28 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LXI

CAPÍTULO LXI

Da trasladação do bem-aventurado Padre Santo Antônio e do milagre de sua língua

No ano da Encarnação do Senhor de mil e duzentos e sessenta e três, depois que, pelos méritos e intercessão de Santo Antônio, a Deus aprouve que a cidade de Pádua fosse livre do poder e jugo do tirano Ezzelino que por muitos anos a devastara, os Paduanos, em prova da sua muita devoção a Santo Antônio e em sinal de gratidão, levantaram em sua honra igreja grande e magnífica.

E porque resolveram trasladar seu bem-aventurado corpo para sepulcro novo, fizeram as precisas escavações no sítio onde ele por mais de vinte e sete anos estivera enterrado. E quando, no dia oitavo do Pentecostes, se procedia à trasladação, foi encontrada a sua língua fresca, rubicunda e formosa como se naquela mesma hora o bem-aventurado Padre tivesse morrido.

E o honrado varão Frei Boaventura que ao tempo era Ministro Geral da Ordem e depois foi cardeal e bispo albanense, assistindo à dita trasladação, com muita reverência pegou da língua do Santo em suas mãos, e banhado em lágrimas de alegria, começou de falar ao povo e pronunciou estas palavras dulcíssimas: “Ó língua bendita, que sempre a Deus louvaste e bendisseste, e aos outros ensinaste a louvar e bendizer, agora claramente se nos mostra quantos foram teus méritos junto de Deus!”

E enquanto assim falava, imprimia nela devotos e doces ósculos. E depois mandou colocá-la honradamente em lugar alto.

Para louvor de Deus e de seu servo Santo Antônio. Amém.

27 de fevereiro de 2021

THESOURO DE PACIÊNCIA

DOS AÇOITES DO SENHOR

MEDITAÇÃO II


 Pondera também, alma atribulada, quanto seria o tormento do Senhor Jesus vendo-se açoitado, como se fosse um facinoroso ladrão: e assim é tratado o Filho Unigênito do Rei da glória! Os anjos o adoram nos céus, tremendo de puro respeito; e na terra os homens o açoitam! Qualquer homem honrado sentiria vivamente este castigo injurioso; mais o sentiria um cavalheiro ilustre, ainda mais qualquer monarca da terra. Quanto maior seria o sentimento de um Homem Deus? Do Senhor dos céus e terra. Do mesmo Omnipotente? Não se contentou o Senhor com padecer por ti os tormentos do corpo, dores, golpes, feridas cruelíssimas: buscou a infâmia, a injúria, a desonra; ora aprende a sofrer os castigos do Senhor, ou sejam no corpo, na saúde, na fazenda ou no crédito, na honra e na fama; pois bem vês que tudo é menos, e muito menos do que os açoites que por teu amor padeceu Jesus Cristo atado a coluna.

JACULATORIA .-

Meu Deus, que quer di­zer a minha honra comparada com a vossa?

26 de fevereiro de 2021

 THESOURO DE PACIÊNCIA

TERCEIRO PASSO

DOS AÇOITES DO SENHOR

MEDITAÇÃO I

Vendo Pilatos a sanha dos judeus contra o Senhor, e conhecendo a sua total inocência, quis, sem lhe tirar vida satisfazer á paixão de seus inimigos, e mandou-o açoitar cruelmente. Executaram a sentença seis verdugos, com tanta impiedade, quanta se  pode crer de quem o desejava ver morto. Varas cheias de espinhos, correias com rosetas nas pontas, e cadeias de ferro, foram os instrumentos daquele martírio. Julgue o cristão quão lamentável seria o estado em que ficou o delicado corpo do Redentor. Considera- te tu também, ó alma aflita, considera-te amarrada também a outra coluna no mesmo pátio de Pilatos e defronte de Jesus Cristo: imagina que os açoites, que sobre ti se descarregam, são esses trabalhos que padeces: olha para ti e olha para o teu Deus, e então queixa-te, se podes, de que padeces muito: vê a sua paciência, o sofrimento com tormento tão cruel, tão injurioso, tão continuado e tão injusto, e observa como está mudo: louva a sua infinita paciência, e tira daqui, por fruto, o calar-te humildemente, por mais que neste mundo padeças. Bem vês que, padecendo Deus tanto por amor de ti, à vista disso não deves ter boca para te queixar desse pouco, que por vontade sua padeces.

. JACULATORIA - 

Meu Jesus, e quanto mais cruéis foram os vossos açoites, que os meus!


25 de fevereiro de 2021

 THESOURO DE PACIÊNCIA

DA PRISÃO DO SENHOR

MEDITAÇÃO VII

Depois de se ter condenado o Senhor Jesus á morte, foi remetido a Pôncio Pilatos. Atadas as mãos com duras cordas, cercado de armas, de soldados e de justiças, é conduzido o mansinho Cordeiro pelas ruas de Jerusalém. Aprende, alma minha, aprende do teu Deus a paciência para suportar essas prisões com que Deus te quer levar por este mundo: a uns prende o Senhor com as enfermidades, a outros com a pobreza, a outros com as ocupações, a outros com a desgraça, a outros com a religião, e a todos com a sua lei; mas não suspires por te ver livre destas prisões, deseja só a liberdade dos filhos de Deus; isto é, o ver-te livre das paixões e dos vícios, que estas são aquelas terríveis cadeias com que o mundo, o gênio, a criação e o demônio costumam oprimir-nos, embaraçar-nos e arrastar-nos para a nossa ruina. Desenganemo-nos por uma vez que só estas prisões, com que nos vemos obrigados a fazer o que nem queríamos nem devíamos, sô estas cadeias são pesadas, e só estas devemos forcejar, quanto nos for possível , para romper; porque são prisões a que corresponde o cárcere eterno: pelo contrario, a prisão em que Deus nos põe, seja qual for, sempre é suave, pois neste mundo lhe corresponde a liberdade do espirito e o desafogo de animo; e no outro a eterna liberdade de filhos de Deus e de reis coroados no Céu.


JACULA'l'ORIA.

Meu Deus, prendei-me como quiserdes, que não quero liberdade para ofender-vos.

24 de fevereiro de 2021

 THESOURO DA PACIÊNCIA

DA PRISÃO DO SENHOR

MEDITAÇÃO VI


Feito o conselho dos sacerdotes, em acordo comum foi Jesus condenado unanimemente, e disseram todos que era réu de morte. Que horror teriam os Santos Anjos que ·acompanhavam ao Senhor, ouvindo esta sentença? O Unigênito do Omnipotente é julgado pelos homens! O Supremo Juiz de vivos e mortos é condenado à morte! Pondera, pois, quanta no ultimo dia será a confusão daqueles que deram esta sentença e daqueles que assim como tu, com as suas más obras a tem confirmado! Ai! que esta sentença, que então se dará, é que merece todo o temor, todo o susto! Portanto, alma minha, olha sempre para este ultimo dia, e traze diante de teus olhos esta sentença, que então poderá dizer de ti: É réu de morte, e não te aflijas muito com a sentença que der o mundo. Se Deus te houver de absolver, não importa que o mundo te condene; e se Deus te houver de condenar, de que te serve que o mundo te absolva? Dize, pois, muitas vezes, a Deus com Santo Agostinho, que neste mundo te fira, te castigue e te condene, contanto que te perdoe eternamente.

