31 de dezembro de 2019

À Sombra da Fé - Santa Teresinha

Lembra-te que, no dia de tua vitória, disseste-nos: "Aquele que não pôde ver o Filho de Deus radiante de glória, é bem-aventurado... se mesmo assim crer!"
Na sombra da fé eu te amo e te adoro: aguardo em paz o céu, e te imploro.
Que não é meu anseio ver-te na terra. Eu creio! Lembra-te!

29 de dezembro de 2019

O Brinquedo de Jesus - Santa Teresinha

Recordais talvez que outrora eu gostava de me chamar "o brinquedinho de Jesus". Ainda agora, sinto-me feliz de sê-lo, só que me veio à cabeça que o Menino Jesus tinha muitas outras almas, cheias de virtudes sublimes que se diziam "seus brinquedos", pensei pois que elas eram os seus "belos brinquedos" e que a minha pobre alma era apenas um brinquedinho sem valor. Para consolar-me disse para comigo que muitas vezes as crianças têm mais alegria com os brinquedinhos sem valor que se podem deixa ou tomar, quebrar ou abraçar segundo o seu capricho, do que com outros mais valiosos nos quais quase não ousam tocar.
Rejubilei então por ser pobre e desejei sê-lo cada vez mais, a fim de que de dia para dia Jesus tenha mais gosto em brincar comigo.

28 de dezembro de 2019

Amar a Pobreza - Santa Teresinha

Na terra os grandes e os nobres possuem palácios suntuosos, enquanto o asilo dos pobres são casebres indecorosos. Assim, vede num estábulo o pobrezinho do Natal: esconde sua glória inefável deixando seu Céu por um portal. A pobreza, onde encontrais a paz, é amada por vosso coração, é nele que Jesus se compraz nele quer fazer sua mansão!

26 de dezembro de 2019

O Barco está Afundando - Santa Teresinha

Aqui na terra nada pode satisfazer-nos; só se pode sentir um pouco de repouso quando se está disposta a fazer a vontade de Deus.
O meu barquinho tem dificuldade de chegar ao porto. Há muito que avisto a margem e encontro-me sempre afastada dela; mas é Jesus que guia o meu barquinho e estou certa de que no dia em que ele quiser poderá fazê-lo atingir felizmente o porto. Ó Paulina! quando Jesus me fizer atingir as praias benditas do Carmelo quero dar-me inteiramente a ele, não quero viver senão para ele. Oh! não, eu não temerei os seus golpes, porque ainda nos sofrimentos mais amargos, sente-se sempre que é a sua mão suave que fere. Experimentei-o bem em Roma no momento em que me parecia que a terra fosse me faltar sob os pés.

25 de dezembro de 2019

Livre das Coisas - Santa Teresinha

Creio que o trabalho de Jesus, durante este retiro, foi o de me desapegar de tudo o que não é ele...
Se soubesse como é grande minha alegria por não sentir nenhuma, a fim de dar prazer a Jesus!... É uma alegria sutil e puríssima, mas nada sentida.

22 de dezembro de 2019

A Fonte da Amargura - Santa Teresinha

Jesus via-me fraca demais para me expor à tentação. Talvez eu me teria deixado queimar toda inteira pela luz enganadora, se a tivesse visto brilhar aos meus olhos... Não foi assim, encontrei só amargura onde almas mais fortes encontram alegria, a que renunciaram por fidelidade. Não tenho, portanto, nenhum mérito em não me ter entregue ao amor das criaturas, uma vez que fui preservada pela grande misericórdia do Bom Deus!... Reconheço que, sem ele, poderia cair tão baixo como Santa Madelena. E com grande doçura ecoa em minha alma a profunda palavra de Nosso Senhor a Simão...

20 de dezembro de 2019

Uma Falsa Luz - Santa Teresinha

Quanto não agradeço a Jesus de me fazer encontrar só "amarguras nas amizades da terra"! Com um coração como o meu, deixar-me-ia prender e cortar as asas, e como, então, poderia "voar e repousar"? Como pode unir-se intimamente a Deus um coração entregue à afeição das criaturas?... Sinto que não é possível. Sinto que  não posso me enganar, embora não tenha bebido na taça envenenada do amor por demais ardente das criaturas. Vi tantas almas que, seduzidas por essa falsa luz, esvoaçaram como mísera mariposas e queimaram as asas. Depois, volveram-se à verdadeira e doce luz do amor, que lhes deu novas asas, mais brilhantes e mais ligeiras, a fim de voar para junto de Jesus, Fogo Divino, "que arde sem se consumir".

