Sermão para o 14º Domingo depois de Pentecostes
25 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer a um, e amar ao outro; ou há de afeiçoar-se a este, e desprezar aquele.”
Faz quase um mês consideramos brevemente a
importância do Latim na Liturgia. Consideramos sua importância para a
nossa vida espiritual, importância para o bem da Igreja. Hoje,
consideraremos também brevemente os outros dois aspectos mais sensíveis
quando se fala da Santa Missa no Rito Tradicional: a orientação do padre
com relação a Deus e aos fiéis e o silêncio. Lembro que esses aspectos,
embora sejam os mais visíveis, não são, porém, os mais importantes. São
aspectos fundamentais e de grandíssima importância, mas não são os mais
importantes. Os aspectos mais importantes da Missa Tradicional são suas
orações riquíssimas doutrinariamente e espiritualmente, com todos os
ritos que acompanham essas orações, que são também sacramentais que
glorificam a Deus e imploram a sua misericórdia para conosco, pobres
pecadores. Consideremos, então, a orientação do sacerdote, voltado para
Deus, e o silêncio da Missa Tradicional.
É muito comum ouvirmos as pessoas se
referirem à Missa Tradicional – muitas vezes com certo desprezo – como
aquela Missa em que o Padre está de costas para o povo, como se fosse
uma grande injúria ao povo, um crime de lesa-povo. Na verdade, o
sacerdote não se encontra de costas para o povo, mas de frente para
Deus, como é evidente. O sacerdote e fiéis estão olhando para o mesmo
sentido, para Cristo, para Deus. Originalmente, sacerdote e fiéis se
voltavam para o oriente, voltados para Cristo, chamado na liturgia de Oriens (Antífona “O”,por
exemplo) de sol que nasce, de sol de justiça. Com o passar do tempo,
muitas vezes já não se voltavam para o oriente geográfico, mas
simplesmente para o mesmo sentido, para o mesmo lugar, para um oriente
espiritual. É quase certo que, mesmo na última ceia, Cristo não estava
de frente para os apóstolos. O modo de se dispor à mesa naquela época
era bem distinto do nosso. Com o corpo reclinado, ficavam, em geral,
todos do mesmo lado, segundo os estudos mais recentes. Tratava-se também
de uma ceia ritual (páscoa judaica) e não de uma simples refeição. E
mesmo se tivesse Cristo rezado a primeira Missa de frente para os
apóstolos, nada mudaria em nossa argumentação, já que ao longo do tempo –
e muito rapidamente, segundo atestações históricas, a Igreja
estabeleceu a celebração voltada para Deus e não para o povo. Diz Bento
XVI, no primeiro volume de suas obras completas (citado por Dom
Athanasius Schneider em seu artigo sobre as cinco chagas da liturgia – Les cinq plaies de la liturgie)
que “a ideia de que o sacerdote e a assembleia devem se olhar durante a
oração nasceu com os modernos e – continua o papa – essa ideia é
totalmente estranha à cristandade tradicional. O Padre e assembleia não
se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que eles se dirigem.
Por isso, na oração eles olham para a mesma direção: seja para o leste,
como símbolo cósmico do retorno do Senhor, ou então, onde isso não é
possível, olham para uma imagem de Cristo situada na abside, para uma
cruz ou simplesmente olham juntos para o alto.”
Quando o sacerdote celebra a Missa virado
para o povo, existe uma grande tendência de que o povo se torne o
centro da Missa. Parece muitas vezes que a Missa é um diálogo do
sacerdote com o povo, e a Missa permanece num plano quase exclusivamente
horizontal – entre homens -, sem elevar-se a Deus, num plano vertical. A
posição do padre virado para o povo é mais condizente com uma aula, com
uma refeição, ou com uma situação de palco. Fazer da Missa uma pura
catequese, fazer dela uma simples refeição ou um show são coisas que,
consequentemente e infelizmente, vemos com frequência. Além disso, o
Padre voltado para o povo e vendo a reação dos fiéis ao que está sendo
feito e dito, tenderá fortemente a adaptar sua ação e seu discurso para
agradar aos fiéis presentes, gerando inúmeros abusos.
