31 de dezembro de 2013

PARA O ÚLTIMO DIA DO ANO - TARDE.

Jesus Cristo tem feito e padecido tudo por nosso amor.

Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me — “Ele me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gal. 2, 20).

I. Se é verdade, ó meu Jesus, que por meu amor abraçastes uma vida penosa e uma morte amargosa, posso dizer com razão, que a vossa morte é minha, que são minhas as vossas dores, meus os vossos merecimentos, que, em suma,Vós mesmo sois meu, já que por meu amor Vos entregastes a tão grandes padecimentos. Ah, meu Jesus! Nada me aflige tanto como o pensar que houve um tempo em que Vós éreis meu, e eu voluntariamente Vos tenho perdido repetidas vezes. Perdoai-me e estreitai-me ao vosso peito, nem permitais que eu ainda torne a ofender-Vos. Amo-Vos de toda a minha alma. Vós quereis ser todo meu, eu quero ser todo vosso.

O Filho de Deus, por ser Deus verdadeiro, é infinitamente feliz. Contudo, observa Santo Tomás, Ele tem feito e padecido tanto por amor do homem, como se sem este não pudesse ser feliz: quasi sine ipso beatus esse non posset. Se Jesus Cristo, durante a sua vida terrestre, tivera de merecer a eterna bem-aventurança para si mesmo, que é que mais pudera fazer do que carregar-se de todas as nossas fraquezas, tomar sobre si todas as nossas misérias, para depois terminar a vida com uma morte tão dura e ignominiosa? Mas Jesus era inocente, santo e bem-aventurado em si mesmo; tudo quanto tem feito e padecido, tem-no feito a fim de merecer para nós a graça divina e o paraíso perdido. — Desgraçado de quem não Vos ama, ó Jesus meu, e não vive abrasado no amor de tão grande bondade!

II. Se Jesus Cristo nos houvera permitido, que lhe pedíssemos as provas mais manifestas do seu amor, quem jamais se teria animado a pedir-lhe, se fizesse criança semelhante às outras crianças, abraçasse todas as nossas misérias, se fizesse entre os homens, o mais pobre, o mais desprezado, o mais mal tratado, até morrer à força de tormentos sobre um lenho infame, amaldiçoado e abandonado de todos, mesmo do seu próprio Pai? Mas o que não nos animaríamos nem sequer a imaginar, Jesus o excogitou e fez.

Ó meu amado Redentor, peço-Vos que me concedais a graça, que para mim merecestes com a vossa morte. Amo-Vos e pesa-me de Vos ter ofendido. Tomai posse da minha alma; não quero que ela continue em poder do demônio. Quero que ela seja toda vossa, já que Vós a comprastes com o vosso sangue. Vós me amais a mim e eu quero só amar a Vós. Preservai-me do castigo de viver sem o vosso amor, e pelo mais castigai-me como quiserdes. Maria, meu refúgio, a morte de Jesus e a vossa intercessão são a minha esperança. (II 320.)

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 104 - 105.)

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 7

MEDITAÇÃO VII.

JESUS CHORA.
As lágrimas de Jesus Menino foram bem diferentes das outras crianças que vêm ao mundo: estas, diz S. Bernardo, choram de dor, enquanto que Jesus chorava, não de dor, mas de compaixão e de amor por nós Os prantos são grande sinal de amor; eis por que os judeus, vendo Jesus chorar a morte de Lázaro, diziam entre si: Eis como o amava. Da mesma forma os anjos poderiam dizer, vendo as lágrimas de Jesus Menino: Ecce quomodo amat eos: Vede como nosso Deus ama os homens: por seu amor chega a fazer-se homem, a fazer-se criança e a chorar!
Jesus chorava e oferecia suas lágrimas a seu Pai para obter-nos o perdão de nossos pecados: “Suas lágrimas lavavam os meus pecados”, dizia S. Ambrósio. Por seus vagidos e prantos Jesus pedia misericórdia para nós condenados à morte e-terna, e aplacava assim a cólera de seu Pai! Oh! aquelas lágrimas bem sabiam advogar a nossa causa. Quão agradáveis foram elas a Deus! Foi então que o Senhor fez anunciar por seus anjos que fazia a paz com os homens e os recebia em sua graça: Paz na terra aos homens de boa vontade.
Jesus chorou de amor, mas chorou também de dor vendo que tantos pecadores apesar de todas as suas lágrimas e de seu sangue derramado até a última gota continuariam a desprezar a sua graça. Ao considerar um Deus menino que chora as nossas faltas, que coração tão bárbaro poderia não chorar com ele, e detestar os pecados que tanto fizeram chorar esse terno Salvador? Ah! em vez de aumentarmos sem cessar a pena desse inocente Menino, apressemo-nos a consolá-lo u-nindo nossas lágrimas às suas. Ofereçamos a Deus os prantos de seu Filho e peçamos-lhe nos perdoe em atenção aos seus méritos.

Afetos e Súplicas.
Meu amado Menino, enquanto choráveis na gruta de Belém, pensáveis em mim; tínheis diante dos olhos todos os meus pecados, causa das vossas lágrimas. É verdade, meu Jesus, em vez de vos consolar com meu amor e reconhecimento, sabendo quanto sofrestes para salvar-me, aumentei a vossa dor e a causa das vossas lágrimas! Se tivesse pecado menos, me-nos teríeis chorado. Ah! chorai, sim, chorai; tendes motivo de chorar vendo a ingratidão dos homens para com o amor que lhes tendes demonstrado. Mas já que chorais, Senhor, chorai também por mim; as vossas lágrimas são a minha esperança. Eu também choro os desgostos que vos tenho dado, meu Redentor. Eu os odeio, os detesto e deles me arrependo de todo o coração. Deploro os infelizes dias e as tristes noites em que vivi na vossa inimizade e na privação da vossa divina graça; mas de que servem todas as minhas lágrimas sem as vossas? — Pai eterno, ofereço-vos as lágrimas de Jesus Menino; por essas santas lágrimas, dai-me o perdão. — E vós, meu doce Salvador, oferecei por mim todas as lágrimas que derramastes em vossa vida, e aplacai por elas a divina Justiça. Peço-vos ainda, ó meu amor, enterneçais o meu coração por essas mesmas lágrimas e o abraseis de vosso santo amor. Ah! possa eu no futuro consolar-vos tanto quanto vos ofendi e contristei com minhas ofensas! Fazei, pois, Senhor, não empregue o resto da vida em desgostar-vos, mas só em chorar os desgostos que vos dei e em amar-vos com todos os afetos de minha alma.
Ó Maria, pela terna compaixão que tantas vezes sentistes vendo chorar o Menino Jesus, peço-vos me obtenhais uma dor contínua das ofensas que tive a ingratidão de lhe fazer.

PARA O ÚLTIMO DIA DO ANO - MANHÃ.

Devemos aproveitar bem o tempo.
 
Ecce breves anni transeunt, et semitam per quam non revertar ambulo — “Vê que passam os breves anos, e eu caminho por uma vereda pela qual não voltarei” (Iob. 16, 23)

Sumário. Com razão o Espírito Santo nos exorta a que conservemos o tempo, porquanto o tempo é não somente precioso, mas ainda de muito curta duração. Lembra-te de como se passaram depressa os doze meses desse ano que hoje termina. Dize-me, irmão meu, como é que até hoje tens empregado o tempo? Esforças-te, ao menos, em resgatar o tempo perdido, empregando-o melhor para o futuro? Quem sabe? Talvez o ano que finda, seja o último da tua vida!

I. O tempo, sobre ser a coisa mais preciosa, porque é um tesouro que só neste mundo se acha, é ainda de muito curta duração. Ecce breves anni transeunt. Lembra-te de como se passaram depressa os doze meses do ano que hoje finda! É, portanto, com razão que o Espírito Santo nos exorta a conservarmos o tempo, e não deixarmos perder-se um só momento sem o aproveitarmos bem. Mas, ai de nós! Quão diversamente vão as coisas! Ó tempo desprezado, tu serás a coisa que os mundanos mais desejarão na hora da morte, quando ouvirem dizer que para eles não haverá mais tempo: Tempus non erit amplius.

E tu, irmão meu, em que empregas o teu tempo? Deus te concedeu a graça de teres chegado até ao dia de hoje, com preferência a tantos milhares e milhões de pessoas, talvez da tua idade, ou mesmo mais novas, talvez fortes como tu ou ainda mais robustos, com a mesma compleição que tu, ou talvez mais sadia. Elas morreram e tu estás vivo! Elas estão reduzidas à podridão e cinzas no túmulo e tu estás aqui meditando! Elas na eternidade, e muitas infelizmente no inferno, e tu ainda no tempo! Mas como é que passas o tempo? Em que coisas o empregaste até hoje?

Faze aqui, aos pés de Jesus Cristo, um exame geral da tua vida. Pondera, por um lado, as inúmeras graças com que Deus te tem cumulado especialmente no correr deste ano; por outro, recorda as faltas, as imperfeições, quiçá os pecados, com que continuamente, desde o primeiro dia do ano até este último, tens ofendido o Senhor, retribuindo-Lhe a liberalidade infinita com ingratidão. Ah! Se não resgatares desde já o tempo inutilmente perdido, ou quiçá mal empregado, ele te causará remorsos amargosos, quando, no leito da morte, te achares próximo àquele grande momento do qual depende a eternidade!

II. Meu irmão, se, por desgraça, tiveres de reconhecer que passaste na tibieza o tempo do ano que terminou, procura passar no fervor ao menos este último dia. Agradece muitas vezes a Deus o ter-te conservado em vida até ao dia de hoje e pede-Lhe perdão das negligências passadas no Seu serviço. Visto que não sabes se viverás até ao dia de amanhã e se entrarás ainda no ano novo, põe hoje mesmo em ordem as coisas de tua consciência e purifica a tua alma por meio de uma confissão anual. Afinal, faze um propósito firme e eficaz de servires a Deus para o futuro com mais zelo, e de empregares melhor o ano vindouro. É assim que, no dizer do Apóstolo, andarás no caminho da Salvação com circunspeção, e recobrarás o tempo: Videte quomodo caute ambuletis... redimentes tempus (1) Vêde como andais prudentemente... remindo o tempo.

