30 de setembro de 2013

Sermão 18º Domingo depois de Pentecostes - Padre Daniel Pinheiro IBP.

[Sermão] A Igreja e sua doutrina


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…

Nosso Senhor, vindo ao mundo para nos salvar com sua caridade e misericórdia infinita, caros católicos, nos ensinou a verdade e nos instrui a amar a verdade, nos instruiu a aderir a ela e a colocá-la em prática. Nosso Senhor veio nos trazer a salvação. Todavia, sabendo que voltaria ao Pai, de onde veio, instituiu a Igreja, sua esposa imaculada, a fim de que a Igreja pudesse nos transmitir intactos seus ensinamentos, para que a Igreja prolongasse até o fim dos tempos os frutos da encarnação e da paixão de Nosso Senhor. A Igreja com sua doutrina é – como não poderia deixar de ser – fruto da misericórdia de Cristo.

 Algumas questões fundamentais, de grave importância foram suscitadas, agitadas, durante a semana com relação à Igreja e à sua doutrina. Convém muitíssimo deixar alguns pontos claros com relação à Igreja e à sua doutrina. Como diz São Paulo a Timóteo, é preciso pregar a palavra a tempo e fora de tempo, repreendendo, suplicando, admoestando, com toda paciência e doutrina. (II Tim. 4, 2)

Nosso Senhor fundou a Igreja, caros católicos. A Igreja, como nos diz o catecismo de São Pio X, é a sociedade de todas as pessoas batizadas que, vivendo na terra, professam a mesma fé e a mesma lei de Cristo, participam dos mesmos sacramentos, e obedecem aos legítimos pastores, principalmente ao Romano Pontífice. A Igreja não é algo vago, etéreo, nebuloso. A Igreja também não é simplesmente, sem mais nem menos, o povo de Deus. A definição da Igreja como simples povo de Deus resta imprecisa, e define melhor o povo judeu do que a Igreja fundada por Cristo. O que caracterizaria esse povo de Deus? Quais as especificidades desse povo? O que une esse povo? É preciso ter bem presente que a Igreja é uma sociedade. Ela é a sociedade de todas as pessoas batizadas que, vivendo na terra, professam a mesma fé e a mesma lei de Cristo, participam dos mesmos sacramentos, e obedecem aos legítimos pastores, principalmente ao Romano Pontífice. E a Igreja é uma sociedade perfeita, isso quer dizer que ela possui em si todos os meios para atingir o seu fim, que é a maior glória de Deus e a salvação das almas pela aplicação dos méritos infinitos obtidos por Cristo, pela transmissão do ensinamento de Cristo, pela celebração dos sacramentos, pela incitação ao amor a Deus e aos seus mandamentos. A Igreja é essa sociedade de que acabamos de falar, uma sociedade perfeita porque tem todos os meios para atingir seu fim, que é a glória de Deus e a salvação das almas. Claro, a Igreja é uma sociedade ao mesmo tempo divina e humana, portanto, ela é um mistério, mas isso não faz com que ela deixe de ser uma sociedade visível, externa, definida, para se tornar algo puramente espiritual, interno e impreciso, sem limites definidos, de forma que, no fundo, todo mundo faz parte dela. Não. A Igreja é visível, também externa, uma sociedade bem definida, da qual são membros os batizados que professam a fé católica, que partilham os mesmos sacramentos e que obedecem aos legítimos pastores.

A Igreja foi fundada por Cristo. Ela possui, portanto, uma constituição que lhe foi dada pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, por Deus Filho. A Igreja foi constituída por Deus como Igreja hierárquica. Nosso Senhor escolheu doze homens que Ele nomeou apóstolos (Marcos 3, 14-16), para que ficassem com Ele e pregassem (Atos 5, 17). E Nosso Senhor deu aos doze a missão de continuar a obra da redenção. Nosso Senhor diz aos apóstolos: “Assim como o Pai me enviou também eu vos envio” (Jo 20, 21). Deus enviou Nosso Senhor para governar, ensinar e santificar. São justamente os três poderes que possuem os Apóstolos e seus sucessores, os Bispos: governar, ensinar, santificar. Portanto, Nosso Senhor escolheu doze e conferiu a esses doze poderes particulares: governar, ensinar, santificar. Nosso Senhor constituiu uma hierarquia. A Igreja, por instituição divina é hierárquica. Mas essa não é uma hierarquia colegial, é, antes, uma monarquia. A Igreja é uma monarquia, pois Cristo deu a um dos Apóstolos, São Pedro e aos sucessores de São Pedro, o poder pleno e supremo de jurisdição e um poder supremo, pleno, ordinário e imediato sobre todas e cada uma das Igrejas particulares e sobre todos e cada um dos pastores e fiéis (Conc. Vat. I, Denz. 3064). Nosso Senhor disse a São Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. Eu te darei as chaves do reino dos céus. Tudo o que ligares na terra será ligado no céu. Tudo o que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 16, 18). Depois, Nosso Senhor dirá a São Pedro duas vezes: “apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15-17). E uma vez: “apascenta minhas ovelhas” (Ibidem). Os cordeiros são só fiéis, as ovelhas são os Bispos e Padres. São Pedro, o Papa, deve apascentar todos, deve governar, instruir e santificar a todos. O que foi divinamente instituído ninguém pode mudar. E Nosso Senhor assistirá a sua Igreja para que ela permaneça até o fim dos tempos como ele a instituiu, pois Ele disse que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela e que Ele estaria com a Igreja até a consumação dos séculos. A natureza da Igreja é, então, a de uma sociedade hierárquica e monárquica. Nós sabemos que o bem de cada coisa é agir conforme a sua natureza. Portanto, o bem da Igreja e consequentemente dos fiéis e de todos os homens se verifica quando os membros da Igreja agem conforme a sua natureza, respeitando a instituição divina. Não se trata, em nenhuma hipótese de uma tirania – como é claro -, pois o tirano governa para o seu próprio bem ou para o bem de um grupo. O Papa deve governar para o bem dos fiéis, para que os fiéis alcancem com maior facilidade a salvação. O Papa, sendo o soberano chefe da Igreja, é, ao mesmo tempo e pelo próprio fato de ser o chefe supremo, o servo dos servos. Sua função é servir a todos, promulgando leis que nos levem a Deus, ensinando com clareza e fidelidade a doutrina de Cristo, assegurando a boa administração dos sacramentos. Agindo assim, ele espalhará a misericórdia divina sobre a terra e levará as almas para Deus. Aquilo que muitos desejam, de ver o Papa praticamente como mais um entre os bispos, de ver a democracia instalada na Igreja é um grande prejuízo para a Igreja, para as almas. Agir desse modo é um grande prejuízo para a Igreja e para os homens, é falta de fidelidade a Cristo. O bem de uma coisa é agir em conformidade com sua natureza e a natureza da Igreja é hierárquica, monárquica. Isso não significa que o Papa deva governar sozinho. Não, ele pode e deve pedir conselho, ele pode e deve ser auxiliado no governo da Igreja, mas jamais deve se igualar aos outros bispos.

Como vimos, a Igreja tem como finalidade última a glória de Deus e a salvação das almas. Para atingir esse fim, a hierarquia recebeu de Cristo, como vimos, o poder de ensinar. Esse poder de ensinar consiste em transmitir, guardar, declarar, defender, explicar aquilo que Nosso Senhor ensinou. Aquilo que Nosso Senhor ensinou não pode mudar. Ele manda que os apóstolos ensinam aquilo que ouviram e aprenderam (Mt 28, 20; 10, 27) A Revelação feita por Cristo, se encerrou com a morte do último Apóstolo, São João, no início do século II. O Espírito Santo, como diz Nosso Senhor, ensinou aos apóstolos toda as coisas e lembra a eles o que Cristo ensinou (Jo 14, 26). Não há, portanto, mais nada para ser revelado. Tudo o que a Igreja ensina deve necessariamente estar contido no ensinamento dos Apóstolos. A Igreja não pode, então, mudar aquilo que Cristo e o Espírito Santo ensinaram, a Igreja não pode mudar as verdades reveladas, a Igreja não pode inventar novas verdades reveladas, nem dizer que uma verdade deixou de ser revelada. A Igreja não pode mudar a interpretação dada a uma verdade revelada. A Igreja deve sempre interpretar a verdade revelada no mesmo sentido, com o mesmo entendimento, ainda que mais profundo. Por exemplo, a Igreja sempre afirmou que a presença de Cristo na Missa, após a consagração, é uma presença real, substancial, em corpo, sangue, alma e divindade. A Igreja não pode dizer hoje ou amanhã que a presença de Cristo na Missa existe, mas que é uma presença simbólica, uma presença só para os que creem, etc. A Igreja pode aprofundar-se no entendimento de uma verdade revelada, mas nunca mudando o sentido ou interpretação dessa verdade. Dessa forma, a Revelação (aqui se incluem as verdades de fé e também a moral) não pode ser mudada para se adaptar aos tempos modernos – nem aos antigos, nem a qualquer outro tempo – para se adaptar à mentalidade do homem contemporâneo. As verdades a serem cridas e praticadas não vêm do povo, dos fiéis, mas de Cristo e da hierarquia. A Revelação – a doutrina da Igreja e sua moral – não deve ser lida à luz da modernidade, a fim se adaptar a essa modernidade. É a modernidade que deve ser lida à luz da Revelação, a fim de saber o que pode ser aproveitado da modernidade para o nosso bem. A Igreja tem o dever de se manter fidelíssima ao depósito da Revelação que ela recebeu de Cristo e ela é fidelíssima e será fidelíssima. A Igreja guarda intactas e puras as verdades que recebeu de seu Divino Mestre. Mais uma vez, não é a Revelação que se adapta ao homem e aos seus gostos e caprichos – isso seria divinizar o homem, colocá-lo acima de Deus – mas é o homem que deve ser conformar inteiramente à Revelação. Portanto, a doutrina da fé e da moral da Igreja não pode mudar, não pode evoluir.