18 de dezembro de 2019

Não Temas - Santa Teresinha

Se quiseres suportar a provação de estares contente contigo mesma, dar-me-ás com isso um doce asilo; é verdade que sofrerás, porque ficarás como à porta de ti mesma, mas não temas, quanto mais pobre fores, mas Jesus te amará. Ele irá longe, bem longe, se te tresmalhares. Ele prefere ver-te tropeçar durante a noite nas pedras do caminho a ver-te andar em pleno dia por uma estrada esmaltada de flores que poderiam atrasar o teu passo. Amo-te, ó minha Celina, amo-te mais do que poderias imaginar...

17 de dezembro de 2019

O Ùnico Diretor Espiritual - Santa Teresinha

Desde minha tomada de hábito já tinha recebido copiosas luzes sobre a perfeição religiosa, principalmente no que concerne ao voto de pobreza. Durante o postulantado ficava contente de ter cousas boas para meu uso, de achar à mão tudo o que me fosse necessário. "Meu Diretor" levava-o com paciência, pois não gosta de mostrar às almas tudo ao mesmo tempo. De ordinário, concede sua luz pouco a pouco. (No começo de minha vida espiritual, lá pela idade de 13 a 14 anos, perguntava a mim mesma o que ainda alcançaria mais tarde, pois julgava impossível compreender melhor a perfeição. Bem depressa cheguei à conclusão de que, quanto mais se avança neste caminho tanto mais a gente se julga longe do termo. Por isso agora me resigno a ver-me sempre imperfeita e acho nisso minha alegria)...

15 de dezembro de 2019

Espelho Fiel - Santa Teresinha

Ao sair do confessionário, saltavam-me dos olhos lágrimas bem confortantes. Parecia ser o mesmo Jesus que queria dar-se a mim; pois, eu tinha confessado há pouco tempo, e nunca dizia nada acerca de meus sentimentos íntimos. O caminho pelo qual andava era tão reto e tão luminoso, que não precisava de outro guia, senão Jesus... Os diretores espirituais, eu os comparava a espelhos fiéis que refletem Jesus nas almas, achando que no meu caso, o Bom Deus não se valia de nenhuma pessoa intermediária, mas agia diretamente!...

14 de dezembro de 2019

Escondidos em Deus - Santa Teresinha

Sinto-me bem unida à minha Celina, creio que o Bom Deus raramente fez duas almas que se compreendam tão bem: nunca uma nota discordante. A mão de Jesus que toca uma das liras faz ao mesmo tempo vibrar a outra... Oh! permaneçamos escondidos na nossa divina Flor dos campos até que as sombras declinem. Visto que nós agradamos ao nosso Lírio, continuemos a ser com alegria a sua única gota de orvalho!... E por essa gotinha que o terá consolado durante o exílio, que não nos dará ele na Pátria?... ele mesmo no-lo diz: "Aquele que tem sede venha a mim e beba", assim Jesus é e será o nosso oceano... Como a corça sequiosa, suspiremos por essa água que nos está prometida, mas a nossa consolação é grande por sermos também o oceano de Jesus, o oceano do Lírio dos vales!...

13 de dezembro de 2019

Sofrer e Amar: É isso que Conta - Santa Teresinha

Tiraram-me todos os encargos, pensei que a minha morte não trará a mínima perturbação à comunidade.

12 de dezembro de 2019

Sofrer e Amar: É isso que Conta - Santa Teresinha

Tanto faz para mim viver como morrer. Não vejo bem o que terei a mais após a morte que já não tenha nesta vida. Eu verei o Bom Deus, é verdade, mas quanto a estar com ele já estou plenamente nesta terra.
Gostaria tanto de ser enviada ao Carmelo de Hanói para sofrer muito por Nosso Senhor. Gostaria de ir para lá para estar sozinha, para não ter nenhuma consolação sobre a terra. Quanto ao pensamento de ser útil lá, nem me passa pela cabeça, sei muito bem que nada farei. Mas sofrerei e amarei. É isso que conta aos olhos de Deus.

11 de dezembro de 2019

Desapegar-se de Tudo - Santa Teresinha

Pobreza, meu primeiro sacrifício, até à morte, por toda parte, me seguirás, pois, bem sei, para correr na liça o atleta de tudo deve se desapegar.
Provai, mundanos, o remorso e a pena, amargos frutos da vaidade, enfim, alegremente eu colho na arena as palmas da Pobreza para mim.