Ó Senhor, cuja misericórdia não tem limites, cuja bondade é um tesouro inesgotável, dou graças à Vossa Majestade piedosíssima por todos os benefícios que me tendes feito, e em particular, pelo tempo que me concedeis para chorar as minhas culpas, e reparar as minhas desordens. Quem sabe se o ano que hoje finda, não será talvez o último inteiro da minha vida? Não, não quero mais resistir aos vossos convites tão amorosos. Pesa-me, ó meu Bem supremo, de Vos ter ofendido e proponho fazer de hoje em diante contínuos atos de amor, a fim de compensar o tempo perdido.

Como, porém, os misteres da vida não me permitem dirigir os meus pensamentos sem interrupção para Vós, faço hoje o seguinte ajuste, que será válido durante todo o ano vindouro e todo o tempo da minha vida. Cada vez que levantar os olhos para contemplar o céu, tenho intenção de glorificar as vossas perfeições infinitas. Quantas vezes respirar, quero oferecer-Vos a Paixão e o Sangue de meu divino Redentor, bem como os merecimentos de todos os Santos, para a Salvação do mundo inteiro e em satisfação dos pecados que se cometerem. — Toda a vez que bater no peito, quero amaldiçoar e detestar cada um dos pecados cometidos desde o princípio do mundo, e quisera poder repará-los com o meu sangue. Finalmente, a cada movimento das mãos, ou dos pés, ou de qualquer outra parte do corpo, tenciono submeter-me à vossa santíssima vontade, desejando que de conformidade com esta, se façam todas as coisas. Para que este meu ajuste nunca mais seja violado, confirmo-o e selo-o com as cinco Chagas de Jesus Cristo, e deposito-o em Vossas mãos, ó Mãe da perseverança, Maria (2).

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1. Eph. 5, 15.
2. Esta fórmula de reta intenção foi composta por São Clemente Maria Hoffbauer, C.SS.R.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 101 - 104.)

30 de dezembro de 2013

DIA XXX DE DEZEMBRO.

Vida de tribulações que Jesus Cristo começou a levar desde o seu nascimento.

Defecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus — “A minha vida tem desfalecido com a dor, e os meus anos com os gemidos” (Ps. 30, 11).

Sumário. A vida de Jesus Cristo foi um martírio contínuo, e mesmo um duplo martírio, porque tinha continuamente diante dos olhos todas as dores que haviam de atormentá-Lo até à morte. Entre todas aquelas dores, porém, a que mais o afligiu, foi a previsão dos nossos pecados e da nossa ingratidão depois de tamanho amor da sua parte. É, pois, verdade, ó Jesus, que com os meus pecados Vos tenho causado aflição durante toda a vossa vida!

I. Jesus Cristo podia salvar-nos sem padecer nem morrer; mas não quis. A fim de nos fazer conhecer até que ponto nos amava, quis escolher uma vida toda de tribulações. Por isso, o profeta Isaías o chamou: virum dolorum — “Homem das dores”, porque a vida de Jesus Cristo devia ser uma vida toda cheia de dores. A sua Paixão não teve seu princípio no tempo da sua morte, mas sim, no começo da sua vida.

Vêde que Jesus, apenas nascido, é posto na manjedoura de uma estrebaria, onde tudo concorria para o atormentar. É atormentado na vista, que não descobre na gruta senão paredes grosseiras e negras. É atormentado no olfato, pelo fedor das imundícies dos animais que ali se acham. É atormentado no tato, pelas picadas da palha que lhe servia de cama. Pouco depois de nascido, vê-se obrigado a fugir para o Egito, onde passou vários anos da infância, na pobreza e no desprezo. Nem diferente foi a sua vida depois em Nazaré; e eis que finalmente termina a sua vida em Jerusalém, morrendo sobre uma cruz, pela veemência dos tormentos.

De sorte que a vida de Jesus foi um martírio contínuo, e mesmo um duplo martírio, por ter sempre diante dos olhos todos os sofrimentos que em seguida deviam atormentá-Lo até à morte. À soror Maria Madalena Orsini, queixando-se um dia a Jesus crucificado, disse-lhe: “Mas, Senhor, Vós passastes somente três horas pregado na cruz, ao passo que eu já estou sofrendo vários anos” Jesus, porém respondeu-lhe: “Ó ignorante! Que estás dizendo? Desde antes de nascer sofri todas as dores da minha vida e da minha morte.”

II. Não foram precisamente as dores futuras que atormentaram Jesus Cristo, visto que de livre vontade aceitara os padecimentos. O que O afligiu foi a previsão dos nossos pecados e da nossa ingratidão depois de tão grande amor seu. Santa Margarida de Cortona não se cansava de chorar as fensas feitas a Deus, até que um dia o confessor lhe disse: “Margarida, basta; não chores mais porque Deus já te perdoou.” A Santa, porém, respondeu: “Ah, meu Pai, como poderei deixar de chorar, sabendo que os meu pecados têm afligido o meu Jesus durante sua vida toda?

É, pois, verdade, ó meu doce Amor, que eu também, pelos meus pecados, Vos tenho afigido todo o tempo da vossa vida? Dizei-me agora, ó meu Jesus, o que tenho de fazer, para me poderdes perdoar; que de boa vontade o hei de fazer. Arrependo-me, ó Bem supremo, de todas as ofensas que Vos tenho feito. Arrependo-me e amo-Vos mais do que a mim mesmo. Sinto-me com um grande desejo de Vos amar, sois Vós que me destes este desejo; dai-me portanto também forças para Vos amar muito. Justo é que Vos ame muito, eu que tantas vezes Vos tenho ofendido.

Lembrai-me sempre o amor que me tendes mostrado, a fim de que a minha alma esteja sempre abrasada em vosso amor, sempre pense em Vós, não suspire senão por Vós, e só a Vós procure agradar. Ó Deus de mor, a Vós me entrego todo, eu que em outros tempos fui escravo do inferno. Aceitai-me por piedade e prendei-me com os laços de vosso amor. Meu Jesus, para o futuro quero sempre viver amando-Vos, e amando-Vos quero morrer. — Ó Maria, Mãe e Esperança minha, ajudai-me a amar o vosso e meu Deus amado; é esta a única graça que vos peço e de vós a espero. (II 359.)

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 99 - 101.)


Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 6

MEDITAÇÃO VI.

JESUS DORME NO PRESÉPIO.
O sono de Jesus Menino era curto e penoso. Uma manje-doura servia-lhe de berço, a palha formava o seu leito e travesseiro, de sorte que o seu repouso era freqüentemente inter-rompido pela dor que lhe causava essa cama tão dura e incômoda, e pelo rigor do frio que reinava na gruta. Não obstante, de tempo em tempo o tenro menino adormecia apesar de todos os seus sofrimentos.
Mas o sono de Jesus diferia muito do das outras crianças. O sono das outras crianças lhes é útil para a conservação da vida, mas não para as operações da alma, as quais são detidas pelo entorpecimento dos sentidos. Não foi assim o sono de Jesus. Eu durmo, mas o meu coração vigia. Seu corpo repousava, mas sua alma vigiava; pois em Jesus, a natureza humana estava unida à pessoa do Verbo, que não podia dormir nem sofrer o efeito dos sentidos. O santo Infante dormia pois; mas dormindo pensava em todas as penas que devia sofrer por nosso amor durante a sua vida e a sua morte. Pensava no que devia suportar no Egito e em Nazaré, onde viveria uma extrema pobreza e obscuridade; pensava sobretudo nos açoites, nos espinhos e nos opróbrios, nas agonias, em todos os tormentos da paixão e na morte desolada que teria de sofrer na cruz; e dormindo, tudo oferecia a seu Pai eterno, para nos obter o per-dão dos pecados e a salvação. Assim, até dormindo, nosso Salvador merecia por nós, aplacava a seu Pai e nos proporcionava graças.
Peçamos-lhe que, pelo mérito de seu bem-aventurado sono, nos livre do sono mortal dos pecadores, que dormem miseravelmente na morte do pecado, no esquecimento de Deus e de seu amor; e que nos dê, ao contrário, o sono feliz da Esposa sagrada, da qual Ele dizia: Não perturbeis o repouso da minha dileta, deixai-a dormir quanto ela queira. O doce sono que Deus dá às suas almas amadas não é outra coisa, segundo S. Basílio, que um profundo esquecimento das criaturas. A alma o goza quando se esquece inteiramente de todos os objetos terrestres para só pensar em Deus e no que interessa a sua glória.

Afetos e Súplicas.
Ó caro e santo Menino, vós dormis; ah! como me encanta o vosso sono! Para os outros o sono é a imagem da morte; mas em vós é um sinal de vida eterna, pois que repousando mereceis para mim a salvação eterna. Vós dormis, mas o vosso coração não dorme: pensa em sofrer e morrer por mim.
Dormindo orais por mim e me obtendes de vosso Pai celeste o descanso eterno do paraíso. Mas, antes que me introduzais no céu, como espero, para lá repousar convosco, quero que re-pouseis sempre em minha alma. Ó meu Deus, tenho-vos repe-lido outrora; mas tanto batestes à porta do meu coração, ora por temores, ora por luzes, ora por apelas chios de ternura, que creio já tenhais entrado nele. Sim, eu o creio, pois sinto uma grande confiança de haver recebido de vós o meu perdão; experimento profundo horror e sincero arrependimento das minhas ofensas contra vós; esse arrependimento me causa grande dor, mas uma dor sem perturbação, uma dor que me consola, e me dá a segurança de ter obtido o meu perdão da vossa bondade. Agradeço-vos, meu Jesus, e vos peço não vos afas-teis mais de minha alma. Sei que não saireis dela se eu vos não expulsar; é essa a graça que vos peço e suplico-vos me ajudeis a pedi-la sem cessar: não permitais vos torne a banir do meu coração. Fazei que tudo esqueça para só pensar em vós, que sempre pensastes em mim e na minha felicidade. Fazei não cesse de vos amar nesta vida até que minha alma unida sempre a vós voe aos vossos braços para repousar eterna-mente em vós sem temor de vos perder.
Ó Maria, assisti-me durante a vida, assisti-me na hora da morte a fim de que Jesus repouse sempre em mim e que eu repouse sempre em Jesus.

