31 de maio de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

XVI

« . . . E AGORA, PAI, GLORIFICA O TEU FILHO»

DEPOIS da Ressurreição, Nosso Senhor Jesus Cristo ficou apenas quarenta dias com os discípulos. Diz S. Leão que «esses dias se não passaram na inatividade»: Ii dies non otioso transiere decursu. Pelas múltiplas aparições aos Apóstolos, pelos seus colóquios com eles - Loquens de regno Dei - Jesus enche-lhes de alegria os corações; corrobora-lhes a fé no Seu triunfo, na Sua pessoa, na Sua, missão; dá-lhes também «as últimas instruções» para o estabelecimento e organização da Igreja.
Agora que está integralmente cumprida a missão da Sua permanência neste mundo, chegou para Ele a
hora de subir para o Pai. O « divino gigante completou a sua carreira na terra»: Opus consummavi quod dedisti mihi. Agora vai gozar, em toda a sua plenitude, as excelsas alegrias dum triunfo maravilhoso: a Ascensão aos céus coroa gloriosamente a vida terrestre de Jesus.
De todas as festas de Nosso Senhor, quase me atrevo a dizer que, em certo sentido, a Ascensão é a
maior, visto ser a glorificação suprema de Jesus Cristo. A santa Igreja chama a esta Ascensão «admirável" e "gloriosa», e em todo o Ofício divino desta festa nos faz cantar a magnificência deste mistério.
O nosso divino Salvador tinha pedido ao Pai "que O glorificasse com a glória que, pela Sua Divindade, possui nos eternos esplendores dos céus»: Clarifica me, tu, Pater. . . claritate quam habui priusquam mundus esset apud te. "A vitória da ressurreição marcou a aurora desta glorificação pessoal de Jesus»: Haec est clarificatio Domini Nostri ]esu Christi, quae ab ejus resturrectione sumpsit exordium; a admirável Ascensão é o seu pleno meio dia: Assumptus est in caelum et sedet a dextris Dei. É a glorificação divina da Humanidade de Cristo, acima de todos os céus.
Digamos, pois, algumas palavras acerca desta glorificação, razões em que assenta relativamente a Jesus, graça especial que encerra para nós. A Igreja resume estes pontos na oração da missa: Concede quaesumus omnipotens Deus, ut qui hodierna die Unigenitum tuum Redemptorem nostum ad caelos ascendisse credimus, ipsi quoque mente in caelestibus habitemus: "Concedei-nos, Deus Todo  Poderoso, a nós que acreditamos que o Vosso Filho único, nosso Redentor, subiu aos céus, a graça de também nós lá vivermos em espírito».
Esta oração é primeiramente um testemunho da nossa fé no mistério. Lembrando os títulos de «Filho
único» e « Redentor», dados a Jesus, a Igreja indica os motivos da celeste exaltação do seu Esposo. Finalmente exprime a graça que nela se encerra para as nossas almas.

30 de maio de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.

Nossa Senhora Menina

Parte 3/4

Que livro explica a mãe da Santíssima Virgem a sua filha?
A Bíblia Sagrada. O livro que contém a origem da humanidade e a história gloriosa do povo escolhido. A história pátria de Maria.
O livro que contém os preceitos de Deus: o catecismo dos hebreus. O livro que encerra as profecias do Messias; o relicário das esperanças de Israel.
A mãe lia as primeiras páginas daquele livro. Ali estava a origem das tribulações que afligiam a humanidade.
O demônio enganou a mulher. Ela foi quem primeiro provou o fruto proibido e quem introduziu a morte no mundo.
Por isso nos funerais a mulher hebreia ocupava o primeiro lugar.
Ao ouvir isto, o rosto da Santíssima Virgem cobria-se de tristeza.
A mãe continuava a ler. Porém haverá também uma mulher que esmagará a cabeça da serpente infernal.
O rosto da Virgem menina voltou a iluminar-se com luzes de alegria e de esperança e no íntimo da sua alma ela faz uma pergunta e eleva uma oração:
Quem será a ditosa mulher?
- Senhor, que apareça depressa na terra.
Outro dia a Virgem menina ouve dos lábios de sua mãe as histórias gloriosas das heroínas de Israel. As histórias de Jael, Dévora e Judit.
- A mulher é débil - diz sua mãe - porém Deus serve-se de instrumentos pequenos para realizar obras grandes.
O coração de Maria vibra de emoção e aprende e repete com entusiasmo os cânticos de Dévora e de Judit e da irmã de Moisés que tinha o seu mesmo nome: Miriam.
Ela, menina débil, ajudada por Deus, está disposta a realizar as mais difíceis empresas.
A menina Maria emocionaram sobretudo os salmos de David e Salomão.
Emocionavam-na porque aqueles reis eram seus antepassados; ela era da casa de David.
Emocionavam-na sobretudo porque aqueles salmos eram uma profecia do Messias e uma súplica pedindo a sua vinda e a libertação de Israel.
E ela que, com ciência infusa conhecia o estado das almas, repetia com fervor aquelas orações.
"Tu, senhor, o juraste a David".
"Ditosos os que viverem no tempo do Messias".
A mãe de Maria fechava o livro e pegava na cesta do trabalho.
A filha sentava-se ao lado da mãe e as duas começavam a trabalhar. enquanto fiavam e teciam os vestidos, a mãe explicava à sua filha as virtudes da mulher forte, como Deus a descreve na Escritura.
Ela tece os vestidos próprios e os de seu marido e filhos, e até mesmo os dos criados. Em sua casa ninguém tem que temer o frio e a neve do inverno.
E no entanto sobra tempo à mulher forte para tecer tecidos finíssimos e vendê-los aos mercadores e assim aumentar o rendimento da sua casa.
enquanto a mãe e a filha trabalham, chegam aos seus ouvidos os lamentos contínuos dos doentes que esperam junto da fonte a descida do anjo que os cure.
E à menina Maria aqueles lamentos parecem-lhe os de todas as almas que esperam a vinda do Messias para que lhes cure as chagas do pecado.
E no fundo do seu coração continua repetindo os salmos de David, para que Deus cumpra depressa a sua promessa.

29 de maio de 2017

A vida dos Pastorinhos após as Aparições - Nossa Senhora de Fátima e a s...

Missa Tridentina - Padre Renato - IBP - São Paulo

Missas Tridentinas

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Maio 2017

27/05   Sábado        17:30h - Oração do Santo Terço
                                18:00h - Missa
                                19:00h - Palestra - Pluralismo e Enrolação 



28/05     Domingos  10:30h - Oração do Santo Terço
                                 11:00h - Missa

29/05     2ª feira       07:00h - Missa


Local:       Capela da Polícia Militar
Endereço: Av. Mal. Floriano Peixoto, 2057
Bairro:      Rebouças - Curitiba - Paraná

