Sermão para o Primeiro Domingo da Paixão
17 de março de 2013 - Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
Entramos hoje no Tempo da Paixão. Os sinais de austeridade se acentuam. O Gloria Patri é tirado do Asperges, do Intróito e do Lavabo.
O Salmo 42, que expressa alegria, é omitido. A Cruz e as imagens dos
santos são cobertas com panos roxos, simbolizando que a Paixão de Cristo
ainda não ocorreu e, se ela ainda não ocorreu, os santos também ainda
não entraram no céu. Somente na Sexta-Feira Santa a Cruz será descoberta
e somente na Vigília, após a ressurreição, os santos serão descobertos.
Rezemos pelo Santo Padre, o Papa Francisco, pela Igreja e por nós mesmos, caros católicos.
Lembro mais uma vez que a Quaresma é
Tempo propício para a Confissão, a fim de fazermos uma boa comunhão
pascal. Como dizia oração da Missa de sexta-feira passada: Deus renova o
mundo por meio dos sacramentos, pois a verdadeira renovação se faz pela
santidade e fidelidade ao que a Igreja sempre ensinou e não por
revoluções.
***
Entramos hoje, caros católicos, nesse
tempo particular dentro do Tempo da Quaresma: o Tempo da Paixão. É tempo
oportuno para refletir bem e meditar bem a obra da nossa Redenção e o
mistério dos sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo durante a sua
Paixão. Não basta, no entanto, considerar somente o fato dos sofrimentos
suportados por Nosso Senhor. É preciso conhecer também as causas e os
efeitos da Paixão, pois somente assim poderemos começar a ter ideia da
grandeza da bondade divina e poderemos haurir uma água viva para a nossa
vida espiritual.
A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
encontra sua origem no pecado de nossos primeiros pais. Com efeito,
Nosso Senhor se encarnou para nos livrar do pecado, que entrou no mundo
pela falta cometida por Adão. Nós sabemos, a gravidade de uma ofensa se
mede a partir da dignidade da pessoa ofendida. Como o pecado é uma
ofensa feita a Deus, infinitamente digno, o pecado é uma ofensa
infinita. E isso não só para o pecado de Adão, mas também para todos os
nossos pecados graves, que são, então, ofensas infinitas feitas a Deus.
Ora, como nós somos seres finitos, como podemos satisfazer por nossos
pecados, que são ofensas infinitas? Como podemos satisfazer, quer dizer,
como podemos oferecer a Deus algo que lhe agrade mais do que a ofensa
infinita lhe desagradou? Isso é, para nós, impossível. Até mesmo se
oferecêssemos a Deus todas as vidas de todos os homens de todos os
tempos, seria largamente insuficiente. Assim, é impossível para nós
satisfazer pelo pecado. Como resolver esse problema?
Nós, na nossa sabedoria humana, teríamos
pensado em um perdão gratuito e completo de Deus, que Ele poderia nos
dar sem nenhuma injustiça e sem prejudicar ninguém. Todavia, nessa
hipótese, a justiça divina, embora não fosse violada, não seria
perfeitamente satisfeita. Além disso, com um perdão gratuito, o homem
não se daria conta da gravidade de seu pecado: se Deus perdoa com tanta
facilidade, o pecado não é assim tão grave, diria o homem. Podemos dizer
também que esse perdão gratuito não manifestaria claramente e
perfeitamente o amor de Deus pelos homens. O perdão puramente gratuito é
uma solução humana.
A sabedoria divina, que dispõe
perfeitamente todas as coisas, nos deu outra solução. Deus permite um
mal sempre em vista de um bem superior. Dessa forma, se a sabedoria
divina permitiu o pecado, que é o maior dos males, foi justamente para
que ocorresse a encarnação e para que a obra da redenção se cumprisse
pelo Verbo feito carne, Nosso Senhor Jesus Cristo, homem e Deus. Sendo
homem e Deus, uma só ação de Nosso Senhor basta para satisfazer
abundantemente a ofensa infinita do pecado. E isso pela simples razão de
que a mais simples ação de Cristo é feita sempre com uma caridade, com
um amor infinito por Deus. E essa caridade do Homem-Deus é infinitamente
mais agradável a Deus do que todos os pecados lhe são desagradáveis.
Assim, a encarnação é necessária para satisfazer plenamente a justiça
divina. Um ato, então, do Menino Jesus recém-nascido teria bastado para
resgatar, redimir todos os homens. A encarnação, resposta divina ao
pecado, satisfaz perfeitamente a justiça divina. Mas a solução divina
não se resume a isso. A solução divina compreende, além da encarnação, a
paixão, os sofrimentos e a morte de Cristo.
No entanto, caros católicos, se uma única
ação do Menino Jesus teria bastado para a redenção de todos os homens,
por que uma paixão tão sangrenta? Estamos nós diante de um Deus sedento
de vingança? Claro que não. Como dissemos, a justiça divina já está
plenamente satisfeita com a mais simples ação de Cristo, homem e Deus.
Se a providência divina permitiu a paixão e a morte de Nosso Senhor, há
uma só razão (principal) para isso. Seu amor por nós. Como nos diz São
João: Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito.