• JACULATORIA.-

Senhor, eu confesso que sou réu de morte, mas peço-vos que não seja morte eterna.

23 de fevereiro de 2021

 THESOURO DE PACIÊNCIA

DA PRISÃO DO SENHOR

MEDITAÇÃO V

Ferido o Senhor com a bofetada cruel respondeu mansamente a quem o injuriava: Se eu falei mal, dize-me em que? E se bem, porque me feres? Considera, alma, que Deus te faz a ti esta pergunta: Se eu te agravei, dize-me em que? E se te não agravei, porque me ofendes? E vê o que lhe hás de responder. Na verdade que ofendemos a Deus todos os dias, e com tanta continuação e empenho, como se o Senhor nos tivesse agravado, e agravado muito: não se achará facilmente, em todo o mundo, pessoa a quem nós tenhamos tão entranhável ódio, que a tenhamos ofendido e injuriado tanto, como temos ofendido a Deus; ao mesmo tempo que não se poderá achar pessoa que nos tenha obrigado com mais benefícios do que Deus nos tem obrigado: isto não obstante, ainda sofre as nossas injurias, ainda nos trata com a mesma paciência e amor, como se nós nunca o ofendêssemos: seja mil vezes louvada a paciência do nosso Deus! Ora compara com este sofrimento a tua impaciência: Deus esperava de ti mil obséquios, recebe muitas mil injúrias, e sofre. E tu, porque não há de sofrer-lhe, se tanto o tem agravado? 'Tu não podes fazer-lhe a pergunta que Ele te faz: não podes dizer: Se vos agravei, Senhor, dizei-me em que? E se vos não ofendi, porque me feris? Por quanto, bem sabes o que tens feito e os merecimentos que tens para os castigos. Quando, pois, te vires acometido de movimento, de impaciência, vai-te ter com o teu Jesus injuriado, e dize-lhe do coração: Senhor, aqui está a face, injuriai- me, feri-me, castigai- me, que muito mais mereço. Sofre agora, alma minha, que Deus asperamente te fira na face, como juiz, que algum dia nessa mesma face gozarás de um suavíssimo ósculo, que, como Pai amoroso, te dará na Bem aventurança.


JACULATORIA. -

 Senhor, aqui estou, mereço o castigo; mas lembrai-vos que sois meu amoroso Pai.

22 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LX

CAPÍTULO LX

Como Santo Antônio libertou a cidade de Pádua do poder de Ezzelino, o tirano

Chegara o tempo em que a Omnipotência do Senhor resolvera pôr fim às crueldades do pérfido Ezzelino da Romano, arrancando-lhe das mãos a cidade de Pádua. Na noite da festa de Santo Antônio, já o Legado Pontifício com sua cavalaria fechara o cerco à cidade, estava o guardião do convento, Frei Bartolomeu de Coradino, de vela ao sepulcro do Santo a pedir com muitas lágrimas a libertação da cidade.

E, coisa maravilhosa! de repente, do sepulcro saiu uma voz, clara e sonora, que bem na ouviu o frade. E dizia assim:

— Frei Bartolomeu, não hajas temor nem tristeza; mas conforta-te e alegra-te. No dia oito da minha festa, Pádua recobrará sua antiga liberdade e outra vez gozará suas velhas regalias.

E, por graça de Deus, assim sucedeu tal qual a voz anunciara.

E muitos frades que na igreja também velavam aquela noite, deram testemunho de que ouviram a mesma voz.

E vindo a notícia ao conhecimento dos cidadãos de Pádua, concordaram eles em celebrar cada ano o dia oitavo de Santo Antônio com grande ajuntamento e solenidade, do modo como até ali celebravam o dia da sua festa. E, por graça de Deus, ainda no presente se conserva este costume. Para glória e louvor de Deus e de seu servo Santo Antônio. Amém.

21 de fevereiro de 2021

 THESOURO DE PACIÊNCIA

DA PRISÃO DO SENHOR

 

MEDITAÇÃO IV

Apresentado o Senhor, como réu, diante de Anaz, um atrevido e  sacrílego ministro levantou a mão e deu uma cruel bofetada na face divina e sacro santa. Seja Deus bendito por tal paciência; seja mil vezes bendito e adorado! Cristão, que isto lês ou ouves ler, adora ao teu Jesus tão  gravemente afrontado, e confessa-o por teu Deus: esforça-te a compensar-lhe, do modo que te for possível, com as tuas adorações, aqueles desprezos; e depois de o haverdes adorado, pondera devagar o que mereceria aquele atrevido que lhe fizessem em castigo do seu atrevimento. Tu te persuadirás facilmente que todos os castigos, todos os desprezos, todos os tormentos do inferno eram bem merecidos. Sabe, pois, que tu és aquele malvado: quantas vezes ofendeste mortalmente a Deus, outras tantas descarregaste sobre a sua face divina injuriosas bofetadas; não o podes negar. Dize agora, que mereces tu que te façam? Se Deus, pelas suas criaturas, te mandar afrontar, poderás justamente queixar-te? Tu afrontaste a Deus, e ainda te queixas quando agora por sua ordem, te afrontam! 'T'u injuriaste a Deus na sua própria face, e ainda te queixas, quando, em castigo, te tocam na fimbria da tua honra! Que loucura! O vil bichinho da terra teve o insolente atrevimento de levantar a mão contra o Omnipotente, e agora escandaliza-se muito, porque o não adoram nem estimam como queria. Ora confunde-te; e prostrado aos pés desse mesmo Deus, a quem injuriaste, pede-lhe que te perdoe, e, pela sua afronta neste Passo, te dê conhecimento de quanto mereces ser afrontado e desprezado.

JACULATORIA.-

 Pequei, meu Deus, pequei: justo é que todas as criaturas me desprezem e afrontem.









20 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LIX

CAPÍTULO LIX

Maravilhosa visão que teve certo médico chamado Pedro

No ano do Senhor de mil trezentos e sessenta e sete, Eduardo, príncipe da Aquitânia, reuniu exército de cavaleiros bem armados para ajudar ao rei de Castela Dom Pedro, a quem Dom Henrique, seu irmão bastardo, esbulhara da governança.

O médico-cirurgião de Bordéus, chamado Pedro, foi intimado a acompanhar o príncipe, a fim de prestar seus serviços aos que porventura caíssem, feridos, em combate.

Muito grave e dura foi para Mestre Pedro aquela ordem, por motivos vários. Mas, pensando ser irrevogável a determinação do príncipe, nem se atreveu a esboçar escusas ou a pedir dispensa, e entregou o caso a Santo Antônio por quem tinha grande devoção.

Dirigiu-se ao convento dos Frades Menores de Bordéus e rogou a um dos frades que lhe rezasse missa, em honra de Santo Antônio, no altar onde se venerava bonita imagem do Santo entalhada em madeira.