28 de maio de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

VI

Ao expormos o duplo aspecto do mistério de santidade que a Ressurreição de Jesus deve produzir em
nossos corações, não esgotamos os tesouros da graça pascal.
Deus é tão liberal no que faz pelo Seu Cristo, que quer que o mistério da Ressurreição de Seu Filho se
estenda não só às nossas almas, mas também aos nossos corpos. Também nós havemos de ressuscitar. É dogma de fé. Havemos de ressuscitar corporalmente como Jesus Cristo, com Jesus Cristo. Nem podia deixar de ser.
Já vos tenho dito muitas vezes que Jesus Cristo é nossa cabeça; com Ele formamos um corpo místico.
Se Cristo ressuscitou (e ressuscitou em Sua natureza humana), forçoso é que nós, seus membros, partilhemos da mesma glória. Porque não é só pela alma, mas também pelo corpo, por todo o nosso ser que somos membros de Jesus Cristo. Estamos ligados a Jesus pela mais íntima união. Portanto, se Ele ressuscitou glorioso, os fiéis que, pela graça, fazem parte do Seu corpo mistico, com Ele estarão unidos também na sua Ressurreição.
Ouvi o que a este respeito diz S. Paulo: "Ressuscitou Cristo, primícias daqueles que adormeceram» ;
representa os primeiros frutos duma colheita; depois d'Ele, a colheita deve continuar. "A morte veio à terra por causa dum homem, Adão; por um homem também virá a Ressurreição dos mortos; assim como todos morrem em Adão, assim todos serão vivificados em Cristo». «Deus, diz com mais energia ainda, com-ressuscitou-nos em Seu Filho":  CONresuscitavit nos. .. in Christo Jesu». Como? É que pela fé e pela graça, somos membros vivos de Jesus Cristo, participamos dos Seus estados, somos um com Ele. E como a graça é o princípio da glória, aqueles que pela graça já estão salvos em
esperança, estão já também, em princípio, ressuscitados em Cristo.
É esta a nossa fé e a nossa esperança.
Mas «agora a nossa vida está oculta com Cristo em Deus"; vivemos presentemente sem que a graça produza os seus efeitos de claridade e esplendor que atinge na glória; tal como Jesus Cristo, antes da Ressurreição, teve oculto o esplendor glorioso da Sua Divindade, não deixando ver mais que um reflexo dessa glória a três discípulos, no dia da Transfiguração no Tabor. A nossa vida interior, neste mundo, só é conhecida de Deus; está oculta aos olhos dos homens. Além disso, se procuramos
reproduzir em nossa alma, pela nossa liberdade espiritual, os caracteres da vida ressuscitada de Jesus, este trabalho realiza-se ainda numa carne ferida pelo pecado, sujeita às enfermidades do tempo; não alcançaremos esta santa liberdade senão à custa duma luta incessantemente repetida e fielmente sustentada. Como dizia o próprio Jesus Cristo aos discípulos de Emaús, no dia da ressurreição, também nós precisamos de «sofrer para entrar na glória": Nonne haec oportuit pati Christum et ita
intrare in gloriam suam. "Nós somos, diz o Apóstolo, filhos de Deus e seus herdeiros ; somos  
co-herdeiros de Cristo; mas não seremos glorificados com Ele, se não sofrermos com Ele».
Estes pensamentos celestiais devem alentar-nos durante os dias que ainda temos de passar neste mundo. Sim, tempo virá em que "já não haverá dores nem gritos nem choros; o próprio Deus enxugará as lágrimas a Seus servos», que se tornaram co-herdeiros de Seu Filho; fá-los-a sentar no eterno banquete que preparou para celebrar o triunfo de Jesus e daqueles de quem Ele é o irmão mais velho.
Se todos os anos formos fiéis em tomar parte nos sofrimentos de Jesus Cristo durante a Quaresma e a
Semana Santa, a celebração do mistério da Páscoa, fazendo-nos contemplar a glória de Jesus vitorioso da morte, contribuirá também cada ano para que participemos, com mais fruto e abundância, da Sua condição divina de ressuscitado. Aumenta o nosso desprendimento de tudo o que não é Deus; afervora em nós, pela graça, pela fé e pelo amor, a vida divina. Ao mesmo tempo, aviva a nossa esperança, pois, «quando no último dia aparecer Jesus Cristo, nossa vida" e nosso chefe, também nós, que participamos da Sua vida, "apareceremos com Ele na glória": Cum Christus apparuerit VITA VESTRA, tunc et vos apparebitis CUM IPSO in gloria.
Esta esperança enche-nos de alegria; e porque o mistério da Páscoa, sendo um mistério de vida, fortalece a nossa esperança, por isso é eminentemente um mistério de alegria.
A Igreja mostra-o, repetindo durante o tempo pascal o Alleluia, brado de alegria e felicidade tirado da Liturgia do céu. Suprimira-o durante a Quaresma, para manifestar a sua tristeza e comungar dos sofrimentos do seu Esposo. Agora que Cristo ressuscitou, a Igreja alegra-se com Ele, usa de novo, e com redobrado fervor, esta exclamação alegre que resume todo o ardor dos seus sentimentos.
Não percamos jamais de vista que formamos um só com Jesus Cristo; o Seu triunfo é o nosso triunfo; a Sua glória é o princípio da nossa alegria. Por isso, com a Igreja nossa Mãe, digamos muitas vezes Alleluia, para mostrarmos a Cristo a nossa alegria por vê-Lo triunfar da morte, para agradecermos ao Pai a glória que dá ao Filho. O Alleluia, que a Igreja repete sem se cansar durante os cinquenta dias do período pascal, é como que o eco sempre repetido da oração com que encerra a semana da Páscoa: "Fazei, Senhor, Vos rogamos, que estes mistérios da Páscoa sejam doravante uma ação de graças, e que a obra da nossa regeneração, que incessantemente se vai desenvolvendo, se torne em nós um
princípio inexaurível de infinita alegria".


27 de maio de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.

Nossa Senhora Menina


Parte 2/4

E, que fazia Maria em casa de seus pais?
Murilho, não é somente o pintor da Imaculada, é também o pintor que se compraz em surpreender as atitudes das crianças: desde os garotitos que comem uvas e jogam os dados até ao Menino Jesus que brinca com a pomba e acaricia o cordeirinho branco.
Murilho, quis transportar-se também em espírito à pequena morada dos pais de Maria e surpreender uma cena encantadora e muito real, embora os vestidos não correspondam a época.
Santa Ana sentada segura sobre os joelhos um livro e explica-o a sua filha. Maria é uma menina cheia de candura, de olhar inteligente e profundo. Esta de pé e escuta com atenção as explicações de sua mãe.
Ao lado, no chão, a cesta de trabalho. Que cena tão bela e tão simbólica!...
As flores necessitam ambiente propício para crescer.
Maria era humilde como a violeta, e como ela cresce no retiro de sua casa.
Maria foi menina. Ainda que muito cedo tivesse o uso da razão, exteriormente seguiu todas as fases de crescimento corporal e manifestações da alma.
Foi menina e teve em grau muito elevado a virtude característica das crianças, a inocência que se refletiu no seu rosto.
Foi menina e crescia como as meninas; porém não passou por essas crises de que padecem as meninas, em que a tristeza vai pondo sombras no seu rosto e receios no seu olhar.
Crescia e crescia como um sol que sobe até ao zenit sem encontrar nuvens no caminho.
Crescia a Virgem menina e crescia ao lado de sua mãe, como devem crescer todas as meninas.
Nem a mãe deve separar-se de suas filhas para ir divertir-se, nem as filhas devem separar-se de suas mães.
A menina deve crescer ao lado de sua mãe, como a hera cresce agarrada sempre ao tronco da árvore junto à qual nasceu. Muitos inimigos procurarão afastar a menina de perto de sua mãe.
As amigas dir-lhe-ão: Já és grande; tens que desprender-te dessa tutela. Tua mãe é uma tirana e uma antiquada; as mães modernas dão mais liberdade a suas filhas.
As paixões dir-lhe-ão: Tens que divertir-te; e para te divertires, a presença de tua mãe é um estorvo.
O mundo dir-lhe-á: Ofereço-te tudo o que desejas, porém ponho-te uma condição: que te desprendas da tua mãe; ela não permitiria que desfrutasse de tudo o que eu te daria.
O que primeiro fez o filho pródigo para se entregar às suas paixões, foi afastar-se de casa e de seu pai. Daí lhe vieram todas as desgraças.
É a história de todas as filhas pródigas: afastar-se do lar e da companhia de sua boa mãe.
A Virgem menina esta de pé ao lado de sua mãe; e sua mãe esta sentada. A menina, de pé, em atitude de respeito.
Ainda que seja mais santa que sua mãe, porque o Omnipotente realizou nela grandes maravilhas, sua mãe é representante de Deus, por isso esta sentada no trono de rainha do lar, que Deus lhe preparou, e a Virgem menina respeita sua mãe porque vê nela o mesmo Deus.
Se as mães com a sua conduta se tornassem dignas representantes de Deus, poderiam sentar-se no seu trono de rainhas do lar e ser respeitadas. 
A mãe de Maria esta sentada, em atitude de mandar. A Virgem menina esta de pé em atitude de obedecer. É  filha e os filhos devem obedecer a seus pais que mandam em nome de Deus.
A mãe de Maria tem sobre os joelhos um livro e por ele esta ensinando sua filha.
A mãe deve ser a primeira mestra de seus filhos.
Ela ensina-lhes as orações que devem rezar, e as primeiras noções da religião. Ela é a confidente que recebe as perguntas de sua filha e responde com delicadeza e sinceridade.
Porque sabe isto, a menina tem confiança com sua mãe e sua mãe a vai iniciando nos mistérios da vida; de tal maneira que da alma de sua filha vão desaparecendo as trevas da ignorância, sem que a alma se obscureça com as sombras do pecado. Instruir sem fazer pecar.
Trabalho delicado que não podem fazer as amigas, que deve fazer a mãe.