E Nosso Senhor, Ele mesmo desejava com um desejo ardente a chegada de
sua hora, que não é outra que a hora de sua Paixão. Mas como? Nosso
Senhor quis padecer tantos sofrimentos por amor dos homens? Sim, caros
católicos, o motivo principal da paixão e morte de Cristo é seu amor por
nós. Por amor, Ele quis ser preso e amarrado no Jardim das Oliveiras,
maltratado na casa do sumo sacerdote, flagelado e coroado de espinhos
diante de Pilatos. Ele quis carregar a Cruz, Ele quis as quedas
dolorosas durante o caminho da Cruz. Por amor, Ele quis, enfim, ser
destituído de todas as suas vestes, quis a crucificação com dores
inauditas, a sede tremenda. Ele quis também padecer as dores interiores,
mil vezes maiores que essas imensas dores exteriores: a tristeza mortal
no Jardim das Oliveiras diante da visão de todos os tormentos que Ele
ia sofrer, o sofrimento diante da perfídia dos judeus que teriam tantos
imitadores ao longo dos séculos; a tristeza mortal face à infidelidade
de seus discípulos e de tantos cristão frouxos, face aos pecados sem
número cometidos até o final dos tempos, face à inutilidade de seu
sangue para o mau ladrão e para tantas outras almas que não o aceitaram.
O Verbo Encarnado nos mostrou, pela sua
Paixão e Morte de Cruz, a imensidade de seu amor porque uma das medidas
mais seguras e exatas do amor é justamente o sofrimento que somos
capazes de suportar para alcançar o bem do amigo. Ele quis nos mostrar
esse amor infinito, amor capaz de sofrer todas as dores para o bem
daqueles que eram ainda pecadores. E ao nos mostrar seu amor, ele queria
uma só coisa, pois Cristo quer uma só coisa: que o amemos em troca. E
que o amemos com todas as nossas forças, com toda a nossa alma, com todo
o nosso ser, guardando os seus mandamentos. A paixão de Cristo destrói
os obstáculos que se opõem à conversão da alma, em particular, ela
destrói a dureza do coração que se obstina a não escutar a voz suave de
Deus que o chama por meio de sua Paixão.
Da Paixão de Nosso Senhor há ainda vários
outros frutos. A Paixão de Cristo e sua Cruz, de modo particular, é a
cátedra mais eloquente que pode existir. O Salvador nos ensina do alto
dessa cátedra pelo exemplo. Ele nos ensina a prática de todas as
virtudes, sem as quais o homem não pode se salvar: obediência,
humildade, paciência, justiça, constância, fidelidade à vontade de Deus,
etc…
Pela Paixão de Cristo, a feiura e as
gravíssimas consequências do pecado nos são mostradas claramente. Os
sofrimentos, as feridas, as chagas, os opróbrios suportados por Nosso
Senhor Jesus Cristo, deveriam ter sido carregados por nós, os
verdadeiros culpados. Assim, à vista das graves consequências do pecado,
tão graves que levam Deus a um tal sofrimento, devemos ser levados a
abandonar todo e qualquer pecado.
Finalmente, a Paixão de Nosso Senhor
Jesus Cristo é a derrota mais humilhante para o demônio. O inimigo do
gênero humano havia triunfado fazendo nossos primeiros pais pecarem. A
morte, fruto amargo do pecado, era o troféu do demônio. Nosso Senhor
destruiu a obra perniciosa do demônio e abriu para nós o céu justamente
pela sua morte. Quando o demônio acreditava vencer, ele foi, na
realidade, definitivamente derrotado e humilhado.
Sofrer por aquele que amamos e lhe fazer o
bem. Eis as duas coisas que nos fazem conhecer um amigo, diz Cícero.
Todos os sofrimentos e todos os bens que decorrem da Paixão de Cristo
nos mostram a grandeza de seu amor por nós. Na Paixão de Nosso Salvador,
a justiça e o amor se encontram de modo perfeito. E é o amor que vence,
pois a Paixão, embora tenha por finalidade satisfazer pelo pecado, ela
tem como objetivo principal mostrar aos homens o amor infinito de Deus
por nós, a fim de que o amemos em troca. A Paixão era, então, a maneira
mais conveniente de nos resgatar porque pela paixão nós somos levados a
Deus e afastados do pecado de uma maneira admirável. Um homem não seria
capaz nem de suspeitar uma resposta tão perfeita ao pecado.
Não fiquemos indiferentes, caros
católicos, a um tal amor. E quando Nosso Senhor se dirige a nós, como o
faz agora, não endureçamos nosso coração, mas sigamos o Salvador,
guardando seus preceitos e carregando nossa cruz com verdadeira alegria.
Não sejamos como os judeus do Evangelho de hoje, que não encontrando
nenhuma falta em Cristo, quiseram lapidá-lo. Ao contrário, vivamos, de
agora em diante, por Cristo, com Cristo, em Cristo, fazendo em tudo a
sua divina vontade. Combatamos pelo triunfo de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Se o pecado e a morte entraram no mundo pela falta de um só
homem – Adão – a graça e a vida eterna vieram também por um só homem –
Jesus Cristo. Consideremos com frequência a misericórdia, a bondade, o
amor infinito de Jesus Cristo por nós, e que nos foram manifestados na
sua Paixão e Morte. E peçamos também a Nossa Senhora, Virgem das Dores, a
graça de nos fazer herdeiros desses bens que foram adquiridos ao preço
de um sangue tão caro. Foi pela nossa alma que Cristo sofreu e morreu.
Foi para salvar a nossa alma.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.