Com muita devoção assistiu Mestre Pedro. Pregados os olhos na imagem, pedia com fervor ao Santo se dignasse estorvar misericordiosamente a viagem, caso ela lhe fosse em detrimento da alma; mas, se depois de tudo, fosse de proveito, então que lhe inclinasse a vontade para com gosto a fazer.

Coisa admirável e muito para contar! Quando Mestre Pedro assim orava, pareceu-lhe ver a imagem a abanar a cabeça a uma e a outra parte, à maneira de quem diz que não.

Ficou deveras surpreendido. E pensando consigo que bem podia andar ali qualquer ilusão do seu imaginar ou fumosidade que lhe tivesse subido à cabeça, fez violência sobre si a recobrar serenidade, e depois, firmando melhor a vista, outra vez repetiu a oração.

E o caso foi que de novo claramente viu a imagem a acenar a cabeça, tal qual como da outra vez, de um para outro lado, a modos de quem diz que não.

Acabada a missa, saiu Mestre Pedro muito maravilhado, mas sem atinar ao certo no que lhe queria o Santo dizer com aqueles sinais: se não lhe era de proveito para a alma acompanhar o exército; ou se, de contrário, não devia no caso ter receios em partir.

Dali a pouco um mensageiro que chega da parte do senhor príncipe a dizer-lhe que sem tardança se fosse apresentar.

Meteu-se logo a caminho, e eis se não quando, sai-lhe ao encontro o senescal a perguntar:

— Estás disposto e pronto para acompanhar a Espanha o senhor príncipe, conforme as ordens que dele houveste?

Mestre Pedro, embora com o temor lá dentro a martelar, nem titubeou na resposta:

— Eu estou sempre pronto para em tudo cumprir a vontade do meu senhor.

Com rosto alegre, mesmo a sorrir, voltou-lhe então o senescal:

— Muito me apraz, Mestre Pedro! Nem outra coisa esperava de servo bom e leal. Fica, porém, sabendo que, para tua consolação, resolveu o senhor príncipe dispensar-te desta vez, se outra coisa não vier a ordenar.

Nem cabia em si de contente Mestre Pedro, com a boa nova; e logo dali se dirigiu à igreja dos Frades Menores a agradecer a Santo Antônio. E na presença de alguns frades contou as sobreditas coisas, e, pondo a mão nos Evangelhos, com juramento afirmou que era verdade tudo o que contara. Em louvor de Deus e de Santo Antônio.

Amém.

19 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LVIII

CAPÍTULO LVIII

Como Santo Antônio curou a um frade de dolorosa rotura

Um frade da Província de Além-mar, de nome Câmbio, sofria de grande rotura. Mesmo com a funda de ferro que sempre usava, os intestinos saíam-lhe fora com dores insuportáveis.

Embaraçado com a doença e não encontrando remédio, veio a Pádua no dia de Santo António, a pedir ao Santo que lhe valesse.

Mas com a multidão dos enfermos que, na esperança de cura, se apresentavam em volta, por mais que fez não conseguiu chegar ao milagroso sepulcro. A custo, de longe, lhe pôde deitar a mão, que, depois, com muita confiança levou ao sítio da rotura. Oh! maravilha de contar! Naquele mesmo instante os intestinos recolheram, fechou-se a quebradura que era enorme, e tão solidamente soldou que não havia em seu corpo parte mais firme do que o sítio onde ela fora, afirmava depois o dito Frei Câmbio.

E, doido de alegria, até saltava o bom do frade, como antes o não podia fazer. E, agradecido, louvava a Santo Antônio.

18 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LVII

CAPÍTULO LVII

Como Santo Antônio curou a certa mulher que sofria de grave enfermidade na cabeça

Havia dez anos que certa mulher de Forli, de nome Beatriz, sofria da terrível doença a que chamam nacta ou lumbenilho. Na cabeça, sobre o crâneo, crescera-lhe um tumor, tão grande como um punho.

Consultara médicos sabedores, mas sem resultado nenhum.

Pelo que, desanimada dos recursos humanos, voltou-se para Santo Antônio, a pedir que lhe valesse. E prometeu cercar-lhe o túmulo com fio de prata, se lhe alcançasse a saúde.

Pois naquela mesma noite, estava ela a dormir, veio Santo Antônio — pelo menos assim lhe pareceu — e talhou o tumor em quatro partes sem que ela, por isso, sentisse a menor dor, antes sim alívio e prazer.

E foi-se a aparição, mas a virtude do Santo ficou. Ao cabo de pouco tempo, como na visão fora mostrado, o tumor arregoou em quatro partes, e, saindo dele podridão de matéria e pus, ficou-lhe curada a cabeça e toda ao natural sem inchação nem costuras.

E a mulher, conforme prometera, veio a Pádua a agradecer o milagre a Santo Antônio e a cercar-lhe o túmulo, a toda a volta, com fio de prata.

17 de fevereiro de 2021

 THESOURO DE PACIÊNCIA

DA PRISÃO DO SENHOR

MEDITAÇÃO III

Conhecendo os fariseus o Senhor pelo sinal do osculo, arremetem a Ele como cães raivosos, prendem-no, puxam e arrastam: e lá vai o Omnipotente arrastado pelas ruas. Bendita seja a paciência do Senhor! Ora, depois d'este sucesso, que cristão há de ter voz para se queixar dos desprezos, dos abatimentos e das injurias? Se o Unigênito Filho do Rei da gloria assim se deixa prender e arrastar, quem há de ter, daqui em diante, o atrevimento de andar suspirando pelas adorações do mundo? Alma minha, abre os olhos, e vê bem isto: Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus; e, sendo tratado deste modo, sofre. E porque não hás de tu sofrer que te desprezem, sendo quem és? Que és tu, ó homem, senão terra?  E que lugar deve ter a terra senão a dos pés? Sossega, pois, todos esses movimentos que perturbam o teu coração soberbo, e não queiras lugar mais alto do que teve o Filho de Deus; e deixa-te embora andar abatido pelos pés de todos, já que, pelos pés dos homens, andou por teu amor o mesmo Filho de Deus.

• JACULATÓRIA - 

Meu Deus, levai-me em seguimento vosso, ainda que seja arrastado pelos pés de todos.    