Assim, a Missa em que o sacerdote dá as
costas ao povo para voltar-se unicamente para Deus, coloca Deus no
centro da liturgia e deixa claro que aquela ação é um ato de culto para
Deus e não uma mera catequese ou reunião social. Deixa claro que não se
trata de uma mera refeição e muito menos de um show para agradar aos
fiéis presentes. Com o Padre voltado para Deus, ele conduz o povo a Deus
e não vai no sentido oposto ao dos fiéis. Ele é o Pastor que conduz os
fiéis ao Calvário e ao Céu, à Jerusalém Celeste. Sacerdote e fiel devem
se dirigir ao mesmo lugar. O Padre voltado para Deus está na posição que
convém ao mediador entre Deus e os homens: o sacerdote está diante de
Deus, suplicando diante d’Ele em favor dos homens. O Padre está, dessa
forma, voltado para o tabernáculo, onde está NSJC realmente e
substancialmente presente e que convém muitíssimo que esteja no centro
da Igreja e não em uma capela à parte. Ele está também voltado para a
Cruz, colocada no centro do altar. É preciso ter bem presente na nossa
inteligência que as nossas disposições espirituais mudam conforme nossa
posição, conforme a arquitetura do lugar, etc., pois somos não só alma,
mas também corpo. Assim, rezar ajoelhado, em pé ou sentado nos dispõe de
maneira distinta para a oração, por exemplo. Consequentemente, por mais
que se diga que espiritualmente estão todos voltados para Deus quando o
Padre celebra a Missa voltado para o povo, os resultados são bem
distintos, pois estão, de fato, voltados uns para os outros, olhando uns
para os outros, dirigindo-se uns aos outros. Dessa forma, a posição do
sacerdote, voltado para Deus é de importância enorme para uma boa
liturgia, para colocar Deus no centro, para evitar fazer da Missa uma
mera refeição ou um mero espetáculo. A posição do Padre na Missa
Tradicional diminui a importância dos fiéis e diminui a importância do
Padre. Todos diminuem para que Cristo possa crescer, como fazia São João
Batista. Vale destacar que, teoricamente, o padre voltado para Deus não
é exclusivo da Missa Tradicional. Seria possível fazê-lo também na
liturgia oriunda da reforma litúrgica de 1969 do Papa Paulo VI. Na
prática, todavia, é algo quase exclusivo da Missa Tradicional. A mudança
na orientação dos padres foi talvez o que mais chocou os fiéis no
processo de reforma da liturgia, pois a sensação foi de que o povo
passava a ser o centro e não mais Deus.
O silêncio, ao contrário do latim e da
orientação do padre, é próprio da Missa Tradicional. Falamos aqui do
silêncio que advém do fato de muitas orações serem rezadas em voz baixa
pelo sacerdote e que não é um silêncio artificial. Falamos do silêncio
da própria Missa e não de um silêncio inserido na Missa. O silêncio na
Missa Tradicional traz um grande benefício para a nossa vida espiritual.
Antes de tudo, o silêncio permite que deixemos, mais uma vez, de ser o
centro da Missa. Ora, aquele que fala é o centro das atenções. Se as
pessoas falam constantemente durante a Missa elas terão grande tendência
a achar que a Missa diz respeito, em primeiro lugar, a elas e não a
Deus. As orações do Padre em voz baixa deixam claro também para o padre
que não é a sua pessoa particular o centro da Missa. Não é ele que
precisa aparecer. Essas orações em voz baixa e o consequente silêncio da
Missa Tradicional deixam claro que o centro da Missa é Deus, é Cristo
que renova o seu Sacrifício oferecendo-o à Santíssima Trindade. O Padre
que fala em voz baixa é o centro da liturgia, mas não enquanto padre tal
ou padre fulano, e, sim, enquanto instrumento de Cristo Sacerdote, de
forma que o centro é claramente Cristo. Assim, colocando Deus como o
centro, o silêncio nos ensina a caridade, que nos inclina a fazer tudo a
partir de Deus, por amor a Deus.
O silêncio nos ensina também a
mortificação. Pelo nosso orgulho, temos muitas vezes tendência a falar, a
querer ser o centro das atenções. Pelo silêncio, negamo-nos a nós
mesmos, às nossas inclinações, mortificamos os nossos sentidos e
deixamos que Deus aja. Muitas pessoas que assistem à Missa Tradicional
pela primeira vez se queixam do silêncio ou de não terem participado da
Missa, etc. (Trataremos em outra ocasião da questão da autêntica
participação na Missa). Na verdade, essas queixas se devem muitas vezes à
simples repulsa por essa mortificação imposta pelo silêncio e pelo fato
de não ser o centro da liturgia. O homem moderno tem grande dificuldade
em deixar de ser o centro em livrar-se do antropocentrismo. Como
sabemos, porém, a mortificação é indispensável para uma vida espiritual
ordenada. O silêncio ajuda bastante nesse ponto: negação de si. O
silêncio mostra que não precisamos ser o centro das atenções para que a
Missa tenha sentido, mas que é justamente o oposto. A Missa tem sentido
quando Deus é o centro.
