “Quero fazer-vos um presente. O primeiro que pedir terá o que desejar; e ao outro darei o mesmo presente, porém em dobro”. Um por avareza e o outro por inveja, nenhum queria pedir primeiro. Afinal o príncipe, para acabar de uma vez, mandou ao invejoso que pedisse. Este, depois de refletir algum tempo, pediu que lhe arrancassem um olho. Por que? Para que ao seu companheiro tivessem de arrancar os dois.

12 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV 

Contemplemos agora o nosso divino Chefe em luta com o príncipe dos espíritos rebeldes.
 Sabeis que Jesus esteve no deserto quarenta dias e quarenta noites, <
 Para bem compreenderdes o mistério da tentação de Jesus, lembrai-vos do que tantas vezes vos tenho dito: Jesus Cristo é em tudo semelhante a nós: Debuit per omnia fratribus similari. Imaginai agora a que estado de fraqueza ficaria reduzido um homem que, durante quarenta dias, não tomasse alimento algum. Não quis Nosso Senhor fazer milagres para impedir em Si os efeitos do jejum; por isso, diz- nos o Evangelho que, depois deste tempo todo, Jesus sentiu fome: Postea esuriit. Naturalmente, depois de tanto tempo, devia achar-se num estado de extrema fraqueza. Vamos já ver como o demônio se vai aproveitar da ocasião para O tentar.
 No entanto, embora participe das nossas enfermidades e fraquezas, a santa Humanidade de Jesus Cristo não pode conhecer o pecado: Absque peccato; a alma de Jesus não está sujeita a ignorância, a erro, a fraqueza de espécie alguma.
 Escusado será dizer que tão pouco experimenta nenhum desses movimentos desordenados que em nós resultam da culpa original ou dos hábitos do pecado. Se, por amor de nós, Jesus padece fome e abatimento, em Si mesmo permanece o Santo dos santos. Qual é a consequência desta doutrina? Que a tentação que Jesus Cristo pode sofrer Lhe não atinge a alma, é apenas exterior; não pode ser tentado senão <
Entre estes espíritos devemos pensar que aquele que tentou o Salvador era dotado de um poder particular: por maravilhosa, porém, que fosse a sua inteligência, ignorava contudo quem era Jesus Cristo. Criatura alguma pode ver a Deus, a não ser pela visão beatífica, de qual está privado o demônio.
 Do mesmo modo lhe não era permitido conhecer a chave do mistério que estabelece em Jesus a união da Divindade com a Humanidade. Certamente suspeitava qualquer coisa; não se esquecera da maldição que sobre ele pesava. desde que Deus estabelecera inimizade eterna entre Satanás e a mulher que lhe devia esmagar a cabeça, isto é, destruir o seu poder sobre as almas; não podia ignorar os prodígios que se haviam operado desde o nascimento de Jesus; o relato da tentação mostra-o claramente. A sua ciência, porém, era incerta. Queria, ao tentar a Jesus Cristo, conhecer de modo indubitável se era possível triunfar daquele homem, que, não havia dúvida, considerava um ser extraordinário. 
O tentador aproxima-se, pois, de Jesus, diz-nos o Evangelho! Et accedens tentator. Vendo-O num estado de esgotamento, tenta fazê-lo cair num pecado de gula. Não num pecado de grande gulodice, apresentando a Jesus Cristo suculentas iguarias; o demônio tinha uma opinião muito elevada 
d'Aquele que atacava, para acreditar que pudesse sucumbir a uma sugestão deste gênero. Mas sugere a Jesus, acabrunhado pela fome, que, se é o Filho de Deus, tem o poder de operar milagres para a satisfazer. Queria assim induzir Jesus Cristo a antecipar a hora do Pai para realizar um prodígio cuja finalidade era inteiramente pessoal. «Se és o Filho de Deus diz a estas pedras» - e mostrava-as aos pés de Jesus - << que se transformem em pão». E que responde Nosso Senhor? Dá a conhecer a sua qualidade de Filho de Deus? Não. Opera o milagre proposto pelo demônio? Ainda menos. Limita-se a replicar com uma palavra da Escritura: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra de Deus». Mais tarde, durante a vida pública, um dia em que os Apóstolos Lhe trazem alimento - «Mestre, comei»: Rabbi manduca -, Jesus Cristo dá uma resposta análoga: «Tenho um alimento que vós não conheceis: cumprir a vontade do meu Pai». O mesmo diz ao demônio. Esperará, para satisfazer a fome, que o Pai venha em Seu auxílio; não antecipará o momento marcado pelo Pai para revelar o Seu poder; quando o Pai falar, escutará a Sua voz.