16 de fevereiro de 2021

 THESOURO  DE PACIÊNCIA

DA PRISÃO DO SENHOR

MEDITAÇÃO II

Chegando a infame turba a Jesus Cristo, o ingrato discípulo, a quem n'aquela mesma tarde o Senhor lavara os pés e admitira a comer no seu mesmo prato, com atrevimento e aleivosia lhe deu um osculo na face: e este era o sinal que havia dado para a entrega de seu Mestre, que por dinheiro tinha vendido. Então o Senhor claramente lhe chamou amigo, e o tratou com todo o amor e benevolência. Aqui verás, alma minha, quão diversa é a amizade de Jesus e a do mundo ou demônio. Estes inimigos, com um ar lisonjeiro, tratam-te como Judas: na aparência tudo são obséquios, tudo amizades, tudo ósculos; e, na realidade, andas vendida, porque o que desejam é a tua eterna perdição, Desengana-te por uma vez, que só Deus é teu amigo verdadeiro: tudo fora de Deus é engano, é perdição, é falsidade. E já que tu agora, é ensinada pelos trabalhos, vás conhecendo por experiência a falsidade e aleivosia d'este mundo e do demônio, dá graças a Deus, que bem grande benefício te faz nesse desengano. Tem a certeza que, se tudo no mundo te sucedesse à medida do teu desejo, enganada andarias e perdida; por isso, o Senhor permitiu que nestes trabalhos conhecesses agora a tua falsidade e aleivosia, porque quer que, desenganada, te voltes para o teu Deus, que é teu amigo verdadeiro. Volta-te, pois, de coração para este bom amigo, que jamais te há de ser falso: este amigo, sim, que com sumo desinteresse só deseja o teu próprio bem e felicidade. Sofre com paciência o benefício que Deus te faz neste desengano, e louva ao Senhor por estes trabalhos com que te quer desapegar do mundo o coração, que tão cativo estava d'ele para tua perdição e ruína.

JACULATÔRIA -

Agora conheço, Ó meu Deus, que só Vós me amais deveras, e que o demônio me trazia enganado: bendito sejais.

15 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LVI

CAPÍTULO LVI

Como Santo Antônio ressuscitou um menino que se afogara numa tina de água

Tomasino que tinha uns vinte meses, vivia em Pádua com seus pais, mesmo ao pé da igreja de Santo Antônio.

Saiu a mãe para os cuidados da vida, e deixou o pequenito em casa, sozinho, junto de uma tina de água. Nem pela cabeça lhe passou que podia o filho correr perigo.

Ao voltar, reparou na tina e pareceu-lhe ver uns pezinhos a boiar ao lume da água. Achegou-se mais ao perto, e — o que havia ela encontrado! — o filho, dentro, afogado, de pés para cima e a cabeça no fundo. Num empuxão tirou-o para fora, aos gritos; mas estava já frio e morto.

Sobressaltada a vizinhança com a gritaria da mulher, veio muita gente em socorro. E os frades que andavam com os operários na reparação da igreja, também eles acudiram. E todos, diante do pequenino morto, se compadeciam das lágrimas e aflições da pobre mãe.

Mas ela, apegando-se com Santo Antônio, pedia-lhe a grandes vozes a sua intercessão; e prometia dar aos pobres tanto trigo quanto era o peso do filhinho, se o Santo de entre os mortos lho ressuscitasse.

E dali a pouco o menino que se levanta, vivo, e desata a correr para o colo da sua mãe. E todos os que eram presentes deram muitas graças a Deus e a Santo Antônio. Em louvor de Cristo.

Amém.

14 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LV

CAPÍTULO LV

Como Santo Antônio curou a um frade que estava sem falar e de fraqueza morria

Chamava-se Frei Bernaldim e era natural de Parma. Ao fim de dois meses de doença, já não podia falar; e, de fraco, nem apagava candeia que lhe chegassem ao sopro.

Os médicos mais afamados da Lombardia, a ver se o curavam, nove vezes com ferro em brasa lhe haviam queimado a garganta e mais outra vez a cabeça.

Mesmo assim, nunca o pobre sentira alívio; antes, pelo contrário, a enfermidade crescera tanto que já corria perigo de o abafar. Lembraram-se então de o levar a Pádua ao túmulo de Santo António.

Apenas chegado ali, diante do sepulcro do Santo se prostou Frei Bernaldim, e com fervor pedia a cura. Em pouco tempo já podia resfolgar e cuspir, mas continuava sem fala. Prosseguindo, porém, na oração com outros frades e com o povo que acorrera por motivo da festa e do milagre, de repente golfou nojenta posta de pus, e logo cobrou a fala e ficou são.

E com muita alegria louvaram a Deus e a Santo Antônio ele mai-lo Ministro do convento e outros frades, cantando a Salve, Regina. À glória de Cristo. Amém.

13 de fevereiro de 2021

 THESOURO DE PACIÊNCIA

SEGUNDO PASSO

DA PRISÃO DO SENHOR


MEDITAÇÃO I

Certificado o Senhor, que era vontade de Deus que Ele padecesse pelos homens, não esperou que os soldados o viessem prender no lugar da oração : levanta-se, sai-lhes ao encontro, e claramente lhes diz que Ele era a quem buscavam. Temia a morte como Homem verdadeiro, e buscava-a como verdadeiro filho de Deus, que não viera a este mundo senão a fazer a vontade de seu Eterno Pai. Toma, pois exemplo, alma aflita; toma exemplo do teu Deus, e resolve-te dentro de ti mesma a oferecer - te animosamente a todo e qualquer trabalho, e até á mesma morte, se vires que essa é a vontade do Senhor. Tu, alma, bem vês que és filha de Deus, e que não vieste a este mundo senão para fazer a vontade de teu Pai celestial : tu deves dizer de ti o que de si dizia Jesus Cristo : Eu não vim fazer a minha vontade, mas a vontade de meu Pai, que me mandou. Fecha, pois, os olhos a tudo quanto pode dizer o corpo ou o mundo ou o demônio; e ás cegas, atirando contigo para onde Deus te chama, dize com força a ti mesma: Deus quer isto de mim, pois seja. Esta é a vontade de Deus, pois também é a minha. E tem a certeza que, continuando a fazer estes atos, ainda que seja com violência, algum dia sentirás uma facilidade grandíssima em acometer por Deus qualquer perigo e entrar em qualquer trabalho por lhe fazer a vontade ; e gozarás de uma paciência e paz inalterável nas maiores aflições,

JACULATÓRIA. -

 Meu Deus, eu não vim a este mundo para fazer a minha vontade, mas somente a vossa.

12 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LIV

CAPÍTULO LIV

Milagre que fez Santo Antônio a um homem de Pádua a quem os demônios arrancaram a língua e os olhos, e quiseram matar

Certo homem dos arredores de Pádua, a fim de desvendar uns segredos meteu-se uma noite na roda dos encantamentos em companhia de letrado sabedor das malas-artes de invocar os espíritos.

E estando já ambos dentro da roda, pôs-se o letrado a chamar os demônios, e ei-los que subitamente aparecem com grande alarido, estrépido e reboliço.

O homem de tão passado que ficou, nem atinava como responder aos demônios que por isso, enraivecidos, deitaram-se a ele e arrancaram-lhe a língua e vazaram-lhe os olhos. E quando, depois, o desgraçado abria a boca, nem sinal de língua se enxergava; e no sítio dos olhos era agora uma caverna funda.

Grande pesar lhe entrou no coração ao infeliz, tanto pelo pecado cometido como pelo castigo que sofreu. E porque não podia confessar a culpa, voltou-se para Santo Antônio.

Passou no convento, em oração, dias após dias, até que certa vez ao tempo em que os frades cantavam na missa o Benedictus qui venit in nomine Domini e o celebrante levanta a Deus, viu-se de repente com outros olhos novos na cara.

