25 de dezembro de 2011

FESTA DE NATAL

O Deus Criador

O Evangelho da 3a Missa é o grandioso e sublime início do Evangelho de São João.

Num vôo de águia celeste, João penetra a eternidade e ali contempla o Verbo de Deus, dizendo que por Ele tudo foi feito e que é Ele o Deus Criador de tudo o que existe.

Depois desce num relance, da luz suprema da glória, até às trevas deste mundo e inclinando-se sobre o presépio onde está deitada uma criancinha, o Evangelista exclama: O Verbo se fez carne e habitou entre nós.

Isto é: o Criador de tudo o que existe, está ali deitado, numa gruta, feito homem.

Contemplemos hoje este sublime assunto, em continuação da existência de Deus, que já provamos. Vejamos:

1. Que Deus é Criador
2. E o governador de tudo

I. Deus é o Criador

A palavra Criador, aplicada a Deus, significa que Deus, por um efeito da sua onipotência, fez existir o que não existia: o firmamento com seus astros luminosos, a terra com suas produções, numa palavra: o universo.

O artista faz uma estátua de um bloco de mármore, porém, nunca fará uma estátua de mármore sem mármore.

O homem apenas modifica, arranja; somente Deus pode criar.

O mundo não é eterno: isto salta aos olhos ao primeiro aspecto.

O que é eterno é necessariamente: imutável, necessário e independente.

Ora, nenhum destes atributos convém ao mundo.

Vemos que o universo está numa mudança continua, pela forma e pelas suas qualidades, enquanto a essência do ser eterno é de ser sempre o que é, sem se poder mudar, aumentar ou diminuir. O eterno é sempre o que é.

O universo não é necessário, pois um ser necessário não pode ser concebido como não existente.

Ora, concebemos perfeitamente a não existência do universo, enquanto não se pode conceber a não existência de um primeiro ser, princípio e causa de tudo.

Logo, o universo teve um princípio, foi criado.

Um ser necessário deve ser independente, isto é, deve possuir em si mesmo e por si mesmo tudo o que lhe é necessário, não recebendo nada de ninguém, nem precisando de ninguém e continuando a existir, mesmo se fora dele nada mais existisse.

Ora, o universo não tem esta independência absoluta. Podemos conceber a idéia do seu aniquilamento.

Logo, não é necessário: foi criado.

E o Criador de tudo o que existe fora dele, é Deus.

Se Deus é o Criador, Ele é também o Senhor de tudo o que existe, pois Deus devia, criando, propor-se um fim digno de si.

Este fim é a sua própria glória, como fim principal; e a felicidade dos seres racionais, como fim secundário.

II. O Deus Governador

Não somente Deus criou, mas governa tudo; e este governo chama-se: a Providência.

Que se diria de um artista que, tendo criado uma obra prima de pintura ou de escultura, ficasse completamente indiferente para com ela, recusando ocupar-se dela, não tomando as precauções para que não fosse destruída?

Que se diria de um roceiro, que comprasse um terreno fértil, e depois o abandonasse sem cultura?

Seriam ambos uns insensatos.

Deus é nosso Criador; nós somos a sua propriedade, o seu bem.

Sendo Deus sapientíssimo, não pode desinteressar-se de nós, que somos a sua obra.

Na terra, muitos homens desejam ocupar-se mais das coisas de que estão encarregados, porém não o podem por falta de tempo, de força, etc.

Para Deus, tal obstáculo não existe.

Ele vê tudo: logo, está ao par de tudo.
Ele é infinitamente bom: logo, quer prover as nossas necessidades.
Ele é todo poderoso: logo, pode valer-nos.

Todas as perfeições de Deus exigem que se ocupe de nós, que não nos abandone, depois de nos ter criado, mas preveja as nossas necessidades e proveja a tudo.

Prever e prover; é da união destas duas palavras que vem o belo nome de Providência – providere.

Deus é ainda infinitamente justo.

Ora, a justiça exige que o bem seja recompensado e que o mal seja castigado.: último motivo porque Deus não deixa a humanidade correr sem amparo, mas se faz o seu Governador, excitador e Moderador, antes de ser o seu Juiz Supremo.

III. Conclusão

A Providência de Deus é, pois, Deus conservando e governando o mundo por Ele criado, e conduzindo todos os seres ao fim que Ele, na sua sabedoria, predeterminou.

Não é propriamente um atributo divino, desde que implica a criação, mas é antes: o conjunto dos atributos de Deus: ciência, sabedoria, poder, bondade, justiça, aplicados à regência do universo.

Não objetem a existência do mal neste mundo. Sim, o mal existe e deve existir.

Há o mal moral, ou pecado. Deus não o quer, mas deve permiti-lo, porque criou o homem livre e o homem, a menos de deixar de ser livre, pode abusar desta liberdade e cometer o mal moral. Não pode ser imputado a Deus, mas unicamente a nós.