29 de dezembro de 2013

DIA XXIX DE DEZEMBRO.

Alegria trazida ao mundo pelo nascimento de Jesus Cristo.

Evangelizo vobis gaudium magnum, quod erit omni populo: quia natus est vobis hodie Salvator — Anuncio-vos um grande gozo, que será para todo o povo; e é que vos nasceu hoje o Salvador (Luc. 2, 10).

Sumário. Organizam-se grandes festejos num país, quando ao rei nasce seu filho primogênito. Quanto mais não devemos nós festejar o nascimento do Filho unigênito de Deus, que veio do céu para nos visitar. Talvez alguém deseje carregar o Menino Jesus nos braços; mas avivemos a nossa fé e lembremo-nos de que na santa comunhão recebemos, não somente em nossos braços, mas também dentro do nosso peito, o mesmo Jesus, que por nosso amor esteve deitado no presépio de Belém.

I. O nascimento de Jesus Cristo trouxe alegria geral ao mundo inteiro. É Ele o Redentor desejado durante tantos anos e com tamanho ardor, que por esta razão foi chamado o Desejado das gentes, o Desejado das colinas eternas. Eis que já veio, nascido numa gruta estreita. Façamos que o anjo nos anuncie o mesmo gozo que anunciou aos pastores, e que nos diga:  Ecce enim evangelizo vobis gaudium magnum, quod erit omni  populo: quia natus est vobis hodie Salvator — Anuncio-vos um grande gozo, que será para todo o povo; e é que vos nasceu hoje o Salvador.  — Que festejos não se organizam num país, quando nasce ao rei seu filho primogênito! Muito mais devemos nós festejar o nascimento do Filho de Deus, que veio do céu para nos visitar, movido unicamente pelas entranhas da sua misericórdia:  per víscera misericordiae Dei nostri, in quibus visitavit nos oriens ex alto (1).

Nós nos achávamos em estado de condenação, e eis que Jesus veio para nos salvar: Propter nostram salutem descendit de coelis — Desceu dos céus para a nossa salvação. Eis aí o Pastor, vindo para salvar da morte as suas ovelhas, dando a vida por amor delas. —  Ego sum pastor bonus; bonus pastor animam suam dat pro ovibus suis (2)  — Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a própria vida pelas suas ovelhas. Eis aí o Cordeiro de Deus que veio sacrificar-se para nos obter a graça divina e fazer-se nosso libertador, nossa vida, nossa luz, e nosso alimento no Santíssimo Sacramento. Diz Santo Agostinho que, entre outras razões, Jesus quis ser  posto numa manjedoura, onde os animais acham o pasto, para nos dar a entender que se fez homem também para se tornar nosso alimento. 

Jesus nasce, por assim dizer, nasce cada dia no Santíssimo Sacramento por meio da consagração feita pelo sacerdote. O altar é como que o presépio, onde nos alimentamos com a sua própria carne. Talvez alguém deseje trazer o Menino Jesus nos braços, assim como o trouxe o velho Simeão. Mas a fé nos ensina que na santa comunhão temos, não somente em nossos braços, senão dentro do nosso peito, o mesmo Jesus, que esteve no presépio de Belém. Nasceu precisamente a fim de se dar a nós:  Parvulus natus est  nobis, et filius datus est nobis (3)  — Nasceu-nos uma criança, e foi-nos dado um filho.

II. Erravi sicut ovis quae periit: quaere servum tuum (4)  — Andei errando como uma ovelha que se desgarrou; busca o teu servo. Senhor, eu sou a ovelha que por ir atrás das minhas satisfações e dos meus caprichos, desgarrei miseravelmente; mas Vós, ó Pastor e também Cordeiro divino, baixastes do céu para me salvar, sacrificando-Vos como vítima, sobre a Cruz, em satisfação dos meus pecados. Que devo, pois, temer, se resolvo emendar-me? Não devo confiar inteiramente em Vós, meu Salvador, que nascestes precisamente a fim de me salvar?  Ecce Deus, Salvator meus, fiducialiter agam, et non timebo (5) — Eis aqui está Deus, meu Salvador, resolutamente obrarei e nada temerei. Para me inspirar confiança, que penhor mais seguro de misericórdia podereis dar-me, depois da vossa própria pessoa? Ó meu querido Menino Jesus, quanto me aflige a lembrança de Vos ter ofendido.Tenho-Vos feito chorar na gruta de Belém. Mas, se Vós me viestes buscar, eis que me prostro aos vossos pés,' e apesar de Vos ver humilhado e aniquilado nessa manjedoura, deitado sobre a palha, reconheço-Vos como meu supremo Senhor e Rei.

Ouço que os vossos doces gemidos me convidam a amar-Vos e me pedem o coração. Ei-lo, ó meu Jesus, deposito-o a vossos pés; transformai-o e abrasai-o, Vós que viestes ao mundo a fim de abrasar os corações em vosso santo amor. Ouço que lá de dentro dessa manjedoura me dizeis:  Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo (6) — Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração. E eu Vos digo: Ah! Jesus meu, se não Vos amar a Vós, que sois meu Senhor e meu Deus, a quem amarei? Vós dizeis que sois meu, porque nascestes a fim de Vos dar todo a mim; e eu recusarei ser vosso? Não, meu amado Senhor, dou-me todo inteiro a Vós e amo-Vos de todo o meu coração. Amo-Vos, amo-Vos, amo-Vos, ó meu Bem supremo, ó amor único da minha alma. Por favor, aceitai-me neste dia, e não permitais que eu ainda deixe de Vos amar. — O Maria, minha Rainha, pela consolação que tivestes, quando pela primeira vez contemplastes o vosso Filho nascido, e lhe destes os primeiros abraços, rogai por mim para que vosso Filho me aceite como propriedade sua e me prenda para sempre a si pelos laços do seu santo amor. (II 363.)

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1. Luc. 1, 78.
2. Io. 10, 11.
3. Is. 9, 6.
4. Ps. 118, 176.
5. Is. 12, 2.
6. Matth. 22, 37.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 96 - 99.)

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 5

MEDITAÇÃO V.

JESUS SOBRE A PALHA.
Jesus nasce no estábulo de Belém. A sua pobre Mãe não tem lã nem pluma para confeccionar um leito conveniente ao tenro Menino. Que fará então? ajunta um pouco de palha numa manjedoura e nela o deita. Mas, ó céu! esse é um leito demasiado duro e penoso para uma criancinha recém-nascida! Os membros duma criancinha recém-nascida! Os membros duma criancinha são extremamente delicados, e sobretudo os membros de Jesus, formados expressamente pelo Espírito Santo para serem mais sensíveis à dor. A dureza desse leito foi-lhe pois penosíssima.
Foi uma pena e foi também um opróbrio. Que criança, mesmo entre as mais pobres pessoas do povo, se vê ao nascer obrigada a deitar-se sobre palha? A palha é leito para os animais; e o Filho de Deus não acha sobre a terra senão vil palha por leito! S. Francisco de Assis ouviu um dia ler, quando se achava à mesa, as palavras do Evangelho: Ela o deitou nu-ma manjedoura; e exclamou: “Como? meu Senhor está sobre palha, e eu continuaria sentado?” No mesmo instante deixa seu lugar, lança-se por terra e assim termina sua pobre refeição que rega de lágrimas de ternura ao considerar os sofrimentos de Jesus Menino deitado sobre a palha.
Mas por que Maria, que tanto desejara ver nascer esse Filho adorável e que o amava tão ternamente, por que, em vez de conservá-lo em seus braços, o pôs sobre esse leito de dores? — Eis um mistério, responde S. Tomás de Vilanova. Esse mistério é interpretado de vários modos; mas, entre todas as explicações é a de S. Pedro Damião que mais me agrada: Jesus recém-nascido quis ser deitado sobre a palha para nos ensinar a mortificação dos sentidos. O mundo perdera-se pelos prazeres sensuais; assim perderam-se Adão e grande número de seus descendentes. O Verbo eterno veio do céu para ensinar-nos o amor dos sofrimento, e começou ao nascer a ensinar-nos escolhendo para si o que uma criancinha pode suportar de mais penoso. Foi pois Ele que inspirou sua Mãe a não conservá-lo em seus braços tão suaves, e a colocá-lo no duro leito a fim de melhor sentir o frio da gruta e sofrer as picadas da palha.

Afetos e Súplicas.
Ó terno Amante das almas, meu amável Redentor, não vos bastam a dolorosa paixão que vos aguarda e a morte cruel que vos preparam na cruz; quereis começar a sofrer desde o primeiro momento de vossa existência! Sim, porque desde o vosso nascimento quereis começar a ser meu Redentor, e a satisfazer por meus pecados à divina Justiça. Por leito escolhestes a palha, a fim de me livrar do fogo do inferno, aonde muitas vezes eu merecera ser precipitado. Chorais e gemeis sobre a palha para me obter de vosso Pai, por vossas lágrimas, o perdão das minhas faltas. Ah! essas lágrimas me afligem e me consolam. Afligem-me pela compaixão que tenho de vós, inocente menino, vendo-vos sofrer por crimes que não são vossos; consolam-me, porque nos vossos sofrimentos vejo a minha salvação e o amor imenso que me tendes. Mas, meu Jesus, não vos quero deixar só a gemer e sofrer; quero chorar convosco, eu que mereci chorar por causa dos desgostos que vos dei; já que mereci o inferno, não recuso nenhuma pena, contanto que recupere a vossa graça. Perdoai-me, pois, restitui-me vossa amizade e castigai-me depois como vos aprouver. Livrai-me das penas eternas, e depois tratai-me como quiserdes. Não vos peço nenhuma satisfação nesta vida: não a merece quem teve a audácia de ofender-vos, Bondade infinita! Sinto-me contente em sofrer todas as cruzes que me enviardes; mas, ó meu Jesus, eu quero amar-vos.
Ó Maria, fiel companheira de Jesus em seus sofrimentos, nos quais compartilhastes tão vivamente, obtende-me a força de suportar minhas penas com paciência. Ai de mim, se após tantos pecados, eu nada sofrer nesta vida! Feliz de mim, ao contrário, se tiver a ventura de acompanhar-vos na via dos sofrimentos, ó minha Mãe aflita e meu Jesus que fostes crucifica-do por meu amor.