Correu notícia de milagre tamanho. Juntou-se muita gente e todos com o homem rezavam, a pedir a Deus, por intercessão de Santo Antônio, fosse servido dar-lhe também a língua assim como já lhe dera os olhos.

E, no coro acabava o canto de Agnus Dei com as palavras dona nobis pacem, quando ao homem, num instante, lhe cresceu a língua e começou de poder falar. E louvava a Deus, a apregoar as maravilhas do seu benfeitor Santo Antônio.

11 de fevereiro de 2021

Milagres que de Santo Antônio Provados Perante o Bispo de Pádua e Mais Outros Milagres que se Juntavam - Terceira Parte - Capítulo LIII

CAPÍTULO LIII

Começam os milagres de Santo Antônio confirmados por testemunhos, perante o bispo de Pádua

Um irmão converso que há vinte anos servia as Donas do Mosteiro de Pádua, era surdo-mudo de nascença. A língua tinha-a tão pequena que mal lhe saía da garganta, e retorcida a modo de toco de videira, pelo que, à vista, parecia seca e enverrugada.

Primeira e segunda vez uma visão lhe inspirou que recorresse com alma ao patrocínio de Santo Antônio; mas o homem, ignorante e rude como era, não compreendeu a visão, e andou a procurar o Santo, primeiro pela casa, e depois pelas ruas da cidade.

Terceira vez o inspirou a visão, e desta feita o homem acertou, e veio à igreja de Santo Antônio. E ali passou toda a noite com a maior devoção que pôde, a encomendar-se ao Santo glorioso.

E chegou o dia, e ele ainda em oração. E lá pela hora de Noa — ia a tarde em meio — viu-se rodeado por luz divinal, grande suor lhe banhou o corpo, fortes estremeções lhe sacudiram a cabeça e os membros, e, em dada altura, a língua cresceu-lhe de repente, e ei-lo que entrou de ouvir e falar.

E prorrompeu em louvores a Santo Antônio, a agradecer-lhe favor tamanho.

E — o que foi mais de maravilhar! — falava como se fora numa língua nova e de modo que não se entendia bem o que dizia.

Repetia apenas poucas palavras que por inspiração aprendera, as suficientes para o uso do falar corrente; mas referia coisas que de ninguém tinha aprendido. O que a todos espantava, pois o sabiam surdo-mudo de nascença.

À voz do milagre acorreu muito povo. E todos o aconselhavam a mudar o nome que tinha de Pedro, pelo de Antônio, em reconhecimento da graça recebida. Em louvor de Cristo bendito.

Amém.

10 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo LII

CAPÍTULO LII

Como a pregação de Santo Antônio levou certos ladrões à penitência

Pelos anos do Senhor de mil duzentos e oitenta e dois, um velho muito velho contou a um Frade Menor como conhecera e tratara a Santo Antônio:

Fora ladrão e salteador de caminhos, e com mais outros, em número de doze, vivia nos montes a espreitar e a roubar os vizinhos.

Como chegasse até eles a fama dos sermões de Santo Antônio, combinaram uns com os outros:

— Vamo-nos um dia, disfarçados em traje de toda a gente, a ouvir a pregação.

É que não acreditavam no que lhes tinham dito: que a palavra do Santo era feita de chamas e queimava assim como o facho do profeta Elias.

E se bem combinaram, melhor fizeram. Pregava o servo de Deus e vieram eles, os ladrões, a escutá-la. E sua palavra de fogo de tal modo lhes queimou na alma que entraram logo de arrepender-se e compungir-se de seus pecados. E, acabado o sermão, muito contritos dos crimes e traições que haviam praticado, era de ver quem primeiro se abeirava de Santo Antônio para com ele se confessar.

A todos ouviu o Santo, cada um por sua vez. Impôs-lhes penitência salutar, e não esqueceu advertir que de maneira nenhuma haviam de tornar à vida de pecados em que andavam. Aos que perseverassem no bem, prometeu a glória eterna; e aos que reincidissem nos crimes costumados, anunciou desgraças espantosas.

E comentava o bom do velho: deles, alguns, infelizmente, voltaram a ser ladrões e em pouco tempo morreram na ignomínia; e os outros que perseveraram no bem, em paz de Deus e em suas próprias casas acabaram seus dias.

E contava ainda que a ele lhe dera o Santo, em penitência, visitar doze vezes a igreja dos Santos Apóstolos em Roma.

E vinha então na volta da última visita, quando com muitas lágrimas contou ao frade a sua história. E dizia que, depois de tão longo peregrinar na terra, toda a esperança a tinha na glória do céu que Santo Antônio lhe prometera.

9 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo LI

CAPÍTULO LI

Como Santo Antônio em dia de sua festa apareceu, glorioso, a uma mulher de Torres Novas

Numa aldeia de Portugal chamada Alvorão, que é cerca de Torres Novas, vivia certa mulher casada com quem se deu este milagre.

Em companhia de outra moça da dita aldeia, dirigia-se ela para a vila com sua taleiga de trigo à cabeça, em dia de Santo Antônio. E, indo ambas seu caminho, eis que se levantou rijo vendaval a bater de frente. E, de tão forte, o vento derribou por terra a mulherzinha, e deixou-a estendida de costas no chão.

Logo neste ponto apareceu diante dela um mancebo, formoso de rosto, arrebatou-lhe a alma, e, levando-lha consigo, meteu por caminho largo que foi parar a um poço horrível, tenebroso, de cuja boca saíam medonhas e denegridas fumações à mistura com labaredas de fogo que subiam até o céu. Isto era o que se via de fora; lá dentro ouviam-se clamores e rugidos.

A mulher, toda a tremer, espreitou para o fundo, e viu muito desvairadas figuras de homens, de várias maneiras atormentados pelos demônios. Todos pareciam brasas vivas ou pastas de fogo que sempre hão-de arder. Sobre isto, a cada um atormentavam penas várias, conforme ao ofício em que haviam pecado: os mercadores onzeneiros traziam, por ignomínia, bolsas de fogo lançadas ao pescoço; aos avarentos e usurários recheavam-nos os demônios com moedas incandescentes que à força lhes metiam pela boca abaixo; os ladrões, adúlteros, homicidas, perjuros e mais pecadores sofriam todos eles tormentos especiais.

E perguntou a mulher ao mancebo como se chamava aquele tal lugar. E o mancebo respondeu que era ali o poço do inferno.

E — que é coisa mais de espantar! a mulher viu lá dentro a muitos que ao presente viviam neste mundo, mas que haviam de cair no inferno pois andavam na má companhia dos demônios. E eram de Lisboa e Santarém. E posto que, segundo a mulher afirmava, nunca visitara tais cidades, nomeava a cada um pelo seu
nome. E não pode ser motivo para descrer da visão o aparecerem nela as coisas por vir como se foram presentes.

E, depois, a mulher foi levada a um lugar ameno e deleitoso, todo matizado de ervas variegadas e de formosas árvores, e enfeitado com todo o gênero de flores. No meio erguia-se a modos de uma tenda muito branca e de maravilhosa estrutura, donde saíam dois a dois, como em procissão, muitos homens envoltos em resplendores, com coroas na cabeça e vestidos de branco mais claro que o sol. E atrás deles, todo adornado como se fora esposo em dia de noivado e aformosentado com maravilhoso trajar, vinha outro homem cercado de maior glória, em honra de quem — era de dizer — se fazia a procissão. 