10 de dezembro de 2019

Deixar a Arca como a Pomba de Noé - Santa Teresinha

Desde minha entrada na Arca Bendita, sempre pensei que se Jesus não me arrebatasse bem depressa para o Céu, minha sorte seria a da pombinha de Noé. Um dia o Senhor abriria a janela da Arca, e dir-me-ia que voasse muito longe, muito longe, em direção das plagas infiéis, carregando comigo o raminho de oliveira. Esse pensamento, minha Madre, fez minha alma crescer, fez-me pairar mais alto que todo o criado. Compreendi que, até no Carmelo, poderia haver separações, que só no Céu a união seria completa e eterna. Quis então que minha alma habitasse nos Céus, não olhasse senão de longe para as coisas.

9 de dezembro de 2019

Um Ângulo de Estrelas para Sustentar o Coração - Santa Teresinha

À vista de todas estas belezas, despontavam em minha alma pensamentos bem profundos. Parecia-me compreender, desde já, a grandeza de Deus e as maravilhas do Céu.... Afigurava-me a vida religiosa tal qual ela é em si, com todas as suas sujeições, com seus pequenos sacrifícios, feitos na sombra. Compreendia como era fácil ensimesmar-se e esquecer a meta sublime de sua vocação e dizia de mim para comigo: Mais tarde, na hora da provação, quando já não puder, prisioneira que for no Carmelo, contemplar senão uma pontinha do Céu estrelado, lembrar-me-ei de tudo quanto estou vendo hoje. Tal pensamento me dará coragem, e facilmente esquecerei meus pobres e mesquinhos interesses, considerando a grandeza e o poder do Deus, a quem quero amar unicamente.

8 de dezembro de 2019

"Seria como o Asno Carregado de Relíquias" - Santa Teresinha

Quando me ocorre pensar ou dizer alguma coisa que agrade às minhas irmãs, acho muito natural que se sirvam dela como se fosse bem próprio. O pensamento pertence ao Espírito Santo, e não a mim, pois São Paulo diz que, sem o Espírito do Amor, não conseguimos dar o nome de "Pai" ao nosso Pai que está nos Céus. Ele é perfeitamente livre de se servir de mim para dar um pensamento a uma alma. Se eu acreditasse que o pensamento me pertence, seria como o "asno carregado de relíquias", o qual julgava dirigidas a si as homenagens que se prestam aos Santos.