26 de maio de 2017

Sermão para o 5º Domingo depois da Páscoa – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] História das heresias VI: Lutero


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, na Epístola de hoje, o Apóstolo São Thiago diz claramente que não basta ouvir a palavra de Deus, mas que é preciso colocá-la em prática. Ou seja, é necessária a fé e são necessárias as obras. A essa verdade muito clara e coerente se opôs Lutero. Hoje, encerraremos esse segundo bloco da nossa série de sermões sobre as heresias falando da heresia de Lutero, a figuram mais simbólica do protestantismo.
Lutero nasceu em 1483 na Alemanha, em Eisleben. Recebeu o grau de Mestre em Erfurt em 1505. Pouco depois, entrou nos eremitas de Santo Agostinho. Lutero era um frade que jamais deveria ter seguido essa vocação. Resolveu entrar quando, com medo de morrer, fez um voto de entrar na vida religiosa se sobrevivesse. Na versão mais comum, ficou com pavor da morte durante uma tempestade, quando estava em viagem e um raio caiu perto dele. Pouco tempo antes, um amigo dele tinha morrido fulminado por um raio. O próprio Lutero dirá que foi um voto forçado por necessidade, assediado pelo terror e pela angústia, e do qual se arrependeu depois. Ora, um voto feito nessas condições não tem nem validade.
Martinho Lutero refletia muito o espírito alemão da época: sensível e brutal, sentimental, confuso, arrogante, seguro de si, colocando a sua vontade por regra absoluta e não muito esclarecido sobre quaisquer questões que o preocupavam. Assim, Lutero dirá: “Estou certo de que meus dogmas vêm do céu” e “minha doutrina é tal que só ela engrandece a graça e a glória de Deus.”
Lutero era bastante melancólico, dominado pela tristeza e cheio de escrúpulos. Lutero confundia tentação com o pecado, a inclinação ao pecado com o ato pecaminoso. Era uma alma verdadeiramente dilacerada e atormentada, que se via sempre no pecado e que não acreditava ser possível vencê-lo verdadeiramente. Diante desse erro, negando a misericórdia divina, desesperava quanto ao seu julgamento por Deus e quanto à sua salvação.
A sua formação espiritual e teológica foi sofrível, péssima. Sua espiritualidade era extremamente subjetiva, derivada dos chamados místicos alemães, de doutrina bem duvidosa e perigosa ou mesmo formalmente condenadas, como a de Mestre Eckhart. Espiritualidade subjetiva e, consequentemente, já descolada em boa parte da doutrina. “Piedade” entre aspas, sem doutrina, introspectiva, voltada mais para o homem do que para Deus. Seus estudos teológicos foram feitos com base em uma escolástica bem decadente, já impregnada com os erros do chamado nominalismo e que afirmava a impossibilidade de conciliar razão e fé. Tratava-se, então, de uma escolástica muito distante daquela de São Tomás de Aquino, que conciliava esplendidamente a razão e a fé. Assim, Lutero vai desprezar a razão, dizendo que ela é a meretriz do demônio.
É nesse monge, com essas disposições de alma, que vai nascer a doutrina protestante e a chamada reforma protestante. Para os que conhecem a história de Lutero, não há dúvida de que a sua doutrina se formou, no seu pensamento, para acalmar as suas angústias. São as suas impressões, as suas emoções e experiências pessoais que formarão a sua doutrina. Seus sentimentos e ideias (desconectadas da realidade) se tornavam para ele norma universal, preceito divino que deveria ser imposto ao mundo. A sua leitura da Sagrada Escritura foi uma leitura subjetiva, segundo a sua inclinação, e tendenciosa, para que a Sagrada Escritura se conformasse com as suas inclinações. De um problema pessoal, formar-se-á um sistema tão contrário à verdade…
Para resolver sua angústia, seus escrúpulos e sua fraqueza para abandonar o pecado, Lutero vai, então, elaborar uma doutrina nova, revolucionária. Ele vai dizer que o pecado original corrompeu de tal forma a natureza do homem que qualquer ação do homem, por melhor que pareça, é um pecado mortal. Assim, para Lutero, se alguém der uma esmola para um pobre com a intenção de ajudá-lo, isso é um pecado mortal. Segundo o heresiarca, o homem é incapaz das boas obras, incapaz de praticar o bem. Os atos dos homens são sempre pecaminosos, diz Lutero. Diz também que o homem não tem culpa desses pecados, já que, segundo ele, o ser humano não tem livre-arbítrio, não tem liberdade para fazer o bem. Lutero falará, então, no servo arbítrio no lugar de livre arbítrio. Na teologia de Lutero, para se salvar, basta a fé, entendida por ele como a confiança de que Deus quer salvar. Lutero revoluciona, desse modo, toda a doutrina de Cristo, contradizendo-a frontalmente, deturpando-a. Não se trata de reforma, mas de deforma ou de revolução, de blasfêmia, subvertendo todos os princípios da religião cristã e como se fôssemos obrigados a fazer o mal praticamente. Para o heresiarca, o homem se salva não porque está na graça de Deus, sem pecado grave, mas porque Deus o considera justo a partir dessa fé-confiança, ainda que o homem esteja afogado nos mais graves pecados. É uma justificação externa: Deus considera a pessoa como justa, como santa, mas ela é, na verdade, pecadora. É a doutrina do sola fides, da salvação pela fé somente. Isso resolvia as angústias de Lutero: salvando-se apenas pela fé, afirmando a impossibilidade de se livrar do pecado negando o livre arbítrio, Lutero poderia pecar tranquilamente, sem se angustiar, sem se preocupar com a sua salvação. Assim, ele dirá que se deve pecar fortemente e que se deve crer ainda mais fortemente. Um absurdo completo.
Só a fé, então, já basta para a salvação, de acordo com Martinho Lutero. A caridade, o amor a Deus e ao próximo, as boas obras, tudo isso para Lutero é impossível. E mesmo tentar fazer essas coisas já é um pecado, segundo ele. Essa doutrina é abominável, vai contra Cristo, contra a Sagrada Escritura, contra a Igreja, contra a razão e contra o mais simples bom senso. Onde está, nessa doutrina da reforma, a santidade que nosso Senhor veio trazer mandando que fôssemos perfeitos como o Pai Celeste é perfeito? Onde está o renascimento espiritual pelo batismo, que Nosso Senhor chama de um novo nascimento espiritual em seu diálogo com Nicodemos? Onde está a necessidade das boas obras, afirmada por São Thiago tão claramente, bem como pelo próprio São Paulo?
Essa doutrina de Lutero da justificação pela fé somente leva à afirmação de que todos os meios de santificação são inúteis: a missa, os sacramentos, o sacerdócio, a Igreja e sua hierarquia – o papa em primeiro lugar -, a prática das penitências, as próprias orações e a prática das virtudes. De fato, Lutero vai se opor a tudo isso. Ele vai manter, em aparência, apenas dois sacramentos, mas dizendo que são simplesmente cerimônias para favorecer essa fé-confiança. Ele vai negar a Igreja e a sua hierarquia. Vai negar a autoridade do Papa e dos Concílios, quando fica evidente que a sua doutrina contradiz a doutrina de sempre da Igreja. Nega, assim, também a Tradição e o Magistério da Igreja, dizendo que só a Sagrada Escritura basta e que cada um pode interpretá-la livremente. É o sola Scriptura com o livre exame da Bíblia, derivados do seu subjetivismo, derivados da sua leitura subjetivista da Sagrada Escritura e derivados da franca oposição da interpretação dele com a interpretação dos padres da Igreja e com a interpretação da Igreja. Para resolver essa oposição, ele afirma, então, que apenas a sua opinião vale. A tal ponto chega Lutero que ele vai pretender decidir quais livros são inspirados ou não: negará, por exemplo, a Epístola de São Thiago, que afirma a necessidade das obras de maneira muito clara como ouvimos na Santa Missa de hoje.
Lutero lançou, ou melhor, tornou mais evidentes e difundidos os princípios que norteiam a modernidade e que vêm da decadência da Idade Média: 1) o subjetivismo, quer dizer, o reino do sujeito sobre a realidade, em particular em matéria religiosa ao interpretar a Sagrada Escritura segundo o seu gosto (livre exame) e ao erigir em pretensa verdade o que lhe convém e satisfaz; 2) a negação da autoridade e o igualitarismo ao negar a autoridade da Igreja, do Papa e da hierarquia em geral, e ao negar o sacerdócio, igualando, assim, todos. Lutero defenderá a autoridade dos príncipes temporais, mas por mera conveniência, já que muitos deles o protegiam. A negação da autoridade religiosa em Lutero e o seu igualitarismo em religião, fazendo de cada um o Papa que pode interpretar a Bíblia, culminará no igualitarismo político e econômico da revolução francesa e do socialismo, bem como no enfraquecimento generalizado da autoridade em todos os níveis.  Tudo isso vai fundamentar o liberalismo: o homem como árbitro da verdade e do bem, independentemente de Deus.
Poderíamos ainda tratar de muitos outros pontos sobre Lutero (como a sua moral péssima), para mostrar como foi catastrófica a sua reforma, que arrastou grande parte da Europa para erros tão escandalosos, tão absurdos, tirando-a da verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os princípios de Lutero estavam já latentes na decadência da Idade Média, no voluntarismo de um Duns Scotus, no nominalismo de um Ockham, no subjetivismo do chamado misticismo alemão. Ajudaram também na propagação da heresia protestante o nacionalismo e o absolutismo (dos soberanos temporais) crescentes e derivados do renascimento e que opunham os príncipes ao Papa. Muitos soberanos temporais enxergaram, na reforma protestante, a ocasião para diminuir a influência da Igreja na sociedade e para confiscar os bens da Igreja. Ajudou também na propagação da heresia o lamentável enfraquecimento da figura do Papa aos olhos do povo e dos soberanos em virtude de acontecimentos que antecederam a revolução protestante. O primeiro acontecimento foi o cativeiro de Avignon, quando o papado se instalou em Avignon, em virtude da pressão do rei da França, em atitude descabida, e em virtude da insegurança em Roma, dadas as lutas entre partidos. Ficou o Papa nessa cidade da França, com o rei procurando controlá-lo, o que gerará desconfiança ao Papa por parte de outros soberanos, supondo que o Papa atendia aos interesses do rei da França. O segundo acontecimento foi o cisma do ocidente, quando a cristandade ficou dividida na submissão entre dois bispos que se proclamavam Papa (claro, apenas um era verdadeiramente o Papa). O cativeiro (68 anos) e o cisma (39 anos) duraram um tempo bastante considerável. Foram acontecimentos péssimos.
Podemos, ainda, citar o humanismo e o renascimento como causas favorecedoras da difusão infeliz do protestantismo. O humanismo com seu desprezo da escolástica, incluindo a boa. O renascimento com seu paganismo e que chegou a penetrar em muitos membros da Igreja, gerando escândalos, permitindo que Lutero se apresentasse como um reformador diante dos incautos.
Lutero foi condenado pelo Papa Leão X com a famosa Bula Exsurge Domine e pelo Concílio de Trento.
A chamada reforma protestante foi realizada há 500 anos, em 1517. Esse é o ano marcado pela fixação das suas 95 teses na porta da Universidade de Wittenberg, onde lecionava Sagrada Escritura, em particular as Epístolas de São Paulo. Na verdade, a fixação dessas 95 teses é contestada por alguns historiadores bem sérios. Seria uma elaboração posterior para engrandecer um pouco a figura de Lutero. A fixação de teses na porta da Igreja era uma convocação para uma disputa teológica. O fato é que não houve essa disputa nesse momento, o que nos faz pensar que as teses não foram fixadas. Se tivessem sido, certamente teólogos católicos teriam disputado com Lutero nesse momento, como fizeram depois. O pretexto para as 95 teses foram as indulgências. Mero pretexto. Lutero queria já apresentar seus dogmas, elaborados pelos seus pensamentos para resolver suas angústias. Claro que houve alguns abusos nas indulgências por parte de alguns encarregados de pregá-las e concedê-las, mas, em si, as indulgências são excelentes. Lutero utilizou essa questão como pretexto para sua revolta. Qualquer criança do catecismo sabe que as indulgências não compram o céu e que elas pressupõem o arrependimento sincero do pecado e o desapego do pecado.
O fato é que já faz 500 anos, com consequências tão drásticas para as almas. Não há o que comemorar. Não podemos comemorar um acontecimento que levou tantas almas para o erro e que perdeu tantas almas. Devemos mais bem lamentar. Mas a providência divina age. Ela suscitou verdadeiros reformadores. Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, São Pedro de Alcântara, São Felipe Neri, São Carlos Borromeu, São Pio V, São Camilo de Lelis e tantos outros. Se a Igreja perdia metade de um continente, conquistava grande parte das Américas com os missionários jesuítas, franciscanos e dominicanos. E com a aparição de Nossa Senhora de Guadalupe no México. Deus age na história, caros católicos. Tenhamos confiança e façamos a nossa parte, procurando nos santificar.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Algumas Fontes:
Philip Hughes. História da Igreja Católica.
Bernardino Llorca. Manual de História Eclesiástica.
Frantz Funck-Brentano. Lutero.
Ricardo Garcia-Villoslada. Raíces Históricas del Luteranismo.
Ricardo Garcia-Villoslada. Martín Lutero (2 volumes).

