16 de setembro de 2013

Sermão 14º Domingo depois de Pentecostes - Padre Daniel.

Sermão para o 14º Domingo depois de Pentecostes
25 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer a um, e amar ao outro; ou há de afeiçoar-se a este, e desprezar aquele.”
Faz quase um mês consideramos brevemente a importância do Latim na Liturgia. Consideramos sua importância para a nossa vida espiritual, importância para o bem da Igreja. Hoje, consideraremos também brevemente os outros dois aspectos mais sensíveis quando se fala da Santa Missa no Rito Tradicional: a orientação do padre com relação a Deus e aos fiéis e o silêncio. Lembro que esses aspectos, embora sejam os mais visíveis, não são, porém, os mais importantes. São aspectos fundamentais e de grandíssima importância, mas não são os mais importantes. Os aspectos mais importantes da Missa Tradicional são suas orações riquíssimas doutrinariamente e espiritualmente, com todos os ritos que acompanham essas orações, que são também sacramentais que glorificam a Deus e imploram a sua misericórdia para conosco, pobres pecadores. Consideremos, então, a orientação do sacerdote, voltado para Deus, e o silêncio da Missa Tradicional.

É muito comum ouvirmos as pessoas se referirem à Missa Tradicional – muitas vezes com certo desprezo – como aquela Missa em que o Padre está de costas para o povo, como se fosse uma grande injúria ao povo, um crime de lesa-povo. Na verdade, o sacerdote não se encontra de costas para o povo, mas de frente para Deus, como é evidente. O sacerdote e fiéis estão olhando para o mesmo sentido, para Cristo, para Deus. Originalmente, sacerdote e fiéis se voltavam para o oriente, voltados para Cristo, chamado na liturgia de Oriens (Antífona “O”,por exemplo) de sol que nasce, de sol de justiça. Com o passar do tempo, muitas vezes já não se voltavam para o oriente geográfico, mas simplesmente para o mesmo sentido, para o mesmo lugar, para um oriente espiritual. É quase certo que, mesmo na última ceia, Cristo não estava de frente para os apóstolos. O modo de se dispor à mesa naquela época era bem distinto do nosso. Com o corpo reclinado, ficavam, em geral, todos do mesmo lado, segundo os estudos mais recentes. Tratava-se também de uma ceia ritual (páscoa judaica) e não de uma simples refeição. E mesmo se tivesse Cristo rezado a primeira Missa de frente para os apóstolos, nada mudaria em nossa argumentação, já que ao longo do tempo – e muito rapidamente, segundo atestações históricas, a Igreja estabeleceu a celebração voltada para Deus e não para o povo. Diz Bento XVI, no primeiro volume de suas obras completas (citado por Dom Athanasius Schneider em seu artigo sobre as cinco chagas da liturgia – Les cinq plaies de la liturgie) que “a ideia de que o sacerdote e a assembleia devem se olhar durante a oração nasceu com os modernos e – continua o papa – essa ideia é totalmente estranha à cristandade tradicional. O Padre e assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que eles se dirigem. Por isso, na oração eles olham para a mesma direção: seja para o leste, como símbolo cósmico do retorno do Senhor, ou então, onde isso não é possível, olham para uma imagem de Cristo situada na abside, para uma cruz ou simplesmente olham juntos para o alto.”