5 de dezembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard

Base, fim e meios de uma obra devem ser impregnados de vida interior

Obra digna deste nome, devemos dizer, porque algumas, em nossos dias, não merecem tal título. São uma espécie de empresas organizadas sob o rótulo da piedade, com o fim real de granjear para seus fundadores, além dos aplausos do público, nomeada de habilidade pouco vulgar; e para o bom êxito das quais eles lançam mão de todos os meios, mesmo, sendo necessário, dos menos justificáveis.
Outras obras merecem certamente melhor apreciação. Querem o bem. Fim e meios são nelas irrepreensíveis. No entanto, a despeito de milhares de esforços, nulos ou quase nulos foram os resultados, porque os organizadores delas apenas tinham uma fé titubeante no poder de ação da vida sobrenatural sobre as almas.
Para precisar o que deve ser uma obra, julgamos preferível ceder a palavra a um homem que ilustrou uma  região inteira com o seu apostolado e relembrar a lição que dele recebemos logo  nos alvores do nosso ministério sacerdotal. Procurávamos então fundar um patronato de jovens. Depois de ter visitado os círculos católicos de Paris e de algumas cidades da França, as obras de Val-des-Bois, etc, fomos estudar em Marselha as obras de juventude do santo Padre Allemand e do venerando cônego Timon- David. Apraz-nos recordar a intensa comoção do nosso coração de jovem sacerdote ao escutar atentamente as palavras deste último:
" - Filarmônica, teatro, projeções, ginástica, jogos, etc, nada disso censuro. A princípio, eu também os julgava indispensáveis; afinal são muletas de que se lança mão à falta de coisa melhor. Quanto mais avanço, tanto mais o meu fim e os meios de que uso se sobrenaturalizam, porque vou vendo com maior clareza que toda a obra fundada sobre coisas humanas é destinada a parecer e que dada sobre coisas humanas é destinada a perecer e que só é abençoada pela Providência a obra que visa a aproximação de Deus e dos homens pela vida interior."
" Os instrumentos musicais já de há muito estão encostados, o teatro tornou-se-me inútil; entretanto, a obra mais do que nunca prospera. Por que? É que os meus colegas e eu, mercê de Deus, vemos agora as coisas melhor que ao princípio e nossa fé na ação de Jesus e da graça centuplicou-se."
"Não hesite em visar ao mais alto possível, creia, e ficará pasmado dos resultados. Vou explicar-me: Não tenha apenas como ideal o proporcionar aos jovens algumas distrações honestas e escolhidas, que os desviem dos prazeres ilícitos e das relações perigosas; não se contente com dar-lhes simplesmente aparências de cristianismo por meio da assistência maquinal à missa ou da recepção bastante espaçada e apenas tolerável dos sacramentos."
Duc in altum. Antes de mais nada, tenha a nobre ambição de obter a todo custo que certo número deles tomem a resolução enérgica de viver como cristãos fervorosos, isto é, com a prática da meditação diária, com o hábito da assistência quotidiana à missa, se for possível, com uma breve leitura espiritual, e, como é evidente, com frequentes e frutuosas comunhões.  Consagre todas as suas solicitudes em infundir neste rebanho escolhido um grande amor a Jesus Cristo, o espírito de oração, de abnegação, de vigilância sobre si mesmos, numa palavra, sólidas virtudes. Desenvolva com não menor cuidado nas suas almas a fome da Eucaristia. Depois, vá pouco a pouco estimulando esses jovens à ação sobre os seus companheiros. Faça deles apóstolos francos, dedicados, bons, ardorosos, varonis, sem devoções acanhadas, cheios de tato, que jamais caiam, sob pretexto de zelo, na triste extravagância de andar espiando os colegas. E não é preciso que passem dois anos para me vir então dizer se lhes são ainda necessários instrumentos musicais ou decorações cênicas para lograr uma pessoa frutuosa.
- "Percebo, respondi; essa minoria deve ser o fermento. Mas como proceder com os que não possam levar a tal altura, como um conjunto, com esses jovens de todas a idades, com esses homens casados que quiça venham a pertencer ao círculo projetado?
"Infundir-lhes uma fé robusta, por meio de uma série de conferências preparadas com todo o cuidado e que  preencham muitos dos seus serões de inverno. Seus cristãos sairão delas suficientemente armados, não só para replicar vitoriosamente aos colegas de escritório e de oficina, como também para resistir à ação mais pérfida do jornal e do livro. Fazer nascer nos homens convicções inabaláveis, que saibam afirmar quando for necessário sem respeito humano, já é resultado muito apreciável; torna-se, entretanto, necessário levá-los mais longe, até a piedade, uma piedade verdadeira, ardente, convicta, esclarecida."
- Devo porventura, logo no princípio, franquear a porta a qualquer um?
"O número só é desejável quando os elementos recrutados forem bem escolhidos. O desenvolvimento do seu círculo deve ser sobretudo o resultado da influência exercida pelo núcleo de apóstolos, dos quais Jesus, Maria, e V. Revma.  como seu instrumento, hão de ser o centro.
- A sede será modesta; devo acaso esperar que os nossos recursos nos permitam arranjar outra melhor?
"Meu Deus! ao princípio, salas espaçosas e cômodas podem, como um tambor, servir de reclamo para atrair atenções sobre uma obra incipiente. Mas, torno a repeti-lo, se souber pôr como base da sua associação a vida cristã, ardente, integral, apostólica, a sede estritamente necessária bastará sempre para que nela caibam todas as coisas acessórias que exige o funcionamento normal de um círculo. Oh! como poderá então julgar que o ruído pouco bem faz e o bem faz pouco ruído! e como há de verificar que o evangelho bem compreendido faz diminuir o orçamento das despesas sem prejudicar os resultados; muito pelo contrário. Mas, antes de tudo, é necessário pagar à custa da sua própria pessoa, e isto, não tanto para laboriosamente preparar representações teatrais, sessões de ginástica, como para acumular em si a vida de oração; porque, persuada-se bem disto, na medida em que for o primeiro a viver do amor de Nosso Senhor, nessa proporção será também capaz de inflamar os ardores desse amor nos corações alheios."
- Em suma, baseia tudo na vida interior?
"Sim, mil vezes sim, porque dessa sorte, em vez de liga, obtêm-se ouro puro. e o que acabo de dizer a respeito das obras de juventude pode-se também aplicar a outra obra qualquer; paróquia, seminário, catecismo, escola, circulo militar, etc; fie-se na minha velha experiência. quando bem não produz, numa grande cidade, uma associação cristã, que verdadeiramente viva no sobrenatural! Opera como fermento poderoso e só os anjos podem dizer quão fecunda ela é em frutos de salvação."
"Ah! se todos os sacerdotes, todos os religiosos, e até todas as pessoas de obras, conhecessem a força da alavanca que tem nas mãos e tomassem cada vez mais como ponto de apoio o Coração de Jesus e a vida em união com esse Coração divino, seriam capazes de soerguer a França e qualquer país! É certo que a soergueriam, a despeito dos esforços de Satanás, e dos seus partidários."