25 de maio de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

v

Perguntar-me-eis agora como podemos fortalecer em nós esta graça pascal?
Primeiro, contemplando o mistério com grande fé.Vede: quando Jesus Cristo aparece aos discípulos e ordena a Tomé, o apóstolo incrédulo, que ponha o dedo nas cicatrizes que conservou das Suas chagas, que lhe diz? «Não sejas incrédulo, mas fiel». E quando o Apóstolo O adora como seu Deus, Nosso Senhor acrescenta: Beati qui non viderunt et crediderunt: «Cres em mim,Tomé, porque me viste e tocaste; bem aventurados aqueles que creram sem verem».
A fé põe-nos em contato com Cristo; se contemplarmos este mistério com fé, Jesus Cristo produzirá em nós a graça que produzia, como ressuscitado, quando aparecia aos discípulos. Ele vive em nossas almas e, sempre vivo, opera incessantemente em nós, conforme o grau da nossa fé e a graça própria de cada um dos Seus mistérios. Canta-se na vida de Santa Madalena de Pazzi que, num Domingo de Páscoa, estando à mesa do refeitório, tinha um ar tão contente e alegre, que a noviça que a servia não pôde conter-se sem lhe perguntar o motivo. «É a beleza do meu Jesus, respondeu, que me faz tão
alegre: neste momento vejo-O nos corações de todas as minhas irmãs. - Sob que forma? - tornou a noviça. - Vejo-O em todas, respondeu a santa, ressuscitado e glorioso como a Igreja no-Lo representa neste dia».
É sobretudo pela comunhão sacramental que assimilaremos os frutos deste mistério.
Com efeito, o que é que recebemos na Eucaristia? Jesus Cristo, o Corpo e o Sangue de Cristo. Mas
notai que, se a comunhão supõe a imolação do Calvário e o do altar, que a reproduz, no entanto é a carne glorificada do Salvador que comungamos. Recebemos Cristo tal qual é agora, isto é, glorificado no mais alto dos céus e de posse, em toda a plenitude, da glória da Ressurreição.
Aquele que assim recebemos, que é realmente a verdadeira fonte de toda a santidade, não pode deixar de nos comunicar a graça da Sua «santa» Ressurreição: nisto, como em tudo, é da Sua plenitude que todos devemos receber.
Ainda hoje, Jesus Cristo, sempre vivo, repete a cada alma as palavras que pronunciava diante dos discípulos, no momento em que, por ocasião da Páscoa, ia instituir o Seu Sacramento de amor: «Ansiava ardentemente por celebrar esta Páscoa convosco». Jesus Cristo quer realizar em nós o mistério da Sua Ressurreição. Ele vive acima de tudo o que é terrestre, inteiramente entregue ao
Pai; quer, para nosso gozo, arrastar-nos consigo nesta corrente divina. Se depois de O recebermos na comunhão Lhe deixamos plena liberdade de ação, dará à nossa vida, pelas inspirações do Seu Espírito, aquela orientação estável para o Pai, que nos leva à santidade. De modo que todos os nossos pensamentos, todas as nossas aspirações, toda a nossa atividade, tudo se encaminha para a glória do nosso Pai dos céus.
Sois Vós, divino ressuscitado, que vindes a mim; Vós que, depois de terdes com os Vossos sofrimentos satisfeito pelo pecado, vencestes a morte pelo Vosso triunfo e agora, glorioso, não viveis senão para o Pai. Vinde a mim «para aniquilar a obra do demônio», para operar a destruição do pecado e das minhas infidelidades; vinde a mim para aumentar o desprendimento de tudo o que não sois Vós; vinde tornar-me participante dessa superabundância de vida perfeita, que transborda da Vossa santa Humanidade. Cantarei então convosco um hino de ação de graças ao Pai, que nesse dia Vos coroou de glória e honra como a nosso chefe e nossa cabeça.
Estas aspirações são as da Igreja numa das orações em que resume, depois da comunhão, as graças que de Deus implora para seus filhos. «Dignai-Vos, Senhor, livrar-nos de todo o vestígio do homem velho, e fazei que a participação do Vosso augusto Sacramento nos confira um novo ser".
E esta graça quer a Igreja que permaneça em nós, mesmo depois da comunhão, mesmo depois de terminadas as solenidades pascais: «Fazei, nós Vo-lo rogamos, Deus todo-poderoso, que a virtude do mistério pascal permaneça constantemente em nossas almas". É uma graça permanente que nos dá, segundo a expressão de S. Paulo, «o poder de nos renovar constantemente", de aumentar em nós a vida de Cristo, aproximando-nos cada vez mais dos traços gloriosos do nosso divino modelo.

24 de maio de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey,

I SÉRIE

ECCE MATER TUA.

Nossa Senhora Menina


Parte 1/4

Apresentemos o primeiro retrato. Será o de Nossa Senhora Menina.
Pensa-se pouco em Nossa Senhora Menina.
A razão é clara. O Evangelho não nos fala da infância de Maria. A primeira vez que a apresenta é já uma jovem desposada com José.
Para sabermos alguma coisa de Nossa Senhora Menina temos que acudir às conjecturas e à tradição.