 Vendo-se repelido, Satanás compreende que tem diante de si, senão o Filho de Deus, pelo menos um ser de grande santidade. Por isso, resolve lançar mão de outra arma mais perigosa. Conhece maravilhosamente a natureza humana; sabe que aqueles que atingiram um alto grau de perfeição e de união com Deus estão acima das solicitações do apetite grosseiro dos sentidos, mas podem-se deixar seduzir pelas sugestões mais sutis do orgulho e presunção; podem-se julgar superiores aos outros e pensar que, em atenção à sua fidelidade, mesmo quando se exponham voluntariamente ao perigo, Deus é obrigado a dispensar-lhes especial proteção. - O dem­ônio intenta, pois, impelir a Cristo por esse caminho. Fazendo uso do seu poder espiritual, transporta Jesus ao pináculo do Templo e diz-Lhe :«Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo; para ti não haverá perigo algum, porque Deus ordenou aos Seus Anjos que te amparem em suas mãos, para não te ferires de encontro às pedras». «Se Jesus é o Filho de Deu», aparecer assim no ar e descer no meio da multidão que se aglomera no átrio, que maravilhoso sinal da Sua missão messiânica, que prova evidente de que Deus está com Ele! E para tornar a sugestão mais sedutora, o demônio recorre à autoridade da palavra divina. - Mas Jesus replica, dum modo soberano, com outro texto sagrado: <
 O espírito das trevas tenta vencer a Cristo num derradeiro assalto. Transporta-O ao cume duma elevada montanha, e mostra-Lhe todos os impérios do mundo, desenrola a Seus olhos todas as suas riquezas, todo o seu esplendor e glória. Que tentação para a ambição d'Aquele que se considerava o Messias! Faltava marcar-lhes o preço. Mais um ardil do espírito maligno para conhecer finalmente quem era Aquele que lhe resistia. «Tudo isto me pertence; mas tudo te darei, se, prostrando-te, me adorares». - Conheceis a resposta de Jesus e o vigor com que repele as sacrílegas sugestões do demônio: «Retira-te, Satanás! Está escrito: só a Deus adorarás e só a Ele servirás ».
 O príncipe das trevas sente-se agora inteiramente desmascarado: só lhe resta retirar-se. Mas, diz o Evangelho, «foi só por certo tempo que se afastou»: Usque ad tempus. O escritor sagrado dá assim a entender que, durante a vida pública, o demônio voltará ao ataque; pelos seus ministros, quando não em pessoa, perseguirá sem tréguas a Nosso Senhor; durante a Paixão principalmente há de encarniçar-se, pelas mãos dos fariseus, em perder Jesus: Haec est hora vestra, et potestas tenebrarum. O demônio incitará os fariseus, e estes o povo, a exigirem que o Salvador seja crucificado: Tolle, tolle, crucifige eum. Sabeis, no entanto, que a morte do Salvador na Cruz será precisamente o golpe decisivo que arruinará para sempre o império do demônio. Assim resplandece a sabedoria em todas as suas obras! Qui salutem humani generis in ligno crucis constituistí ... ut qui in ligno vincebat in ligno quoque vinceretur.
 O Evangelho acrescenta que, << tendo-se retirado o tentador, os Anjos desceram do céu para servirem a Jesus ». Era a manifestação sensível da exaltação que o Pai concedia ao Filho por se ter abaixado a ponto de suportar em nosso nome os ataques do demônio. Apareceram os Anjos fiéis e serviram a Jesus o pão que esperava, na hora designada pela Providência do Pai. 
Até aqui, o relato evangélico da tentação de Jesus. Se Jesus Cristo, Verbo Incarnado, Filho de Deus, quis entrar em luta com o espirito maligno, como admirar-nos de que os membros do seu corpo mistico tenham de seguir por igual caminho? Muitas pessoas, mesmo piedosas, creem que a tentação é um sinal de condenação. Mas, a maior parte das vezes, é o contrário! Tendo-nos tornado discípulos de Jesus pelo Batismo, não podemos « estar acima do nosso divino Mestre ». QUIA acceptus eras Deo, NECESSE FUIT ut tentatio pro­baret te: « Porque eras agradável a Deus, foi necessário que a tentação te experimentasse ». É o próprio Senhor quem no-lo diz.
 Sim, o demônio pode tentar-nos, e tentar-nos poderosamente, e tentar-nos quando nos julgamos inteiramente ao abrigo dos seus dardos: nas horas de adoração, depois da sagrada Comunhão; nestes momentos abençoados pode sugerir-nos pensamentos contra a fé, contra a esperança, pode induzir o nosso espírito à independência para com os direitos divinos, à revolta; pode despertar em nós as paixões. Pode, e não deixará de o fazer.
 Repito, não nos admiremos; nunca nos esqueçamos de que Jesus Cristo, em tudo nosso modelo, foi tentado antes de nós, e não só tentado, mas tocado pelo espírito das trevas; permitiu ao demônio pusesse a mão na Sua Santa Humanidade.
 Sobretudo não esqueçamos que não foi só como Filho de Deus que Jesus venceu o demônio, mas também como Chefe da Igreja; n'Ele e por Ele triunfamos e triunfaremos das sugestões do espírito rebelde.
 Foi esta precisamente a graça que nos mereceu o nosso divino Salvador por este mistério; nele encontraremos a fonte da nossa confiança nas provações e nas tentações; resta-me apenas mostrar-vos como esta confiança deve ser inquebrantável, e como, pela fé em Jesus Cristo, encontraremos sempre o segredo da vitória. 