Assim sendo, a Igreja não pode evoluir quanto ao aborto, quanto ao homossexualismo, quanto à contracepção, quanto à comunhão dos divorciados recasados, quer dizer, quanto à comunhão daqueles que se casaram na igreja, se separam e depois se juntaram com outra pessoa. A Igreja não pode mudar quanto a isso, pela própria natureza das coisas. E a Igreja deve insistir nesses pontos porque são pontos de suma importância para o indivíduo, mas, sobretudo, para a sociedade. O aborto e o homossexualismo são dois pecados que clamam aos céus por vingança justamente porque são pecados que corroem os fundamentos da sociedade, causam um mal incomensurável à sociedade. O primeiro, porque é suma injustiça, é o assassinato de um inocente indefeso, assassinado por aqueles que mais deveriam protegê-lo e amá-lo. O segundo, porque destrói inteiramente a base da sociedade, que é a família, formada para a propagação do gênero humano e para povoar o céu. É óbvio que a pregação da Igreja não pode nem deve se reduzir a isso. Mas é preciso insistir nesses pontos, sem esquecer os outros principais, a existência de Deus, a Trindade de Deus, a Encarnação de Deus Filho, sua morte por nós na cruz, sua caridade, bondade e misericórdia para conosco. Se os homens da Igreja insistissem um pouco mais sobre esses assuntos, talvez a sociedade não estivesse nesse estado, tão afastada de Deus. Se os homens da Igreja passarem a falar pouco desses assuntos, em pouco tempo os católicos cederão quase completamente em todos esses pontos, como já cederam quase completamente em alguns, como é o caso da contracepção, por exemplo. É preciso falar com frequência sobre esses assuntos, sem reduzir o catolicismo a eles, como é evidente. Todos esses pecados – contracepção, aborto, prática homossexual, divórcio – são pecados graves. Aquele que morrer neles, consciente da gravidade deles – e mesmo um pagão consegue ver com certa facilidade a gravidade deles, excetuando talvez a contracepção – será condenado. É a Igreja que os condena? Não. Eles mesmos se condenam. A Igreja prolonga nesse mundo a missão de Cristo em sua primeira vinda. Cristo veio condenar? Não. O evangelho de São João nos diz (Jo 3, 17 – 21): “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem n’Ele crê não será condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho unigênito de Deus. E a condenação está nisto: a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não se aproxima da luz, a fim de que não sejam condenadas as suas obras.” Não é a Igreja que condena. É a própria pessoa que se condena e se prepara para ser julgada como tal por Cristo quando da sua segunda vinda, em que Ele virá glorioso – aí, sim – para julgar os vivos e os mortos. O dever da Igreja e dos homens da Igreja é alertar as pessoas, com caridade: você está se condenando, abandone as trevas, venha para a luz, venha para Deus e sua Igreja. A Igreja deve dizer ao pecador: Nosso Senhor morreu por sua alma, para salvar a sua alma, abandone o pecado e prove e veja quão suave é o Senhor (Salmo 33, 9). A misericórdia da Igreja é tirar o homem de sua miséria. Qual é a maior miséria? O pecado. Para tirar o homem do pecado, ela tem que dizer que o pecado existe e que ele conduz à condenação. A Igreja tem que dizer que pelo pecado grave a pessoa perde o céu e merece o inferno. Quantas almas encontraram e encontram assim a misericórdia divina. Além disso, é obra de misericórdia espiritual ensinar aos ignorantes e corrigir os que erram, oportunamente. Como diz São Pio X, na carta Apostólica Notre Charge Apostolique: “a doutrina católica nos ensina que o primeiro dever da caridade não está na tolerância das convicções errôneas, por sinceras que sejam, nem da indiferença teórica e prática pelo erro ou o vício, em que vemos mergulhados nossos irmãos, mas no zelo pela sua restauração intelectual e moral, não menos que por seu bem-estar material.” A Igreja deve formar a consciência dos homens, é da Igreja que depende a vida espiritual dos homens. Não basta seguir a própria consciência para se salvar, é preciso seguir uma consciência bem formada, que busque realmente a verdade e que a ame. Muitos seguem sua consciência, mas uma consciência cupavelmente mal formada e relaxada, em que se escolhe não se aproximar da luz para não ter que mudar de vida. A Igreja deve formar as consciências. É grande obra de misericórdia ensinar aos ignorantes e corrigir os que estão no erro, de modo oportuno.

A Igreja e seus membros devem trabalhar incessantemente para restaurar tudo em Cristo. A restauração de tudo em Cristo era o que movia São Paulo, como ele disse aos Efésios (1, 10). Restaurar tudo em Cristo era o que movia São Pio X. Restaurar tudo em Cristo é o que deve mover todo católico. Restaurar tudo em Cristo é direcionar tudo a Cristo, fazer tudo por Ele, e com Ele, e n’Ele. Mas, como diz São Pio X, restaurar tudo em Cristo não é simplesmente levar as almas para Deus, mas restaurar a civilização cristã em cada um dos elementos que a compõem (Enc. Il fermo proposito). E isso não é um restauracionismo ideológico, mas um restauracionismo indispensável para todo católico. Mas como fazê-lo? São Pio X indica, na sua Encíclica E Supremi Apostolatus, quatro meios principais, entre outros, para restaurar tudo em Cristo: 1) a boa formação do clero, 2) o ensino da doutrina católica (não é por acaso se São Pio X promulgou o catecismo que leva o seu nome), 3) o fervor da vida cristã, e 4) a caridade cristã, que não é um zelo amargo que mais afasta as almas do que as atrai, mas que é uma verdadeira bondade, que não se confunde tampouco com tolerância do erro ou do pecado. Nesses últimos tempos, nós vemos a disciplina avançando, a liturgia avançando, os ensinamentos avançando e tendendo a se conformar à mentalidade moderna. Ao mesmo tempo em que tudo isso avança, nós vemos a prática real da religião recuando, o número de fiéis caindo, etc. É preciso constatar que esses avanços não têm contribuído para o avanço do Evangelho. Uma pessoa que vai avançando em alto mar e que começa a se afogar deve voltar para a praia ou continuar avançado em alto mar? Dou um exemplo prático na vida da Igreja: a lei da abstinência da sexta-feira. No direito canônico atual, a abstinência de carne pode ser substituída por outra penitência ou por uma obra de caridade. O resultado é que ninguém faz praticamente mais nada na sexta-feira. A penitência, tão necessária à vida cristã, é negligenciada e o resultado são as paixões desordenadas. Não seria o caso de se restabelecer a antiga disciplina, com uma lei clara que pede a abstinência de carne nas sextas-feiras? Algumas conferências episcopais já fizeram isso. Outro exemplo é a recepção da comunhão na mão. Essa prática não tem prejudicado tanto a fé das pessoas na presença real de Cristo na hóstia consagrada? Não seria o caso de se restabelecer uma liturgia e prática provadas por séculos e séculos e centradas completamente em Deus? Não seria o caso de se retornar à teologia baseada nos fundamentos sólidos estabelecidos por São Tomás de Aquino, capaz de responder às exigências de qualquer época? Não seria o caso de se retomar uma pastoral centrada no bem das almas e menos burocrática ou social? Tudo isso aqui é essencial. Não se trata aqui de voltar a um passado por simples gosto romântico do passado ou por ideologia, quer dizer, por uma vontade desconectada da realidade. Os que fazem isso são aqueles que querem restaurar uma suposta liturgia primitiva, que querem restaurar uma suposta caridade primitiva, que querem restaurar uma suposta colegialidade da Igreja dos primeiros séculos, que querem restaurar a disciplina primitiva do não celibato dos padres na igreja latina, etc… Isso seria uma restauração ideológica, uma volta ideológica ao passado. Nós estamos falando aqui de uma restauração que possa nos centrar e centrar a sociedade em Cristo hoje e sempre, com a liturgia tradicional que favorece imensamente a isso, com uma disciplina que nos faz esquecermos de nós mesmos e que nos dirige para Deus, uma disciplina que nos auxilia e facilita a prática do bem, uma disciplina que não é um fim em si, mas um auxílio importante…  Não se trata, nem é possível, como diz São Pio X (Il fermo proposito), de restaurar todas as instituições que se mostraram úteis e eficazes no passado. A Igreja sabe se adaptar facilmente ao que é contingente e acidental sem prejudicar a integridade ou a imutabilidade da fé, da moral e sem prejudicar seus direitos sagrados. Todavia, muitos desses avanços prejudicaram de alguma forma, infelizmente, a fé e a moral, em vez de favorecê-los. A liturgia tradicional, uma disciplina mais tradicional, uma catequese e uma pastoral mais tradicionais não são uma relíquia do passado. São coisas que permanecem sempre jovens, pois fundadas na palavra de Deus, que não passa e não envelhece.

Restaurar tudo em Cristo, caros católicos. Esse deve ser o nosso programa de vida. A começar pela nossa alma, mas sem esquecer nosso próximo, sem esquecer a sociedade. Restaurar tudo em Cristo pelo ensino da religião, da doutrina católica. A primeira e maior obrigação dos pastores, diz o Concílio de Trento, é a de ensinar o povo cristão. E São Paulo diz o mesmo a Timóteo (I Tim. 5, 17): “os presbíteros que governam bem, sejam considerados dignos de estipêndio dobrado, principalmente os que trabalham em pregar e ensinar.” A conversão, o amor a Deus, a misericórdia, só podem vir com a fé. E a fé, como diz São Paulo, vem pelos ouvidos. É preciso que alguém ensine, com segurança e sem ceder às novidades, como diz São Paulo (I Tim. 6, 20). Só se ama aquilo que se conhece. Só amará a Deus quem o conhecer. Se o ensino é bem feito e seguro, isto é, baseado na Revelação e não em conjecturas, e feito com a intenção de trazer as almas para Deus, o resto seguirá como consequência. Façamos nossa parte, caros, católicos, para restaurar tudo em Deus… isso é grande obra de misericórdia.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Imitação de Cristo - Livro 3 Capítulo 34

CAPÍTULO 34

Como Deus é delicioso em tudo e sobretudo a quem o ama

1. A alma: Vós sois meu Deus e meu tudo! Que mais quero eu e que dita maior posso desejar? Ó palavra suave e deliciosa! Mas só para quem ama a Deus, e não o mundo nem as suas coisas. Meu Deus e meu tudo! Para quem a entende basta esta palavra, e quem ama acha delicia em repeti-la a miúdo. Porque, quando estais presente tudo é aprazível, mas, se vos ausentais, tudo enfastia. Vós dais ao coração sossego, grande paz e jubilosa alegria. Vós fazeis que julguemos bem de todos e em tudo vos bendigamos; nem pode, sem vós, coisa alguma agradar-nos por muito tempo, mas, para ser agradável e saborosa, é necessário que lhe assista a vossa graça e a tempere o condimento da vossa sabedoria.
2. A quem saboreia vossa doçura, que coisa não lhe saberá bem? Mas a quem em vós não se deleita, que coisa lhe poderá ser gostosa? Diante da vossa sabedoria desaparecem os sábios do mundo e os amadores da carne, porque nos primeiros se acha muita vaidade, nos últimos, a morte; os que, porém, vos seguem pelo desprezo do mundo e pela mortificação da carne, esses são verdadeiramente sábios, porque trocam a vaidade pela verdade, e a carne pelo espírito. Esses acham gosto nas coisas de Deus, e tudo quanto se acha de bom nas criaturas, referem-no à glória do seu Criador. Diferente, porém, e mui diferente, é o gosto que se encontra em Deus e na criatura, na eternidade e no tempo, na luz incriada e na luz criada.
3. Ó luz eterna, superior a toda luz criada, lançai do alto um raio que penetre todo o íntimo do meu coração. Purificai, alegrai, iluminai e vivificai a minha alma com todas as suas potências, para que a vós se una em transportes de alegria. Oh! Quando virá aquela ditosa e almejada hora, em que haveis de saciar-me com a vossa presença, e ser-me tudo em todas as coisas? Enquanto isso não me for concedido, minha alegria não será perfeita. Mas ai! Que ainda vive em mim o homem velho, não de todo crucificado nem inteiramente morto. Ainda se revolta fortemente contra o espírito e move guerras interiores; nem consente em que reine tranqüilidade na alma.
4. Mas vós, que dominais a impetuosidade do mar e aplacais o furor das ondas, levantai-vos e socorrei-me! Dissipai os poderes que procuram guerras, esmagai-os com o vosso braço (Sl 88,10; 43,26; 67,31). Manifestai, Senhor, as vossas maravilhas, e seja glorificada a vossa destra (Eclo 36,7; Jdt 9,11), pois não tenho outro refúgio senão em vós, meu Senhor e meu Deus!