3 de dezembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO
J. B. Chautard



As obras não devem ser mais que o transbordamento da vida interior

Sede perfeitos como perfeito é vosso Pai Celestial. Guardadas todas as proporções, o modo como Deus esta operando deve ser o critério, a regra da nossa vida interior e exterior.
Ora, já sabemos que Deus é naturalmente dadivoso, e a experiência nos mostra o fato de ele, neste mundo, espalhar com profusão os seus benefícios sobre todos os seres, e ainda mais especialmente sobre a criatura humana. Desta sorte, desde milhares, se não milhões de séculos, o universo inteiro é objeto desta inesgotável prodigalidade, desentranhando-se sem cessar em benefício. Entretanto, nem por isso Deus fica mais pobre, e essa munificência inexaurível de forma nenhuma pode diminuir, seja no que for, seus infinitos recursos.
Ao homem, Deus faz mais que conceder-lhe bens exteriores; envia-lhe o seu Verbo. Mas ainda aqui, neste ato de suprema generosidade, que outra coisa não é senão o dom de si mesmo, Deus nada abandona, nada pode abandonar da integridade da sua natureza. Dando-nos seu Filho, sempre o conserva em si mesmo. Sume exemplum de summo ómnium Parente Verbum suum emittente et retinente.
Por meio dos sacramentos, e especialmente por meio da Eucaristia, Jesus Cristo vem enriquecer-nos com as suas graças. Sobre nós as derrama sem peso nem medida, porque ele também é um oceano sem limites, cujo extravasamento escorre sobre nós, sem que jamais possa exauri-lo: De plenitúdine ejus nos omnes accépimus.
Assim devemos ser, de alguma sorte, nós os homens apostólicos que assumimos a nobre tarefa da santificação alheia: Verbum tuum considerátio tua, quae si procedit, non recedat; o nosso próprio verbo é o espirito interior que a graça formou em nossas almas. Vivifique logo esse espirito todas as manifestações interiores de nosso zelo; mas, como incessantemente o despendemos em prol do próximo, sem intermissão o devemos renovar também por via dos meios que Jesus nos oferece. Seja nossa vida interior como um tronco túmido de selva robusta a desatar-se sempre em flores de nossas obras.
Uma alma de apóstolo! mas é ela a primeira que deve ser inundada de luz e inflamada em amor, a fim de que, refletindo essa luz e esse calor, possa esclarecer e abrasar depois as outras almas. O que viram, o que consiferaram com os próprios olhos, o que quase palparam com as mãos, eles o hão de ensinar aos homens. Sua boca efundirá nos corações a abundância das doçuras celestes, diz São Gregório.
Podemos agora deduzir o seguinte princípio: A vida ativa deve proceder da vida contemplativa, traduzida e continuada exteriormente, desligando-se dela o menos possível.
Os Santos Padres, os Doutores à porfia proclamam esta doutrina. Priusquam exerat proferentem linguam diz Santo Agostinho, ad Deum levet animam sitientem ut eructet quod biberit, vel quod impléverit fundat.
É mister receber, diz o pseudo Dionísio, antes de comunicar, e os anjos superiores apenas transmitem aos inferiores as luzes cuja plenitude receberam. Nas coisas divinas, o Criador estabeleceu esta ordem: aquele que tem por missão distribuí-las deve ser o primeiro a participar delas e a encher-se com abundância das graças que Deus quer dispensar às almas, por seu intermédio. Então, mas somente então, lhe sera permitido tornar os demais participantes delas.
Quem desconhece esta palavra de São Bernardo aos apóstolos: Se sois sábios, sede reservatórios e não canais: Si sapis, concham te exhibebis, non canalem. O canal deixa correr a água recebida, sem guardar uma só gota dela. Ao invés, o reservatório enche-se primeiramente, e depois, sem se esvaziar, verte torrentes incessantemente renovadas sobre os campos que fertiliza. Dos que se devotam às obras, quantos há por aí que são apenas canais, ficando sempre secos mesmo quando procuram fecundar os corações! Canales multos hodie habemus in Eclésia, conchas vero perpaucas, ajuntava com tristeza o abade de Claraval.
Toda causa é superior ao seu efeito; logo, para aperfeiçoar os outros é mister uma perfeição maior do que para qualquer um se aperfeiçoar simplesmente a si mesmo. Como a mãe não pode amamentar o filho senão na medida em que ela própria se alimenta, assim também os confessores, os diretores de almas, os pregadores, os catequistas, os professores devem primeiramente assimilar a substância com que hão de nutrir em seguida os filhos da Igreja. A verdade e o amor divino são os elementos dessa substância. E só a vida interior traduz a verdade e a caridade divinas de maneira a torná-las verdadeiro alimento capaz de engendrar a vida.