Há o mal físico. É também inevitável, porque Deus criou o homem mortal. Ora, todo ser mortal, tende à decomposição... gasta-se, estraga-se, debilita-se. Ora, tal debilitação, tal estrago causa, necessariamente, o sofrimento. É uma condição da nossa vida.

desigualdades sociais e deve haver. Pois, como poderia haver ricos, se não houvesse pobres? Como poderia haver grandes, se não houvesse pequenos? Como poderia haver montanhas se não houvesse vales?

Deus deve permitir tudo isso; mas sabe tirar o bem do mal. São meios de expiação e de merecimento para conquistarmos a felicidade eterna.

EXEMPLOS

1. No leme

Num navio, no meio de horrível tempestade, os passageiros lançavam brados de aflição: só um menino de 12 anos permanecia calmo. Como todos ficassem admirados:

- Nada tenho a recear, disse ele, é meu Pai que está no leme.

Porque temer? É o bom Deus que tem nas mãos o leme deste mundo.

Confiemos-Lhe também o leme da nossa alma, e Ele nos fará alcançar o céu!

2. Apólogo de Tolstoi

Ouvem-se bastantes vezes murmúrios contra a Providência de Deus. Provêm geralmente da falta de reflexão, de não compreendermos o que Deus nos outorgou e de vermos apenas o que nos falta.

Tolstoi tem este expressivo apólogo a respeito:

Um homem, descontente da sua sorte, queixava-se de Deus.

- Deus, disse ele, dá a riqueza aos outros e a mim não dá nada! Como posso iniciar a minha vida não tendo nada!

Um ancião ouviu estas queixas.

- És tu tão pobre como pensas? Respondeu.

Deus não te deu saúde e força?

- Não digo que não e ufano-me da minha saúde e força.

- Queres deixar cortar a tua mão direita por um conto de réis?

- Ah! Isso nunca! Nem por dez contos!

- E a mão esquerda?

- Nem esta!

- E o pés?

- Deus me livre! Por dinheiro nenhum!

- Olha, ajuntou o ancião, que fortuna Deus te deu e estás te queixando!

3. A lua

A torto e a direito, os homens reclamam contra a Providência de Deus.

É pena não terem estado presentes quando Deus criou as coisas! O verão é quente demais; o inverno tem um frio insuportável... é um capítulo que convém não começar, pois não acabaríamos.

Lembro-me de ter lido outrora num jornal esta palavra espirituosa de um bebê de 3 anos de idade. O bebê estava com a mamãe, no jardim da casa, ao cair da noite, para colher umas flores. A lua estava no quarto crescente! O bebê olhou espantado e disse à sua mãe: “Mamãe, olhe lá em cima! O bom Deus não teve tempo hoje de acabar a lua”!

Nós somos homens, mas falamos às vezes como bebês. Quantas luas encontramos que o bom Deus não teve o tempo de acabar!


(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 46 - 51)

4 de dezembro de 2011

SEGUNDO DOMINGO DO ADVENTO

Razão e Revelação

Lendo com atenção o Evangelho de hoje, notamos que ele é a expressão de certa inquietação.

Os discípulos de João Batista querem saber se Jesus é o Messias esperado ou se devem esperar por outro.

Jesus responde a estas dúvidas, mostrando as suas obras, para que o julguem conforme estas obras.

Domingo passado, provamos a existência de Deus: hoje demos mais um passo avante e respondamos à mesma inquietação que nos invade a respeito de Deus.

Deus existe: é certo, mas podemos nós pelas luzes da nossa razão conhecê-lo plenamente, ou precisamos de outra luz para penetrar os seus aparentes segredos?

Resolvamos esta dúvida examinando:

1o. O que pode a razão humana
2o. O que não pode por si mesma

Será um duplo raio de luz lançado sobre o grande mistério da união da razão e da revelação.

I. O que pode a razão humana

A nossa razão pode dar-nos umas noções sobre Deus, porém, muito limitadas e incompletas.

A nossa razão é muito limitada. Ela é para as coisas intelectuais o que é o nosso olhar para as coisas materiais: vê apenas certas coisas e não perscruta nada até no fundo.

A nossa razão é finita: Deus é infinito, de modo que podemos ver apenas o que está ao nosso alcance, todo o resto nos escapa.

Remontando da sua própria existência e da das criaturas, a nossa razão pode conhecer a existência de Deus, o seu poder criador; e refletindo, pode formar-se uma idéia de certos atributos de Deus, como a sua unidade, sua eternidade, sua justiça, bondade, etc.

Temos, pois, uma idéia de Deus; e notemos que tal idéia é já uma prova da existência de Deus, pois o homem é incapaz de ter a idéia de uma coisa inexistente, em partes ou em seu todo.

Deus assim concebido permanece, entretanto, um ser incompreensível, misterioso:

a) em sua natureza, que ultrapassa infinitamente toda natureza criada;
b) em suas perfeições, que incluem todas as perfeições;
c) em seus decretos que são impenetráveis;
d) em suas obras que o manifestam, mas não o mostram senão velado, misterioso.

