Santa Catarina de Sena
Carta No. 24 - ao cura Biringhieri Arzochi (A um sacerdote pouco exemplar)
"Sede, sede aquela flor perfumada que deveis ser; espargi o bom odor (2Cor2,15) na doce presença de Deus. Sabeis que a flor, conservada durante muito tempo na água, não exala perfume, mas fedor. A mim parece, pai, que vós e os demais sacerdotes deveis ser assim uma flor. Mas também essa flor, imersa nas águas iníquas e putrefatas dos pecados e misérias do mundo, não exala perfume, mas fedor. Oh, como é mísero e infeliz quem é posto na santa Igreja como flor, responsável pelos seus súditos! Vós sabeis que Deus os quer límpidos e puros. Infeliz de mim, infeliz de mim, venerável pai! É o contrário que acontece. Comportam-se de tal maneira, que não apenas são fétidos, mas também arruínam todos aqueles que deles se avizinham.
Acordai e não continueis dormindo! Já dormimos bastante, mortos para a graça. Não nos resta mais tempo, soou a hora da sentença, estamos condenados à morte."
O Diálogo - Palavras do Pai Eterno ditadas pela santa no momento mesmo dos êxtases.
"Volto a falar novamente dos clérigos e ministros da Igreja. Quero lamentar-me contigo sobre outros defeitos, dos quais ainda não falei. São aqueles vícios, que uma vez te mostrei na figura de colunas: a impureza, o orgulho e a ganância. Com eles, vendem até a graça do Espírito Santo! São vícios interdependentes e têm uma base comum, o egoísmo. Tais colunas, enquanto permanecem de pé, sem serem derrubadas pelas virtudes, tornam a pessoa obstinada nos demais pecados. Como disse antes, todos os pecados nascem do egoísmo; o mais grave é o orgulho, que destrói a caridade. O orgulho conduz ainda a pessoa à impureza e à ganância. São esses os três laços que ligam os ministros maus ao demônio."
28.1 - A impureza
"Filha querida! Já tratei um pouco sobre a maneira como os clérigos mancham o corpo e o espírito na impureza. Para que conheças melhor a minha Misericórdia s sintas maior compaixão por esses infelizes, quero acrescentar quanto segue. Há ministros tão endemoniados que, além de não respeitarem a eucaristia e desprezarem a dignidade que lhes dei, fora de si se apaixonam por determinada pessoa, e, não conseguindo realizar seus desejos, recorrem à magia. Usam então o alimento da eucaristia como instrumento para concretizar seus pensamentos desonestos e más intenções. Relativamente aos fiéis, que deveriam pastorear e alimentar quanto ao corpo e quanto à alma, apenas os atormentam de diversos modos. Mas não vou me ocupar disso; não quero que sofras em demasia. Como te mostrarei numa visão, os fiéis são abandonados a caminhar sem rumo, desorientados, fazendo o que não querem. Se tentam resistir, sofrem terrivelmente na própria carne. Pois bem, qual a causa de tudo isso e de outros males que conheces e que não é preciso recordar, senão a vida desonesta dos clérigos? Ó Filha querida! atiram lama à minha carne que foi elevada acima dos anjos pela união em Cristo da natureza humana com a divina! Ó homem abominável e infeliz! Não homem, mas animal, que entregas às meretrizes teu corpo, por mim ungido e consagrado, e que fazes coisas ainda piores! No madeiro da cruz, meu Filho, sofrendo, curou a ferida de Adão herdada por ti e por todos os homens. Com seu sangue,Ele medicou pecados impuros e desonestos! O bom Pastor lavou as ovelhas no seu sangue e tu manchas as ovelhas que são tão puras, tudo fazes para atirá-las à lama. Deverias ser um espelho de honestidade e és um espelho de impureza. Fazes justamente o contrário daquilo que realizou o meu Filho, pois orienta para o mal os seus membros. Permiti que os olhos de Cristo fossem vendados para iluminar os teus, e tu, com olhares impuros, atiras fechas envenenadas contra a tua própria alma e contra o coração das pessoas a quem olhas. Deixei que Ele bebesse fel e vinagre e tu, qual animal desnorteado, saboreias alimentos delicados, tratando o estômago como a um "deus". Sobre tua língua passam palavras desonestas e vazias, quando- por meio dela- devias alertar o próximo, anunciar minha palavra e recitar o Ofício Divino com os lábios e o coração; vejo-te a jurar e imprecar como um desequilibrado, até blasfemando contra mim; permiti que as mãos do meu Filho fossem algemadas para libertar-te, a ti e a todos os homens, dos laços do pecado; e tu usas as mãos ungidas e consagradas em vista da distribuição da Eucaristia, para toques indecorosos; todas as ações, nas quais usas as mãos, estão corrompidas e orientadas para o mal! Ó infeliz! E dizer que eu te pusera em tão