*  *  *

Em que ambiente colocaremos Nossa Senhora Menina?
Uma tradição que remonta até ao século II, diz-nos que a Santíssima Virgem nasceu em Jerusalém junto à probática piscina.
Um templo ali levantado ainda agora continua comemorando o acontecimento.
Jerusalém, orgulho e glória para todos os judeus, era-o de uma maneira especial para Maria.
Era a cidade onde tiveram o seu trono os antepassados da Santíssima Virgem, os reis de Judá; as suas cinzas descansavam na necrópole de Jerusalém.
A alma da Santíssima Virgem tinha de encher-se de imagens e de ideias messiânicas e nenhum sítio melhor para isso do que Jerusalém.
E dentro de Jerusalém, procuraremos a Virgem Menina em casa de seus pais, que se ergue junto da probática piscina. Perto da porta por onde passavam as ovelhas destinadas ao sacrifício.
Perto daquela piscina em volta da qual se juntava uma multidão de estropiados: cegos, coxos, paralíticos, e esperavam que o anjo do Senhor descesse a remover a água; porque o primeiro que descesse à piscina ficava curado.
Entremos na casa da Virgem Maria Menina.
De seus pais nada nos diz o Evangelho.
A tradição conta-nos que se chamavam Joaquim e Ana e que eram já de idade avançada.
A Igreja venera-os nos seus altares e a razão nos diz que tiveram de ser muito santos.
Aquela Menina era a obra mais preciosa da Santíssima Trindade, e Deus tinha que a pôr em mãos muito seguras.
Depois a entregaria a José; e José diz-nos o Evangelho que era "vir iustus", um homem santo, o mais santo depois de Maria e de Deus.
Os pais de Maria tiveram de ser muito santos também.

23 de maio de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 366

NOSSO MODELO É JESUS CRISTO

Alberto, filho do conde de Falkenberg, entrou na Ordem de São Domingos, não obstante a forte oposição dos pais. Um amigo da família foi ao convento dizer ao jovem que, se não voltasse para casa, sua mãe morreria de dor. Alberto, apontando para um Crucifixo, disse-lhe:
— Jesus Cristo é o nosso modelo. E tu bem sabes que Ele não desceu da Cruz para consolar sua aflita Mãe. Por isso, também, eu não abandonarei o estado religioso por causa da minha, pois está no Evangelho que quem ama pai e mãe e irmãos mais que a Jesus Cristo não é digno dele, não serve para o céu.
Ouvindo essas palavras, o outro resolveu fazer-se também religioso.

22 de maio de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV

O segundo elemento da santidade (e que, aliás, dá ao primeiro a sua razão de ser e o seu valor ) é a entrega de nós mesmos a Deus, a dedicação a Deus, o que S. Paulo chama «viver para Deus»: Viventes Deo.
Este viver para Deus encerra em si uma infinidade de graus. Supõe em primeiro lugar afastamento total de todo o pecado mortal; entre este e a vida divina há incompatibilidade absoluta. Há depois a separação do pecado venial, das raízes do pecado, de todo o motivo natural; desapego de tudo quanto é criado. Quanto mais completa for esta separação, mais libertados estamos, mais livres espiritualmente e mais se desenvolve e desabrocha também em nós a vida divina; à medida que a alma se liberta do humano, abre-se para o divino, saboreia as coisas celestes, vive a vida de Deus.
Neste feliz estado, a alma não só está livre do pecado, mas trabalha unicamente sob a inspiração da graça, levada por um motivo sobrenatural. E quando este motivo se estende a todas as ações, quando a alma, por um movimento de amor habitual e estável, atribui tudo a Deus, à glória de Cristo e do Pai, então há nela a plenitude da vida, a santidade: Vivit Deo.
Haveis de notar que, durante o tempo pascal, a Igreja nos fala muitas vezes de vida, não só porque
 Jesus Cristo, pela Sua Ressurreição, venceu a morte, mas principalmente porque abriu às almas as fontes da vida eterna. É em Jesus Cristo que encontramos esta vida: Ego sum vita. É por isso também que a Igreja nos faz ler frequentemente, nestes dias abençoados, a parábola da vida: «Eu sou a vida, diz Jesus, vós os ramos; permanecei e  mim e Eu em vós, porque sem mim nada podeis fazer». É mister permanecermos em Jesus Cristo e Ele em nós, para produzirmos muitos frutos.
De que maneira?
Pela Sua graça, pela fé que n'Ele temos, pelas virtudes de que Ele é o exemplar e nós imitamos. Quando, depois de renunciarmos ao pecado, morremos para nós mesmos, «como o grão de trigo morre na terra antes de produzir fecundas espigas», quando agimos unicamente sob a inspiração do Espírito Santo e em conformidade com os preceitos e máximas do Evangelho de Jesus, então é a vida divina de Cristo a desabrochar em nossas almas, «é Jesus Cristo que vive em nós»: Vivo
ego, jam non ego, vivit vero in me Christus.
Eis o ideal da perfeição: Viventes Deo ín Christo Jesu. Não podemos atingi-lo num dia; a santidade, inaugurada no Batismo, vai-se realizando só pouco a pouco, por graus sucessivos. Façamos de modo que cada Páscoa, cada dia deste período abençoado, que vai da Ressurreição até ao Pentecostes,  produza em nós uma morte mais completa ao pecado, à criatura  e um acréscimo mais vigoroso e abundante da vida de Cristo.
É preciso que Cristo reine em nossos corações e tudo em nós Lhe seja submetido. Que faz Jesus Cristo desde o dia do Seu triunfo? Vive e reina glorioso, Deus no seio do Pai: Vivit et regnat Deus. Cristo só vive onde reina, e vive em nós na proporção em que reina em nossas almas. É Rei como é Pontífice. Quando Pilatos Lhe pergunta se é Rei, Nosso Senhor responde: Tu dicis quia rex sum ego, "sou, sim, mas o meu reino não é deste mundo». «O reino de Deus está em nós: Regnum Dei intra vos est. É necessário que de dia para dia se realize em nós mais plenamente esta dominação de Cristo. É o que pedimos a Deus: Adveniat regnum tuum! Oh! "venha, Senhor, o dia em que reineis verdadeiramente em nós por Jesus Cristo»!
E por que não se dá ainda isto? Porque há muitas coisas em nós - vontade própria, amor próprio, nossa atividade natura - que não estão ainda sujeitas a Cristo; porque ainda não fizemos o que o Pai deseja: Omnia subjecisti sub pedibus ejus, "pôr tudo sob os pés de Cristo". É esta uma parte da glória que o Pai quer doravante dar ao Seu Filho Jesus: Exaltavit illum et donavit illi nomen . . .  ut in nomine Jesu omne genu flectatur. O Pai quer glorificar a Jesus Cristo, porque é Seu Filho,  porque se humilhou; quer que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus; tudo na criação Lhe deve estar sujeito: no céu, na terra e nos infernos; tudo o deve estar igualmente em cada um de nós; vontade, inteligência, imaginação, energias.
Veio a nós, como Rei, no dia do Batismo; mas o Seu domínio é-Lhe disputado pelo pecado. Quando destruímos o pecado, infidelidades, apego à criatura, quando vivemos da fé n'Ele, na Sua palavra, nos Seus méritos, quando procuramos agradar-Lhe em tudo -,  então Jesus Cristo é o Senhor, reina em nós, como reina no seio do Pai, vive em nós; pode dizer de nós ao Pai: «Vê, ó Pai, esta alma: vivo e reino nela para que o teu nome seja santificado ».
Tais são os aspectos mais profundos da graça pascal: desapego de tudo o que é humano, terrestre, criado; doação total a Deus por Jesus Cristo. A Ressurreição do Verbo Incarnado torna-se para nós mistério de vida e santidade. Sendo Cristo o nosso chefe, «Deus ressuscitou-nos com Ele»: Conresuscitavít nos. Portanto, devemos procurar reproduzir em nós os traços que caracterizam a Sua vida de ressuscitado.
É o que nos aconselha S. Paulo com tanta insistência, nestes dias. «Se ressuscitastes com Cristo», isto é, se quereis que Jesus Cristo vos faça participar do mistério da Ressurreição, se quereis partilhar dos sentimentos do Seu Sagrado Coração, se quereis «comer a Páscoa» com Ele e tomar um dia parte na Sua glória triunfante, «procurai as coisas do alto, anelai pelas coisas do céu que são duradouras, desapegai-vos das da terra» que são fugazes - honras, prazeres, riquezas: Si CONsurrexistis cum Christo, quae sursum sunt quarite . . .  non quae super terram. Morrestes para o pecado, e a vossa
vida está oculta com Cristo em Deus . . . E assim como Cristo ressuscitado já não morre, mas vive eternamente para o Pai, assim vós deveis morrer para o pecado e viver para Deus pela graça de Jesus Cristo: Ita et vos existimate: vos mortuos quidem esse pecato, viventes autem Deo in Christo Jesu. 