28 de dezembro de 2013

Felicidade de quem nasceu depois da Redenção e na Igreja Católica.

Ubi venit plenitudo temporis, misit Deus Filium suum, ut eos, qui sub lege erant, redimeret — Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus a seu Filho, para que remisse aqueles que estavam debaixo da lei (Gal. 4, 4).

I. Que graças devemos dar a Deus por nos haver feito nascer depois de já realizada a grande obra da Redenção humana! É isso o que quer dizer a palavra  plenitudo temporis — plenitude do tempo — , tempo venturoso pela plenitude da graça que Jesus Cristo nos mereceu pela sua vinda. Infelizes de nós, se, réus de tantos pecados como somos, tivéssemos vivido nesta terra antes da vinda de Jesus Cristo!

Antes da vinda do Messias, ah! Em que lamentável condição se achavam os homens! O verdadeiro Deus era apenas conhecido na Judéia; em todas as outras partes do mundo reinava a idolatria, de modo que os nossos antepassados adoravam a pedra, a madeira e os demônios.

Adoravam um sem-número de falsos deuses. Somente o verdadeiro Deus não era amado, nem mesmo conhecido. Ainda em nossos tempos, quantos países não há onde é reduzido o número de católicos e todos os demais são pagãos ou hereges, dos quais a maior parte com certeza se condenarão! Quanto mais nós devemos ser agradecidos a Deus, porque não somente nos fez nascer depois da vinda de Jesus Cristo, mas além disso em um país católico!

Senhor meu, graças Vos dou. Ai de mim, se, depois de cometer tantos pecados, vivesse no meio dos infiéis ou dos hereges! Reconheço, ó meu Deus, que me quereis salvo, e eu desgraçado tantas vezes quis perder-me perdendo a vossa graça. Redentor meu, tende piedade de minha alma que tanto Vos custou!

II. Misit Deus Filium suum, ut eos, qui sub lege erant, redimeret (1) — Deus enviou seu Filho, para que remisse aqueles que estavam debaixo da lei. Peca o escravo, e pecando entrega-se ao poder do demônio; e eis que vem seu Senhor mesmo para o resgatar com a sua morte! Ó amor imenso, ó amor infinito de Deus para com o homem!

Portanto, ó meu Redentor, se Vós não me tivésseis remido com a vossa morte, o que seria de mim? De mim, digo, que pelos meus pecados tantas vezes tenho merecido o inferno. Se Vós, ó Jesus meu, não tivésseis morrido por mim, já Vos teria perdido para sempre, nem haveria mais para mim esperança alguma de recuperar a vossa graça, nem de ver um dia no paraíso o vosso belo rosto. Meu caro Salvador, graças Vos dou, e espero ir ao céu para Vos agradecer eternamente. Pesa-me acima de todos os males, de Vos ter desprezado em outro tempo. Para o futuro proponho antes sofrer toda a pena, qualquer morte, do que ofender-Vos. Mas como em tempos passados Vos tenho traído, posso tornar a trair-Vos para o futuro. Ó meu Jesus, não queirais permití-lo.  Ne permittas me separari a te (2) — Não permitais que eu me aparte de Vós. Amo-Vos, Bondade infinita, e quero amar-Vos sempre nesta vida e durante toda a eternidade. — Ó minha Rainha e Advogada, Maria, guardai-me sempre debaixo de vosso manto e livrai-me do pecado. (III 319.)

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1. Gal. 4, 4.
2. Or. Anima Christi.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 94 - 96.)

DIA XXVIII DE DEZEMBRO.

Festa dos Santos Inocentes.

Herodes... mittens occidit omnes pueros, qui erant in Bethlehem, et in omnibus finibus eius, a bimatu et infra — Herodes... espalhando emissários, fez matar os meninos todos que havia em Belém, e em todo o seu termo, que tinham dois anos e daí para baixo (Matth. 2, 16)

Sumário. Devemos considerar bem que o Senhor é a Sabedoria infinita, que sabe tirar o bem do mal. Por isso, o que nós chamamos um mal, é as mais das vezes uma graça singular. De tantas crianças que hoje veneramos sobre os altares e que formam a corte de Jesus, se não tivessem sido mortas por Herodes, quem sabe quantas no tempo da Paixão teriam gritado: Crucifige eum: Crucifica-o; quantas se teriam condenado!

I. Depois que os Magos ofereceram os seus presentes místicos ao Menino Jesus, foram avisados em sonho pelo anjo, que não voltassem a Herodes, como tinham prometido, mas que por outro caminho voltassem para sua pátria. Por isso o príncipe cruel, receoso de que Jesus lhe quisesse tirar o reino, e vendo que os Magos o haviam enganado, irritou-se fortemente e mandou fossem mortos todos os meninos que havia em Belém e em todo o seu termo, que tivessem dois anos e daí para baixo, segundo o tempo que havia colhido das informações dos Magos:  Mittens occidit omnes pueros — Enviando emissários mandou matar todos os meninos.

Considera aqui os profundos juízos de Deus. Encarando a matança dos Inocentes com olhos humanos, não se sabe explicar como é que o Senhor, que é um Pai amoroso, pode ver tantas mães em desolação e uma cidade inteira com os seus contornos inundada de sangue inocente. — Devemos, porém, ponderar que Deus é a Sabedoria infinita, que sabe tirar o bem do mal. O que nós chamamos um mal, é as mais das vezes uma graça singular. Quantos dentre os Meninos inocentes teriam levado vida cheia de trabalhos e afinal talvez se tivessem condenado! Alguns talvez tivessem chegado ao extremo de tomar parte na Paixão do Redentor e gritado com os outros judeus: crucifige eum — crucifica-o. Em lugar disso, com a morte padecida por causa de Jesus Cristo, ficou-lhes segura a eterna salvação. Mais, são a corte nobre do Deus-Menino e com suas pequeninas palmas adornam o berço do Cordeirinho imaculado. Pelo que Santo Agostinho diz que Herodes com os seus obséquios nunca pudera favorecer tanto as crianças bem-aventuradas, quanto as favoreceu com o seu ódio.

Regozija-te com os Santos Inocentes,que glorificaram Jesus, derramando o seu sangue, e não podendo anunciar com a língua o nascimento do Filho de Deus, anunciaram-no com a sua morte. E tu, convence-te bem de que tudo o que te faz segura a eterna bem-aventurança, é uma grande graça, muito embora aos olhos humanos se te afigure miséria e prejuízo.

II. Quando na Judéia se executava o ímpio mando da matança dos Inocentes, Jesus-Menino já estava fora de perigo. Porque appareceu um anjo do Senhor em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, e toma contigo o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito e fica lá até que eu te avise; porque Herodes procurará o Menino para o matar. E, levantando-se José, tomou consigo, ainda de noite, o Menino e sua Mãe, e retirou-se para o Egito. (1) Contempla como o divino Menino devia sentir a crudelidade de que Herodes usava para com os Inocentes mortos por sua causa. Toda a facada que traspassava as entranhas daquelas criancinhas, também lhe feria o coração. 

Desde então ficou decretado o castigo do autor de tamanha barbaridade. Com efeito, por causa de tão horrível carnificina, Herodes tornou-se objeto de opróbrio e de execração do mundo inteiro, ao passo que fez mais conhecida a natividade do Messias, porque a morte de tantas crianças lhe foi o mais claro testemunho. Além disso Deus deixou Herodes morrer de uma doença asquerosa e nojenta. Nasceram-lhe no corpo um número incalculável de bichos, que o devoravam vivo e causavam um fedor insuportável, prelúdio daquele que em breve havia de atormentá-lo eternamente no inferno. Eis a que estado de desgraça foi reduzido Herodes por se ter deixado dominar pela ambição desregrada de reinar. — A fim de que não te colha semelhante desgraça, examina qual seja a tua paixão dominante, a soberba ou a inveja ou a ira... e faze o firme propósito de nunca tomares uma decisão qualquer enquanto teu coração estiver em agitação e as paixões excitadas. Para obteres a graça de o executar, roga ao Senhor pela intercessão dos Santos Inocentes.

O Deus, cujos louvores os Inocentes Mártires confessaram hoje, não falando, senão morrendo, mortificai em nós todos os males dos vícios, para que nossa vida dê com santos costumes testemunho da fé, que a nossa língua confessa. (2) Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo, vosso divino Filho, e de Maria Santíssima, minha querida Mãe.

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1. Matth. 2, 13.
2. Or. festi.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 91 - 94.)

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 4

MEDITAÇÃO IV.

