2 de dezembro de 2013

O pecado de Adão e o amor de Deus para com os homens.

Et nunc quid mihi est hic, dicit Dominus, quoniam ablatus est populus meus gratis? — “E agora, que tenho Eu que fazer aqui, diz o Senhor, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” (Isa. 52, 5.)

Sumário. Peca Adão, nosso primeiro pai, e em castigo de seu pecado é expulso do paraíso terrestre com toda a sua descendência condenado a uma vida de misérias e excluído para sempre do céu. O Senhor, porém, teve compaixão dele, e como se a sua beatitude dependesse da dos homens, e Ele não pudesse ser feliz sem estes, resolveu a todo o custo salvá-los. Ó incompreensível amor de Deus! Mas, como é que nós Lhe temos correspondido?

I. Adão, nosso primeiro pai, peca; desagradecido por tantos benefícios recebidos, revolta-se contra Deus, transgredindo o preceito de não comer da árvore proibida. Por esse motivo vê-se Deus constrangido a expulsá-lo agora do paraíso terrestre e a privar no futuro, tanto Adão como todos os descendentes deste revoltoso, do paraíso celeste e eterno, que lhes havia preparado para depois desta vida temporal. Eis, pois, todos os homens condenados a uma vida de trabalhos e misérias, e para sempre excluídos do céu. O demônio tem poder sobre eles, e incalculáveis são os estragos que o inferno continuamente faz.

Vendo, porém, o Senhor os homens reduzidos a tão mísero estado, compadeceu-se deles. Mas, como nos dá a entender o profeta Isaías, parece que Deus, por assim dizer, se lamenta e se aflige, dizendo: Et nunc quid mihi est hic, quoniam ablatus est populus meus gratis? — “E agora, que tenho Eu que fazer aqui, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” Como se quisesse dizer: que me restou de delícia no paraíso, uma vez que perdi os homens que eram as minhas delícias? Mas, não; quero a todo o custo salvá-los; venha, por isso, um redentor, que em lugar do homem satisfaça à minha justiça e assim o redima da morte eterna.

Mas, meu Senhor, tendes no céu tantos serafins e tantos anjos, e de tal modo Vos aflige o terdes perdido os homens? Que precisão tendes Vós, tanto dos anjos como dos homens, para a perfeição de vossa beatitude? Sempre tendes sido e sempre sois felicíssimo em Vós mesmo: que poderá jamais faltar à vossa felicidade que é infinita? — Tudo isso é verdade (assim o faz responder o cardeal Hugo), mas, perdido o homem, afigura-se-me ter perdido tudo, porquanto as minhas delícias eram estar com os homens; agora perdi os homens, e os infelizes estão condenados a viver para sempre longe de mim. — Ó amor imenso de Deus! Ó amor incompreensível! Ó amor infinito!

II. Ó meu Senhor, como é possível que, depois de terdes reparado, com a morte do vosso divino Filho, os danos causados pelo pecado, tenha eu tornado tantas vezes a renová-los voluntariamente, com as ofensas que Vos tenho feito? Vós me salvastes à custa de tamanhos sacrifícios, e eu tão repetidas vezes tenho querido perder-me, perdendo-Vos, a Vós, Bem infinito. Inspirai-me, porém, confiança à vossa palavra, que, se o pecador se converter a Vós, não Vos recusareis a abraçá-lo: Convertimini ad me et convertar ad vos (1) — “Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós.” Vede, Senhor, que sou um daqueles rebeldes, um ingrato e traidor que por mais de uma vez Vos voltei as costas e Vos expulsei da minha alma. Pesa-me de todo o coração de Vos haver assim ofendido e desprezado a vossa graça. Pesa-me, e amo-Vos acima de todas as coisas. A porta do meu coração já está aberta para Vós: entrai nele, mas entrai para nunca mais Vos retirardes. Sei que nunca Vos retirareis, se eu não tornar a expulsar-Vos. Eis ai o que me faz medo, eis aí também a graça que espero pedir-Vos sempre; deixai-me morrer antes que venha a cometer para convosco semelhante nova e maior ingratidão.

Jesus, meu caro Redentor, pelas ofensas que Vos tenho feito mereceria não mais poder amar-Vos; mas pelos vossos méritos, peço-Vos o dom do vosso santo amor. Por isso fazei com que eu conheça o grande bem que sois, o amor que me tendes dedicado e quanto tendes feito para me obrigar a Vos amar. Ah! Meu Deus e Salvador meu, que eu não viva doravante tão ingrato à vossa tão grande bondade. Não quero separar-me mais de Vós, meu Jesus, basta de pecados. É justo que eu empregue os anos de vida que me restam inteiramente em Vos amar e dar-Vos gosto. Jesus meu, Jesus meu, ajudai-me; ajudai um pecador que Vos quer amar. — Ó Maria, minha Mãe, vós podeis tudo para com Jesus, visto que sois sua Mãe, dizei-lhe que me perdoe; dizei-lhe que me prenda com os laços do seu santo amor. Vós sois a minha esperança; confio em vós. (*III 667.)

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1. Zach. 1, 3.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 10-12.)

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