21 de maio de 2017

Retratos de Nossa Senhora - Juan Rey, S. J.

RETRATOS DE NOSSA SENHORA


Apresentação

"Que a vida dos cristãos se assemelhe o mais possível à da Santíssima Trindade".
Segundo Sua Santidade Pio XII, este devia ser o fim do Ano Mariano, em que se celebrava o primeiro centenário da definição dogmática da Imaculada Conceição: reproduzir na nossa vida a vida da Santíssima Virgem; copiar em nós a sua imagem.
Porém não é só no Ano Mariano; em todos os anos da nossa vida deveríamos ter esse ideal. Imitá-la a Ela é imitar a Jesus Cristo, que é caminho, verdade e vida.
Para facilitar esse trabalho diário ofereço-te estes Retratos da Santíssima Virgem, retratos de todos os estados da sua vida, pois todos santificou para poder ser imitada.
O retrato é o que melhor supre a ausência de uma pessoa. Por isso os que querem perpetuar a sua memória mandam fazer o seu retrato. Por isso conservamos com o maior cuidado os retratos das pessoas que nos foram queridas e morreram já. Desde que se inventou a fotografia os retratos multiplicaram-se. Tiram-se fotografias dos atos mais importantes da vida. De certo conservas em casa muitos retratos da tua mãe: quando era pequenina, quando era jovem, com o vestido de noiva, quando já era mãe e te tinha pequenino em seus braços. Conservas com carinho esses retratos. Olhas para eles muitas vezes com emoção. Mostra-los muitas vezes às pessoas que te visitam.
Porém além dessa mãe da terra, tens outra Mãe que vive agora no Céu e que há vinte séculos viveu na terra.
Não queres saber como era essa tua Mãe?
Um orfãozinho que não tenha conhecido a sua mãe pergunta com interesse aos que viveram com ela: Como era a minha mãe? E ouve com ternura as coisas boas que lhe dizem dela e até pensa no seu intimo: Eu quero ser como a minha mãe.
Os que acorriam a Fátima ao lugar das aparições perguntavam com vivo interesse aos pequeninos que viam a Santíssima Virgem: Como é Nossa Senhora? E tu, não queres saber como era a tua Mãe do Céu quando vivia na terra? Não queres saber como é agora que vive na glória e espera que vás viver com Ela?
Quanto mais amares a tua Mãe, mais desejarás saber como era.
Para que satisfaças esses desejos ofereço-te esta coleção de retratos da tua Mãe. São de todas as épocas da sua vida.
São da sua alma e do seu corpo.
Para os fazer não quis pedir cores às flores, aos crepúsculos e às auroras, como fazem os poetas.
Não quero que sejam retratos idealizados, quero que sejam reproduções o mais exatas possível da realidade. Para isso pedi cores à teologia e à história.
O retrato tem que ter ambiente e também o cenário onde a figura da Santíssima Virgem pareça real.
Não a vou pintar sobre a esfera do mundo, entre o céu e a terra, em clarões de luz e de glória. Não a vou colocar em palácios de mármore e de jaspe com vitrais policromos. A figura da Santíssima Virgem terá o cunho palestinense em que decorreu a sua vida.
Interessa saber como era a Santíssima Virgem, nossa Mãe, o que fazia quando vivia na terra. Não nos interessa tanto saber como a idealizaram Frei Angélico, Murilho, Ribera e Rafael.
O bom retrato não só reproduz as feições do corpo; através destas deixa transparecer as qualidades da alma.
Ao retratar a Santíssima Virgem não nos devemos contentar com dizer como era fisicamente e como vivia, temos que adivinhar como pensava e como sentia. Em que vou pintar esses retratos?
Não os vou pintar em tela nem em tábua, nem em cobre, vou pintá-los em ti mesma.
Quero que sejas um retrato vivo da Santíssima Virgem; por isso não me contentarei com dizer-te como era tua Mãe, dir-te-ei também o que tens que fazer para te assemelhares a Ela. O que tens que evitar. O que tens que praticar.
 És mulher e apaixona-te a beleza. A Santíssima Virgem é um ideal de beleza.
Oxalá eu tivesse tanta habilidade para pintar os seus retratos que exclamasses deslumbrada: Que formosa é minha Mãe do Céu! Posso parecer-me com Ela. Quero parecer-me com Ela.
Toma o livro, lê-o com frequência. Supre com o teu coração e com a tua imaginação o que nele falte.
Medita. Reproduz em ti os traços formosos da Santíssima Virgem.
Procura ser um retrato vivo da tua Mãe.
Para que a tua vida se assemelhe o mais possível à da Santíssima Virgem tens que trabalhar como o escultor ao modelar um busto.
Tem diante de si o modelo e o tronco de madeira.
Um olhar ao modelo e um golpe ao tronco.
A princípio os pedaços de madeira que tira são grossos.
À medida que se vão aperfeiçoando as feições do rosto, os golpes são mais suaves, os pedacinhos de madeira mais finos.
Nos últimos detalhes é que se mostra o artista: nos olhos, nos lábios, em toda a anatomia.
Assim deves fazer para reproduzir em ti a imagem de Maria.
Um olhar à Virgem e um golpezito em ti, para tirar o que não se assemelhe à imagem da Virgem SS.ma.
Os nossos grandes artistas meditavam muito para moldar as estátuas e pintar os quadros religiosos. Por isso as suas imagens têm algo de sobrenatural, o que não lograram outros artistas estrangeiros embora mais geniais.
Diz-se que Juan de Juanes, antes de pintar a Imaculada meditava como seria a Santíssima Virgem e orava e pedia para poder reproduzir na tela toda a beleza que ele imaginava.
Por fim, pegou nos pincéis e pintou o quadro maravilhoso que se conserva na igreja da Companhia de Jesus de Valência: a Imaculada vestida de sol, pisando a lua, coroada pela Santíssima Trindade; e à volta da Virgem os símbolos com que a Igreja invoca a Maria: rosa mística, torre de David, fonte selada, horto cerrado, espelho sem mancha.
Como se dissesse o pintor: tudo isto e muito mais é Maria, ainda que eu não o tenha sabido expressar na sua imagem.
Murilho, o pintor da Imaculada, meditou muitas horas e muitos dias na formosura da Virgem; queria reproduzir na sua imaginação toda a beleza de Maria ao sair das mãos de Deus e encontrar a imagem que reproduzisse toda essa beleza.
Com esse fim meditava, orava e comungava.
Ensaiou, tateou, até que um dia se sentiu inspirado.
Pegou nos pincéis e pintou a Imaculada com rosto de menina inocente, cabelos de ouro, as mãos juntas diante do peito em atitude de orar, a túnica de neve, o manto de azul celeste flutuando no ar como que agitado por uma brisa celestial, entre nuvens de luz e suspensa por anjos que levam palmas, ramos de oliveira, rosas e açucenas.
O quadro era encantador; porém Murilho não estava satisfeito.
Continuava orando, comungando, tenteando.
Outro dia sentiu de novo a inspiração e pintou outro quadro.
A Virgem estava sobre nuvens, elevando-se suavemente como se não sentisse o peso do corpo de barro, que a nós se apega à terra. Tinha a lua a seus pés; as mãos cruzadas sobre o peito como guardando o tesouro de graça que Deus havia depositado em seu coração, com os olhos fixos no céu, em Deus; toda ela tão formosa, que a legião de espíritos celestiais que a rodeiam formando uma coroa, deixam cair de suas mãos as palmas e as rosas, extasiados ao contemplarem tanta beleza.
Ora, medita, comunga, para que reproduzas em ti com a maior exatidão a imagem da Santíssima Virgem.
Para ajudar-te, ofereço-te este livrinho - Retratos de Nossa Senhora - que te apresentamos em duas séries. Na primeira verás o que fazia a Santíssima Virgem para que faças como Ela; por isso leva o subtítulo de - Ecce Mater Tua - Aí tens a tua Mãe.
A segunda diz como era a Santíssima Virgem, como era o palácio que Deus construiu para si na terra; por isso o subtítulo é - Domus Aurea - Casa de ouro.
Lê, medita, copia. Até que se cumpra em ti o que deseja Sua Santidade Pio XII: " Da mesma maneira que todas as mães sentem um suave prazer quando vêem no rosto de seus filhos uma peculiar semelhança das suas próprias feições, assim também a nossa dulcíssima Mãe Maria, quando olha para os filhos que junto à cruz recebeu em lugar do seu, nada mais deseja e nada lhe é mais grato que ver reproduzidas as virtudes da sua alma nos seus pensamentos, nas suas palavras, nas suas ações."