JESUS AMAMENTADO.
O Menino Jesus, depois de envolvido em paninhos, pedia e tomava o leite do seio de Maria. A Esposa dos Cânticos desejava ver seu irmãozinho sugando o leite de sua mãe; mas seu desejo não foi satisfeito. Nós, ao contrário, tivemos a felicidade de ver o Filho de Deus feito homem e tornado nosso ir-mão, tomar seu alimento do seio de Maria. Oh! que espetáculo para o céu ver o Verbo divino feito menino e sugando o leite duma jovem virgem, sua criatura!
Eis pois Aquele que alimenta todos os homens e todos os animais da terra, feito tão fraco e tão pobre, que necessita dum pouco de leite para sustentar a vida! A Irmã Paula, camaldulense, ao ver uma imagem de Jesus amamentado, sentiu-se logo abrasada de terno amor para com Deus. Jesus tomava pouco leite e só raramente; foi revelado à Irmã Maria-Ana, francisca-na, que sua Santíssima Mãe lhe dava o seio só três vezes ao dia. Ó leite precioso para nós! convertido em sangue nas veias de nosso Redentor, tornou-se depois num banho de salvação para nossas almas manchadas.
Consideremos ainda que Jesus tomava esse leite para sustentar o corpo que queria dar-nos em alimento na santa comunhão. — Assim, meu terno Salvador, sugando o leite de vossa Mãe, pensastes em mim: pensastes em mudar esse leite em sangue, para o derramar depois na vossa morte, em fazer dele o preço da minha redenção, e em nutrir minha alma no Santíssimo Sacramento, que é o leite salutar pelo qual conservais nossas almas na vida da graça: “O leite de vossas almas é Jesus Cristo”, dizia S. Agostinho.
Ó Menino querido ao meu coração, ó meu Jesus, permiti exclame eu como a mulher do Evangelho: Felizes as entranhas que vos levaram, e os peitos que sugastes. — Sim, sois bem-aventurada ó Mãe de Deus, que amamentastes o Verbo encarnado! Ah! permiti que me una a vosso divino Filho para receber de vós o leite duma terna e afetuosa devoção ao Menino Jesus e a vós, minha queridíssima Mãe!
Rendo-vos graças, ó divino Infante, que vos sujeitastes à necessidade do leite a fim de me testemunhar o vosso amor! — O Senhor deu a entender a S. Maria Madalena de Pazzi que se reduziu a essa necessidade precisamente para nos mostrar seu amor para com as almas por Ele resgatadas.

Afetos e Súplicas.
Ó meu doce Jesus, amável Menino, sois o Pão do céu e o alimento dos anjos; vós nutris todas as criaturas; como estais reduzido a mendigar um pouco de leite duma virgem para sus-tentar vossa vida? — Ó amor divino, como pudestes tornar um Deus tão pobre ao ponto de necessitar dum nutrimento terrestre? Ah! compreendo-vos, meu Jesus, recebeis o leite de Maria no estábulo para o transformar em sangue precioso que que-reis oferecer a Deus na cruz em sacrifício de expiação por nossos pecados! Dai, ó Maria, dai todo o leite que podeis dar a vosso divino Filho, pois cada gota desse leite deve servir para lavar minha alma de suas manchas, e nutri-la depois na santa comunhão! — Ó meu Redentor, como vos não amará aquele que crê no que fizestes e sofrestes para salvar-nos? E eu sa-bendo isso, como pude ser tão ingrato para convosco? Mas a vossa bondade é minha esperança e me assegura que, se eu quiser a vossa graça, ela me pertence. Ó Bem supremo, arre-pendo-me de vos haver ofendido, e amo-vos sobre todas as coisas, ou antes, não amo senão a vós, e só a vós quero amar, sois e sereis sempre meu único Bem e meu único Amor. Meu caro Redentor, dai-me, vo-lo peço, uma terna devoção à vossa santa infância, coo o fizestes a tantas almas que, à recordação de vossa infância, parecem esquecer tudo e não mais poder pensar senão em vos amar. É verdade que elas são inocentes e eu pecador; mas vos fizestes pequeno para vos fazer amar também pelos pecadores. Sim, meu Deus, eu vos ofendi, mas agora amo-vos de todo o meu coração e só desejo o vosso amor.
Ó Maria, dai-me um pouco da ternura com que nutríeis com vosso leite o Menino Jesus.

27 de dezembro de 2013

Oferecimento do coração a Jesus Menino.

Dilectus meus mihi et ego illi, qui pascitur inter lilia. — “O meu amado é meu e eu sou dele, que se apascenta entre as açucenas” (Cant. 2, 16).

I. Alma devota, aviva a tua fé e a tua confiança. O mesmo Jesus que, por nosso amor, baixou do céu à terra e quis nascer numa gruta fria, está agora, abrasado no mesmo amor, escondido no Santíssimo Sacramento. Que é o que faz ali? Respiciens per cancellos (1) — “Olha por entre as grades”. Qual amante aflito pelo desejo de ver seu amor correspondido, Jesus de dentro da Hóstia consagrada, como que por entre uma grade estreita, olha-te sem ser visto, espreita os teus pensamentos, os teus afetos, os teus desejos, e convida-te suavemente achegar-te a si. Eia pois, dá contento ao Amante divino e aproxima-te d'Ele.

Lembra-te, porém, do que ordena:  Non apparebis in conspectu meo vacuus (2) — “Não aparecerás em minha Presença com as mãos vazias”. Quem se chegar ao altar para me honrar, não se chegue sem me presentar alguma oferta. Na noite do Natal, os pastores que foram visitar oMenino Jesus na gruta de Belém, trouxeram-lhe os seus presentes. É pois mister que tu também Lhe ofereças o teu presente. Que poderás oferecer-lhe? O presente mais precioso, que possas trazer  para o Menino Jesus, é um coração penitente e amante:  Praebe, fili mi, cor tuum mihi (3)  — “Meu Filho, dá-me o teu coração”.

Ó meu Senhor, eu não devia ter ânimo de me chegar a Vós, vendo-me tão manchado de pecados. Mas já que Vós, Jesus meu, me convidais com tamanha benevolência e me chamais com tamanho amor, não quero resistir. Não quero fazer-Vos esta nova afronta que, depois de Vos ter tantas vezes virado as costas, deixasse agora por desconfiança de aceder a vosso doce convite. Mas sabeis que sou pobre de tudo e que não tenho nada que oferecer-Vos. Não tenho senão o meu coração, e este Vô-lo dou. Verdade é que este meu coração durante algum tempo Vos tem ofendido, mas agora está arrependido, e contrito como se acha, eu Vô-lo ofereço. Sim, meu divino Menino, peza-me de Vos ter dado desgosto. Confesso-o: tenho sido um traidor, um ingrato, um desumano fazendo-Vos sofrer tanto e derramar tantas lágrimas no presépio de Belém; mas as vossas lágrimas são a minha esperança. Sou um pecador e não mereço perdão, mas dirijo-me a Vós, que, sendo Deus, Vos fizestes criança para me perdoar. — Pai Eterno, se eu mereci o inferno, vêde as lágrimas desse vosso Filho inocente; são elas que Vos imploram o meu perdão. Vós não negaes nada às súplicas de Jesus Cristo. Atendei-O, visto que Vos pede que me perdoeis nestes dias santíssimos, que são dias de alegria, dias de salvação, dias de perdão.

II. Ó meu pequenino Jesus, espero que me perdoareis; mas só o perdão de meus pecados não basta. Neste santo tempo do Natal dispensais às almas graças grandes. Eu também quero uma graça bem grande, e deveis conceder-ma: é a graça de Vos amar. Agora que me chego aos vossos pés, abrasai-me todo em vosso amor e prendei-me a Vós, mas prendei-me de tal modo que eu nunca mais me afaste de Vós. Assim, ó meu Deus amabilissimo, espero que Vos amarei sempre e que Vós sempre me amareis: assim, ó meu amado Jesus, espero que serei sempre todo vosso e que Vós sempre sereis todo meu:  Dilectus meus mihi et ego illi — “O meu amado é para mim e eu sou para ele.” Creio em Vos, ó Bondade infinita; espero em Vós, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó Bondade infinita. Amo-Vos, ó meu Deus, feito Menino por meu amor, amo-Vos, e sempre o hei de repetir, amo-Vos, amo-Vos. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas (4).

Mas, não Vos amo bastante; quero amar-Vos muito, e Vós deveis fazer que assim seja. Ofereço-Vos o meu coração, entrego-o todo inteiro, não o quero mais. Mudai-o e guardai-o para sempre. Não mo entregueis mais, pois, se o entregardes em minhas mãos, tenho medo que Vos tornará a trahir.

Maria Santíssima, vós sois a Mãe desse grande Filho, sêde também minha Mãe; em vossas mãos deposito o meu coração, apresentai-o a Jesus; se Lho apresentardes, Jesus não o rejeitará. Apresentai-o, pois, e rogai que o queira aceitar. Amém. (*III 730.)

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1. Cant. 2, 9.
2. Exod. 23, 15.
3. Prov. 23, 26.
4. 50 dias de indulg. para quem rezar esta jaculatória ou a ensinar aos outros.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 89 - 91.)

Sermão para a Festa da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo 25.12.2013 – Padre Daniel Pinheiro IBP

[Sermão] Natal: Temos o que admirar, o que amar e o que imitar no Presépio em Belém