Perguntou a mulher que lugar era aquele e quem eram tais personagens de tão nobres vestimentas e em tão boa ordem. E respondeu o mancebo que era ali o lugar onde repousam os Santos, e que todos aqueles que via, eram os eleitos do Senhor Deus, e o último de todos, assim vestido com tantas galas, era Santo Antônio a quem os outros Santos festejavam, pois como os homens lá na terra solenizam os Santos no seu dia, do mesmo modo ali no céu os Bem-aventurados uns aos outros celebram o dia de sua festa. E neste ponto acrescentou:

— E agora hás-de saber o motivo por que foste aqui trazida e se te mostraram tantas maravilhas: foi para que aprendas a guardar os dias de festa, abstendo-te de trabalhos servis, e para que neles prestes aos Santos a reverência que lhes é devida, sobretudo guardando-te de cometer algum pecado.

E enquanto a alma da mulher andou assim em tais andanças, o povo levou seu corpo à vila de Torres Novas a fim de ser enterrado, pois de todo o ponto parecia morto. E já desciam à cova a mulher, quando, com grande espanto, ela se levantou e começou de contar a quantos ali eram presentes, tudo o que vira e ouvira. E o mesmo tornou depois a contar a muita gente, e também a mim que escrevo esta narrativa e a vera história desta visão. Á glória de Santo Antônio.

Amém.

8 de fevereiro de 2021

  THESOURO DE PACIÊNCIA

DA ORAÇÂO NO HORTO

MEDITAÇÂO VII

Acabada a oração no  Horto, levantou - se o Senhor, e saiu animosamente resoluto a entregar-se á morte pela salvação dos homens. Pondera agora como, pesando tanto no animo do Senhor a sua cruelíssima Paixão, que o reduziu ao estado que sabemos, ainda assim foi tanto o caso que o Senhor fez da tua salvação, que totalmente desprezou esses mesmos trabalhos que tanto e tão justamente estava temendo. Alma minha, por grande que seja o trabalho que Deus te der, pesa-o bem na balança do entendimento, compara-o com a tua salvação, e verás como te fica leve. Para preço da salvação eterna, tudo quanto se padece é pouco, e mui pouco . O homem mais atribulado, mais aflito, mais injuriado e mais cruelmente martirizado, que tenha havido no mundo, se  salvou (deixem - me dizer assim), comprou barato: tudo passou, e a alma perpetuamente vive e reina com Cristo, cheia de gloria e majestade; uma gloria que nunca se diminui, nunca muda, nunca se pode acabar: o caso está em salvar; e como nos salvemos, importa bem pouco o ter padecido. Portanto, quando te vires aflita com o aspecto horrível de teus grandes trabalhos, põe os olhos na salvação que esperas, como fez o Senhor na agonia do Horto, e te acharás, como Ele, com animo e força para o sofrer, e ainda ir buscar.

JACULATÓRIA. - 

Meu Deus, salvai-me, ainda que me custe o que custar: salvai -·me, Senhor.

7 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo L

CAPÍTULO L

Como Santo António acudiu a uma mulher que se queria enforcar

Na vila de Serpa, em Portugal, vivia uma mulher de nome Sara, singularmente devota de São Francisco e Santo Antônio.

Seu marido, dissoluto e mau, fazia vida com mancebas, desprezando a esposa, a quem, ainda por cima, feria muitas vezes, e de muitas maneiras atormentava. E a tal ponto as coisas chegaram, que Sara, ralada de desgostos e desesperos, resolveu acabar com a vida, enforcando-se. Assim por uma vez se veria livre de tantos maus tratos, quantos o marido lhe fazia sofrer.

E uma noite, andava ausente o marido e todos em casa já dormiam, pendurou a corda em trave do seu quarto, fez o laço, e metia já nele o pescoço quando com grande clamor chamaram à porta da casa.

Sara numa pressa escondeu a corda, e foi saber quem chamava.

E encontrou-se com dois Frades Menores que humildosamente lhe pediram agasalho para aquela noite, por amor de Deus.

No sobressalto em que ficou por tão inesperadas visitas, perguntou quem eram e donde vinham. E responderam os frades:

— Somos dois Frades Menores. Um de nós chama-se Frei Francisco e o outro Frei Antônio, e vimos de muito longe.

— Então entrai — lhes disse ela — por amor de São Francisco e de Santo Antônio de quem sempre fui devota.

E pôs-lhe a mesa para que comessem. E com tão santas palavras foram eles entretendo a refeição, que a mulher começou de se sentir mudada. E em reveria de tão santos hóspedes, resolveu não se enforcar aquela noite, como antes planeara por instigação do demônio.

Recolheram-se os frades nos aposentos que lhes destinou, e a mulher voltou para o seu quarto.

Precisamente naquela hora os dois frades apareceram em sonhos ao marido de Sara. Começaram de estranhar-lhe suas torpezas e vícios, e vieram a dizer:

— Nós somos São Francisco e Santo Antônio e vimos a ti, mandados por Deus, com este aviso: se não deixas a má vida em que andas com mancebas, e de ora avante não tratas com amor tua mulher que por nós tem grande devoção, ao fim de três dias morrerás e cairás no fogo do inferno. Tua mulher vive em desespero com os maus tratos e desgostos que lhe dás, e esta mesma noite houvera-se enforcado se não lhe acudíramos indo hospedar-nos em tua casa. Vai, pois, ter com ela, e para sinal de que falamos verdade, pergunta-lhe pela corda com que se quis enforcar.

O homem, ao acordar, ficou passado de medo, e houve contrição de seus pecados. E, manhãzinha, logo recolheu a casa.

Já então a mulher se levantara e andava pasmada sem saber o que pensar. Os frades tinham desaparecido como por encanto.

Aberta a porta dos aposentos onde os deixara: e, dentro, a cama composta como se ninguém nela dormira. Não podia compreender como tivessem saído, pois todas as portas estavam trancadas.

Nisto chega o marido que benignamente a salvou. E, sem mais, desfecha logo a pergunta:

— Ó mulher, onde tens a corda com que esta noite te quiseste enforcar?

E ela, assombrada, nem sabia que responder.

— Sim — continuou o marido a explicar-se — sim, que eu bem sei a graça que a nós ambos nos fizeram São Francisco e Santo Antônio a quem esta noite deste pousada, pois nos livraram da morte do corpo e da perdição da alma.

Então confessou ela a verdade. E também de sua parte o marido lhe descobriu a visão que tivera e humildemente lhe pediu perdão.

E ambos viveram ainda largos anos em muita caridade e mútuo amor, entregues à prática da virtude. E a Deus e a Santo Antônio e São Francisco davam graças pelos favores que haviam recebido.