1 de dezembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard

Parte 2/2

Numa carta dirigida a importante Instituto exclusivamente dedicado ao ensino, Pio X abertamente manifestou o seu pensamento pelas palavras seguintes:
"Chega a nosso conhecimento que começa difundir-se uma opinião, segundo a qual, vós deveríeis considerar como coisa primária a educação das crianças e apenas como secundária a vossa profissão religiosa: que assim o exigiram o espírito e as necessidades dos tempos. De forma alguma queremos que tal opinião encontre o mínimo crédito, seja de vossa parte, seja da parte dos demais Institutos religiosos, que, como o vosso, tem por fim a educação. Fique, portanto, bem assente, na parte que vos toca, que a vida religiosa é muitíssimo superior à vida comum e que, se sois gravemente obrigados ao respeito do próximo pelo dever de ensinar, sobremodo mais graves são ainda as obrigações que vos vinculam a Deus. Mas não é porventura a aquisição da vida interior a razão de ser da vida religiosa, o seu fim principal?"
Vita contemplativa, diz o Angélico Doutor, simplíciter mélior est . . . et pótior quam activa.
S. Boaventura acumula os comparativos de superioridade para mostrar a excelência desta vida interior: Vita sublímior, secúrior, opuléntior, suávior, stabílior.
- Vita sublímior:
A vida ativa ocupa-se dos homens, a vida contemplativa faz-nos entrar no domínio das mais elevadas verdades, sem desfitar os olhares do próprio princípio de toda vida. Princípium quod Deus est quaeritur. Mais sublime, tem um horizonte e um campo de ação sobremaneira mais amplos: Martha in uno loco córpore laborabat circa áliqua, Maria in multis locis caritate circa multa. In Dei enim contemplatione et amore videt ómnia; dilatatur ad óminia, comprehendit et compléctitur ómnia, ita ut ejus comparatione, Martha sollícita dici possit circa pauca.
- Vita secúrior:
Menos perigo nela. Na vida exclusivamente ativa, a alma agita-se, torna-se febril, dispersa suas energias, e portanto, debilita-se. Há nela um tríplice defeito: Sollícita es: são as inquietações do pensamento, sollicitúdines in cogitatu; turbaris: eis as perturbações que originam as afeições, turbationes in affectu; enfim, erga plúrima: multiplicação de ocupações, de onde, divisão no esforço, nos atos, divisiones in actu. ao invés, uma só coisa se impõe para constituir a vida interior: a união a Deus: Porro unum est necessárium. O resto não é, não pode ser senão secundário, unicamente praticado em virtude dessa união e para a fortificar ainda mais.
- Vita opuléntior;
com a contemplação, todos os bens; Venerunt mihi ómnia bona páriter cum illa. É a parte sobre todas excelente: Óptimam partem elegit. A ela, afluem mais méritos. Por que? Porque aumenta ao mesmo tempo o esforço da vontade e o grau de graça santificante e faz que a alma opere por um princípio de caridade.
- Vita suávitor:
A alma verdadeiramente interior abandona-se à vontade de Deus, aceita com inalterável paciência assim as coisas agradáveis como as penosas, e há de até chegar a mostrar-se alegre no meio das aflições, feliz por carregar a sua cruz.
Vita stabílior:
Por mais intensa que seja, a vida ativa tem o seu termo neste mundo: pregações, ensinamentos, trabalhos de todo gênero, tudo isso cessa no limiar da eternidade. A vida interior, essa não conhece ocasao: Quae non auferetur ab ea. Por meio dela, a estância neste mundo não é mais que uma contínua ascensão para a luz, ascensão que a morte tornará incomparavelmente mais rutilante e mais rápida.
Para resumir as excelências da vida interior, podem-se-lhe aplicar estas palavras de São Bernardo; "Nela o homem vive com mais pureza, cai mais raramente, levanta-se com mais rapidez, anda com mais cautela, é consolado do céu com mais frequência, descansa mais seguro, morre mais confiado, purga-se mais depressa, e é premiado com mais vantagem."