A nossa razão precisa, pois, de um auxílio, que lhe permita penetrar mais no fundo das verdades entrevistas, do mesmo modo como a nossa vista para enxergar o que ultrapassa o seu raio visual, precisa de um instrumento para penetrar além

O olho nu vê certas coisas, com um binóculo vê mais longe; com uma longa vista penetra mais além ainda.

Este auxílio, este instrumento que nos permite ver mais longe, mais claramente, chama-se revelação divina, ou a voz de Deus, explicando-nos o que não compreendemos.

II. O que não pode a razão humana

A razão, como acabamos de ver, tem o seu círculo visual determinado e limitado. Existência de Deus, imortalidade da alma, princípios da lei natural: eis o seu horizonte.

Para conhecer as verdades de ordem sobrenatural, a razão precisa absolutamente de uma voz reveladora e esta voz chama-se: a revelação.

Deus, diz o Apóstolo, tendo falado outrora muitas vezes e de muitos modos a nossos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos por meio de seu Filho (Hebr. I. 1-2).

Esta voz de Jesus Cristo ensinando-nos a verdade é o caminho sobrenatural, um como complemento do caminho natural da razão.

Há, sobretudo, três verdades importantes que a nossa razão não pode conhecer, são:

A origem das misérias humanas.
Os meios de expiação.
Os destinos futuros do homem.

Para estas verdades a revelação é absolutamente necessária.

Ela é moralmente necessária para serem conhecidos e com certeza os preceitos da lei natural, que devem guiar a nossa vida e os quais a razão pode apenas distinguir vagamente.

Antes do pecado original, os nossos primeiros pais conheciam perfeitamente o bem e o mal; depois do pecado, a razão humana ficou obscurecida, enfraquecida e como paralisada pelas paixões que nos dominam, falsificam a nossa vista intelectual e nos fazem tomar o mal pelo bem e o bem pelo mal, como dizia o Apóstolo: O homem faz às vezes o mal que não quer e não faz o bem que quer. (Rom. VII. 19).

É um fato de experiência que um povo sem sacerdotes para instruí-lo e exortá-lo cai inevitavelmente na ignorância das verdades da ordem natural.

É preciso que os princípios da lei natural lhe sejam, vez ou outra, claramente formulados, freqüentemente repetidos e incutidos com vigor, senão, em breve, ficam alterados ou esquecidos.

“Deixem uma paróquia sem sacerdote, dizia o santo Cura d’Ars, durante vinte anos, os seus habitantes adorarão os animais!”.

O povo precisa ser instruído até nos princípios da lei natural; com quanto mais razão nos da lei sobrenatural.

III. Conclusão

Eis, pois, duas verdades bem esclarecidas: a nossa razão enfraquecida pode conhecer a existência de Deus e umas outras verdades elementares, porém, tudo bastante superficialmente; para um conhecimento total, sobrenatural, precisamos do auxílio da revelação divina.

As conseqüências desta revelação em nossa razão são imensas e admiráveis.

É a revelação que reforma as idéias falsas, retifica as idéias inexatas, esclarece as idéias confusas, tornando impossíveis a inquietação e a dúvida.

A razão nos mostra que a alma é incorruptível; a fé nos diz que é imortal.
A razão indica uma vida futura; a fé nos dá uma promessa positiva da mesma.
A razão entrevê recompensas e castigos; a fé nos mostra a sua extensão e natureza.
A razão vislumbra um destino futuro; a fé no-lo apresenta luminoso e indica os meios de adquiri-lo.
A razão nos esmaga sob o peso de nossas misérias; a fé nos levanta pela misericórdia divina.

Em suma: A revelação satisfaz todas as aspirações do homem:

O nosso espírito precisa de uma doutrina certa: a revelação lha dá.
Ele precisa de um código moral: a revelação lho fornece.
Ele precisa de uma lei social de caridade: a revelação lha ministra.
Ele precisa de conselhos de perfeição: a revelação lhos dá.

EXEMPLOS

1. Resposta de um filósofo

Pode-se definir Deus... porém, toda definição é humana e incompleta.

Um dia uma comissão de estudantes foi ter com o seu professor de filosofia pedindo que lhes dissesse claramente o que é Deus.

- Pensarei, respondeu este, voltem depois de uma semana.

Oito dias depois, a comissão está de novo com o seu professor, pedindo a resposta.

- Pensarei, voltem depois de uma semana.

Após uma semana, nova pergunta e idêntica reposta.

- Mas, exclamaram os estudantes, é sempre a mesma resposta... até quando devemos voltar depois de oito dias?

- Até o fim da vida, respondeu o Filósofo, pois Deus é tão grande que é impossível fazer d'Ele uma definição perfeita.

2. Morte de Garcia Moreno

Garcia Moreno era Presidente da República do Equador.

Católico fervoroso, tinha atraído o ódio da maçonaria, que resolveu suprimi-lo.

Em 6 de Agosto de 1875 Garcia tinha comungado antes de abrir solenemente a sessão legislativa.

Neste mesmo dia caiu assassinado pelos sicários... e caindo exclamou:

- Deus não morre! E exalou o último suspiro.

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(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 25 - 30)