11 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 280

FOI POR INVEJA...

Um bom jardineiro plantou perto de sua casa algumas videiras, que davam sombra agradável e deliciosas uvas. É verdade, não eram muitas, mas excelentes. Um vizinho invejoso veio uma noite e cortou muitos galhos da videira. De manhã, quando viu aquele estrago, o bom jardineiro sentiu muito pesar, pois ignorava que a poda faz frutificar a videira, e dizia: “Tenho vontade chorar; mas como não choro, minhas pobres videiras derramam lágrimas ao verem-se tão cruelmente maltratadas”. Quão grande foi, porém, a alegria do jardineiro, quando viu que naquele ano a videira produziu maior número de cachos, maiores e mais formosos do que no ano anterior. Foi devido a inveja de seu vizinho que ele aprendeu a podar as videiras e torná-las fecundas.

10 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

Logo depois do batismo, conta-nos o Evangelho que Jesus foi levado ao deserto pelo Espirito. Os escritores sagrados empregam várias expressões para significar esta ação do Espírito Santo. Jesus foi "conduzido", diz S. Mateus; foi "impelido", explica S. Lucas; foi "levado", segundo S. Marcos. Que poderá indicar esta variedade de termos, senão a veemência da ação interior do Espírito Santo sobre a alma de Jesus Cristo? E com que fim é assim impelido para o deserto? Ut tentaretur a diabolo: "para ali ser tentado pelo demônio". É o próprio testemunho do Evangelho.
 Coisa estranha esta! Acaba o Pai de proclamar que Jesus é o Seu Filho muito amado, o objeto das Suas complacências; sobre Ele repousa o Espírito de amor; e eis que «imediatamente» - statim - esse Espírito O leva para o deserto para ali ser exposto às sugestões do demônio. Que mistério! Que poderá significar tão extraordinário episódio na vida de Cristo? Porque procede assim no início da Sua vida pública?
Para bem compreendermos a profundeza deste mistério e antes de expormos o relato evangélico, devemos, em primeiro lugar, recordar o papel que a tentação desempenha na nossa vida espiritual.
 As perfeições divinas exigem que a criatura racional e livre seja submetida a uma provação, antes de ser admitida ao gozo da futura beatitude. É mister que esta criatura seja posta em face de Deus e diante da provação e que, livremente, renuncie à própria satisfação para reconhecer a soberania de Deus e obedecer à Sua lei. A santidade e a justiça divina reclamam esta homenagem.
 Esta escolha, gloriosa para o Ser Infinito, é para nós o fundamento do mérito que o Senhor recompensa com a bem aventurança celeste. O Concilio de Trento definiu que é Deus quem nos salva, de tal modo, porém, que a salvação é, ao mesmo tempo, dom da misericórdia divina e recompensa dos nossos merecimentos. A vida eterna será a nossa recompensa, porque, tendo de escolher, repelimos a tentação para seguirmos a Deus; submetidos à provação, suportamo-la, a fim de permanecermos fiéis à vontade divina. O ouro purifica-se no cadinho; a constância no meio da tentação revela uma alma digna de Deus.
 Tal é a nobre condição de toda a criatura livre. 
Foram os Anjos os primeiros a ser submetidos à provação. Embora ignoremos em que tenha consistido esta provação, sabemos, contudo, que a sua natureza correspondeu ao modo de ser angélico.