alta dignidade para servir a mim e à humanidade! Foram os pés de Cristo transpassados pelos cravos, deles fazendo eu um degrau para que chegasses a contemplar os segredos do seu Coração. Transformei seu Coração numa dispensa, onde todos podeis experimentar o amor inefável que vos dedico; ali encontras o sangue, por ti derramado como purificação dos pecados, mas tu fazes do teu coração um templo para o diabo. Tua afetividade, simbolizada nos pés, só me oferece maldade, uma vez que te conduz unicamente a lugares de pecado. Assim: ofendes-me com todo o corpo. Fazes exatamente o contrário do que fez Jesus, bem naquele ponto em que tu e os demais homens deveriam imitá-lo. À semelhança de instrumentos musicais, teus sentidos emitem sons desafinados, uma vez que as três faculdades da alma se "reuniram" em torno do demônio, em vez de o fazerem no meu ser. Tua memória deveria estar cheia com a lembrança dos meus favores, no entanto só contém desonestidades e muitos outros males; quanto à inteligência, era teu dever fixá-la mediante a fé em Cristo crucificado, de quem és, ministro, mas vaidosamente lhe deste por objeto os prazeres, a procura de altas posições sociais, a riqueza mundana; tua vontade haveria de repousar diretamente em mim, mas tu a fizeste amar as criaturas e teu próprio corpo. Tens mais amor aos animais do que por mim. Prova disso é a tua impaciência quando te privo de algo, e teu desagrado ante o próximo ao julgares que te prejudicou em alguma coisa. Quando o acusas, revelas que já perdeste o amor por mim e por ele. Ó infeliz ministro, és sacerdote do meu grande amor! A ti foi confiado o fogo sagrado que é minha caridade divina, o abandonas por afeições desordenadas! Nem mesmo podes suportar, em nome dela, um pequeno prejuízo que te cause alguém."
(28.6.4 - Visão de Catarina sobre a impureza)
Virtudes sacerdotais
"Filha querida, disse tais coisas para que melhor compreendas a dignidade dos meus ministros e chores com mais amargor os seus pecados. Se os ministros meditassem sobre a própria dignidade, não viveriam em pecado mortal, não manchariam sua alma. Se eles não me ofendessem, se não pecassem contra a própria dignidade, se não entregassem até o corpo para ser queimado, mesmo assim não me agradeceriam suficientemente pelo dom que receberam. Neste mundo é impossível uma dignidade maior. São ungidos meus, meus cristos, postos por mim na função de ministros, flores perfumadas na hierarquia da santa Igreja. Nem os anjos possuem dignidade igual a esta concedida aos homens, na pessoa dos sacerdotes.
Coloquei-os como anjos na terra, e como tais devem viver. De todos os homens exijo pureza e amor; todos devem amar-me e amar o próximo; todos devem socorrer o irmão naquilo que lhes for possível com orações e obras de caridade, assim como já disse em outro lugar, ao tratar desse assunto. Mas dos meus ministros peço pureza maior, maior amor por mim e pelos homens. Que distribuam o corpo e sangue do meu Filho com grande desejo da salvação da humanidade, para glória do meu nome. Da mesma forma como eles querem limpo o cálice usado no sacrifício eucarístico, também eu quero que sejam puros os seus corações, suas almas, seus pensamentos. Igualmente seus corpos - instrumentos da alma - hão de ser possuídos em perfeita pureza. Não quero que se envolvam na lama da luxúria, nem que se mostrem inflados de orgulho na procura de cargos prelatícios ou cheios de rancor por si mesmos e pelos outros. A insatisfação pessoal costuma manifestar-se sobre os outros; quando impacientes, os ministros terminarão dando maus exemplos, não se preocuparão em livrar os homens das mãos do demônio, não se dedicarão com esforço ao ministério do corpo e sangue do meu Filho, não distribuirão a luz da eucaristia na forma explicada.
Filha querida, compreendes quanto o pecado contra a natureza me desagrada em qualquer pessoa; mas entenderás também que muito mais me desgosta quando é praticado por aqueles que escolhi para a vida de continência. Uns abandonaram o mundo e se fizeram religiosos; outros são diocesanos. Entre eles acham-se os ministros. Jamais entenderás como tal vício, cometido por eles, ofende-me muito mais do que quando feito pelos leigos em geral e pelos leigos consagrados. Os ministros são lâmpadas colocadas sobre o candelabro e devem iluminar pelo ministério eucarístico, pela virtude, pelo bom exemplo. Mas de fato espalham a escuridão. Vivem na escuridão. Por causa de sua soberba e impureza, nada entendem das Escrituras, a não ser em sua veste exterior, literária.