Pensamentos escolhidos de Cura d'Ars.

Pensamentos escolhidos de Cura d'Ars.

Do amor à solidão.

Ducam eam in solitudinem, et loquar ad cor eius — “Eu a levarei à solidão e lhe falarei ao coração” (Os. 2, 14).

Sumário. Deus não costuma geralmente falar-nos no meio dos tumultos e negócios mundanos, pelo receio de não ser entendido. Quando quer elevar uma alma a um grau eminente de perfeição, excita-a a que se retire para algum lugar solitário, longe da conversação com as criaturas. Ali é que lhes fala ao coração, as ilumina e abrasa em seu amor divino. Se quisermos, pois, ouvir a voz de Deus, amemos a solidão e procuremos, o mais possível, ter vida retirada afim de tratarmos a sós com Deus.

I. Deus não se deixa achar nos tumultos do mundo, pelo que os santos procuravam os desertos mais horrendos, as espeluncas mais ocultas, afim de se subtraírem à sociedade dos homens e conversarem a sós com Deus. São Hilarion mudou repetidas vezes de um deserto para outro, sempre em busca do mais solitário, onde não encontrasse pessoa alguma com quem conversar e finalmente morreu num deserto de Chipre, depois de ter vivido ali cinco anos. Quando São Bruno foi chamado pelo Senhor a deixar o mundo, foi, com seus companheiros, ter com São Hugo, bispo de Grenoble, afim de que lhes assinasse em sua diocese um lugar deserto; e São Hugo indicou-lhes a Cartucha, que pela sua atrocidade antes era própria para antro de feras do que para morada de homens.

Certo dia, disse o Senhor à Santa Teresa: “Eu quisera falar a muitas almas; mas o mundo faz tanto tumulto em seu coração, que minha voz não pode ser ouvida.” Deus não fala no meio dos rumores e negócios do mundo, cuidando que, se falasse, não seria ouvido. A voz de Deus são as inspirações santas, as luzes e os convites, com que ilumina os santos e os inflama no amor divino; mas quem não ama a solidão, fica privado desta voz divina.

Deus diz: “Eu a levarei à solidão e lhe falarei ao coração.” Quando Deus quer elevar uma alma a um grau eminente de perfeição, inspira-lhe a idéia de se retirar para algum lugar solitário, e ali, longe das conversações com as criaturas, fala-lhe aos ouvidos, não do corpo, mas do coração, e assim a ilumina e a abrasa em seu divino amor. Pelo que São Bernardo dizia que tinha aprendido a amar a Deus muito mais nos bosques, entre os carvalhos e as faias, do que nos livros e no trato com os servos de Deus. — E São Jerônimo, que deixou as delícias de Roma para se encerrar na Gruta de Belém, exclamava: “Ó solidão bem aventurada, na qual o Senhor trata familiarmente com as almas suas diletas e lhes faz ouvir essas palavras que liquefazem os corações no santo amor!”

II. Ensina a experiência que o trato com o mundo e o empenho para aquisição dos bens temporais nos fazem esquecidos de Deus. Mas o que nos restará na hora de morte de todos os trabalhos e de todo o tempo gasto nas coisas da terra, senão remorsos de consciência? Na morte acharemos somente o pouco que tivermos feito ou padecido por Deus. E porque então não nos afastamos do mundo, antes que o mundo se afaste de nós?

Sedebit solitarius, et tacebit (1) — “Sentar-se-á o solitário, e ficará em silêncio”. O solitário não está em movimento contínuo, como outrora entre os negócios do mundo, mas sentar-se-á — ficará em repouso. Ele ficará em silêncio; para ser feliz não irá buscando os bens materiais; porquanto, elevado acima de si mesmo e acima de todas as coisas criadas, achará em Deus todo o bem e toda a sua felicidade. — É com razão que Davi desejava ter as asas da pomba, afim de deixar a terra e não lhe tocar nem sequer com os pés e assim achar repouso para sua alma (2). Mas já que, enquanto estivermos com vida, não nos é dado deixar a terra, procuremos ao menos amar o recolhimento o mais possível, tratando a sós com Deus, afim de termos força para evitar as faltas, quando tenhamos de tratar com o mundo. É o que fazia o mesmo Profeta Real até no meio das ocupações do governo de seu reino: Ecce elongavi fugiens, et mansi in solitudine (3) — “Eis aqui, me afastei fugindo e permaneci na solidão”.

Ó Deus de minha alma, tomara que sempre tivesse pensado em Vós e não nos bens desta terra! Amaldiçôo os dias em que, buscando as satisfações terrestres, Vos ofendi, ó meu soberano Bem. Oh! Tivesse Vos amado sempre! Tivesse antes morrido e nunca Vos tivesse ofendido! Ai de mim! Já a morte se aproxima e ainda me vejo apegado ao mundo. Meu Jesus, tomo hoje a resolução de abandonar tudo e de ser todo vosso. Vós sois Todo-Poderoso, Vós me deveis dar força para Vos ser fiel. — Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim. (II 295.)

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1. Thren. 3, 28.
2. Ps. 54, 7.
3. Ps. 54, 8.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 154 - 157.)

29 de setembro de 2013

Imitação de Cristo - Livro 3 Capítulo 33

CAPÍTULO 33

Da instabilidade do coração e que a intenção final se há de dirigir a Deus

1. Jesus: Filho, não te fies nos teus afetos atuais, que depressa em outros se mudarão. Enquanto viveres, estarás sujeito ao variável, ainda que não queiras; ora te acharás alegre, ora triste, ora sossegado ora perturbado, umas vezes fervoroso, outras tíbio, já diligente, já preguiçoso, agora sério, logo leviano. O sábio, porém, e instruído na vida espiritual, está acima desda inconstância, não cuidando dos seus sentimentos, nem de que parte sopra o vento da instabilidade, mas concentrando todo o esforço de sua alma no devido e almejado fim. Porque assim poderá permanecer sempre o mesmo e inabalável, dirigindo a mim, sem cessar, a mira de sua intenção, entre todas as vicissitudes que lhe sobrevierem.
2. Quanto mais pura for tua intenção, porém, tanto mais constante serás durante as diversas tempestades. Mas em muitos se escurece o olhar da pura intenção, porque depressa o volvem para qualquer objeto deleitável que se lhes depare. Poucos há inteiramente livres da pecha do egoísmo. Assim, os judeus foram um dia a Betânia, em casa de Maria e Marta, não só por amor de Jesus, mas também para verem a Lázaro (Jo 12,9). Cumpre, pois, purificar a intenção, para que seja simples e reta e se dirija a mim acima de tudo que há de permeio.

Pensamentos Escolhidos do Cura d'Ars.

VI - Como nos anima o pensamento do céu !

Um mau cristão não pode compreender esta bela esperança do céu, que consola e anima um bom cristão. Tudo o que faz a felicidade dos santos parece-lhe duro, incomodo.
Vede, meus filhos, estes pensamentos consoladores: com quem estaremos nós no céu? Com Deus, que é nosso Pai, com Jesus Cristo, que é nosso irmão, com a Santíssima Virgem, que é nossa mãe, com os santos, que são nossos amigos. 
Se compreendêssemos bem a nossa ventura, poderíamos quase dizer que somos mais felizes que os santos no céu. Eles vivem das suas rendas; não podem ganhar nada mais; ao passo que nós, nós podemos a cada instante aumentar o nosso tesouro.
Não se deve, pois, considerar o trabalho, porém a recompensa. Um negociante não encara o trabalho que tem no seu comércio, porém o ganho que retira dele... Que são vinte anos, trinta anos, comparados com a eternidade?...
No mundo, escondem o céu e o inferno: o céu, porque se lhe conhecêssemos a beleza, quereríamos ir para ele a todo custo; bem que deixaríamos o mundo tranquilo ! o inferno, porque se lhe conhecêssemos os tormentos, quereríamos evitá-lo a todo transe.
Se um príncipe, um imperador, fizesse comparecer perante si um súdito seu e lhe dissesse: "Quero fazer a vossa felicidade; fica comigo, fruí de todos os meus bens; cuida, porém, de não me desagradar, em tudo o que for justo"; que cuidado, que ardor não poria esse súdito em satisfazer o seu príncipe! Pois bem! Deus nos faz os mesmos convites... e nós não nos preocupamos com a sua amizade; nenhum caso fazemos das suas promessas... Como é pena...
Que felicidade para os justos quando, no fim do mundo, a alma embalsamada dos perfumes do céu vier buscar o seu corpo para gozar de Deus durante toda a eternidade ! Então os nossos corpos sairão da terra como o linho que passou pela barrela. Os corpos dos justos brilharão no céu como belos diamantes, como globos luminosos !...

XXIX DE SETEMBRO - Festa do Arcanjo São Miguel.

Michael, unus de principibus primis, venit in adiutorium meum — “Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro” (Dan. 10, 13).

Sumário. Entre os Anjos do paraíso não há um só que seja superior, nem quiçá igual a São Miguel, que foi escolhido por Deus para rebater o orgulho de Lúcifer e para o expulsar do céu. É, pois, com razão que ele foi colocado como protetor da Igreja Católica e de todos os fiéis. Alegremo-nos com o gloriosíssimo Arcanjo, recomendemo-nos a ele e dediquemos-lhe particular devoção, porque tem o honroso ofício de, na hora da morte, defender as almas contra os assaltos dos demônios e apresentá-las ao tribunal divino.

I. Entre os anjos do céu não há nenhum que seja superior, nem talvez, no dizer de São Boaventura, igual a São Miguel. E com razão, pois São Miguel foi escolhido por Deus para rebater o orgulho de Lúcifer e de todos os anjos rebeldes e para os expulsar do céu. — Minha alma, se amas este santo arcanjo, que tanto amor tem aos homens, congratula-te com ele pela grandeza de que goza no paraíso, e roga-lhe que, assim como é o protetor da Igreja universal e de todos os fiéis, seja também o teu protetor especial junto de Deus, que muito o ama e se compraz em ver glorificado por todos este anjo tão fiel e tão zeloso da glória divina.

Na missa pelos defuntos, a Igreja roga assim: São Miguel, o porta-bandeira, leve-as (as almas) à santa luz: Signifer sanctus Michael repraesentet eas in lucem sanctam. Os escritores explicam esta oração dizendo que São Miguel tem o ofício honroso de apresentar ao Juiz Jesus Cristo todas as almas que deixam este mundo em estado de graça. — Glorioso Arcanjo São Miguel, pela vossa proteção fazei que, no dia da minha morte, a minha alma esteja ornada da graça de Deus e seja digna de ser apresentada pelas vossas mãos a Jesus Cristo meu Juiz.