 Sabeis que os Anjos são criaturas exclusivamente espirituais; os seus atos não são, como os nossos, medidos pelo tempo; mais ainda, possuem um poder, uma envergadura, uma profundeza, que nenhum ato humano pode atingir. Puros espíritos não raciocinam. Em nós, a extrema mobilidade da nossa imaginação, faculdade sensitiva ligada ao organismo corporal, apresenta à nossa escolha múltiplos bens particulares, cuja variedade retarda a ação da nossa inteligência e da nossa vontade; passamos dum bem a outro bem, voltando ao que a princípio havíamos decidido rejeitar. Não se dá o mesmo com o Anjo; nele, natureza inteiramente espiritual, não há lugar para a hesitação; os atos da inteligência e da vontade revestem um caráter de plenitude, de fixidez, de irrevogabilidade que lhes confere uma força incomparável. 
Nenhuma existência humana, por mais prolongada que seja, poderá atingir, pelo conjunto das suas aspirações, o poder, a intensidade do ato único pelo qual os Anjos devem ter fixado a sua escolha no meio da provação.
 Por isso mesmo a fidelidade dos Anjos bons foi tão agradável a Deus; por isso mesmo também o pecado de revolta dos espíritos rebeldes possui uma gravidade que não podemos avaliar e de que somos incapazes. A penetração do conhecimento que lhes permitiu agir em plena luz, deu a esse pecado único tal malícia, que a justiça divina teve de o punir com uma sentença imediata de eterna condenação.
 Para nós, a aceitação da provação, a resistência à tentação envolvem toda a nossa existência neste mundo; a luta contra as seduções corruptoras, a paciência nas contradições queridas ou permitidas pela Providência, são coisa de todos os dias: Militia est vita hominis super terram. 
Mas é também todos os dias ocasião magnífica de fidelidade constante a Deus. Uma alma que, desde a hora em que adquire consciência dos seus atos até ao instante em que se separa do corpo, nunca houvesse cometido uma falta deliberada; que, colocada entre Deus e as solicitações suscetíveis de a afastar d'Ele, houvesse livremente optado sempre pela vontade divina, - daria a Deus uma glória imensa. E por quê? Porque, em todos os seus atos, essa alma proclamaria que só Deus era o seu Senhor. <
O primeiro homem foi submetido à provação. Vacilou, caiu, preferiu a criatura e a sua própria satisfação a Deus. Deste modo, arrastou toda a raça humana na sua rebelião, na sua queda e no seu castigo.
 Por este motivo, foi necessário que o segundo Adão, que representava todos os predestinados, procedesse de forma contrária. Na Sua adorável Sabedoria, quis Deus Pai que Jesus Cristo, nosso Chefe e nosso modelo, fosse colocado em face da tentação e, por Sua livre escolha, dela saísse vitorioso, a fim de nos ensinar a vencer. É uma das razões deste mistério.
 Há outra razão, mais transcendente, que liga intimamente este mistério ao do batismo.
 De fato, que dizia Jesus ao Precursor quando este se recusava a desempenhar o seu ministério de penitência para com Ele? «Consente por agora, porque é necessário cumprirmos assim toda a justiça>. - Esta justiça, como já vimos, consistia, para Jesus, em suportar todas as expiações decretadas pelo Pai para a redenção do gênero humano. Dare animam suam redemptionem pro multis. Desde o pecado de Adão, a raça humana é escrava de Satanás, e é das mãos do príncipe das trevas que Jesus a deve salvar; foi «para destruir o reino do demônio que Ele apareceu na terra»; In hoc apparuit Filius Dei, ut dissolvat opera diaboli. - É por isso que, depois de ter recebido o batismo, em que é apontado como «o Cordeiro de Deus que vem tirar o pecado do mundo» e arrancar todo o rebanho ao poder do demônio, o Verbo Incarnado entra em luta com - «o príncipe deste mundo»; é por isso que o Espírito Santo O leva imediatamente para o deserto, como se fazia outrora com o bode expiatório, carregado de todos os pecados do povo: Ut tentaretur a diabolo. 