Quando o sacerdote celebra a Missa virado para o povo, existe uma grande tendência de que o povo se torne o centro da Missa. Parece muitas vezes que a Missa é um diálogo do sacerdote com o povo, e a Missa permanece num plano quase exclusivamente horizontal – entre homens -, sem elevar-se a Deus, num plano vertical. A posição do padre virado para o povo é mais condizente com uma aula, com uma refeição, ou com uma situação de palco. Fazer da Missa uma pura catequese, fazer dela uma simples refeição ou um show são coisas que, consequentemente e infelizmente, vemos com frequência. Além disso, o Padre voltado para o povo e vendo a reação dos fiéis ao que está sendo feito e dito, tenderá fortemente a adaptar sua ação e seu discurso para agradar aos fiéis presentes, gerando inúmeros abusos.
Assim, a Missa em que o sacerdote dá as costas ao povo para voltar-se unicamente para Deus, coloca Deus no centro da liturgia e deixa claro que aquela ação é um ato de culto para Deus e não uma mera catequese ou reunião social. Deixa claro que não se trata de uma mera refeição e muito menos de um show para agradar aos fiéis presentes. Com o Padre voltado para Deus, ele conduz o povo a Deus e não vai no sentido oposto ao dos fiéis. Ele é o Pastor que conduz os fiéis ao Calvário e ao Céu, à Jerusalém Celeste. Sacerdote e fiel devem se dirigir ao mesmo lugar. O Padre voltado para Deus está na posição que convém ao mediador entre Deus e os homens: o sacerdote está diante de Deus, suplicando diante d’Ele em favor dos homens. O Padre está, dessa forma, voltado para o tabernáculo, onde está NSJC realmente e substancialmente presente e que convém muitíssimo que esteja no centro da Igreja e não em uma capela à parte. Ele está também voltado para a Cruz, colocada no centro do altar. É preciso ter bem presente na nossa inteligência que as nossas disposições espirituais mudam conforme nossa posição, conforme a arquitetura do lugar, etc., pois somos não só alma, mas também corpo. Assim, rezar ajoelhado, em pé ou sentado nos dispõe de maneira distinta para a oração, por exemplo. Consequentemente, por mais que se diga que espiritualmente estão todos voltados para Deus quando o Padre celebra a Missa voltado para o povo, os resultados são bem distintos, pois estão, de fato, voltados uns para os outros, olhando uns para os outros, dirigindo-se uns aos outros. Dessa forma, a posição do sacerdote, voltado para Deus é de importância enorme para uma boa liturgia, para colocar Deus no centro, para evitar fazer da Missa uma mera refeição ou um mero espetáculo. A posição do Padre na Missa Tradicional diminui a importância dos fiéis e diminui a importância do Padre. Todos diminuem para que Cristo possa crescer, como fazia São João Batista. Vale destacar que, teoricamente, o padre voltado para Deus não é exclusivo da Missa Tradicional. Seria possível fazê-lo também na liturgia oriunda da reforma litúrgica de 1969 do Papa Paulo VI. Na prática, todavia, é algo quase exclusivo da Missa Tradicional. A mudança na orientação dos padres foi talvez o que mais chocou os fiéis no processo de reforma da liturgia, pois a sensação foi de que o povo passava a ser o centro e não mais Deus.

O silêncio, ao contrário do latim e da orientação do padre, é próprio da Missa Tradicional. Falamos aqui do silêncio que advém do fato de muitas orações serem rezadas em voz baixa pelo sacerdote e que não é um silêncio artificial. Falamos do silêncio da própria Missa e não de um silêncio inserido na Missa. O silêncio na Missa Tradicional traz um grande benefício para a nossa vida espiritual. Antes de tudo, o silêncio permite que deixemos, mais uma vez, de ser o centro da Missa. Ora, aquele que fala é o centro das atenções. Se as pessoas falam constantemente durante a Missa elas terão grande tendência a achar que a Missa diz respeito, em primeiro lugar, a elas e não a Deus. As orações do Padre em voz baixa deixam claro também para o padre que não é a sua pessoa particular o centro da Missa. Não é ele que precisa aparecer. Essas orações em voz baixa e o consequente silêncio da Missa Tradicional deixam claro que o centro da Missa é Deus, é Cristo que renova o seu Sacrifício oferecendo-o à Santíssima Trindade. O Padre que fala em voz baixa é o centro da liturgia, mas não enquanto padre tal ou padre fulano, e, sim, enquanto instrumento de Cristo Sacerdote, de forma que o centro é claramente Cristo. Assim, colocando Deus como o centro, o silêncio nos ensina a caridade, que nos inclina a fazer tudo a partir de Deus, por amor a Deus.

O silêncio nos ensina também a mortificação. Pelo nosso orgulho, temos muitas vezes tendência a falar, a querer ser o centro das atenções. Pelo silêncio, negamo-nos a nós mesmos, às nossas inclinações, mortificamos os nossos sentidos e deixamos que Deus aja. Muitas pessoas que assistem à Missa Tradicional pela primeira vez se queixam do silêncio ou de não terem participado da Missa, etc. (Trataremos em outra ocasião da questão da autêntica participação na Missa). Na verdade, essas queixas se devem muitas vezes à simples repulsa por essa mortificação imposta pelo silêncio e pelo fato de não ser o centro da liturgia. O homem moderno tem grande dificuldade em deixar de ser o centro em livrar-se do antropocentrismo. Como sabemos, porém, a mortificação é indispensável para uma vida espiritual ordenada. O silêncio ajuda bastante nesse ponto: negação de si. O silêncio mostra que não precisamos ser o centro das atenções para que a Missa tenha sentido, mas que é justamente o oposto. A Missa tem sentido quando Deus é o centro.