20 de maio de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 365

UM PAI GENEROSO PARA COM DEUS

Quando Joana Francisca de Chantal, abandonando o mundo pelo convento, se lançou aos pés de seu pai para dizer-lhe o seu adeus, o venerando ancião, elevando aos céus as mãos trêmulas e os olhos marejados de lágrimas, exclamou:
— Ó meu Deus, não me compete contrariar o que a vossa providência em seus decretos eternos estabeleceu. Conformo-me inteiramente com tudo e consagro com minhas próprias. mãos, sobre o altar da vossa vontade, esta minha filha, que me é tão cara quanto o era Isaac ao vosso servo Abraão.
E, depois de ter abençoado a filha, entregou-lhe esta sublime carta para o bispo de Genebra, S. Francisco de Sales:
“Monsenhor. Esta carta deveria conter mais lágrimas do que palavras: pois minha filha, na qual eu tinha a melhor parte de minhas consolações neste mundo durante a minha velhice, vai-se embora e deixa-me sozinho... Todavia, resigno-me e conformo-me com o que é da vontade de Deus. Uma vez que Ele quer ter minha filha para seu serviço neste mundo, e quer conduzi-la por essa via à glória eterna, quero mostrar, que amo mais a sua vontade com o sossego da minha consciência, do que minhas próprias afeições”.
Oh! a quantos pais falta, infelizmente, esta santa conformidade! Vejam, porém, como aquele pai mereceu a honra de ter urna filha venerada sobre os altares.

18 de maio de 2017

Sermão para o 4º Domingo depois da Páscoa – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] História das heresias V: cátaros, fraticelli, Wycliffe e Hus


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Nosso Senhor, no Evangelho de hoje, promete aos apóstolos que enviará o Espírito Santo e que Ele lhes ensinará toda a verdade. A Revelação divina, caros católicos, se encerra, portanto com a morte do último apóstolo, São João Evangelista, em torno do ano 100. A partir da morte do último apóstolo, nenhuma verdade nova pode ser revelada. E a verdade, que foi ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito aos apóstolos, nos é transmitida fielmente pela Igreja. Ela não pode, claro, ser alterada.
Retomemos ainda hoje, caros católicos, nossa breve história das heresias, esses erros que se opõem à verdade revelada.
Passamos ao século XII, com a heresia cátara, também chamada de albigense, em virtude da principal cidade que ocuparam, chamada Albi, no sul da França. A heresia cátara, espalhada pela Europa, vinda provavelmente do leste, tem diversas nuances. Essencialmente, porém, a heresia cátara é a velha heresia gnóstica que vai serpenteando ao longo da história sob diversas capas. Ela retoma basicamente os mesmos princípios do gnosticismo e do maniqueísmo. Professa o dualismo, afirmando a existência de dois deuses: um bom, criador do espírito, e um mal, criador da matéria. O princípio mal teria aprisionado as emanações divinas ou partículas divinas na matéria, sendo que o objetivo é precisamente libertar-se da matéria, que, segundo eles, é má. Tudo isso é absurdo, como já dissemos. Existe um só princípio, Deus, que é bom, e criador de todas as coisas, inclusive da matéria, que é um bem. Não existe um princípio mal equivalente a Deus.  O mal absoluto não existe, ao contrário do que prega o gnosticismo. O mal é ausência de ser. O mal absoluto seria a total ausência de ser, quer dizer, não existiria. O demônio não é princípio equivalente a Deus ou quase equivalente, mas é uma pobre criatura, com grande capacidade, mas que nada pode fazer sem a permissão de Deus, que permite os males para que deles venham um bem superior, como permitiu o pecado original para que daí viesse a Encarnação do Verbo.
Com essa oposição à matéria, como se fosse má, esses hereges se opunham fortemente ao matrimônio, pois esse gera um novo ser material. Chegavam ao ponto de evitar comer tudo o que fosse de origem animal e que viesse de reprodução. Eram favoráveis ao aborto e ao suicídio. Defendiam também a reencarnação, até que a partícula divina se purificasse e fosse liberada da matéria. Toleravam, porém, bastante o chamado amor livre e uniões incapazes de gerar filhos, bem como as uniões contra a natureza. Encontramos muitas dessas consequências em nossa sociedade atual: contra o casamento aberto à vida, contrária à procriação, mas favorável a todo tipo de união estéril, favorável à proliferação daqueles que se recusam a comer coisas de origem animal (vegetarianos e veganos), favorável à doutrina da reencarnação, que se encontra difusa em boa parte da sociedade. Era uma heresia tremenda contra a Igreja e com gravíssimas consequências para a sociedade, como se pode deduzir dos seus erros. Como contrária à matéria, conduz ao fim da própria sociedade.
O Papa Inocêncio III a ela se opôs com vigor, enviando missionários. É nesse contexto que surgirá São Domingos com o Rosário e com a sua ordem religiosa, a Ordem dos Pregadores )dominicanos), rezando a Nossa Senhora e pregando a doutrina católica. É aqui que surgirá também a Inquisição, tão caluniada pelos inimigos da Igreja e sobre a qual falaremos em outra ocasião. A Inquisição que foi criada justamente para que houvesse um julgamento devido e justo dos hereges, já que a população, diante de erros tão graves, buscava muitas vezes fazer justiça com as próprias mãos e o poder civil também não procedia sempre do modo devido.
Com a heresia cátara, novamente a heresia gnóstica vem mais claramente à tona ao longo da história. Atraindo muitas almas, em momentos de crise da sociedade. Mas a Igreja permaneceu firme.
Surge nos séculos XIII e XIV a heresia dos fraticelli. Heresia derivada de uma má compreensão de São Francisco de Assis. Afirmavam a existência de duas igrejas: uma material, corrupta e com o Papa como chefe. Outra espiritual, pobre (pauperismo), pura e santa, da qual faziam, parte, evidentemente, os fraticelli. Para eles, os padres e bispos pecadores perdiam a autoridade e o poder de administrar os sacramentos. Opunham-se também ao sacramento do matrimônio, renovando esse outro erro grave e comum ao longo da história. Ao mesmo tempo, parece que se inclinavam a certo sensualismo. No terreno social, combatiam a riqueza como se fosse um mal em si, favorecendo, então, teorias contrárias ao direito natural de propriedade privada. Opunham-se, assim, à Igreja tal como fundada por Cristo: uma sociedade visível, hierárquica, tendo por chefe São Pedro e seus sucessores. Renovam a heresia donatista ao negar a autoridade de governo e o poder de administrar os sacramentos ao padres e bispos pecadores. Iam mesmo contra a lei natural ao não reconhecer que os bens materiais são, em si bons, cabendo aos homens fazer bom uso deles ou não. A riqueza não é por si má. É indiferente. O que é preciso é utilizá-la bem e estar desapegado dela, como diz Nosso Senhor: bem-aventurados os pobres de espírito, isto é, aqueles que usam dos bens terrenos desapegados deles e somente para alcançar o céu. Os fraticelli foram condenados por Bonifácio VIII, João XXII e combatidos por São João Capistrano que tentou convertê-los.
Os fraticelli foram muito influenciados por Joaquim de Fiore, morto em 1202, e que defendia a chegada da Idade do Espírito Santo, a Idade do amor, em que a sociedade seria perfeita já nessa terra e em que todos seriam iguais, como se igualdade fosse, em si, um bem. Essas idéias darão origem às teorias que quererão fazer o paraíso aqui nesse mundo. Defendia também a pobreza como um bem absoluto, defendia o fim da Igreja visível, o fim dos sacramentos, o fim do culto visível, uma interpretação meramente espiritual da Sagrada Escritura e sem a autoridade do Magistério. Essas ideias completamente erradas, contrárias ao ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, tiveram uma grande influência nas mentalidades. Vemos muito disso ainda hoje, de modo vulgar, quando se defende uma Igreja não institucional, quando se defende um amor vago entre todos, quando se rejeita a autoridade, quando se defende uma paz fora da verdadeira ordem e quando se defende o igualitarismo. A aparente austeridade de Joaquim de Fiore e dos Fraticelli permitiu, em certa medida, a popularização dessas ideias tortas. Com grande prejuízo para a verdade, para a Igreja e para a salvação das almas.
Passamos, finalmente, a duas heresias que preparraam amplamente o terreno para o protestantismo. A heresia de João Wycliffe e a heresia de João Hus. João Wycliffe estudou em Oxford, Inglaterra, em meados do século XIV. Terminou aderindo a certas ideias de Joaquim de Fiore, em particular à questão da pobreza absoluta, e a um nacionalismo que começava a aflorar na Inglaterra, opondo o rei à Igreja. Começou a atacar a vida monástica e defendeu o confisco dos bens da Igreja. Iniciou, igualmente, campanha contra o Papa, afirmando que o único Papa era o próprio Cristo, indo claramente contra as palavras de Cristo, que estabeleceu Pedro e seus sucessores como o fundamento de sua Igreja. Propôs a Sagrada Escritura como única fonte da Revelação, negando a tradição e negando a autoridade do Magistério da Igreja. Negou a presença real de Cristo sob as aparências de pão e vinho nas espécies consagradas, contra as palavras claras do Senhor. Opôs-se ao sacramento da confissão, a que chamava de invenção tardia, e opôs-se também às imagens sagradas e às indulgências. Confissão instituída tão claramente pelo Salvador após a sua ressurreição e culto das imagens difundido na Igreja desde o seu início, praticamente. Foi condenado por Gregório XI em 1377 e pelo Concílio de Constança, confirmado, nesse ponto, pelo Papa Martinho V.
João Hus, Professor da Universidade de Praga desde 1396, terminou seguindo basicamente as mesmas ideias de Wycliffe, pois havia grande intercâmbio entra as faculdades inglesas e as universidades da Boêmia. Isso em função do casamento do Rei Ricardo II da Inglaterra com Ana da Boêmia. João Hus terminou sendo condenado pelo mesmo Concílio de Constança.
Prezados católicos, vemos como a Igreja está, ao longo de sua história, em constante combate contra o erro, contra a mentira, contra o mal. Como Nosso Senhor em sua vida pública teve de se opor ao erro dos saduceus e dos fariseus o tempo inteiro para o bem das almas. Devemos estar seguros de que Nosso Senhor governa a barca da Igreja. Que ela não vai naufragar. Nosso Senhor triunfa. O Coração Imaculado de Maria triunfa sobre os erros. A Igreja Triunfa. A verdade triunfa.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