9 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 279

PERDOAR AS INJÚRIAS

S. Afonso Maria de Ligório soube que alguns de sua Congregação não queriam dar esmola a uma mulher que muito os havia ofendido e molestado. Escreveu-lhes imediatamente: “Quero que lhe deem tudo quanto pedir; mormente porque foi nossa inimiga”.
E ao reitor. de uma de suas casas que lhe referiu uma injustiça, que lhe fizera a gente daquela terra, respondeu: “Como? Isto vos fizeram? Convém pensar em vingar-vos. Mas de que modo? Deste: abri mais as mãos para as esmolas que se fazem à porta do convento; ficai no confessionário mais tempo; visitai e socorre os enfermos; nunca vos queixeis do agravo que vos fizerem: esta seja a vossa vingança”.
E o que aconselhava aos outros, era ele o primeiro a praticar.

8 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

II 

Esta cena misteriosa não é mais do que uma aplicação particular da lei divina que vos indiquei no princípio desta palestra: é preciso que Jesus Cristo seja glorificado, uma vez que por nós sofreu a humilhação. Jesus abaixa-se até se confundir com os pecadores, e eis que logo o céu se abre para O exaltar; solicita um batismo de penitência, de reconciliação, e eis que o Espírito de amor testemunha que repousa em Jesus com a plenitude dos Seus dons de graça; reconhece-se merecedor dos golpes da justiça divina, e eis que o Pai O proclama o objeto de todas as suas complacências: Humiliavit semetipsum ... propter quod et Deus exaltavit illum. 
Esta solene glorificação de Jesus Cristo não interessa somente à Sua pessoa; tem um alcance muito extenso, que quero pôr em relevo.
 É nesse momento que a missão de Jesus, como enviado de Deus, é declarada autêntica: o testemunho do Pai acredita, para assim dizer, o Seu Filho junto do mundo e liga-se, por este lado, a um dos caracteres da obra de Jesus Cristo a nosso respeito.
 De fato, devemos notar que a missão de Jesus reveste um duplo aspecto: tem, ao mesmo tempo, o carácter duma redenção e duma santificação; resgatar as almas e depois infundir-lhes a vida, eis toda a obra do Salvador. Estes dois elementos são inseparáveis, mas distintos.
 Achamo-los em germe nas circunstâncias que assinalam o batismo de Jesus Cristo, prelúdio da Sua vida pública. 
Já vimos de que modo, ao apresentar-se para receber o batismo de penitência, o verbo Incarnado afirma a Sua qualidade de Redentor; deve consumar a Sua obra pelo dom da Sua vida divina, que nos confere em virtude dos merecimentos da Sua Paixão e Morte: Unigenitum misit Deus in mundum ut vivamus per eum. Deus deu-nos o Seu Filho para que aqueles que nele crêem tenham a vida: «Ut omnis, qui credit in ipsum, NON PEREAT, sed HABET VITAM aeternam .
 A fonte da vida eterna é em nós uma luz.
 No Céu é a luz da visão beatifica. Nesta luz, vivemos da própria vida de Deus: Quoniam apud te est fons vitae: et in lumine tuo videbimus lumen. 
Neste mundo, a fonte da nossa vida sobrenatural é igualmente uma luz, a luz da fé. A fé é uma participação do conhecimento que Deus tem de Si mesmo. Esta participação é comunicada à alma pelo Verbo Incarnado; torna-se para nós uma luz que nos guia em todos os nossos caminhos, e é por isso que deve vivificar toda a nossa atividade sobrenatural: Justus meus ex fide vivit.
 Ora o fundamento desta fé é o testemunho que Deus dá do Seu Filho Jesus: <
 Jesus Cristo é apresentado solenemente ao mundo como o enviado do Pai. Tudo o que nos disser será o eco dessa verdade eterna que Ele contempla sempre no seio do Pai: Unigenitus Filius, que est in sinu Patris, ipse enarravit. «A Sua doutrina não será Sua, mas do Pai que O envia». Repetirá tudo quanto ouviu, e assim é que Jesus, no último dia, poderá dizer ao Pai: << Pai, cumpri a obra que me confiaste; dei-te a conhecer ao mundo».