O silêncio na Santa Missa coloca Deus no centro e nos mortifica. Ele também nos ensina a rezar. O fato é que, durante o silêncio, não há alternativa: ou a pessoa reza ou ela se distrai. Aceitar a distração seria um pecado, ainda que leve muitas vezes. A pessoa precisa, então, rezar, e rezar sozinha. O silêncio nos ensina o valor da oração individual, nos ensina a rezar e nos faz buscar o melhor meio para nos unirmos ao Sacrifício de Cristo, renovado diante de nós.

O silêncio, mortificando os sentidos, nos ajuda muito a considerar com a inteligência o que realmente importa durante a Santa Missa. O silêncio favorece o progresso na oração, nos conduzindo além da oração simplesmente oral. O silêncio nos permite considerar as verdades eternas e tomar a resolução, com o auxílio divino, de ajustar nossa vida a essas verdades. Em resumo, o silêncio favorece a meditação, meditação católica. Cada vez mais no mundo o silêncio é raro. Aonde vamos há alguma espécie de barulho de música, de televisão, de rádio, ou algo para ocupar nossa imaginação e inteligência com coisas sem importância. Todo mundo anda com seu fone de ouvido. Ora, sem silêncio não pensamos devidamente e, se não pensamos, não podemos aderir com firmeza a Deus. Esse barulho entrou também na Igreja, no centro da vida da Igreja que é a liturgia, infelizmente. O silêncio é necessário para a nossa vida espiritual e a Missa tradicional o favorece.

Ademais, o fato de a pessoa ter de rezar sozinha durante a Missa favorece a oração fora do contexto litúrgico e favorece, em particular, a oração individual, tão em desuso atualmente. Há uma tendência de muitos a considerar que a única oração que tem importância é a oração comunitária.  Assim, diante do silêncio, a pessoa tem de rezar, do contrário, ela se distrai. O silêncio favorece uma oração mais elevada, nos faz considerar o que realmente importa na Missa: o sacrifício de Cristo renovado para a glória de Deus, para o perdão dos nossos pecados.

Estamos falando aqui do silêncio litúrgico, que tira a pessoa do centro das atenções, que a mortifica, que a obriga – em certo sentido – a rezar. Muitas pessoas dizem que gostam muito do silêncio da Missa, apesar da presença de uma ou várias crianças na Capela ou próxima da Capela chorando, fazendo barulho. Esse silêncio litúrgico não é necessariamente um silêncio absoluto.  O silêncio litúrgico favorece, então, a oração e, consequentemente, a devoção, a prontidão no serviço de Deus.
Finalmente, o silêncio na Missa explicita o fato de que é o sacerdote que age na pessoa de Cristo e que é o sacerdote que renova o sacrifício do Calvário ao dizer as palavras da consagração. Não é o povo que consagra, não é o povo que celebra a Missa. É o sacerdote. Para deixar clara a diferença de papéis, o Padre reza as orações mais profundamente sacerdotais em silêncio: o ofertório, o cânon, as palavras da consagração. Um dia estava ensinando um padre a celebrar a Missa. Durante o treino ele falou as palavras da consagração em voz alta. Eu disse, então, que deveriam ser ditas em voz baixa. Ele disse que pensava que pelo menos as palavras da consagração eram ditas em voz alta. Na verdade, justamente as palavras da consagração são as que mais devem ser ditas em voz baixa, para deixar claro que quem realiza o mistério da Missa é o sacerdote agindo na pessoa de Cristo, independentemente dos fiéis, contra a concepção protestante da igualdade completa entre sacerdote e fiel. As orações em voz baixa, portanto, têm também um profundo sentido doutrinário.

Temos aqui, caros católicos, alguns aspectos que ilustram a importância da orientação do sacerdote e a importância do silêncio durante a Santa Missa. É uma importância grande para nossa vida espiritual e para a vida da Igreja. O silêncio, a orientação do Padre, voltado para Deus e o latim, de que já falamos em outra oportunidade, nos ajudam bastante a servir um só Senhor – a Santíssima Trindade – e a buscar em primeiro lugar o reino de Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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