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…


Um Santo e Feliz Natal a Todos.
“Nasceu-nos um Menino e foi-nos dado um Filho.”
Caros católicos, que grande dia de alegria, o dia em que nos nasceu um Menino e nos foi dado um Filho, para nos redimir, nos libertar da escravidão do pecado e nos alcançar graça diante Deus. Aquele que fora desejado por tantos milhares de anos nasceu no dia de hoje há mais de dois mil anos. É um dia de misericórdia, no qual devemos nos alegrar e pelo qual devemos agradecer muitíssimo a Deus. A misericórdia divina é tão marcante nesse dia que, tradicionalmente, cada sacerdote pode celebrar três Missas: a Missa ad primum cantum galli, a Missa ao primeiro canto do galo, tradicionalmente celebrada à meia-noite; a Missa da aurora, celebrada quando surgem os primeiros raios de sol; a Missa do Dia, que agora celebramos. Três Missas para mostrar a abundância da graça no dia em que o Verbo Encarnado nasceu. Três Missas para significar também as três gerações do Verbo, se assim podemos falar. A primeira geração desde toda a eternidade, antes do tempo, que é a geração da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade a partir do Pai. A geração no tempo do Verbo, nascido de Maria Virgem no estábulo em Belém. E, finalmente, a geração do Verbo em nossas almas pela graça, pelo abandono do pecado, para vivermos como imitadores de Cristo.
 São Paulo nos diz (Epístola da Missa) que Deus falou outrora de muitos modos e muitas vezes por meio dos profetas. Agora, nos fala por meio de seu Filho, em quem Ele colocou todas as suas complacências. Não contente de mostrar sua misericórdia e buscar a conversão dos homens por emissários, o próprio Filho de Deus, que é Deus, vem ao mundo.  E o Filho de Deus, o Menino Jesus, nos fala desde o seu nascimento na manjedoura em Belém, nos mostrando o que devemos fazer diante dela.
Diante do presépio, a divina criança nos indica aquilo que devemos admirar, ela indica aquilo que devemos amar e indica aquilo que devemos imitar. Como diz São Bernardo: no presépio, temos o que admirar, o que amar e o que imitar.
Temos o que admirar no presépio e, talvez, se compreendêssemos perfeitamente o que ocorre no presépio, morreríamos, com tamanha maravilha.  Davi se admirava e se espantava nos Salmos (8, 5) que Deus pudesse se lembrar do homem. Assim dizia o rei Davi: “Quem é o homem, para que Deus se lembre dele?” Qual não deve ser, portanto, a nossa admiração diante do Deus Encarnado, diante do Rei da glória, que se humilha tomando a nossa natureza, diante do divino Menino sujeito a todos os sofrimentos e a todas as nossas misérias, com exceção do pecado? Como não se admirar diante desse Menino Deus que sofre e chora? Criador de todas coisas, nascido num estábulo, envolto em pobres e grosseiros panos, reclinado onde os animais comem, com frio. Se temos fé e acreditamos naquilo que Deus nos revelou, como não se admirar diante de cena tão magnífica? Devemos nos admirar e considerar tão sublime cena, como o fizeram N. Sra., São José, os Anjos e os pastores. Sim, temos com o que nos admirar no presépio em Belém.
E considerando essa cena, perceberemos que temos nela o que amar e o que amar profundamente, com todas as nossas forças, com toda a nossa alma. Por que essa divina criança veio ao mundo? Porque Deus amou tanto os homens ao ponto de nos entregar seu próprio Filho. E como cantamos no Credo: ele veio propter nos homines et propter nostram salutem, ele veio por causa de nós homens e para nossa salvação. Assim, podemos realmente cantar como a Igreja manda: “Nasceu-nos um Menino e foi-nos dado um Filho” (Introito da Missa do Dia).  Ele nasceu para nós, para nos salvar. Foi-nos dado um Filho, que é o Filho de Deus. Como não amolecer o nosso coração diante do Deus que quis nascer criança, justamente para atrair o nosso amor, para nos converter a Ele? Como não tomar a resolução definitiva de conversão, de amar a Deus sobre todas as coisas, diante de tal amor? Como cantamos no tradicional cântico do Adeste Fideles: quem não ama em retorno um Deus que assim nos ama? Sim, no presépio em Belém temos o que amar. Ele veio para nós. Se queremos ser salvos, devemos recebê-lo em nossas almas e amá-lo, não com um vago sentimento, mas observando as suas palavras, observando os seus mandamentos. Contemplando deus que se fez visível, devemos elevar nosso coração para as coisas invisíveis, deixando de lado nosso apego a coisas tão pequenas que nos fazem ofender a Deus.
Se temos no presépio motivo para profunda admiração e motivo para amar a Deus sobre todas as coisas com toda as nossas forças e com toda a nossa alma, temos também o que imitar. No presépio, Nosso Senhor nos ensina o remédio para o orgulho, para os prazeres desordenados, para o apego aos bens desse mundo: os três maiores princípios dos pecados. Ele nos ensina a humildade contra o orgulho, a mortificação contra os prazeres desordenados, a pobreza contra o apego aos bens desse mundo. Jesus, antes de falar, já nos ensina. Vinde, católicos, vinde e vede e fazei conforme o exemplar que é mostrado, como diz a Sagrada Escritura (Ex. 25, 40).
Na gruta em Belém, apareceu a bondade e o amor do Salvador nosso Deus pelo homem e apareceu não por nossos méritos, mas por sua misericórdia. Esse acontecimento, aparentemente tão singelo, tão simplório, mudou completamente a história da humanidade. Esse acontecimento e suas consequências, culminando com a paixão, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, é o centro da história. Quão vazia e tenebrosa seria a história da humanidade sem o nascimento de Cristo. Não teria havido os patriarcas, os profetas e tantos justos do Antigo Testamento. Não teria havido os santos, imitadores de Cristo, não teria havido tanta virtude e virtude em grau heroico. Não teria havido a Santa Igreja com sua celestial doutrina, com seus sacramentos e com todo o bem que fez e faz ao longo da história, tanto na ordem espiritual quanto material. Quão vazia e tenebrosa seria a história sem esse acontecimento aparentemente singelo e simplório na gruta de Belém.
Precisamos, porém, mudar também a nossa história particular, considerando e admirando o presépio em Belém. Devemos mudar nossa história deixando-nos inflamar de amor por um Deus que se fez homem por nós para nos salvar. Devemos mudar nossa história imitando Nosso Senhor Jesus Cristo. Peçamos a Maria Santíssima, verdadeira Mãe de Deus, que nos alcance de seu Filho, o Menino Jesus, o arrependimento de nossos pecados e a graça da verdadeira alegria no céu.
Feliz e Santo Natal a todos. Que o Menino Deus encha a nossa alma de alegria genuinamente cristã, uma alegria que nos leva ao céu.

Em nome do Pai, e do Filho e do espírito Santo. Amém.

DIA XXVII DEDEZEMBRO.

Festa de São João Evangelista.

Discipulus ille quem diligebat Iesus — “O discípulo a quem Jesus amava” (Io. 21, 7).

Sumário. Consideremos as provas de predileção especial que Jesus deu a seu discípulo João. Chamou-o um dos primeiros, ao apostolado; fê-lo seu confidente, na última ceia permitiu-lhe que reclinasse a cabeça sobre o seu peito; finalmente, no Calvário fê-lo herdeiro do que tinha de mais caro, dando-lhe como mãe a Maria. Nós também temos recebido de Deus muitas provas de pedileçâo; mas que diferença entre a nossa correspondência e a de São João!

I. Considera as provas de predilecção que Jesus deu a São João. Chamou-o um dos primeiros, ao apostolado; e ainda que fosse o mais joven de todos, Jesus lhe comunicou os arcanos mais recônditos do seu coração, fê-lo seu confidente, de sorte que o Príncipe dos Apóstolos, não se animando a interrogar o Senhor na última ceia, rogou a João que o fizesse. Junto com São Tiago, seu irmão, e São Pedro, Jesus o fez testemunha do milagre da ressurreição da filha de Jairo, da sua gloriosa Transfiguração no Tabor e de sua agonia no horto. Também na última ceia, quando Jesus quiz fazer os supremos esforços de seu amor, e deu a todos, pela instituição da santíssima Eucaristia, um penhor especial do seu afeto, deu todavia um penhor especialíssimo para o seu amado João. Fê-lo sentar-se a seu lado e permittiu-lhe reclinasse a cabeça sobre o seu peito. Desse contato, diz Santo Agostinho, João tirou os sublimes conhecimentos de mistérios incompreensiveis, que depois registrou no seu Evangelho e que lhe alcançaram o nome de teólogo divino por excelência, e de águia entre os evangelistas. 

Mas a mostra mais patente de afeto deu Jesus Cristo a este seu Benjamin no Monte Calvário, quando, prestes a expirar, lhe deu Maria por mãe, instituiu-o herdeiro do que havia mais caro, e declarou-o primogênito entre os filhos adotivos da Mãe de Deus. — Detém-te aqui para te alegrar com o Santo; escolhe-o para teu protetor especial, e dá graças a Jesus Cristo por lhe haver concedido tantos favores singulares. Mas ao mesmo tempo dá-lhe graças pelos mesmos benefícios que te fez, chamando-te ao seu seguimento, vindo dentro de teu peito na santa Communhão e dando-te Maria Santíssima por teu refúgio, tua advogada e tua mãe.

II. Se São João foi tão amado de Jesus Cristo, é forçoso dizermos que São João amou também muito a Jesus, porque Jesus assegura-nos que ama os que o amamego diligentes me diligo (1). Com efeito, toda a vida do Apóstolo foi um modelo luminoso de amor. Apenas chamado na margem do lago Genezaré, deixou as redes, seu pai e sua mãe e foi em seguimento do Redentor. Chegando a saber que a pureza virginal faz as delicias de Jesus, que é amigo das virgens e se apascenta entre as açucenas (2), resolveu guardá-la sempre em sua pessoa. — Durante a vida do divino Redentor, o amor fez com que São João continuamente contemplasse as amabilidades infinitas de Jesus, e se esmerasse em agradar-Lhe mais e mais, por meio de atos internos e externos das virtudes mais sublimes. —  No tempo da Paixão o amor o fez avantajar-se aos outros apóstolos, impeliu-o a seguir o Senhor até ao Calvário, e a deixar-se ficar intrépido ao pé da Cruz, a fim de lhe trazer, se não defesa, ao menos alívio.

Finalmente, depois da Ascensão de Jesus, o amor estimulou São João a pregar a fé não só na Judéia e na Samaria, mas também em várias partes da Ásia. E como se não lhe bastasse a pregação de viva voz, quis ainda escrever o seu Evangelho, as suas Epistolas e o livro do Apocalipse, livros estes que respiram caridade e amor em todas as páginas. Ademais, quis expôr-se generosamente ao martírio, ainda que o Senhor o livrasse, guardando-o para coisas maiores. Pôde São João responder melhor à predileção da parte de Jesus Cristo?... Que confusão para ti! Depois de teres recebido tantas mostras de afeto especial do Senhor, em vez de amá-Lo, respondeste-Lhe com ingratidões e pecados. Roga a Deus, que te perdoe pela intercessão do santo Apóstolo.

“Ó Senhor, ilustrai benignamente a vossa Igreja para que, instruída com as doutrinas do Bem-aventurado João, vosso Apóstolo e Evangelista, alcance os dons sempiternos.” (3) Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

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1. Prov. 8, 17.
2. Cant. 2, 16.
3. Or. festi.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 86 - 89.)




