II. Em nome de todos os fiéis, a santa Igreja roga a São Miguel que na hora da morte nos defenda contra os assaltos dos demônios, afim de que não sejamos por eles vencidos e não nos percamos: “São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, para que não pereçamos no tremendo juízo - Sancte Michael Archangele, defende nos in proelio, ut non pereamus in tremendo iudicio. — Mas, afim de que sejamos mais seguramente defendidos nesse momento terrível que decidirá da nossa eterna salvação, mister é que em vida dediquemos devoção especial a este príncipe celeste, agradecendo muitas vezes à Santíssima Trindade as graças e prerrogativas a ele concebidas, recomendando-nos sempre à sua proteção e imitando sobre tudo as suas virtudes, em particular a sua humildade e o seu zelo pela glória divina.

Ah! Santo Arcanjo, o inferno tem muitas armas com que pode investir contra mim na hora da minha morte: estas armas são os meus pecados, com cuja representação procurará precipitar-me no desespero. Já agora está preparando tentações horríveis para me fazer então cair no pecado. Ó vós, que vencestes e expulsastes do céu este terrível adversário, vencei-o de novo por mim e na hora da minha morte expeli-o para bem longe; isto vos suplico pelo grande amor que Deus vos tem e vós a Ele. — Ó Maria, Rainha do céu, ordenai a São Miguel que me assista à hora da minha morte.

“E Vós, ó meu Deus, que regulais com ordem admirável os ministérios dos anjos e dos homens, dignai-Vos permitir que aqueles que Vos oferecem continuamente os seus serviços no céu, protejam a nossa vida sobre a terra. Por Jesus Cristo Nosso Senhor, que convosco vive e reina por todos os séculos dos séculos.” (1) (*II 47I.)

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1. Or. festi.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 368-369.)

DÉCIMO NONO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES.

A parábola do banquete nupcial e a Igreja católica.

Simile factum est regnum caelorum homini regi, qui fecit nuptias filio suo — “O reino dos céus é semelhante a um rei que fez núpcias para seu filho” (Matth. 22, 2).

Sumário. Pelo banquete do qual fala o Evangelho de hoje, entende-se a doutrina católica, os sacramentos e a abundância das graças celestiais. Como filhos da Igreja católica, somos do número dos convidados, e portanto, agradeçamos sempre a Jesus Cristo tão grande favor que nos foi concedido com preferência a tantos outros. Cuidemos, porém, que estejamos vestidos da veste nupcial, isto é, da graça santificante, afim de não sermos, cedo ou tarde, lançados às trevas exteriores, no inferno. Quantos cristãos não se perdem, porque as obras não respondem à fé que professam!

I. “O reino dos céus, diz Jesus Cristo, “é semelhante a um rei que fez núpcias para o seu filho, e mandou seus servos chamarem os convidados para as bodas. Mas eles desprezaram o convite, e lá se foram, um para sua casa de campo, outro para o seu negócio. Os outros prenderam os servos que enviara, e, depois de os cobrirem de ultrajes, mataram-nos. Mas o rei, tendo ouvido isto, ficou indignado, e enviando os seus exércitos, exterminou aqueles homicidas, e pôs fogo à sua cidade. Disse então aos seus servos: As bodas estão preparadas; mas os que haviam sido convidados não foram dignos. Ide, pois, às embocaduras das estradas, e a quantos encontrardes, convidai-os para as bodas. E, tendo sabido os seus servos pelas ruas, reuniram todos os que encontraram, bons e maus, e a mesa do banquete ficou cheia de convidados: “Et impletae sunt nuptiae discumbentium.

Segundo a interpretação dos doutores, o rei da presente parábola é o Pai Eterno; o esposo é seu Filho Jesus Cristo; a e a esposa, a Igreja Católica. Pelo banquete nupcial entendem-se a doutrina evangélica, os santos sacramentos e a abundância de todas as graças celestiais. Para este banquete místico fez o Senhor convidar primeiramente os Hebreus, por meio dos profetas e dos apóstolos. Mas, eles, desprezando o convite, maltrataram e mataram os ministros de Deus, e por isso foram expulsos e pereceram na destruição de Jerusalém. E em lugar dos Hebreus foram chamados os gentios, que andavam no caminho largo que leva ao inferno.

Meu irmão, também tu, descendente de antepassados pagãos e sem algum merecimento próprio, pertences ao número destes felizes convidados. Considera, portanto, atentamente o amor especial que Deus te mostrou, agradece-lhe e repara como até agora lhe tens correspondido. Oh! Quantos se tornariam santos, e grandes santos, se lhes tivesse sido dada a mesma abundância de recursos espirituais como a ti! Ao passo que tu há muitos anos talvez estais dormindo na tibieza, e sabe lá Deus se talvez no pecado!

II. Diz ainda a parábola do Evangelho que “entrando o rei para ver os que estavam à mesa, viu aí um homem que não estava vestindo a veste nupcial. E disse-lhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo a veste nupcial? Mas ele emudeceu. Então disse o rei aos seus ministros: “Atai-o de mãos e pés, e lançai-o nas trevas exteriores: aí haverá choro e ranger de dentes.”

Explicando este trecho, São Gregório diz que “a veste nupcial significa a santa caridade. De modo que os cristãos que pela fé são membros da Igreja, mas não possuem a caridade (isto é, não estão na graça de Deus) são semelhantes àquele homem que quis assistir às bodas, mas sem vestir a veste nupcial”. Por isso, no dia do juízo universal será pronunciada contra eles a mesma sentença daquele infeliz, e serão lançados ao inferno para sofrerem no corpo e na alma o tormento do fogo. — E prouvesse a Deus que fosse pequeno o número desses cristãos insensatos que não põem as obras em harmonia com a fé! Mas o mal está grassando em toda a parte. E por isso o Senhor conclui o Evangelho com estas palavras: Multi sunt vocati, pauci vero electi — “São muitos os chamados e poucos os escolhidos”.

Meu amabilíssimo Jesus, agradeço-Vos o me haverdes chamado com tamanho amor ao banquete místico de vossa Igreja e me haverdes tolerado tanto tempo, apesar de não estar vestido com a veste nupcial. Vejo, ó meu Senhor, que enquanto eu me esquecia de Vós, Vós não Vos esquecíeis de mim. Pesa-me de Vos ter voltado as costas, e resolvido estou a dar-me todo a Vós e a levar uma vida conforme à santa fé que professo. Porque esperar mais? Esperarei porventura até que venha a morte e Vós me condeneis às trevas exteriores, a chorar juntamente com os réprobos?

Não, meu Jesus, não Vos quero mais desagradar; quero amar-Vos com todas as minhas forças para ter um dia parte em vossas núpcias celestiais na pátria bem-aventurada. Ó Deus onipotente e misericordioso, ajudai-me com a vossa divina graça e “apartai de mim, propício, todas as adversidades; para que, expedito na alma e no corpo, com liberdade de espírito eu cumpra o que é de vosso serviço” (1). † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.

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1. Or. Dom.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 152-154.)

DÉCIMO NONO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES.

A primeira definição

O Evangelho nos mostra na narração de hoje, a autoridade de um rei desprezado.

O castigo não se faz esperar: o rei mandou seus exércitos exterminarem os homicidas e porem fogo à sua cidade.

Sente-se na narração e no tom da voz do rei uma autoridade que se impõe e que quer ser obedecida.

Transfiramos esta autoridade para o caso que nos ocupa atualmente, na parte apologética da doutrina, e como conseqüência da primazia outorgada por Jesus Cristo a Pedro, escutemos um instante como Pedro exerce a autoridade infalível com que acaba de ser revestido.

É uma cena tocante e instrutiva. Consideremos as suas duas fases:

1. A resposta de Pedro.
2. A confirmação de Jesus.

Teremos deste modo, o fato e o ensino doutrinal... o exercício do ofício da infalibilidade e a sua solene confirmação pelo próprio Jesus Cristo.

I. A resposta de Pedro

Jesus disse a Pedro, depois de o ter examinado demoradamente, como faz notar o Evangelista: intuitus eum: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

Eis Pedro constituído autoridade suprema na Igreja; tal é a sua função própria.

De fato, qual é a função do Papa?

É apresentar ao mundo o Cristo, Filho de Deus vivo, como centro e foco de toda verdade.

É uma cena evangélica de uma suavidade tocante.

Um dia os Apóstolos examinavam o conflito de opiniões que se cruzavam a respeito de seu divino Mestre.

Uns diziam que era Elias, outros que era João Batista, ou qualquer outro profeta.

Jesus interpela-os bruscamente: E vós, quem dizeis que eu sou? (Math. XVI. 15)

Cabe a Pedro, como Chefe da Igreja, dar a primeira definição de fé, da pessoa de Jesus Cristo.

Ele vai dogmatizar!

Sente-se a inspiração do Espírito Santo.

É o Papa dos séculos que vai falar... O Papa assistido por Deus... o Papa infalível... o Papa que lança através dos séculos, a convite de Jesus Cristo, a sua primeira definição doutrinal.

Jesus está ali presente. Os Apóstolos, primeiros Bispos, estão também ali presentes. Todos escutam. É a primeira vez que Pedro vai exercer a sua função oficial sob o olhar do Mestre divino.

- Quem ou eu? Pergunta Jesus.

E sem hesitação, refulgente como o relâmpago... majestoso como o trovão... fulminante como o raio... Deus fala pela boca de Pedro.

Pedro é o canal infalível da infalível verdade. Ele responde:

- Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo!

Está feito: a Igreja está fundada e em pleno exercício das suas faculdades divinas.

Deus escolheu Pedro como o primeiro Chefe desta Igreja; e na mesma ocasião este chefe lança a sua primeira definição dogmática, perante seus colegas, os Apóstolos.

Ele, Pedro, é a pedra fundamental e sobre esta pedra está colocado o trono de Cristo, Filho de Deus vivo.

Pela vez primeira, a proclamação do Papa ecoa através do mundo e continuará a ecoar através dos séculos.

Todos os Papas serão os continuadores deste brado de fé, todos serão o rochedo sobre o qual o Cristo, Filho de Deus vivo, fixará para sempre o seu trono.

Eis que estou convosco até a consumação dos séculos. (Math. XXVIII. 20)

II. A confirmação por Jesus Cristo

Eis agora a confirmação divina do primeiro decreto doutrinal do primeiro Papa.

Nada falta nesta sublime cena.

Pedro falou...

O Cristo confirma a sentença de Pedro, como confirmará as sentenças doutrinais de todos os Papas.

Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João: porque não foi a carne nem o sangue que to revelaram, mas meu Pai que está no céu. (Mat. XVI. 17)

Pode haver coisa mais clara e mais positiva? É impossível.

Jesus Cristo não quer proclamar, Ele mesmo, esta verdade. Ele deixa, ou melhor, ordena, que o Chefe infalível da sua Igreja defina a verdade da sua divindade, e Ele mesmo aprova esta proclamação, declarando que não é ele, Pedro, composto de carne e sangue, que faz esta declaração, mas sim, o Pai celeste, que lho revelou, sendo ele, Pedro, o canal infalível da doutrina divina.

Para mostrar que esta proclamação não é um fato isolado na Igreja, o divino Mestre continua: Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela! (Math. XVI. 18)

Eis a perpetuidade da autoridade e da infalibilidade prometidas a Pedro.

Ele proclamará a verdade e as portas do inferno, isto é, os vícios, as paixões, as violências, as hipocrisias, as traições, nunca hão de prevalecer contra a proclamação doutrinal de Pedro e de seus sucessores.