17 de maio de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I I I

Tal é a vida de Cristo ressuscitado. Ela é o modelo da nossa; e Jesus mereceu para nós a graça de vivermos, como Ele, para Deus, de sermos associados ao Seu estado de ressuscitado. Mereceu-no-la, não evidentemente pela Sua ressurreição; ao exalar o último suspiro, Jesus Cristo atinge o termo da Sua existência mortal, nada mais pode merecer; tudo quanto nos obteve foi pelo Seu sacrifício, inaugurado na Incarnação e consumado pela morte na cruz.
Mas os Seus méritos subsistem para nós depois da Sua saída gloriosa do sepulcro. Vede como Jesus Cristo quis conservar as cicatrizes das chagas: apresenta-as ao Pai em toda a sua beleza, como títulos à comunicação da Sua graça: Semper vivens ad interpellandum pro nobis.
Como bem sabeis, é logo no Batismo que participamos da graça da Ressurreição. Di-lo S. Paulo: "Pelo Batismo, fomos sepultados com Cristo na morte; e assim como Cristo ressuscitou pelo poder do
 do Pai, assim nós devemos caminhar numa verdadeira novidade de vida».
A água santa em que mergulhamos no Batismo é, segundo o Apóstolo, a imagem do sepulcro. Ao sair dela, fica a alma purificada de toda a falta, de toda a  mancha, livre da morte espiritual e revestida da graça, princípio da vida divina, tal qual Jesus Cristo, ao sair do túmulo, se despiu de toda a enfermidade, para viver dali por diante uma vida perfeita. Eis por que na Igreja primitiva o Batismo só era administrado na noite pascal e no dia do Pentecostes que termina o tempo da Páscoa. Mal poderemos compreender a liturgia da semana pascal, se não tivermos sempre diante dos olhos a administração solene que então se fazia do Batismo.
Portanto, nós ressuscitamos com Cristo e por Cristo, pois Ele tem infinito desejo de nos comunicar a Sua vida gloriosa. E que é preciso para corresponder a este desejo divino e nos tornarmos semelhantes a Jesus ressuscitado? Viver no espírito do nosso Batismo; renunciar a tudo o que na nossa vida é viciado pelo pecado; fazer «morrer» cada vez mais o «velho homem»; ser tudo em nós dominado e governado pela graça. Nisto consiste para nós toda a santidade: afastar-nos do pecado, das ocasiões do pecado, das criaturas e de tudo o que é terreno, para vivermos em Deus e para Deus, com a maior plenitude e estabilidade possíveis.
Esta obra, inaugurada no Batismo, continua durante toda a nossa existência. É certo que Jesus Cristo
só morreu uma vez; deu-nos assim o poder de morrer com Ele para tudo o que é pecado. Nós, porém, devemos «morrer» todos os dias, pois conservamos em nós as raízes do pecado e o antigo inimigo trabalha sem cessar para as fazer brotar de novo. Destruir em nós essas raízes, fugir de toda a infidelidade, da criatura amada por si mesma, afastar das nossas ações todo o motivo, não só culpável, mas puramente natural; libertar-nos de tudo o que é criado, terreno, conservar o coração livre, duma liberdade espiritual, - eis o primeiro elemento da nossa santidade, aquele que vemos realizado em Cristo pela soberana e admirável independência em que vive a Sua Humanidade de ressuscitado.
É este um dos aspectos mais salientes da graça pascal. S. Paulo põe-no em relevo nos mais expressivos termos. «Purificai-vos do velho fermento para serdes uma massa nova; pois, desde que
Jesus Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi imolado por nós, tornastes-vos pães ázimos. Participemos portanto do banquete, não com fermento antigo, o fermento do mal e da perversidade, mas com os ázimos da verdade e da sinceridade».
Esta instante exortação do Apóstolo forma a Epístola da Missa do dia de Páscoa. Parecerá obscura a
mais dum cristão dos nossos dias, e, contudo, foi esta a passagem que a Igreja escolheu, entre todas, para resumir o nosso procedimento no momento em que celebramos o mistério da Ressurreição. Porquê esta escolha?
É que ela indica claramente, posto que duma forma profunda, o fruto que a alma deve tirar deste mistério. Que significam então aquelas palavras?
Sabeis que entre os israelitas, nas vésperas da festa da Páscoa - que recordava aos hebreus o famoso
aniversário da «passagem» do anjo exterminador -, deviam fazer desaparecer das casas toda a espécie de fermento. No dia da festa, depois de imolado o cordeiro pascal, comiam-no com pães ázimos, isto é, sem fermento, não levedados.
Tudo aquilo eram apenas «figuras e símbolos» da verdadeira Páscoa, a Páscoa cristã. «Purificai-vos do velho fermento»; «despi-vos do velho homem»  nascido do pecado, das suas concupiscências, às quais renunciastes pelo Batismo. Naquele momento da regeneração batismal, participastes da morte de Cristo, que fazia morrer em vós o pecado: tornastes-vos, e assim deveis permanecer pela graça, uma nova massa, isto é, "nova criatura", «novo homem», a exemplo de Jesus Cristo saído glorioso do sepulcro.
Eis por que do mesmo modo que os judeus, chegada a Páscoa, se abstinham de todo o fermento para comer o cordeiro pascal, «assim também vós, cristãos, que quereis participar do mistério da Ressurreição e unir-vos a Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado por vós, deveis, doravante, levar uma vida isenta de todo o pecado; deveis abster-vos desses maus desejos que são como que um fermento de malícia e perversidade": Non ergo regnet peccatum in vestro mortalí corpore; deveis
conservar em vós a graça que vos fará viver na verdade e na sinceridade da lei divina.
Tal é a doutrina que S. Paulo nos faz ouvir no próprio dia de Páscoa e que marca sobretudo o primeiro elemento da nossa santidade: renunciar ao pecado, a todo o motivo humano que pode, como fermento velho, corromper as nossas ações; viver, em relação ao pecado e a todo o ente criado, naquela liberdade espiritual que tão claramente se nos manifesta em Cristo ressuscitado.
Pedimos esta graça ao próprio Jesus naquela estrofe que se repete em cada um dos hinos pascais:
Quaesumus audot omnium
In hoc paschali gaudio,
Ab omni mortis impetu,
Tuum defende populum.

«Nestes dias cheios de alegria pascal, a Vós suplicamos, Autor de todas as coisas, que defendais o Vosso povo contra os ataques da morte». Pedimos a Cristo que preserve o Seu povo, o povo que "resgatou com Seu sangue», diz S. Paulo, «para Lhe ser agradável»: Populum acceptabilem. Que o preserve de quê? De todo o ataque de morte espiritual, isto é, de todo o pecado, de tudo o que conduz ao pecado, de tudo o que tende a destruir ou a enfraquecer em nós a vida da graça. É então que poderemos fazer parte «daquela sociedade que Jesus Cristo quer sem mácula, santa e irrepreenssível»  Sine ruga, sine macula.