Sermão para a Vigília do Natal 24.12.2013 – Padre Daniel Pinheiro IBP

[Sermão] Vigília do Natal: Tudo está pronto para a Vinda do Menino Deus


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…


Deus vem ao mundo. Aquele que foi esperado pelos homens desde a queda de nossos primeiros pais, Adão e Eva. Aquele que foi esperado durante milhares e milhares de anos, veio ao mundo no dia de amanhã. Em algumas liturgias do Oriente, hoje é justamente a festa de Adão e Eva, que, arrependidos do pecado que cometeram, obtiveram a misericórdia divina e hoje gozam no céu da visão beatífica. Essa salvação só foi possível porque veio ao mundo o Salvador, o Deus que se fez homem para nos salvar. Ele veio para reparar os pecados de nossos primeiros pais e os nossos pecados. Tudo o que eles perderam com o pecado, Deus veio restaurar, assumindo um corpo humano. Ele veio restaurar pelo sofrimento e pela sua caridade infinita: “Amanhã será apagada a iniquidade da terra, e reinará sobre nós o Salvador do mundo.” (Antífona de Laudes)
 A Igreja canta assim no Martirólogio de hoje, no Breviário, sobre a data do nascimento do Salvador: “desde a criação do mundo, quando no princípio Deus criou o céu e a terra, 5199 anos; desde o dilúvio, 2957 anos; do nascimento de Abraão, 2015 anos; de Moisés e da saída do povo de Israel do Egito, 1510 anos. Da unção de Davi como Rei, 1302 anos; na 65ª semana, conforme a profecia de Daniel; na 194ª Olimpíada; no ano 752 da fundação da cidade de Roma; no ano 42 do Império de Otávio Augusto, com todo o orbe em paz; na sexta idade do mundo, Jesus Cristo, eterno Deus e Filho do eterno Pai, querendo santificar o mundo pelo seu advento piíssimo, concebido do Espírito Santo, passados nove meses desde a sua concepção, em Belém de Judá, nasce de Maria Virgem, feito Homem. É a natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne.”
                Hoje, caros católicos, tudo está preparado, tudo está pronto conforme dispôs a divina providência. O Imperador ordenou o recenseamento. Assim, José, Maria e Jesus, no ventre dela, estão chegando em Belém, onde não encontrarão hospedagem e acolhida, mas onde deve nascer o salvador conforme as profecias. O mundo está em paz, para a chegada do Rei da verdadeira paz, que é a união com Deus. O Império Romano estabeleceu a Pax Romana em seus territórios. A facilidade de locomoção dada pelo domínio do Império Romano vai permitir a difusão rápida do Evangelho. A boa filosofia grega permitirá, ainda que com relutâncias, a aceitação da revelação divina. Judeus e pagãos, imersos nas trevas do pecado compreendem a necessidade de um Salvador, a necessidade do Messias. As profecias apontam que é chegada a hora do nascimento dEle em Belém. No período em que a noite é mais longa no hemisfério norte, chegará ao mundo a Luz do mundo. Tudo está pronto para a vinda do Menino Deus. O boi e o burro o esperam no estábulo, para reconhecer o dono deles. Omnia parata sunt. Todas as coisas estão prontas. Basta que aprontemos os nossos corações, a nossa alma, para receber o Deus Menino. Voltemo-nos para Ele, que se voltou primeiro a nós. Amemos a um Deus tão bom e tão misericordioso. Omnia parata sunt. Preparemos também o nosso coração. Nada mais tem importância, somente aquilo que nos faz amar e servir a um Deus tão bom.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 3

MEDITAÇÃO III.

JESUS ENVOLTO EM PANOS.
Representai-vos Maria que, tendo dado à luz seu divino Fi-lho, o toma respeitosamente em seus braços e, depois de ado-rá-lo como seu Deus, o envolve em panos. Assim atesta o Evangelho, e a Santa Igreja o repete em seus cânticos:
Membra pannis involuta
Virgo Mater alligat.
Vede a Jesus Menino que, obediente, oferece suas mãozinhas, estende seus pézinhos e se deixa envolver. Considerai como cada vez que sua Mãe o apertava assim nos paninhos, o santo Menino pensava nas cordas com que seria ligado um dia no jardim das Oliveiras, depois atado a uma coluna, e nos cravos que deviam prendê-lo na cruz; e como, assim pensando, Ele sofria voluntariamente aqueles laços a fim de livrar nossas almas das cadeias do inferno.
Jesus, estreitamente apertado nos paninhos, dirige-se a nós e convida a nos unirmos estreitamente a Ele pelos doces vínculos do amor; e voltando-se a seu Pai eterno, diz-lhe: Meu Pai, os homens abusaram de sua liberdade e, revoltando-se contra vós, tornaram-se escravos do pecado; para expiar a sua desobediência consinto em ser ligado e apertado nestes panos. Nesse estado, faço-vos o sacrifício de minha liberdade, a fim de que o homem seja libertado da escravidão do demônio. Aceito estes panos; são-me caros, e tanto mais caros porque representam as cordas com as quais me ofereço a ser um dia atado e conduzido à morte para a salvação dos homens.
Os seus vínculos, os de Jesus, são ligadura salutar para curar as chagas de nossa alma. — Meu Jesus, quisestes pois ser ligado em paninhos por amor de mim. Ó divina caridade, direi com S. Lourenço Justiniano, só tu pudeste fazer meu Deus meu prisioneiro. — E eu, Senhor, recusaria ainda deixar-me unir a vós por vosso santo amor? teria ainda a triste coragem de romper vossas doces e amáveis cadeias, e isso, para tornar-me escravo do inferno? Meu Jesus, estais ligado no pre-sépio por meu amor; quero permanecer sempre preso a vós.
S. Maria Madalena de Pazzi dizia que esses panos significam para nós a firme resolução de nos unirmos a Deus pelos laços do amor e de nos desapegarmos de tudo que não é Deus. Para esse mesmo fim, como é evidente, e para ver as almas diletas enlaçadas pelos vínculos de seu amor, é que nosso amantíssimo Jesus quis ficar nos altares como ligado e preso sob as espécies do Santíssimo Sacramento.

Afetos e Súplicas.
Querido Menino, como poderia eu temer os vossos castigos quando vos vejo enfaixado, privado, por assim dizer, do poder de levantar a mão para punir-me? Com isso dais-me a entender que não tendes a intenção de castigar-me, se eu quiser sacudir o jugo de minhas paixões e prender-me a vós. Sim, meu Jesus, quero libertar-me dele. Arrependo-me profunda-mente de me haver separado de vós abusando da liberdade que me destes. Ofereceis-me uma outra liberdade, uma liberdade mais bela, e que me deve livrar das cadeias do demônio e colocar-me no número dos filhos de Deus. Deixastes-vos aprisionar nesses paninhos humildes por seu amor; quero ser prisioneiro do vosso grande amor. Ó felizes cadeias, belos laços de salvação, que prendeis as almas a Deus, vinculai também meu pobre coração; cingi-o tão fortemente que não possa mais separar-me do amor desse bem supremo. Meu Jesus, amo-vos, uno-me a vós, dou-vos todo o meu coração, toda a minha vontade. Meu amado Senhor, estou resolvido a nunca mais deixar-vos. Ah! meu doce Salvador, vós que, para apagar minhas dívidas, quisestes não só vos deixar enfaixar por vossa santa Mãe, mas também ser maltratado como um criminoso pelos algozes e nesse estado arrastar-vos pelas ruas de Jeru-salém para serdes em fim conduzido à morte como um inocente cordeiro que se leva ao matadouro; vós que quisestes ser pregado na cruz e que não deixastes senão com a vossa mor-te, eu vos conjuro, não permitais tenha eu ainda a infelicidade de separar-me de vós e de me ver privado da vossa graça e do vosso amor.
Ó Maria, que outrora enfaixastes em paninhos o vosso Fi-lho inocente, prendei também a mim pecador, prendei-me a Jesus, a fim que não mais me afaste de seus pés, que viva sempre preso a Ele e que morra unido a Ele, para ter a felicidade de entrar um dia na pátria bem-aventurada, onde estarei fora do perigo e do temor de separar-me ainda de seu santo amor.

26 de dezembro de 2013

Blog São Pio V completa 5 (cinco) anos de existência!

Prezados Leitores,

Hoje, 26 de dezembro de 2013, o Blog São Pio V está completando cinco anos de existência.
Cinco anos de dificuldades, dúvidas, questionamentos, mas também de muita alegria.
Alegria de poder compartilhar com todos os nossos leitores a sã doutrina Católica. Doutrina tradicional da Igreja, ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelos Santos Padres e todos os Santos da Igreja.
Mas, cabe salientar, que o nosso objetivo maior sempre foi lutar pela Missa Tridentina, a Missa de Sempre, rezada e assistida por todos os Santos da Igreja. Missa que São Francisco de Assis não achava-se digno de rezar.
Hoje, nós temos a liberdade da Missa Tridentina, mas não temos o apoio daqueles que deveriam zelar pela riqueza da Igreja. Mas a luta continua, com nossas orações e sacrifícios.
Estamos unidos ao Santo Padre, Vigário de Cristo e Doce Cristo na terra.
Pedimos as orações de todos os nossos leitores, para que possamos continuar na fidelidade à Cristo Nosso Senhor, ao Santo Padre e a doutrina católica.
Aproveitamos para desejar uma ano de 2014, de muita Paz e Fé.
Um grande abraço em Cristo para todos que de alguma forma colaboraram com nosso Blog.