Notem agora a conexão lógica, admirável, entre estas diversas partes, a sucessão divina entre estas partes, a sucessão divina entre cada parte da cena e das palavras.

E para completar a cena admirável e grandiosa, o Salvador, que acaba de construir a sua Igreja, comparando-a a um edifício, continua falando das chaves que fecham os edifícios.

- Eu te darei as chaves do reino dos céus. (Math. XVI. 19) Pedro tem as chaves!

Ninguém entrará senão por seu intermédio.

Ninguém terá autoridade, senão por ele!

Apresentam-se as chaves de uma fortaleza a um rei, para se reconhecer publicamente a sua soberana autoridade.

Entregam-se as chaves a um proprietário, para demonstrar que ele é o dono da casa.

E Jesus Cristo dá as chaves do reino dos céus a Pedro, só a Pedro, exclusivamente a Pedro, para mostrar que ele é o proprietário constituído, oficial, o dono do reino dos céus e que sem ele, contra a vontade dele, ninguém ali há de penetrar!

É claro e é irrefutável!

E para que não exista nenhuma dúvida, como que para refutar de antemão, qualquer falsa interpretação, Jesus completa:

Tudo o que ligares sobre a terra, será ligado também nos céus; e tudo o que desatares sobre a terra, desatado será também nos céus. (Math. XVI. 19)

TUDO! Notai a repetição da palavra: TUDO.

O Mestre divino nada excetua.

Depois de ter feito Pedro, o fundamento da sua Igreja, depois de lhe ter dado as chaves que fecham e abrem soberanamente, Ele lhe dá a administração inteira e absoluta de todos os tesouros que nela estão depositados.

É manifestamente um desígnio de Jesus Cristo, que TUDO na Igreja repouse sobre Pedro só. Não pode haver nada mais claro, mais absoluto e mais sublime que esta divina investidura, seguindo-se à primeira definição doutrinal de Pedro.

III. Conclusão

Compreendeis agora a grandeza divina do trono de São Pedro, tão admiravelmente descrita nos Evangelhos?

O homem sincero e sem preconceitos, não discute tais verdades, pois são de uma evidência tão positiva, que ofuscam o olhar, prostram o homem diante desta obra prima do poder divino, que é o Papa.

Ubi Petrus, ibi Eclesia!

Todos querem conhecer a Igreja verdadeira. Ela é sumamente conhecível. Procurem Pedro. Pedro é a pedra fundamental da Igreja de Jesus Cristo; e encontrando Pedro, estarão no centro do edifício construído pelo divino Mestre.

A Igreja e o Papa são uma coisa só!

A Igreja não repousa simplesmente sobre o Papa, como sobre um alicerce: neste caso seria um edifício morto; mas é o Papa que constitui a Igreja.

É o Papa que faz a Igreja una, santa, católica e apostólica, marcando-a com estas quatro grandes propriedades, reservadas e incomunicáveis.

O Papa é o princípio da unidade da Igreja;
É o motor da sua catolicidade;
É a fonte da sua santidade;
É o tronco da sua apostolicidade.
Tudo repousa sobre ele.

Ó, Pedro! Ó, Papa! Em que creríamos nós, no meio das vacilações deste mundo senão em vós? Vós tendes as palavras da vida eterna.

O Papa é invencível, é imutável.

Tudo neste mundo pode desfalecer, exceto a fé e a doutrina de Pedro.

Os homens erram... os gênios mais profundos têm o seu lado fraco: só o Papa não erra, nem possui seu lado fraco. Ele é a luz do mundo, ele é o sal da terra, ele é o farol divino, que ilumina as trevas da terra!

Apoiemo-nos sobre Pedro.

Sigamos a Palavra do Papa.

Ele é homem, mas representa a verdade divina... Ele é o representante do Cristo Filho de Deus. (Joan. VI. 68)

EXEMPLOS

1. O ancião de Roma

Após estas considerações gerais, os protestantes podem e devem compreender a razão porque o Papa mora num palácio e cerca-se de majestade, sem, com isso, afastar-se dos exemplos e da doutrina do divino Mestre que disse: As raposas tem suas covas e as aves do céu os seus ninhos; porém o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. (Math. VIII. 20) Jesus Cristo nada possuía para si próprio, mas sempre achava um agasalho onde passar à noite e aí reunir os seus discípulos.

O Papa é tão pobre como o seu divino Mestre, e foi por ser ele pobre que a Igreja construiu-lhe um palácio, o Vaticano, que é o patrimônio da Igreja universal, mas este patrimônio não pertence a nenhum Papa em particular.

O Papa é pobre, mora em um palácio que não é propriedade sua, mas pertence à Igreja Católica; vive por assim dizer, da caridade de seus filhos que o sustentam.

O Papa aparece majestoso, mas com paramentos e adornos que são próprios à sua DIGNIDADE e não à sua pessoa CIVIL.

Ele vive no Vaticano, longe da família e dos amigos, unicamente cercado pelos seus auxiliares na administração, exercendo uma atividade que se pode chamar quase milagrosa.

O Papa é um cidadão venerável, pela idade, pelo saber, pela virtude e, muitas vezes, pelo sangue. Um ancião, já exausto pelos trabalhos do ministério das almas, que não vive mais para si, mas unicamente para o imenso rebanho que lhe foi confiado.

E este ancião, vestido de branco, descendente de uma estirpe imortal, anel vivo de uma corrente inquebrantável, coluna indestrutível, contra a qual se quebram os dentes das feras humanas, como os golpes dos tiranos; este homem está sempre sorridente, calmo, dominando os tempos, os séculos, e os impérios.

O mar das paixões, o oceano da corrupção, o vulcão do ódio, como os esgotos dos vícios lançam-lhe a lama e as suas lavas ferventes, e este ancião, com a mesma mão que abençoa os seus filhos fiéis, abençoa também os que o maldizem e blasfemam. (O Chr., o P. e a Igreja)

2. Réplica a Napoleão


Durante o desacordo do Papa Pio VII e Napoleão, este disse um dia a seu primo Dom Barral, Bispo de Tours:

- Não é, primo, a Igreja bem pode dispensar o Papa?
- Sim, Sire, respondeu o Prelado, como o exército pode dispensar Napoleão.

O Imperador sorriu... estava ao mesmo tempo vencido e contente.

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(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 381 - 388)

28 de setembro de 2013

Imitação de Cristo - Livro 3 Capítulo 32

CAPÍTULO 32

Da abnegação de si mesmo e abdicação de toda cobiça

1. Jesus: Filho, não podes gozar perfeita liberdade, enquanto não renunciares inteiramente a ti mesmo. Em escravidão vivem todos os ricos e egoístas, os cobiçosos, curiosos, que gostam de vaguear, buscando sempre as delícias dos sentidos e não as de Jesus Cristo, mas só imaginam o que não pode permanecer e só disso cogitam. Pois tudo que não vem de Deus perecerá. Conserva em teu coração esta breve e profunda sentença: Deixa tudo, e terás sossego. Pondera isto, e, quando o praticares, tudo entenderás.
2. A alma: Senhor, isto não é obra de um dia, nem brincadeira de criança, antes nesta breve palavra se compendia toda a perfeição religiosa.
3. Jesus: Filho, não deves recear, nem logo desanimar, ouvindo falar do caminho dos perfeitos, mas antes esforça-te por um estado mais perfeito, ou pelo menos almeja-o ardentemente. Oxalá fosses assim e tivesses chegado a tanto, que não te amasses a ti mesmo, mas estivesses inteiramente resignado à minha vontade e à daquele que te dei por diretor. Muito me agradarias, então, e toda a tua vida passaria em paz e alegria. Ainda tens que desprender-te de muitas coisas, e se não mas entregares inteiramente, não alcançarás o que me pedes. "Aconselho-te que me compres o ouro acrisolado, para te tornares rico" (Apc 3,18), isto é, a sabedoria celestial, que pisa aos pés todas as coisas terrenas. Despreza a sabedoria terrena, todo o humano contentamento e própria complacência.
4. Eu disse que deves buscar, em lugar das coisas nobres e preciosas, aquilo que, aos olhos do mundo, é vil e desprezível. Porque mui vil e desprezível, até quase esquecida, parece a verdadeira e celestial sabedoria, que não se tem em grande conta, nem trata de se engrandecer na terra. Muitos a louvam com a boca, mas afastam-se dela na vida; contudo é esta a pérola preciosa, conhecida de poucos.

Tesouro de Exemplos - Parte 407

AS TRÊS LÁGRIMAS

Havia no céu um anjo curioso! Queria saber o que se passava pelo mundo; escapous-e do céu e baixou à terra... Que amarga foi a sua decepção!... Não viu senão sangue; não pisou senão barro. Agitou suas asas brancas e rumou para o ceú...
Estavam fechadas as portas. Ouviu uma voz que lá de dentro lhe dizia:
- Anjo, não poderás entrar de novo no céu se não trouxeres da terra, num cálice, uma lágrima que recolheres por um ato de caridade que fizeres.
Rápido baixou o anjo à terra... Ouviu um leve gemido, que saía de uma casa perdida no meio do campo. . . Entrou.
. . Era um menino que estava a morrer sòzinho, abandonado de todos.O anjo olhou para êIe... O pobrezinhos sorriu-lhe e de seus olhos correu uma lágrlma... e morreu. O anjo recolheu em seu cálice de ouro aquela lágrima e, rico com aquêle tesouro, fende os ares, atravessa as nuvens, chega às portas
do céu.
- Anjo, que trazes aí?
- Senhor, uma lágrima que recolhi dos olhos de um menino agonizante que não tinha a seu lado nem os olhos carinhosos de sua mãe. . .
- Anjo, não basta.
E à terra desceu novamente o anjo... E outro ai lastimoso chegou- lhe aos ouvidos...Vinha de muito longe. . . Voa. . . chega ao fundo do deserto e entra numa caverna. Um santo anacoreta entrava em agonia. . . !
Pôs o anjo a sua mão esquerda debaixo da cabeça do homem de Deus, à maneira de macio travesseiro,e com a mão direita indicava-lhe os belos horizontes da eternidade. O anacoreta sorriu e morreu. . . Uma lágrima caía de seus olhos abertos.
. . O anjo colheu aquela lágrima e, rico com aquêle tesouro fende os ares, atravessa as nuvens, chega à porta do céu.
- Anjo, que trazes aí?
- Senhor, uma lágrima recolhida dos olhos de um anacoreta a quem consolei em sua última agonia.
- Não basta!
E outra vez o anjo desceu à terra... Uma multidão imensa conduzia à fôrca uma jovem rainha. Já se achava no fatal banquinho dos condenados. O anjo aproximou-se dela, ouviu-a e viu que era inocente. Levanta-se, faz um discurso e prova àquela multidão revoltada que aquela jovem rainha é inocente... E a multidão entusiasmada proclama-a de novo sua rainha e soberana.
De seu banquinho fatal levanta-se a rainha.. . cai de joelhos diante do anjo. . . Uma lágrima de gratidão rola de seus olhos.
O anjo recolhe em seu cálice aquela preciosa lágrima e, rico com aquêle tesouro, fende os ares, atravessa as nuvens, chega às portas do céu.
- Anjo, que trazes aí?
- Senhor, uma lágrima colhida dos olhos de uma rainha vilmente caluniada e por mim defendida.. .
- Não basta. não.
O anjo baixou de novo à terra triste e acabrunhado. .. Assentou-se numa pedra. . . Olhou para o céu e exclamou chorando:
Adeus céu, adeus!... Eu te perdi e não te gozarei mais, porque não encontro na terra uma lágrima que mereça tuas alegrias. . . Deixou cair a cabeça. . . O desespêro começava a apoderar-se dêle.. .
De repente a terra treme, o mundo estremece o, sol oculta sua face, as rochas partem-se, as trevas cobrem o universo...
O anjo levanta espantado a cabeça, olha por tôda a imensidade do escuro horizonte.. . Lá, ao longe, descobre um ponto de luz . . . uma colina... sôbre a colina uma cruz. . . na crz uma vítima... ao pé da vítima uma mulher que chora... O anjo agita impetuoso as asas. . . Voa, chega. . . olha: Santo Deus!- exclama - que é que vejo? Esta vítima é Jesus! é meu Deus! . . .Esta mulher é minha rainha... é Maria! Jesus, uma de tuas lágrimas... Maria, outra de tuas lágrimas...
E o anjo recolheu em seu cálice de ouro uma lágrima de Jesus e outra lágrima de Maria... O anjo chorou também, e aquela lágrima sua caiu no mesmo cálice e fundiu-se com as outras duas... E o anjo, rico com aquêle tesouro, fende os ares, atravessa as nuvens, chega às portas do céu.
- Anjo, que trazes aí?
- Senhor, uma lágrima de Jesus, uma lágrima de Maria e outra lágrima que é minha. . .
- Entra! entra! . . .
E entrava de novo no reino da felicidade o anjo das três lágrimas.