30 de novembro de 2019

...E Arrisco os Pedidos mais Audazes - Santa Teresinha

Devia ter começado por agradecer-lhe o presente que quer me oferecer para a minha festa. Estou muito sensibilizada, pode estar certa, mas perdoe-me se digo com simplicidade minhas preferências. Já que deseja dar-me prazer, em lugar de peixe eu preferiria um modelo de flores. Você vai pensar que sou muito egoísta, mas veja, o meu tio anima as suas queridas carmelitas, elas estão seguras de que não morrerão de fome... A Teresinha que nunca gostou do que se come, gosta muito das coisas úteis à Comunidade, ela sabe que com modelos pode-se ganhar dinheiro para comprar peixe... Mas enfim ficarei muito contente se me der um ramo de rosinhas silvestres, ou na falta destas, pervincas ou botões de ouro, ou mesmo qualquer outra flor das mais comuns me agradaria.

28 de novembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard

UNIÃO DA VIDA ATIVA E DA VIDA INTERIOR

Prioridade aos olhos de Deus da vida interior sobre a vida ativa

Parte 1/2

Em Deus esta a vida, toda a vida, ele é a própria vida. Ora, não é nas suas obras exteriores, por exemplo, na criação, que o Ser infinito manifesta essa vida da maneira mais intensa, mas no que a teologia chama operações adintra, nessa atividade inefável cujo termo é a geração perpétua do Filho e a incessante processão do Espirito Santo. Essa é, por excelência, a sua obra essencial, eterna.
Consideremos a vida mortal de Nosso Senhor, realização perfeita do plano divino. Trinta anos de recolhimento e de solidão, depois quarenta dias de retiro e de penitência preludiam a sua curta carreira evangélica; e, durante as suas excursões apostólicas, quantas vezes ainda o vemos retirar-se às montanhas ou aos desertos, a fim de orar: Secedebat in desertum et orabat, ou passar a noite em oração: Pernoctans in oratione Dei. Rasgo ainda mais significativo: Marta deseja que o Senhor, condenando a suposta ociosidade da irmã, proclame a superioridade da vida ativa; a resposta de Jesus: Maria óptimam partem elegit, consagra a proeminência da vida interior. Que concluir daqui senão o desígnio bem patente de nos fazer sentir a preponderância da vida de oração sobre a vida ativa?
Depois do Mestre, os apóstolos, fiéis aos seus exemplos, reservaram antes de mais nada para si o ofício da oração, pois, para se consagrarem ao ministério da palavra, deixaram as ocupações mais exteriores aos diáconos: Nos vero orationi et ministério verbi instantes erimus.
Os papas, por sua vez, os Santos Doutores, os teólogos afirmam que a vida interior em si é superior à vida ativa.
Há alguns anos, uma mulher de fé, de virtude e de grande caráter, superiora geral de uma das mais importantes congregações ensinantes do Aveyron, fora convidada por seus superiores eclesiásticos a favorecer a secularização de suas religiosas.
Deveria acaso sacrificar as obras à vida religiosa ou abandonar esta para conservar aquelas? Perplexa, não sabendo como conhecer a vontade de Deus, parte secretamente para Roma, obtém uma audiência de Leão XIII, expõe-lhe suas dúvidas e a pressão exercida sobre ela a favor das obras.
O augusto ancião, após alguns instantes de recolhimento concentrado, deu-lhe esta resposta categórica: "Antes de tudo, de preferência a todas as obras, conserve na vida religiosa suas filhas que realmente tiverem o espírito do seu santo estado e o amor à vida de oração. E, caso lhe seja impossível conservá-las nesse espírito e nessa vida, continuando as obras, Deus saberá, sendo necessário, suscitar em França  outras operárias. Quanto as religiosas, pela sua vida interior, sobretudo pelas suas orações, pelos seus sacrifícios, elas certamente serão mais úteis à França, ficando verdadeiramente religiosas, embora longe dela, que continuando a viver no solo da pátria, privadas dos tesouros de sua consagração a Deus."

27 de novembro de 2019

Podemos ser Repelidos como Mendigos - Santa Teresinha

Muitas vezes é preciso coisas indispensáveis, mas fazendo-o com humildade não se falta ao mandamento de Jesus. Pelo contrário, procedemos como pobres que estendem a mão para receber o que lhes é necessário. Quando são repelidos, não se admiram, porque ninguém lhes deve coisa alguma... Não, não existe alegrai comparável à que goza o verdadeiro pobre de espírito. Se pede, com desprendimento, uma coisa necessária, e não só lhe recusam, mais ainda, tomam-lhe o que tem, ele segue o mandamento de Jesus: "A quem quiser citar-vos em juízo para vos tirar a túnica, largai-lhe também o manto..."