Administração do Blog São Pio V


Sermão para o 3º Domingo do Advento – Domingo Gaudete – Padre Daniel Pinheiro IBP

[Sermão] Advento: Meios para alegrar a alma – Domingo Gaudete



Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…

Estamos hoje no 3º Domingo do Advento, Domingo chamado Gaudete, em razão da primeira palavra do Introito e em razão da Epístola. Trata-se de uma pequena pausa na penitência do advento, para antecipar a alegria do nascimento do Salvador. Do roxo se passa ao rosa, o órgão toca, pode haver flores sobre o altar.
Lembro aos pais que devem explicar para as crianças o que é o Natal: que é o nascimento de Cristo e não a festa do Papai Noel ou uma simples troca de presentes nas férias.
Lembro também que devemos procurar, no advento, fazer uma boa confissão, para nos voltarmos inteiramente para NSJC. O senhor está próximo, nos diz o Introito, pois o Natal está próximo. Preparemos em nossa alma uma morada para o Menino Deus.
Gaudete semper in Domino, iterum dico, gaudete. Alegrai-vos sempre no Senhor. Digo de novo, alegrai-vos.”
A ordem que nos dá hoje a Igreja, tomando as palavras de São Paulo, é essencial. Gaudete semper in Domino. Alegrai-vos sempre no Senhor. Essa advertência é importantíssima porque a alegria é indispensável para que possamos perseverar no bem, na graça. Nós devemos compreender que devemos ser profundamente alegres, se estamos em estado de graça e nos mantemos, assim, unidos a Deus. Com a graça santificante em nossas almas, sem o pecado mortal, possuímos o maior bem que podemos desejar, possuímos o maior bem que existe, que é a Santíssima Trindade, e não há alegria maior do que possuir o maior bem. Nossa alegria deve ser profunda e grande se estamos unidos a Deus, mesmo em meio a todos os males. É claro que essa alegria não significa estar sempre sorrindo. Não. Nosso Senhor na cruz não sorria, mas estava profundamente alegre na parte superior de sua alma, pois cumpria a vontade de Deus e, com todos os seus sofrimentos, oferecia um sacrifício perfeito à Santíssima Trindade e realizava a nossa redenção. Um católico deve ser profundamente alegre, sempre, no Senhor.
O Padre Ambrósio de Lombez, em seu livro “Tratado da Alegria da alma cristã”, enumera os principais meios para que sejamos alegres no Senhor. Baseado nele, podemos enumerar alguns desses meios. O primeiro deles é manter-se na justiça, quer dizer, na prática da virtude. A alma cuja consciência está tranquila e bem regrada pode ficar continuamente alegre. O segundo meio que podemos enumerar é ocupar o espírito com aquilo que pode alegrar a nossa alma. Isso não diz respeito ao que agrada à sensualidade, à vaidade, à ambição ou outra coisa desordenada. Não, o que devemos considerar aqui é, por exemplo, o amor de Deus por nós, que se encarnou e veio ao mundo para nos salvar, e nos salvar sofrendo e morrendo por nós sobre a cruz. Em particular, nesse tempo do advento, devemos ocupar muitíssimo nosso espírito com a caridade divina, com o Menino Deus que vem ao mundo para nos salvar. O terceiro meio para ter essa verdadeira alegria é pedir a Deus tal alegria. Tudo o que temos de bom, recebemos de Deus. Portanto, também essa alegria nos vem de Deus e devemos pedi-la, se quisermos possuí-la. O Padre Lombez nos diz também que essa alegria não é dada aos covardes e mornos, tíbios. Portanto, buscar amar a Deus sobre todas as coisas com afinco e servi-lo com prontidão da vontade e generosidade é o quarto meio necessário para alcançar essa alegria. Para alcançar essa alegria, é preciso também uma grande confiança em Deus, sabendo que todas as coisas conspiram para o bem daqueles que amam a Deus, mesmo os sofrimentos e as provações. Outro meio necessário é extinguir em nós o apego desordenado aos bens desse mundo. São esses alguns dos meios que o Padre Ambrósio de Lombez enumera e explica em seu livro e que são indispensáveis para a alegria da alma. Se pudéssemos resumir, podemos dizer que a alegria da alma nada mais é que um fruto da santidade, isto é, fruto da união profunda com Deus, fruto da conformidade plena da nossa vontade com a vontade de Deus.
Essa verdadeira alegria, essa alegria de praticar a virtude, de amar a Deus, de servi-lo com prontidão é um grande tesouro, necessário para perseverarmos até o fim e alcançarmos a alegria plena no céu. Poderíamos, porém, acrescentar, aos meios que o Padre Lombez enumera, a liturgia tradicional. Ela é um tesouro que nos conduz à verdadeira alegria e que deve nos alegrar. Não é por acaso que na Missa tradicional fala-se três vezes do “Deus que alegra a nossa juventude”. A nossa juventude que se alegra em Deus é o homem novo, gerado pela graça, pelo abandono do pecado, pela prática das virtudes. Portanto, a Missa Tradicional está distante de ser uma liturgia triste. Ela é, ao contrário, uma liturgia perfeitamente alegre. Ela é alegre porque nos transmite plenamente a verdade ensinada por Cristo. Ela é alegre porque pelos ritos e solenidade sóbria, nos deixa manifesta a majestade divina e sua onipotência, nos fazendo ter grande confiança nEle. Ela é alegre porque de modo claríssimo renova o sacrifício de Cristo na Cruz, aplicando as graças que Ele mereceu no Calvário, nos fazendo, assim, ver a bondade divina. Ela é alegre porque nos converte inteiramente a Deus, desde a posição do padre no altar, até o modo de os fiéis comungarem, passando pelo latim e pelo silêncio. Ela é alegre porque, por seus ritos abundantes e orações perfeitas, alcança de Deus inúmeras graças que nos dispõem a receber devidamente os frutos da Santa Missa. Ela é alegre porque nos conduz ao desapego dos bens terrenos e ao desapego de nossa vontade própria, ao nos centrar inteiramente em Deus, esquecidos de nós e do mundo. Ela é alegre porque nos ensina a rezar bem, como dissemos quando tratamos do silêncio em outro sermão. E quem reza bem se salva. Ela é alegre porque coloca Deus e nós homens nos nossos devidos lugares. Ele, no centro, com sua soberana majestade, com sua onipotência, com todas as suas perfeições, com sua misericórdia e justiça, com sua bondade infinita. Nós, como pobres pecadores, que devemos adorar a Deus, que devemos agradecer-lhe por todos as graças que recebemos,  que devemos pedir perdão por nossos pecados, que devemos implorar as graças que precisamos para nos salvar. Ela é alegre porque ontem, hoje e sempre, nos conduz à santidade com toda segurança. Que grande meio é a liturgia tradicional para sermos felizes sempre no Senhor.
Com muita frequência, todavia, aqueles que buscam com seriedade amar a Deus sobre todas as coisas, e buscam a salvação da própria alma e a salvação do próximo são tentados por uma má tristeza. A má tristeza pode ser de dois tipos. A primeira delas é uma má tristeza em si mesma, quer dizer, quando nos entristecemos por algo que na verdade é um bem. Um exemplo dessa má tristeza seria entristecer-se por ter de vir à Missa no domingo, ou entristecer-se por não poder dizer uma grosseria. A segunda má tristeza, a que atinge principalmente os bons, é uma tristeza que tem razão de ser, mas que tem consequências ruins. Vemos, constantemente, os bons católicos tristes pelas ofensas que se cometem contra Deus, pelas infidelidades dos homens de todas as posições, pelo estado da Igreja e da sociedade, pelo desprezo com o que há de mais sagrado e pelo desprezo para com a lei natural. De fato, como não se entristecer diante de uma sociedade que sacrifica os filhos, pelo aborto, no altar da comodidade e do prazer e que se alegra em aprovar publicamente pecados que clamam aos céus por vingança, como o homossexualismo? Há motivo para que haja tristeza, não tem dúvidas. Todavia, será uma tristeza ruim, se, como consequência, ela nos leva ao abatimento da alma, se ela nos faz perder a confiança em Deus e nos faz perder o desejo de rezar. Ela será uma tristeza ruim, se ela nos faz buscar divertimentos exteriores ilícitos ou se nos faz buscar, mais do que o devido, divertimentos lícitos. Essa tristeza ruim nos impede muitas vezes de fazer o bem que podemos e devemos fazer aqui e agora, sob pretexto de que a situação da Igreja está muito difícil, ou com a desculpa de que já não se pode fazer nada ou porque, às vezes, aqueles que mais deveriam nos ajudar, infelizmente, atrapalham. Essa má tristeza é, lastimavelmente, bastante comum, mesmo entre bons católicos. Ela é uma praga. Como nos diz a Sagrada Escritura (Eclesiástico 30, 24 e 25): Fixa o teu coração na santidade do mesmo Deus e afasta para longe de ti a tristeza, pois a tristeza matou muitos e nela não tem utilidade. A tristeza, dominando muitas almas, matou-as espiritualmente, paralisando-as, levando-as ao desencorajamento, ao desespero. É preciso afastar com toda força para longe de nós essa tristeza. Diante dos verdadeiros males, devemos reagir com uma tristeza cristã, se assim podemos chamá-la: uma tristeza que nos leva à oração e ao fervor no serviço de Deus, que nos leva a buscar a união profunda com Deus, onde está a nossa verdadeira consolação, que não é uma consolação sensível. Essa boa tristeza não nos impede de fazer o bem que podemos e devemos fazer aqui e agora na nossa escala. Ao contrário, ela nos conduz a praticar esse bem com intensidade. A boa tristeza sabe tirar dos males um bem, sempre. Essa boa tristeza é motivo de alegria no fundo, pois ao nos fazer progredir na união com Deus e na prática da virtude, nos leva à alegria. Ela nos fixa em Deus.
Portanto, caros católicos, alegremo-nos sempre no Senhor. Afastemos para longe de nós a tristeza que nos tira as forças e nos conduz à morte espiritual. Devemos servir a Deus com alegria (Salmo 99, 2) e devemos nos rejubilar no Senhor (Salmo 99, 1), como nos diz a Sagrada Escritura. Deus alegrará a juventude da nossa alma, se aplicarmos os meios de que falamos. Deus não nos quer sorrindo o tempo todo, mas Ele quer que sejamos profundamente alegres, de uma alegria e entusiasmo espirituais. O demônio, por sua vez, quer nos fazer acreditar e quer que o mundo acredite que ser católico é algo triste e melancólico, pois o católico renuncia a vários bens desse mundo. Um católico não aproveita a vida, se diz. Que grande ilusão o demônio e o mundo nos apresentam. O católico abandona os bens aparentes desse mundo para possuir o verdadeiro bem, que é a Santíssima Trindade. Um católico aproveita mais do que ninguém a vida e a aproveita muito bem, juntando tesouros eternos. Alegrai-vos sempre no Senhor. Digo de novo, alegrai-vos.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.