Maria Santíssima, modelo da vida solitária e recolhida.

Quae est ista, quae ascendit de deserto... innixa super dilectum suum? — “Quem é esta que sobe do deserto... firmada sobre o seu amado?” (Cant. 8, 5).

Sumário. A Santíssima Virgem amava tanto a solidão, que, sendo ainda criança de três anos apenas, deixou seus pais e foi encerrar-se no templo. Imagina, pois, a que grau de recolhimento e de união com Deus deve ela ter chegado quando, feita Mãe de Deus, teve a sorte feliz de viver tantos anos com Jesus Cristo. Se aspiras a honra de ser filho de Maria, aplica-te com todo o cuidado a sua imitação, levando uma vida solitária e retirada. Por isso, ama o silêncio, conserva-te sempre na presença de Deus, e volve-te muitas vezes a Ele por meio de fervorosas orações jaculatórias.

I. No tempo do dilúvio, o corvo mandado por Noé fora da arca ficou a comer os cadáveres; mas a pomba, sem pousar em parte alguma, voltou prestes ao ponto de onde partira. Assim, muitos, mandados por Deus a este mundo se detém infelizmente a gozar dos bens terrestres. Não assim a nossa pomba celeste, Maria. Conheceu que o nosso bem, a nossa única esperança deve ser Deus; conheceu que o mundo é cheio de perigos e que aquele que mais cedo o deixa é mais livre dos seus laços. Por esta razão, como afirmam São Germano e Santo Epifânio, a Santíssima Virgem, apenas chegada à idade de três anos, idade em que as crianças desejam mais vivamente a convivência com seus pais, foi encerrar-se no templo, onde melhor pudesse ouvir a voz de seu Deus e, melhor ainda, honrá-Lo e amá-Lo.

Diz Santo Anselmo que, enquanto a Bem-aventurada Virgem vivia no templo, “era dócil, falava pouco, estava sempre recolhida, sempre séria e sem se perturbar. Era, além disso, constante na oração, na leitura da Sagrada Escritura, nos jejuns e em todas as obras de virtude”. Era tão amante do silêncio, que, como ela mesma revelou à Santa Brígida, se abstinha de falar até com os próprios pais.

Não são menos belos os exemplos de recolhimento que a Virgem nos deu, depois de se desposar com o castíssimo São José. Conforme diz São Vicente Ferrer: “Maria não saía de casa senão para ir ao templo; e mesmo então, ia toda recolhida e com os olhos baixos.” Eis porque São Lucas observa que na visita a Santa Isabel: Abiit in montana cum festinatione (1) — “Ela foi com presteza às montanhas”, para ser menos vista em público e fugir o mais possível da sociedade dos homens.

Se Maria foi tão amante da solidão quando menina e tenra donzela, imagina a que grau de recolhimento e de união com Deus deve ela ter chegado quando, já Mãe de Deus, teve a grande ventura de viver trinta e três anos e de conversar familiarmente com Jesus Cristo. Tinham, pois, os anjos razão para, no dia da Assunção da Virgem ao céu, perguntarem: Quem é esta que sobe do deserto? Sim, porque Maria viveu sempre em solidão neste mundo, como num deserto.

II. Se aspiras à honra de ser filho verdadeiro de Maria Santíssima, deves aplicar-te com todo o cuidado à sua imitação, levando vida retirada e recolhida. Imagina, portanto, que a divina Mãe te diz o que o anjo disse um dia a Santo Arsênio: Fuge, tace, quiesce — “Foge, cala-te e descansa”.

Foge: Segundo o teu estado, retira-te à solidão ao menos pela vontade, evitando as conversações inúteis, mormente com pessoas de sexo diverso. Cala-te: ama o silêncio, que é chamado a guarda da inocência, a defesa nas tentações e a fonte da oração. Descansa: repousa em Deus pelo exercício da presença divina; porque, como Deus mesmo disse a Abraão, este exercício é o caminho mais curto para chegar às alturas da perfeição: Ambula coram me, et esto perfectus (2) — “Anda em minha presença e sê perfeito”.

Para imitares assim a vida solitária de Maria Santíssima, não é preciso que te escondas em alguma gruta ou no deserto; nem tampouco que deixes as ocupações do teu estado; porquanto é mais meritório trabalhar para Deus, do que descansar para pensar em Deus. É todavia necessário que faças cada dia alguma, ainda que breve, meditação. E como a Bem aventurada Virgem conservava todas as palavras de Jesus Cristo em seu coração, comparando-as umas às outras (3), faze tu também dos bons pensamentos, havidos na meditação, um ramalhete de flores, afim de refrescar durante o dia o espírito pela sua recordação.

É utilíssimo, sobretudo, o uso das orações jaculatórias, que se podem fazer em qualquer parte, tempo e ocupação. Delas diz São Francisco de Sales que suprem a falta de todas as outras orações; mas todas as orações não poderiam suprir a falta delas. — Ó Virgem Santíssima, obtende-nos o amor à oração e à solidão, afim de que, afastando de nós o amor às criaturas, só possamos aspirar a Deus e ao paraíso, onde esperamos ver-vos um dia, para convosco louvar e amar para sempre a vosso Filho Jesus, por todos os séculos dos séculos. (*I 174 271.)

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1. Luc. 1, 39.
2. Gen. 17, 1.
3. Luc. 2, 51.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 149 - 151.)

27 de setembro de 2013

Imitação de Cristo - Livro 3 Capítulo 31

CAPÍTULO 31

Do desprezo de toda criatura, para que se possa achar o Criador

1. A alma: Senhor, muita graça ainda me é necessária para chegar a tal ponto, que nenhum homem nem criatura alguma me possa estorvar. Pois, enquanto me detém alguma coisa, não posso voar à vós livremente. Aspirava a esta liberdade o profeta, quando dizia: Quem me dera asas como a pomba, para poder voar e descansar! (Sl 54,7). Que há de mais sereno que o olhar singelo, e quem é mais livre que o homem sem desejo terrestre? Por isso importa elevares-te acima de todas as criaturas, e renunciares totalmente a ti mesmo, e naquele arroubo da alma perseverares e compreenderes que o Autor de todas as coisas não tem semelhança com as criaturas. E quem não estiver desprendido das criaturas, não poderá livremente atender às coisas divinas. Por isso se encontram tão poucos contemplativos, porque raros são os que sabem desapegar-se de todo das coisas perecedoras.
2. Para isso é mister graça poderosa, que levante a alma e a arrebate acima de si mesma. Enquanto o homem não for elevado em espírito, livre de todas as criaturas e todo unido a Deus, pouco vale quanto sabe e quanto possui. Imperfeito permanecerá por muito tempo e preso à terra quem algo estimar que não seja o único, imenso e terno Bem. Porque tudo que não é Deus é nulo, e deve ser tido em conta de nada. Há grande diferença entre a sabedoria de um homem iluminado e devoto e a ciência de um letrado e estudioso. Muito mais nobre é a doutrina que vem do céu, por inspiração divina, do que aquilo que o engenho humano adquire à custa de muito esforço.
3. Muitos há que desejam a vida contemplativa, mas não tratam de exercitar-se nas coisas que ela exige. O grande obstáculo é que se detêm nos sinais e coisas sensíveis, cuidando pouco da perfeita mortificação. Não sei o que é, nem que espírito nos move, nem que pretendemos nós que passamos por homens espirituais quando empregamos tanto trabalho e cuidado nas coisas vis e transitórias, ao passo que raras vezes nos recolhemos plenamente a considerar nosso interior.
4. Ai! Que, depois de curto recolhimento, logo nos dissipamos, sem ponderar nossas ações em rigoroso exame. Não reparamos para onde se inclinam nossos afetos, nem deploramos quão defeituoso é tudo em nós. Por ter corrompido toda a carne o seu caminho (Gên 6,12), veio o grande dilúvio. Estando, pois, corrompido o nosso afeto interior, forçosamente se há de corromper a ação que dele se segue, patenteando bem a fraqueza interior. Só do coração puro procede o fruto da boa vida.
5. Muitos indagam quanto fez uma pessoa, mas de quanta virtude foi animada nem tanto se cura. Com diligência investigam se alguém é forte, rico, formoso, hábil, bom escritor, bom cantor, bom artista; mas quão pobre seja de espírito, quão paciente e manso, quão piedoso e espiritual, disso não se faz caso. A natureza só considera o exterior do homem, mas a graça olha o interior. Aquela muitas vezes se engana, esta espera em Deus, para não ser iludida.

Pensamentos Escolhidos do Cura d'Ars.

V - Excelência da Fé 

Os que não têm fé têm a alma bem mais cega do que os que não têm olhos...Nós estamos neste mundo como um nevoeiro; mas a fé é o vento que dissipa esse nevoeiro e que faz luzir sobre a nossa alma um belo sol...Vede, entre os protestantes, como tudo é triste e frio! é um longo inverno. Entre nós, tudo é alegre, jocundo e consolador. 
Deixemos falar a gente do mundo. Ai! como haveriam eles de ver? são cegos. Fizesse hoje Nosso Senhor Jesus Cristo todos os milagres que fez na Judéia, e eles não creriam neles. 
Quando dizemos: "Meu Deus, eu creio, creio firmemente, isto é, sem a menor dúvida, sem a menor hesitação..." oh! se nós nos compenetrássemos destas palavras: "Creio firmemente que estas presente em toda parte, que me vedes, que estou debaixo dos vossos olhos, que um dia vos verei claramente eu mesmo, que gozarei de todos os bens que me haveis prometido!...Meu Deus, espero que me recompensareis de tudo o que eu tiver feito para vos agradar!...Meu Deus, eu vos amo! tenho um coração para vos amar!...", oh! como este ato de fé, que também é um ato de amor, bastaria para tudo!...