6 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo XLIX

CAPÍTULO XLIX

Como Santo Antônio livrou da tentação a certa mulher de Santarém

No mesmo reino de Portugal, em Santarém, nos tempos del-rei Dom Dinis, vivia certa mulher mui pecadora, mas também mui devota de Santo Antônio.

Apertava com ela o demônio constantemente a induzi-la a que se matasse. E à pobre até lhe parecia que o próprio Jesus Cristo lhe segredava ao coração:

— Ó mesquinha, tantas maldades tens cometido que, só matando-te, te poderás salvar!

E o demônio que assim lá dentro a desinquietava com estas e semelhantes tentações, querendo também vexá-la exteriormente apareceu-lhe em forma humana a falar:

— Eu sou aquele Senhor a quem tens ofendido gravemente, e venho dizer-te que, se fores ao rio Tejo e nele te afogares em satisfação de tuas culpas, todas te hei-de perdoar e te darei a eterna glória.

Ora, aconteceu que, depois de o demônio muitas vezes lhe ter assim falado, o marido, num momento de qualquer arrelia, chamou-lhe “mulher endemoninhada”. Sanhuda por se ver escarnecida, desceu em direcção ao Tejo — era ao meio da manhã — na intenção de nele se afogar conforme o demônio tantas vezes aconselhara.

Quando passou junto à igreja dos Frades Menores, lembrou-se que era o dia da festa de Santo Antônio, e entrou dentro a encomendar-se ao Santo. Prostrada diante de sua imagem, toda em lágrimas fez sua oração:

— Ó meu Padre Santo Antônio, bem sabeis quanto vos quero!

Valei-me nesta aflição. Sê benigno para comigo, e mostrai-me se apraz a Deus que me vá no rio afogar ou se de todo em todo devo pôr de lado tal ideia.

Quando assim rezava, passou por ela um sono leve, e apareceu Santo Antônio a falar-lhe:

— Levanta-te, filha, e guarda este bilhete. Com ele serás livre dessa forte tentação.

E, acordando, viu a mulher que tinha ao pescoço um pedaço de pergaminho, no qual, a letras de oiro, estava escrito: “Eis a Cruz do Senhor! Fugi, inimigos da alma, pois venceu o Leão da tribo de Judá, raiz de David. Aleluia, Aleluia”.

E desde aquele momento foi livre da tentação, e enquanto guardou consigo o bilhete ou breve, nunca mais o demônio a apoquentou.

Soube do prodígio el-rei Dom Dinis — pois o marido o divulgou — e pediu para si o milagroso pergaminho. E o caso foi que, apenas sem ele, logo a pobre da mulher começou outra vez a ser tentada.

Compadeceu-se o marido, e como já não podia haver o breve, que dele não se desfazia el-rei, valeu-se dos Frades Menores que a Dom Dinis pediram uma cópia e a trouxeram. E quando a entregaram à mulher, eis que ficou livre da tentação, como dantes quando e consigo trazia o breve. E confessou devotamente seus pecados com lágrimas de contrição, e toda se converteu ao serviço do Senhor.

E por vinte anos ainda viveu santamente, e em paz acabou seus dias.

E el-rei Dom Dinis guardou o pergaminho original entre as suas relíquias que mais prezava, e com ele, por intercessão de Santo Antônio, muitos milagres se fizeram. Em louvor de Cristo bendito.

Amém.

5 de fevereiro de 2021

THESOURO DA PACIÊNCIA

 THESOURO DA PACIÊNCIA

DA ORAÇÃO NO HORTO


MEDITAÇÃO VI


Vendo o Senhor Jesus, que era vontade de seu Eterno Pai que padecesse a morte afrontosa da Cruz, com toda a submissão e rendimento da sua alma, lhe disse: Pai meu, não se faça a minha vontade, mas a vossa. Assim, pois, deves tu fazer, alma atribulada, e render-te totalmente á vontade retíssima de teu Pai celestial. Quando te vires acometida de uns interiores movimentos de impaciência, que te perturbam, fecha-te um pouco dentro de ti mesma; e, falando só contigo, dize: Eu bem não quisera que isto sucedesse assim; porém, o meu Deus quer que assim suceda: a minha vontade inclina para uma parte; mas a do meu Deus vai-se para outra: ora, neste mundo, ou há de governar a minha vontade ou a de Deus. E quem sou eu para contradizer ao Omnipotente? Quem sou eu, para que a minha vontade prevaleça á do supremo Senhor? E dize, com resolução forte, uma e muitas vezes: Meu Deus, não se faça a minha vontade, mas a vossa. Bem te podes, alma minha, fiar seguramente na vontade de Deus: este Senhor é teu Pai, ama-te deveras, e bem sabe o que te convém: deixa, pois, que faça em ti a sua vontade: não teimes contra o Senhor; e persuade-te bem que, quanto mais te renderes em tudo á vontade de teu Pai celestial, tanto mais certo tens que o Senhor te trate como um filho querido e te faça a tua vontade, salvando-te, que isto é o que tu com todo o empenho queres.

JACULATORIA.-

Meu Pai, não se faça em nada a minha vontade, mas somente a vossa.





4 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo XLVIII

CAPÍTULO XLVIII

Milagre que fez Santo Antônio a certa dona de Portugal que trazia por moça camareira o demônio em figura de mulher

Houve em Portugal, na vila de Linhares, certa dona mui poderosa e senhora do castelo, a qual se chamava Lopa ou Loba. E a desgraçada trazia por camareira o próprio demônio em figura de mulher.

Por seu conselho, praticava muitas crueldades e caía em desvairados crimes e pecados. Conservava, todavia, especial devoção por São Francisco e Santo Antônio.

Ora, vindo ela à doença de que morreu, desesperada nem cuidava da salvação nem se queria confessar, por mais que lho requeriam e lembravam.

E assim jazia para ali, desconsolada e triste no seu leito, quando dois Frades Menores entraram por sua casa e dela se abeiraram.

Começaram, muito piedosos, de confortá-la e induzi-la ao arrependimento e confissão; mas a dona nem lhes dava ouvidos.

Eram tantos seus pecados — dizia — que, por mais penitência que fizesse, nunca Deus se poderia dela amercear.

E vai daí o frade que parecia mais velho:

— Pois, senhora, podeis estar certa: a Divina Clemência é muito maior que vossos pecados. Se, arrependida, os confessardes, sobre mim os tomo, convosco partilharei meus méritos, e por virtude da Paixão de Cristo vos prometo a salvação.

Com tão consoladoras palavras, a dona começou de entrar em melhores sentimentos e animou-se à penitência. De Loba desumana que havia sido, converteu-se em cordeira mansa; e, arrependida dos pecados, com muitas lágrimas os confessou. E depois ela mesma, por devoção, pediu para mortalha o saial dos Frades Menores; e, recebendo-o das mãos daqueles frades, bem-aventuradamente no Senhor adormeceu. E os dois frades logo desapareceram.

E todos os que ali eram presentes, se persuadiram que deviam ser nem mais nem menos que São Francisco e Santo Antônio, aos quais a dona continuamente chamava em sua ajuda, tanta a devoção que por eles tinha.

E o seu corpo depois que ela morreu, foi ao convento da Guarda a enterrar.