 As palavras do Verbo Incarnado não produziram em todas as almas a luz que deve ser para elas o principio da salvação e da vida. Ele é, sem dúvida, «a luz do mundo»; mas é preciso segui-la, se não quisermos andar nas trevas e quisermos alcançar essa luz eterna que é a fonte da nossa vida no céu»: Qui sequitur me, non ambulat in tenebris, sed habebit lumen vitae; só são aceites a Deus aqueles que recebem o Seu Filho. 
Para ouvir com fruto a palavra de Jesus Cristo, é preciso ser atraído pelo Pai: Omne quod dat mihi Pater, ad me veniet; aqueles que não são atraídos pelo Pai não ouvem a voz do Verbo: Vos non auditis, quia ex Deo non estis. E quem são os que são atraídos pelo Pai? Os que reconhecem em Jesus o próprio Filho de Deus: OMINIS qui credit quoniam Jesus est Christus, ex Deo natus est.
 É por isso que este testemunho público dado pelo Pai a Jesus, depois do batismo, constitui a um tempo o ponto de partida de toda a vida pública de Jesus, Verbo Incarnado, luz do mundo, e o próprio fundamento de toda a fé cristã e de toda a nossa santificação. 
Assim, este mistério do batismo de Jesus, que marca o início do Seu ministério público, contém como que o resumo de toda a Sua missão neste mundo.
 Pela humilhação que quis sofrer, recebendo este rito de penitência <
 Em paga, abre-se o céu. O Pai Eterno introduz autenticamente o Seu Filho no mundo. O esplendor de glória que Lhe dá este testemunho divino anuncia a missão de iluminação das almas, que o Verbo feito carne vai iniciar. O Espírito Santo desce sobre Ele ;para marcar a plenitude dos dons que exornam a Sua alma santa e simbolizar, ao mesmo tempo, a unção da graça que Jesus Cristo deve comunicar ao mundo. 
O batismo, com a fé em Jesus Cristo, tornou-se para nós o sacramento da adoção divina e da iniciação cristã. É nos conferido em nome da Santíssima Trindade, dessa Trindade que se nos revelou nas margens do Jordão.
 Santificada pelo contato da Humanidade de Jesus e unida ao «Verbo de verdade», a água tem a virtude de apagar os pecados daqueles que detestam as suas faltas e proclamam a sua fé na Divindade de Jesus Cristo; é <
 De modo que, diz S. Paulo, <
 Do mesmo modo que o batismo constitui para Jesus Cristo o resumo de toda a Sua missão, simultâneamente redentora e santificadora, assim contém para nós, em germe, todo o desenvolvimento da vida cristã, com o seu duplo aspecto de <
É uma verdade, segundo a palavra do Apóstolo, que <
 Ó feliz condição dos cristãos fiéis: Ó cegueira insensata daqueles que esquecem as suas promessas batismais! Ó terrível destino daqueles que as calcam aos pés!. ..
É que, dizia aos judeus o Precursor, <

7 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 276 a 278

CARIDADE COM OS MENINOS

1. S. José Benedito Cottolengo disse certo dia a Dom Bosco: “O pano de tua batina é muito fino. Por enquanto pode servir; mas quando fores sacerdote, lembra-te de trocá-lo... Milhares de meninos te cercarão: um puxará à direita; outro, à esquerda, e tua pobre batina logo estará em pedaços. Lembra-te de fazê-la de pano mais forte”...
O mesmo S. Jolo Bosco escrevia em suas “Memórias”: “Em pouco tempo encontrei-me rodeado de jovenzinhos obedientes e trabalhadores, cuja conduta nos dias de trabalho como nos dias de festa eu podia garantir... Um levei-o à casa dos pais, de onde fugira; outro, que era ocioso e vagabundo, coloquei-o com um patrão dedicado ao trabalho; alguns recém-saídos do cárcere tornavam-se modelos dos companheiros; muitos, ignorantíssimos das coisas da fé, instruíram-se na religião”