25 de novembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard

Parte 4/4

A muitas safiras, prefere o  joalheiro o mínimo fragmento de diamante. Da mesma forma, consoante a ordem estabelecida por Deus, a nossa intimidade com ele muito mais o glorifica do que todo o bem possível proporcionado por nós a grande número de almas, mas com prejuízo de nosso progresso. Nosso Pai celeste, que mais se aplica ao governo do coração onde reina, do que ao governo natural de todo o universo e ao governo civil de todos os impérios, exige em nosso zelo essa harmonia. E, se vê que qualquer obra serve de obstáculo ao aumento da caridade na alma que dela se ocupa, prefere , as vezes, deixar desaparecer essa obra.
Pelo contrário, Satanás, por seu turno, não hesita em favorecer êxitos inteiramente superficiais, caso possa, mediante desse resultado, impedir que o apóstolo progrida na vida interior, tanto sua raiva adivinha onde estão os verdadeiros tesouros aos olhos de Jesus Cristo. Para suprimir um diamante, de bom grado ele concede algumas safiras.

24 de novembro de 2019

Podemos ser Repelidos como Mendigos - Santa Teresinha

Os bens da terra renunciei-os por voto de pobreza. Não tenho, pois, direito de queixar-me, quando me tiram uma coisa que não me pertence. Devo, pelo contrário, alegrar-me quando me acontece sentir a pobreza. Dantes, parecia-me não fazer questão de nada, mas desde que compreendi as palavras de Jesus, vejo que, na prática, sou muito imperfeita. No ofício de pintura, por exemplo, nada me pertence, bem o sei. Mas, se no início do trabalho dou com pincéis e tintas em desordem; se desapareceu uma régua ou um canivete, quase perco a paciência e devo agarrar minha coragem com as duas mãos para não reclamar, com azedume, os objetos que me faltam.

22 de novembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard

Parte 3/4

"Eu amo a Jesus Cristo, dizia Santo Afonso de Ligório, e por isso mesmo abraso-me em desejos de lhe dar almas, primeiramente a minha, depois um número incalculável de outras'. É o cumprimento do tuus esto ubique de São Bernardo: "Não é sábio quem o não é consigo mesmo."
O santo abade de Claraval, verdadeiro fenômeno de zelo apostólico, seguia essa ordem. Godofredo, seu secretário, no-lo descreve: Totus primum sibi et sic totus omnibus.
Não vos digo, escreve esse mesmo santo ao Papa Eugênio III, que ponhais completamente de parte as ocupações seculares. Exorto-vos apenas a que não vos dediqueis inteiramente a elas. Se sois o homem de todos, sede-o também para vós mesmo. Do contrário, de que vos serviria ganhar os outros todos, se viésseis a perder vossa alma? Reservai, portanto, alguma coisa para vós mesmo e se todos vêm beber à vossa fonte, vós mesmo não vos priveis de beber nela. Pois só vós haveis de ficar com sede? Começai sempre por vos considerar a vós mesmo. Debalde vos consagraríeis a outros cuidados, se chegásseis a tratar a vós mesmo com negligência. Todas as vossas reflexões devem, portanto, começar por vós e terminar da mesma forma. Sede para vós o primeiro e o último, e lembrai-vos que, no negócio de vossa salvação, ninguém tem maior parentesco convosco do que o filho único de vossa mãe.
Bastante sugestiva a seguinte Nota de retiro do Monsenhor Dupanloup: " Tenho uma atividade terrível que me arruína a saúde, me perturba a piedade e de nada serve à minha ciência. Isto deve ser regulado. Fez-me Deus a graça de reconhecer que a atividade natural e o incitamento das ocupações são os principais obstáculos que vejo em mim para a conservação da vida interior tranquila e frutuosa. Reconheci também que esta falta de vida interior é a origem de todas as minhas faltas, perturbações, securas, repugnâncias, de minha saúde precária.
"Resolvi, portanto, dirigir todos os meus esforços para a aquisição dessa vida interior que me falta e, com esse fito, regulei, merce de Deus, os pontos seguintes:
1° -  Reservarei sempre algum tempo além de necessário para fazer qualquer coisa: este é o meio de nunca ter pressa nem aceleramento.
2° -  Como tenho sempre mais coisas a fazer do que tempo para as fazer, e como esta perspectiva me preocupa e me causa demasiada viveza, não mais hei de pensar nas coisas que tenho para fazer, e sim no tempo que devo consagrar-lhes. Hei de empregar esse tempo sem perder um minuto, começando pelas coisas mais importantes; e, se algumas não puder fazer, nem por isso me hei de inquietar, etc ..."