O silêncio na Santa Missa coloca Deus no
centro e nos mortifica. Ele também nos ensina a rezar. O fato é que,
durante o silêncio, não há alternativa: ou a pessoa reza ou ela se
distrai. Aceitar a distração seria um pecado, ainda que leve muitas
vezes. A pessoa precisa, então, rezar, e rezar sozinha. O silêncio nos
ensina o valor da oração individual, nos ensina a rezar e nos faz buscar
o melhor meio para nos unirmos ao Sacrifício de Cristo, renovado diante
de nós.
O silêncio, mortificando os sentidos, nos
ajuda muito a considerar com a inteligência o que realmente importa
durante a Santa Missa. O silêncio favorece o progresso na oração, nos
conduzindo além da oração simplesmente oral. O silêncio nos permite
considerar as verdades eternas e tomar a resolução, com o auxílio
divino, de ajustar nossa vida a essas verdades. Em resumo, o silêncio
favorece a meditação, meditação católica. Cada vez mais no mundo o
silêncio é raro. Aonde vamos há alguma espécie de barulho de música, de
televisão, de rádio, ou algo para ocupar nossa imaginação e inteligência
com coisas sem importância. Todo mundo anda com seu fone de ouvido.
Ora, sem silêncio não pensamos devidamente e, se não pensamos, não
podemos aderir com firmeza a Deus. Esse barulho entrou também na Igreja,
no centro da vida da Igreja que é a liturgia, infelizmente. O silêncio é
necessário para a nossa vida espiritual e a Missa tradicional o
favorece.
Ademais, o fato de a pessoa ter de rezar
sozinha durante a Missa favorece a oração fora do contexto litúrgico e
favorece, em particular, a oração individual, tão em desuso atualmente.
Há uma tendência de muitos a considerar que a única oração que tem
importância é a oração comunitária. Assim, diante do silêncio, a pessoa
tem de rezar, do contrário, ela se distrai. O silêncio favorece uma
oração mais elevada, nos faz considerar o que realmente importa na
Missa: o sacrifício de Cristo renovado para a glória de Deus, para o
perdão dos nossos pecados.
Estamos falando aqui do silêncio
litúrgico, que tira a pessoa do centro das atenções, que a mortifica,
que a obriga – em certo sentido – a rezar. Muitas pessoas dizem que
gostam muito do silêncio da Missa, apesar da presença de uma ou várias
crianças na Capela ou próxima da Capela chorando, fazendo barulho. Esse
silêncio litúrgico não é necessariamente um silêncio absoluto. O
silêncio litúrgico favorece, então, a oração e, consequentemente, a
devoção, a prontidão no serviço de Deus.
Finalmente, o silêncio na Missa explicita
o fato de que é o sacerdote que age na pessoa de Cristo e que é o
sacerdote que renova o sacrifício do Calvário ao dizer as palavras da
consagração. Não é o povo que consagra, não é o povo que celebra a
Missa. É o sacerdote. Para deixar clara a diferença de papéis, o Padre
reza as orações mais profundamente sacerdotais em silêncio: o ofertório,
o cânon, as palavras da consagração. Um dia estava ensinando um padre a
celebrar a Missa. Durante o treino ele falou as palavras da consagração
em voz alta. Eu disse, então, que deveriam ser ditas em voz baixa. Ele
disse que pensava que pelo menos as palavras da consagração eram ditas
em voz alta. Na verdade, justamente as palavras da consagração são as
que mais devem ser ditas em voz baixa, para deixar claro que quem
realiza o mistério da Missa é o sacerdote agindo na pessoa de Cristo,
independentemente dos fiéis, contra a concepção protestante da igualdade
completa entre sacerdote e fiel. As orações em voz baixa, portanto, têm
também um profundo sentido doutrinário.
Temos aqui, caros católicos, alguns
aspectos que ilustram a importância da orientação do sacerdote e a
importância do silêncio durante a Santa Missa. É uma importância grande
para nossa vida espiritual e para a vida da Igreja. O silêncio, a
orientação do Padre, voltado para Deus e o latim, de que já falamos em
outra oportunidade, nos ajudam bastante a servir um só Senhor – a
Santíssima Trindade – e a buscar em primeiro lugar o reino de Deus.
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