2. Um dia disse a um deles:
— Queres dar-me a chave?
— Que chave, senhor? a do meu baú?
— Que vou fazer com a chave do teu baú? Dá-me a chave do teu coração! Ajuda-me!
— Ajudar no que, senhor?
— Ajuda-me a salvar, a tua alma. Façamos assim: primeiro uma confissão de tua vida futura.
— De minha vida futura, Dom Bosco, não pode ser.
— Tens razão — respondeu — como se logo notasse a dificuldade. — Mas, não importa, façamos uma confissão de tua vida passada. Fica, porém, tranqüilo; o que não puderes dizer, Dom Bosco o dirá.

3. S. João Bosco descreve num de seus sermões a chegada, ante as portas de Roma, de um jovem estudante, que depois foi S. Filipe Néri:
— Quem és? e o que é que olhas com tanta ansiedade?
— Sou um pobre forasteiro; contemplo esta grande cidade e um pensamento me agita; mas temo que seja loucura ou temeridade.
— Que pensamento é o teu?
— Consagrar-me ao bem de tantas pobres almas, de tantos meninos que, por falta de instrução religiosa, vão correndo pelo caminho da perdição.
— Possuis ciência para isso?
— Estudei um pouco, mas estou muito longe da sabedoria.
— Tens meios materiais?
— Nada: não tenho nem um pedaço de pão, afora o que me dá o meu amo cada dia por caridade.
— Tens igreja? tens casa?
— Não tenho mais que um quartinho estreito e emprestado. Estendi uma corda de uma parede à outra e ali penduro minha roupa.
— Como queres, pois, sem ciência, sem fortuna, empreender tão gigantesca tarefa? Como te chamas?
— Filipe Néri.
Neste diálogo S. João Bosco retratava a si mesmo; pois, com esses mesmos sentimentos, apresentava-se em Turim (1841) para ser o “apóstolo dos meninos”.