Tesouro de Exemplos - Parte 406

O GIGANTE SÃO CRISTÓVÃO

A história dêste gigante tem para as crianças um atrativo especial.
Era S. Cristóvão um gigante que ganhava a vida carregando em seus ombros os viajantes de uma margem para outra de um rio caudaloso sôbre o qual não havia ponte. A correnteza não podia com êle. Dava alguns passos largos e já estava do outro lado. Largava ali o passageiro, recebia os cobres e ia carregar outro.
Contam que um dia se apresentou á beira do rio um menino louro como um raio de sol e sorridente como uma rosa de primavera. Era pequeno, pesava pouco, mas era lindo como um anjo.
Logo que o viu, disse S. Cristóvão com muito carinho: - Menino, queres que te passe para o outro lado? Andas tão sòzinho por êstes caminhos.
O formoso menino respondeu:
- Ando pelo mundo à procura de um tesouro que perdi.
Quisera passar para a outra banda do rio para  ver se por êsses campos e caminhos encontro; más não poderá comigo.
Cristóvão soltou uma gargalhada:
- Não poderei contigo? Anjinho de Deus, não te levarei ao ombro, mas na ponta do dedo.
Dito isso, aquêle vigoroso gigante tomou o menino e, como se fôsse uma pena, pô-lo sôbre os ombros e, saltando ao rio, caminhava para a margem oposta. Mas, quando estava no meio da torrente, o menino começou a pesar tanto, tanto que o gigante tremia. Vendo que a correnteza o arrastava, exclamou estupefato:
- Menino, pesas muito; tens que ser mais que um simples menino.
E o menino respondeu:
- Tens razão. Cristóvão; eu peso mais que todo o mundo, porque eu sou o menino Deus. Ando por estas terras à procura de um tesouro que são as almas. Agora vo, buscar a tua alma. Se crês em mim e me amas, não só não te pesarei sôbre os ombros, mas ainda te levarei no meu coração e te farei feliz neste mundo e no outro.
Chegando à margem oposta, Cristóvão pôs o menino sentadinho sôbre a areia e, ajoelhando-se diante dêle, disse:
- Menino, tu és Deus. Creio em ti e amo-te, e só a ti quero amar por tôda a vida.
- E cumpriu a sua palavra, porque desde aquêle dia se dedicou a servir e amar a Deus.

Primeira palavra de Jesus Cristo na cruz.

Pater, dimitte illis: non enim sciunt quid faciunt — “Pai, perdoai-lhes; pois não sabem o que fazem” (Luc. 23, 34).

Sumário: Ó ternura do amor de Jesus! Os judeus, depois de O pregarem na cruz, injuriam-No e prorrompem em blasfêmias. Ao mesmo tempo, Jesus, movido pelo desejo de salvar a todos, volve-se ao Pai Eterno, roga-Lhe pelos que O crucificaram e procura desculpar o crime. Meu irmão, se pelos nossos pecados temos renovado a crucifixão do Senhor, não desanimemos; porque Jesus nos abrangeu também em sua oração. É, porém, necessário que Lhe imitemos o exemplo, perdoando a nossos inimigos e dando o bem pelo mal.

I. Ó ternura do amor de Jesus Cristo para com os homens! Os judeus, depois de O pregarem na cruz, injuriam-No, insultam-No e prorrompem em blasfêmias; e Jesus, entretanto, que faz? Jesus, diz Santo Agostinho, não cuida tanto nos ultrajes que recebe da parte daquele povo, como no amor que O faz morrer para o salvar; e por isso, ao mesmo tempo que é injuriado pelos seus inimigos, volve-se ao Eterno Pai, pede perdão para eles e procura desculpar o crime nefando pela ignorância: Pai, perdoai-lhes; porque não sabem o quer fazem.

“Ó maravilha!” exclama São Bernardo; “Jesus Cristo pede perdão e os judeus gritam crucifigecrucifica-O.” E São Cipriano acrescenta: Vivificatur Christi sanguine qui effudit sanguinem Christi — “Recebem a vida pelo sangue de Cristo, aqueles mesmos que derramaram o sangue de Cristo”. Na sua morte, tinha o Senhor tamanho desejo de salvar a todos, que não deixa de fazer participar dos méritos de seu sangue àqueles mesmos que Lho extraem das veias à força de tormentos. Numa palavra, como diz Arnoldo de Chartres, ao passo que os judeus trabalham para se condenarem, Jesus Cristo se empenha em os salvar.

E não ficaram improfícuos os seus empenhos; pelo que, sendo mais poderosa para com Deus a caridade do Filho, do que a cegueira daquele povo ingrato, a oração de Nosso Senhor moribundo fez, como escreve São Jerônimo, que no mesmo momento muitos judeus abraçassem a fé; e, na opinião de São Leão, os milhares de judeus que se converteram pela pregação de São Pedro, foram o fruto da oração de Jesus Cristo.

Mas dirá alguém: Porque é que Jesus rogou ao Pai que lhes perdoasse, já que Ele mesmo lhes podia perdoar as injúrias? Responde São Bernardo que assim nos quis ensinar a orar pelos que nos perseguem. Por isso Santo Agostinho conclui: “Cristão, olha o teu Deus pendurado na cruz; ouve como roga pelos que O crucificaram e depois atreve-te a recusar o perdão ao irmão que te ofendeu”.

II. Cada vez que o pecador peca gravemente, diz São Paulo, pelo que depende dele calca aos pés o Filho de Deus, profana e despreza o seu sangue (1) e chega a renovar a sua paixão e morte: Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei (2) — “Outra vez crucificam Jesus Cristo para si próprios”. — Naquela oração que Jesus Cristo fez por seus crucificadores, abrangeu o Senhor, pela sua divina providência, todos os pecadores e a nós particularmente. Eis porque podemos confiadamente dirigir-nos a Deus e dizer-lhe: Pater, dimitte! — Pai, perdoai-me!

Ó Pai Eterno, escutai a voz de vosso amado Filho, que Vos pede que me perdoeis. É verdade que o perdão é obra de misericórdia para conosco, visto que não o merecemos; mas é obra de justiça para com Jesus Cristo, que satisfez superabundantemente pelos nossos pecados. Em vista de seus merecimentos não podeis deixar de nos perdoar e de receber em vossa graça àquele que se arrepende das ofensas que Vos fez. Meu Pai, arrependo-me de todo o meu coração e antes quisera ter morrido mil vezes do que Vos ter ofendido.

Meu Deus, não quero ser obstinado como os judeus; quero mudar de vida; em compensação das ofensas que Vos fiz, quero, para o futuro, amar-Vos com mais fervor; e pelos merecimentos de Jesus Cristo, peço-Vos a graça de executar esta minha resolução. — Ó Maria, minha Mãe, sabeis que sou um pobre enfermo, perdido por causa de meus pecados; mas vosso Filho desceu do céu à terra expressamente para se fazer homem em vosso seio, e assim vos fez Rainha de misericórdia e Refúgio dos desesperados, para curar os enfermos e salvar os que estavam perdidos, desde que se arrependam de seus pecados. Curai-me, pois, e salvai-me pela vossa intercessão. (*I 668.)

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1. Hebr. 10, 29.
2. Hebr. 6, 6.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 146 - 149.)

26 de setembro de 2013

Imitação de Cristo - Livro 3 Capítulo 30

CAPÍTULO 30

Como se há de pedir o auxílio divino e confiar para recuperar a graça

1. Jesus: Filho, eu sou o Senhor, que te conforta no dia da tribulação (Na 1,7). Vem a mim quando te achares aflito. O que mais te impede de receber a consolação é que tarde recorres à oração. Antes que ores com atenção, procuras consolar-te, recreando-te com vários divertimentos exteriores. Daqui vem que pouco proveito tiras de tudo, até que conheças que sou eu quem salva do perigo os que em mim esperam, e que fora de mim não há auxílio valioso, nem conselho útil, nem remédio durável. Uma vez, porém, que recobraste alento depois da tempestade, procura readquirir forças à luz das minhas misericórdias; pois estou perto, diz o Senhor, para tudo restaurar, não só com integridade, mas também com abundância e profusão.
2. Porventura há para mim alguma coisa dificultosa (Jer 32,37), ou sou semelhante àquelas que dizem e não fazem? Onde está a tua fé? Tem firmeza e segurança! Mostra-te corajoso e magnânimo, e a seu tempo te virá a consolação. Espera por mim, espera! Virei e te curarei. É tentação o que te atormenta, é temor vão o que te assusta. Que ganhas com a solicitude de um futuro contingente, senão que tenhas tristeza sobre tristeza? A cada dia basta seu fardo (Mt 6,34). Coisa vã e inútil é entristecer-se ou regozijar-se com as coisas futuras, que talvez nunca venham a realizar-se.
3. É próprio do homem deixar-se iludir por tais imaginações, mas é sinal de pouco ânimo ceder tão facilmente às sugestões do inimigo. A ele pouco importa se é por meios verdadeiros ou falsos que te seduz e engana, se é com amor dos bens presentes, ou com o temor dos males futuros que te deita a perder. "Não se perturbe, pois, teu coração, nem se amedronte" (Jo 14,27). Crê em mim, e tem confiança em minha misericórdia. Quando te julgas muito longe de mim, mais perto estou, às vezes, de ti. Quando pensas que está tudo quase perdido, muitas vezes está próxima a ocasião de granjeares maior merecimento. Nem tudo está perdido, por te acontecer alguma contrariedade. Não julgues pela impressão do momento, nem te aflijas com qualquer tribulação, venha donde vier, como se não houvesse esperança de remédio.
4. Não te julgues inteiramente desamparado, ainda quando, de tempos a tempos, te mando alguma tribulação ou te privo de alguma consolação desejada; porque é este o caminho por onde se vai ao reino dos céus. E isto, sem dúvida, convém mais a ti e a todos os meus servos, serdes exercitados nas adversidades, do que se tudo vos sucedesse à vossa vontade. Eu conheço os pensamentos escondidos, e sei que muito importa à tua salvação seres, às vezes, privado de toda consolação espiritual, para que não te exalte o bom progresso e te desvaneças do que não és. O que dei posso tirar, e dar de novo, quando me aprouver.
5. É sempre meu o que dou, e quando o tiro; não tomo coisa tua, pois "de mim procede qualquer dádiva boa de todo dom perfeito" (Tg 1,17). Se eu te enviar qualquer pena ou contrariedade, não te revoltes nem desfaleça teu coração; eu posso num momento aliviar-te e transformar tua mágoa em alegria. Todavia, procedendo eu assim para contigo, sou justo e digno de louvor.
6. Se refletires bem e julgares as coisas segundo a verdade, não deves afligir-te tanto com a adversidade, nem desanimar, mas, ao contrário, alegrar-te e dar-me graças. Até deve ser tua única alegria que eu te aflija com dores, sem poupar-te. Assim como meu Pai me amou, também eu vos amo a vós (Jo 15,19), disse eu a meus diletos discípulos, e, entretanto, não os enviei às delícias temporais, mas às grandes pelejas, não às honras, mas aos desprezos, não aos passatempos, mas sim a produzir fruto copioso na paciência. Meu filho, lembra-te bem destas palavras.