Passado pouco tempo, vinha certo armeiro, noite velha, de caminho para a vila de Linhares onde a dita dona se finara, quando do escuro rompeu voz de mulher a carpir-se em choro e lágrimas:

— “Ó mofina de mim, que tão mau serviço fiz! Quatorze anos me cansei em vão!”

E o armeiro todo se espantou. Mas cobrando ânimo, fez o sinal da Cruz, e, confortado no Senhor, bradou:

— Eu te conjuro por Cristo Jesus que me digas quem és, e porque choras assim?

E a voz que respondeu:

— Eu sou o demônio que em forma de mulher quatorze anos em muitos pecados servi a Dona Loba que no outro dia se finou.

Contava, depois da sua morte, segundo suas culpas, arrastá-la comigo aos infernos; mas, quando foi do seu passamento, vieram dois capeludos Frades Menores aos quais ela sempre em vida venerou, e, inclinando-a à penitência, tiraram-ma das unhas e levaram-lhe a alma ao paraíso. Em sinal de que falo certo, quando fores em Linhares onde ela morreu, hás-de ouvir clamor no povo porque um ferreiro matou sua mulher e por isso foi preso e enforcado. E eu que tramei aquela morte, aos infernos levarei as almas deles ambos, tanto a da mulher como a do ferreiro. Desta forma me compensarei da perda de uma alma, ganhando a duas.

Ouvidas que foram tais palavras, continuou o armeiro em seu caminho, e quando entrou na vila de Linhares, achou, de facto, enforcado um ferreiro que matara sua mulher, e a todos contou o que lhe havia acontecido.

3 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo XLVII

CAPÍTULO XLVII

Milagre que fez Santo Antônio a um senhor casado que desejava ter filhos

Era nobre e casado, mas vivia em tristeza, pois Deus não lhe dera a alegria de sequer haver um filho.

Acontecendo ouvir falar dos milagres que Santo Antônio fazia, meteu-se a caminho de Pádua para visitar seu sepulcro. E ao Santo fez promessa: desse-lhe Deus um filho, e todos os anos com ele havia de ali tornar.

E o caso é que, no regresso, sua esposa concebeu e depois, a seu tempo, veio o desejado bambino.

E a criança medrava, robusta e sadia; mas quando foi de sete anos, adoeceu. E, no dia de Santo Antônio, o pai, outra vez muito triste, foi sozinho a Pádua a cumprir sua promessa.

E enquanto andou a fazer a romaria, o pequeno convalesceu, curou e até já pôde sair à rua. E numa tarde pôs-se de brincadeira com mais nove crianças, no leito de um rio que estava seco. Para as regas dos campos mais acima haviam represado as águas.

Ora sucedeu que, de repente, se esbarrondou o açude e veio a enxurrada por aí a baixo, em tão má hora que apanhou as dez crianças. E ali ficaram todas elas afogadas.

E se eram dez, só de duas apareceram os corpos, que logo foram levados a enterrar. O dito pequeno e os restantes sete companheiros, por mais que procuraram não nos puderam achar.

Voltou o pai de fazer a romaria, e saiu-lhe ao encontro, a saudá-lo, seu irmão com mais outros amigos. E ele que logo perguntou como passava o menino.

Não o querendo anojar, responderam que já estava curado, e tão bom que até saíra fora a brincar.

Ao chegar a casa uma e muitas vezes tornou à pergunta, e sempre lhe escondiam a verdade. Mas ele é que não sossegava.

Antes de mais nada queria ver o filho e beijá-lo:

— Não comerei nem beberei antes de nele pôr meus olhos.

E não houve mais remédio que contar-lhe o sucedido.

Anojado de tristeza, jurou e trejurou que não havia de comer nem beber até que Santo Antônio se dignasse tornar-lhe o filho.

Palavras não eram ditas, e a criança pela porta dentro à frente das outras nove que se tinham afogado. A todas Deus ressuscitara, por intercessão de Santo Antônio.

Tamanha foi a alegria, que nem é de imaginar. E todos, a grandes vozes, davam graças a Deus e a Santo Antônio.

2 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo XLVI

CAPÍTULO XLVI

Milagre que fez Santo Antônio à filha de D. Teresa, rainha de Portugal

Dona Aldonça, filha de D. Teresa, rainha de Portugal, certa ocasião adoeceu de tão grave enfermidade que já os médicos a tinham abandonado sem esperanças nenhumas de a poderem curar.

A rainha andava numa angústia imensa: a filha a morrer, e não havia remédio que lha pudesse salvar. E, desolada, em prantos, voltou-se para Santo Antônio a pedir seu valimento:

— Ó Padre Santo Antônio, lembra-te que nestes reinos fostes nascido, e roga por mim ao Senhor que dê saúde à minha filha!

Era pela meia noite e Dona Aldonça que entrou a dormitar. E veio ter com ela Santo Antônio:

— Não me conheces? — perguntou o Santo.

E como a infanta respondesse que não o conhecia, explicou-se a visão:

— Eu sou Santo Antônio, e aqui vim chamado pelas súplicas de tua mãe. Vou dar-te à escolha uma das duas coisas: ou morreres já e hoje mesmo entrares comigo no Paraíso, pois nesse caso o Senhor te perdoa os pecados e toda a pena que por eles é devida; ou então — escolhe lá — ficares ainda com tua mãe, pois se assim preferes, agora mesmo te darei saúde.

A infanta escolheu antes a saúde e logo foi curada. E agarrando-se em visão à corda que Santo Antônio trazia atada à cinta, começou de chamar a mãe a grandes vozes:

— Senhora mãe, vinde ver o Santo Antônio que veio aqui a curar-me!

E foram contar à mãe o que a infanta dizia. E acudiu ela com outras donas e encontraram-na curada. Pelo que deram a Deus muitas graças, e também a Santo Antônio.

1 de fevereiro de 2021

Milagres que Fez Santo Antônio depois da sua morte - Segunda Parte - Capítulo XLV

CAPÍTULO XLV

Como Santo Antônio ressuscitou a um seu sobrinho

Na cidade de Lisboa, um filho da irmã de Santo Antônio, teria uns cinco anos, foi a folgar à ribeira do mar com outros rapazes, e com eles entrou num barco.

E, sucedendo virar-se o barco, os mais, porque sabiam nadar, saíram à praia; e só o mocinho se afogou, pois não sabia nadar que não era de idade para tanto.

Passadas que foram três horas, veio a mãe e pegou do filho morto, que lho tiraram da água uns pescadores. Queria o pai dar-lhe sepultura, mas a mãe não consentia:

— Ou deixai-o comigo, ou com ele me levai a enterrar.

E, apegando-se com Santo Antônio, rezava assim:

— Ó meu irmão, para os estranhos és tão piedoso, e só para tua irmã serás cruel? Tem piedade de mim também, e torna-me o filho, que eu prometo dá-lo à tua Ordem para serviço de Deus.

Pois logo o filho se levantou vivo e são, e em cumprimento do voto que sua mãe fizera, entrou na Ordem, e nela perseverou e acabou santamente.