6 de fevereiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I

Sabeis que Deus estabelecera como Precursor, encarregado de anunciar aos judeus a vinda do Verbo Incarnado, a João, filho de Zacarias e de Isabel.
 Depois duma existência toda de austeridade, impelido por inspiração divina, João começara, aos trinta anos, a pregar nas margens do Jordão. O seu ensino resumia-se todo nestas palavras: «Fazei penitência, pois se aproxima o reino de Deus». As suas insistentes exortações, juntava o batismo no rio, a fim de mostrar assim ao auditório a necessidade de purificar as almas para as tornar menos indignas da vinda do Salvador. Este batismo só era concedido aos que, reconhecendo-se pecadores, confessavam as suas faltas.
 Ora um dia em que o Precursor administrava <
Quando a alma piedosa se detém a pensar que Aquele que assim se proclama pecador e voluntariamente se apresenta para receber um batismo de penitência é a segunda pessoa da Santíssima  Trindade, diante de Quem os Anjos velam a face e cantam: «Santo, santo, santo», - fica assombrada com tão prodigioso aniquilamento.
 Diz-nos o Apóstolo que Jesus Cristo é «santo, inocente, sem mácula, separado dos pecadores», e eis que o próprio Jesus se apresenta como um culpado, a pedir o batismo da remissão dos pecados! Que mistério é este? 
É que, em todos os Seus estados, o Verbo Incarnado desempenha duplo papel: o de Filho de Deus, em virtude da Sua eterna geração, e o de chefe duma raça pecadora, de quem possui a natureza e à qual vem resgatar.
 Como filho de Deus, pode pretender sentar-se à direita do Pai e aí fruir a glória a que tem direito nos esplendores do céu.
 Mas, como chefe da humanidade decaída, tendo revestido uma carne, culpada na raça, embora puríssima n,Ele -In similitudinem carnis peccati, - não poderá entrar no céu à frente desse corpo mistico, senão depois de ter passado pelas humilhações da Sua vida e sofrimentos da Sua Paixão: Nonne haec oportuit pati Christum, et ita intrare in gloriam suam?.
Possuindo, diz S. Paulo, a natureza divina, Jesus Cristo não pensava cometer injustiça alguma declarando-se igual a Deus em perfeição; mas, por nós, para nossa salvação, desceu a abismos de humilhação; e, por este motivo, o Pai exaltou-O, dando-Lhe este nome de Jesus que encerra a nossa Redenção. Ao exaltar o Seu Filho, «O Pai eleva-nos com Ele ao mais alto dos céus»: Consedere facit nos in caelestibus. É realmente para nos preceder que Jesus Cristo entra no céu: Ubi praecursor pro nobis introivit Jesus. 
Todavia, não entrará lá sem primeiro saldar com o Seu sangue a nossa dívida para com a justiça divina: Per proprium sanguinem introivít ... in sancta, aeterna redemptione inventa. 
É que, de fato, Jesus Cristo vem para nos libertar da escravidão do demônio, em cujo poder a humanidade caíra em consequência do pecado: Qui facit peccatum, servus est peccati; vem para nos salvar dos suplícios eternos que Satanás tinha o poder de nos infligir, como ministro da justiça divina: Ne forte tradat te judici, et judex tradat te ministro.
 Ora o Verbo Incarnado, Homem-Deus, não reali­zará esta Redenção, senão tomando voluntariamente o nosso lugar de pecadores e tornando-se solidário com o nosso pecado, a ponto, diz S. Paulo, de Deus o constituir como um pecado vivo: Eum qui non noverat peccatum, pro nobis peccatum fecit. Se toma sobre Si as nossas iniquidades, terá de suportar também os nossos castigos; deverá, portanto, so­frer aniquilamentos e humilhações sem conta.
 Tal é o decreto eterno.
 Compreendeis agora porque, logo ao princípio da Sua vida pública, no momento de inaugurar de um modo manifesto a Sua missão redentora, Jesus se submete a um ato de profunda humildade, a um rito que O colocava entre os pecadores.
 Ora vede, quando João, esclarecido do alto, reconhece n'Aquele que se apresenta o Filho de Deus, Aquele de quem havia dito: <
Qual é esta justiça? São as humilhações da adorável Humanidade de Jesus que, prestando uma homenagem suprema à Santidade Infinita, saldam completamente todas as nossas dívidas para com a justiça divina. Jesus, justo e inocente, toma o lugar de toda a raça pecadora: ]ustus pro injustis; e, por Sua imolação, torna-se o «Cordeiro de Deus que apaga os pecados do mundo», a «propiciação por todos os crimes da terra». É assim que Ele <
Ao meditarmos estas profundas palavras de Jesus, humilhemo-nos com Ele; reconheçamos a nossa qualidade de pecadores; e, principalmente, renovemos a renúncia ao pecado que marcou o nosso batismo. 
 O Precursor anunciava este batismo, que devia ser superior ao dele, porque seria estabelecido pelo próprio Jesus Cristo: <
Renovemos, pois, muitas vezes a nossa renúncia ao pecado. Sabeis que o caráter do batismo permanece indelével no fundo da nossa alma e, quando reiteramos as promessas feitas na hora da nossa iniciação, uma virtude nova jorra da graça batismal para fortalecer o nosso poder de resistência a tudo o que leva ao pecado, às sugestões do demônio, às seduções do mundo e dos sentidos. Só assim poderemos salvaguardar em nós a vida da graça.
 Deste modo ainda testemunhamos a Jesus Cristo o nosso vivo reconhecimento. <

5 de fevereiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 275

SABEIS QUEM EU SOU?

Ah! não sabeis quem eu sou?...
Eu sou a ruína dos grandes proprietários.
Sou o tormento da classe média, dos burgueses, dos camponeses remediados.
Sou o naufrágio dos pobres.
Sou a tentação das mulheres moças e até das velhas.
Sou a ruína dos lares.
Sou a morte dos mais sólidos capitais.
Sou o instrumento da corrupção.
Sou a sede que se não sacia, o fogo que se não extingue, a tentação que está sempre presente.
- Como? Então não me conheceis?...
Eu sou o Luxo e a Moda!...
S. Jolo Crisóstomo, dirigindo-se às casadas, dizia: “Quereis adornar-vos? Fazei-o com a modéstia e o decoro, e não com jóias e vestidos custosos; assim sereis mais agradáveis a vossos maridos. Há adornos que geram ciúmes e inimizades, disputas e lutas intestinas nas famílias. A modéstia da esposa é para o marido a melhor garantia, e para ambos o mais forte laço de concórdia em vosso estado. A modéstia é mãe do amor verdadeiro”