Tesouro de Exemplos - Parte 405

A LENDA DE FREI PACÔMIO

Em princípios do século décimo, vivia num convento de Beneditinos um santo religioso, chamado frei pacômio, que não podia compreender como os bem-aventurados não se cansam de contemplar por tôda a eternidade as mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos.
Um dia mandou-o o P. Prior a um bosque vizinho para recolher alguma lenha. Foi com gôsto, mas mesmo no trabalho não o largavam as dúvidas. De repente ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os ramos. Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador como jamais vira em sua vida.
Saltava de um ramo para outro, cantando, brincando e internando-se na selva. Seguiu-o frei pacômio, todo encantado, sem dar-se conta nem do tempo nem do lugar.
A certa altura a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e desapareceu. Lembrando-se então de seu trabalho, procurou o machado para voltar ao convento, mas, coisa esquisita! - achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de renha, que ajuntara, mas não o encontrou.
Alguém mo terá roubado? disse consigo. Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho.Chegou, afinal, à beira do bosque, mas não encontrou o mato de outrora; ali estava agora um campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos.
Perguntou a um dêles o caminho do mosteiro, pois de certo se havia extraviado, Todos olharam para êle com surprêsa; em seguida indicaram-lhe o mosteiro.
Chegou, mas, - grande Deus! - como estava mudado! - Em lugar da casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido veio o abrir.
- Sois recém-chegado, disse-lhe Pacômio, eu venho do bosque onde me mandou esta manhã o Prior D. Anselmo para buscar lenha.
Admirado o porteiro, deixando ali o hóspede, foi avisar o Prior que na portaria estava um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, perguntando pelo prior Anselmo.
O caso era curioso. O prior, abrindo os registos do convento, descobriu na lista o nome do prior Anselmo, que ali vivera há quatrocentos anos. Continuou a ler e achou nos anais daquele tempo o seguinte:
- Está manhã Frei Pacômio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu.
Chamaram o hóspede e fizeram-no entrar e contar a sua história. Frei Pacômio narrou o caso de suas dúvidas sôbre a felicidade e o paraíso e o prior começou a compreende o mistério.
Deus quis mostrar ao pio religioso que, se o canto de uma avezinha era capaz de encantar-lhe a alma por séculos inteiros, quanto mais a formosura de Deus não há de embeveceor os bemaventurados por tôda a eternidade sem que êles jamais se cansem

Sermão para a Festa da Exaltação da Santa Cruz - Padre Daniel Pinheiro IBP.

[Sermão] A Cruz: altar, cátedra e trono de Cristo

Sermão para a Festa da Exaltação da Santa Cruz
14.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…

Hoje festejamos a Exaltação da Santa Cruz e também a entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum (07/07/2007), de Bento XVI, documento que dá maior liberdade para a Liturgia Tradicional. Devemos manifestar nossa gratidão ao Papa por esse documento, pois convém reconhecer quando o bem é feito, ainda quando esse bem realizado é uma questão de justiça. Em todo caso, o documento vai na boa direção. Nele, o Papa afirma, com um argumento de fundo teológico, que a liturgia Tradicional não foi jamais ab-rogada: “Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar.” No documento de aplicação do Motu Proprio, a Instrução Universae Ecclesiae, temos o objetivo primeiro dessa liberdade reconhecida para a Missa Tradicional: “oferecer a todos os fiéis a Liturgia Romana segundo o Usus Antiquior, considerada como um tesouro precioso a ser conservado.” Portanto, o objetivo é que a Liturgia Tradicional, tesouro precioso, seja oferecida a todos os fiéis. E não é sem razão que a entrada em vigor desse documento coincide com a Exaltação da Santa Cruz, já que pela Missa Tradicional o sacrifício do calvário se renova de maneira sublime, aplicando abundantemente as graças obtidas por Cristo na Cruz. Tal aplicação sublime exalta a Cruz de Cristo.

“Nós, porém, devemos nos gloriar na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
A Festa de hoje nos lembra do fato histórico ocorrido em 628, ano em que o Imperador Heráclio conseguiu tomar de volta a Cruz de Cristo, que havia sido levada de Jerusalém pelos Persas, que a profanaram enormemente. Tendo recuperado a Santa Cruz, Heráclio quis entrar em Jerusalém carregando ele mesmo o Santo Lenho em ação de graças pela vitória. Todavia, vestido com todas as insígnias imperiais, não pôde entrar em Jerusalém, detido por uma força invisível. O Patriarca de Jerusalém assinalou ao Imperador que não convinha carregar com tanto aparato a Cruz que Nosso Senhor carregou com tanta humildade. Despojado de todo o aparato imperial, Heráclio conseguiu entrar em Jerusalém carregando a Cruz.

A Festa de hoje é a exaltação do instrumento de nossa salvação, que é a Cruz. A Festa de hoje nos recorda que é pela morte de NS, pela morte de Cruz de NS, que nós somos salvos. É pela Cruz que nos vem a vida e a ressurreição. A única coisa que importa nesse mundo é a Cruz, é a nossa salvação, caros católicos.

A cruz era antigamente um sinal de opróbrio, de maldição, de horror. Maldito o homem que pende da cruz, dizia a Sagrada Escritura. A Cruz era o suplício reservado aos maiores criminosos e aos escravos. Depois, porém, que NS morreu sobre ela, tornou-se sinal de glória, de bênção, de amor. Essa mudança se fez porque Cristo, morrendo sobre ela, a consagrou. Ele fez da Cruz o altar em que se imola, a cátedra de onde nos instrui, e o trono de onde reina sobre o mundo.

Ele fez dela seu altar. Depois do pecado original, o homem já não podia encontrar a salvação. Como reparar pelo pecado, que ofendeu infinitamente a majestade divina? Seria impossível. O homem poderia oferecer todos os sacrifícios, até a própria vida, e não conseguiria obter perdão, não conseguiria satisfazer pelo seu pecado. Para satisfazer plenamente por nossos pecados, o Verbo se Encarnou. Mas não se contentou somente em vir ao mundo, o que já era suficiente. Sendo Cristo homem e Deus, suas ações têm um valor infinito. A menor das ações de Cristo já seria suficiente para satisfazer por todos os pecados do mundo inteiro. Mas o Filho de Deus veio ao mundo para morrer na Cruz. Para morrer na Cruz, a fim de satisfazer pelos nossos pecados e para mostrar o tamanho de seu amor por nós. Ele amou os homens até a morte e morte de Cruz. É na Cruz que Cristo se imola e que oferece seu sacrifício para a nossa redenção. É do altar da Cruz que nos vem todo o bem: o perdão de nossos pecados e todas as graças, que nos são aplicadas pela Santa Missa, renovação do sacrifício da Cruz.

A Cruz é também a cátedra de onde NS nos instrui. Santo Agostinho a chama Cátedra do Mestre que ensina (cathedra magistri docentis). Na Cruz, NS nos ensina a santidade. Ali, elevado, NS nos mostra o que realmente tem valor nesse mundo: fazer em todas as coisas a vontade de Deus. Ali, elevado no madeiro, NS nos ensina todas as virtudes: a conformidade com a vontade de Deus, a fortaleza, a paciência, a mortificação, a caridade, enfim, todas as virtudes.  No madeiro, flagelado e coroado de espinhos, NS nos ensina as consequências do pecado, Ele nos ensina a gravidade de nossos pecados. Consideremos, caros católicos, em que estado nossos pecados deixam o Verbo Encarnado. Na Cruz, Ele nos ensina que podemos obter misericórdia, com o exemplo do bom ladrão. Mas nos ensina também que podemos, infelizmente, recusar a graça, como o mau ladrão. Ali, Ele nos ensina o valor da graça e da nossa alma, pois para nos alcançar a graça e alcançar a redenção de nossa alma, NS, homem e Deus, pagou o preço de seu sangue derramado na Cruz. Da Cruz, Nosso Salvador nos ensina que, para alcançar o céu, é preciso segui-lo, carregando com a ajuda d’Ele as nossas cruzes, suportando-as com paciência e, mais do que isso, abraçando-as com amor.

A Cruz de Cristo é o trono de onde Ele reina. Ele reina, tendo agradado infinitamente à Santíssima Trindade com seu sacrifício na Cruz. Ele reina sobre nós, tendo nos redimido e resgatado com seu sangue. Ele reina sobre a morte e o inferno, tendo ressuscitado em virtude de sua morte na Cruz. Ele reina sobre todas as criaturas, e diante dEle, todo joelho deve se dobrar no céu, na terra e no inferno. Pela Cruz, Cristo foi anunciado, conhecido, adorado amado por toda a terra. O Senhor reinou a partir do madeiro.

Não sem razão – dizia eu antes de começar o sermão – o documento papal reconhecendo a liberdade da Missa Tradicional entrou em vigor no dia 14 de setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz. Não sem razão porque a Missa Tradicional expressa perfeitamente esses três aspectos da cruz de Cristo: o altar, a cátedra, o trono. Ela exprime o altar porque na liturgia Tradicional é claríssimo que o que está ocorrendo sobre o altar é o sacrifício da Cruz renovado de forma incruenta, sem sangue, e que ele se realiza em particular para o perdão dos nossos pecados. Ela exprime perfeitamente a cátedra, nos ensinando todas as virtudes, nos ensinando com toda segurança a doutrina católica, sobretudo quanto à presença real de Cristo em corpo, alma, sangue e divindade depois da consagração. Ela exprime perfeitamente o trono de Cristo, pois aqui, tudo, absolutamente tudo está orientado para NSJC e submetido a Ele, sem espaço para que nós nos tornemos o centro da Missa.

Quanto a Cruz de Cristo deve ser exaltada, caros católicos, Cruz de onde pendeu a nossa Salvação! Mas quantos, infelizmente, são os inimigos da Cruz de Cristo. Quantos querem tirar de nossa sociedade a Cruz de Cristo. Quantos querem tirá-la dos locais públicos, dos tribunais, dos hospitais, das escolas. Quantos querem tirar de nossa sociedade a salvação trazida por Cristo. Quantos de nós, por nossos pecados, renegamos a Cruz de Cristo e a salvação que ela nos traz. Mas a Cruz de Cristo permanecerá como o único meio de salvação. Dum volvitur orbis, stat Crux. Enquanto o mundo gira e muda, a Cruz permanece. Desde o início do mundo até o final dos tempos, é Cristo crucificado que pode nos salvar. Não há ressurreição, não há vida eterna sem a Cruz, sem a Cruz de Cristo e sem as nossas cruzes carregadas no quotidiano em união com Cristo. Digamos e façamos como São Paulo: gloriemo-nos somente na Cruz de Cristo. Dizia o Santo Apóstolo: longe de mim o gloriar-me, a não ser o gloriar-me da Cruz de Cristo.

E Essa Cruz de Cristo está aqui diante de nós, sobre o altar. Mas é no momento da consagração que essa Cruz se fará presente, se renovará. Unamo-nos à Cruz de Cristo, unamo-nos a Cristo na Santa Missa, para nos oferecermos inteiramente a Ele, com tudo o que somos e temos.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.