I
O que era Nosso Senhor Jesus Cristo antes da Ressurreição? Deus e homem. O Verbo Eterno unira a Si uma natureza pertencente a uma raça pecadora. Claro está que esta Humanidade não contraiu o pecado, mas foi submetida às fraquezas corporais compatíveis com a Divindade, fraquezas que em nós são muitas vezes consequência do pecado: Vere languores nostros ipse tulit, et dolores nostros ipse portavit .
Considerai Nosso Senhor, durante a sua vida mortal. No presépio é uma criancinha débil que necessita do leite materno para sustento e conservação da vida. Mais tarde sofre de cansaço - Fa-tigatus ex ítínere sedebat - , cansaço real que sentia em Seus membros. O sono, sono verdadeiro e não simulado, cerra-Lhe as pálpebras: os Apóstolos têm que O acordar, quando o barco em que dormia era sacudido pela tempestade. Sente fome: Esuriit: sede: Sitio; sofrimento.
Experimenta aflições interiores: no Horto das Oliveiras, o medo, o tédio, a angústia, a tristeza invadem-Lhe a alma: Caepit pavere et taedere... et maestus esse; tristis est anima mea usque ad mortem. Finalmnte padece a morte: Emisít spiritum.
Assim partilhou das nossa fraquezas, enfermidades, dores; só o pecado e tudo quanto é fonte ou consequência moral do pecado Lhe é desconhecido: Debuit per omnia fratribus similari, absique peccato.
Mas, depois da Ressurreição, desaparecem todas estas fraquezas. Já não há n'Ele nem sono, nem cansaço, nem enfermidade alguma. Nosso Senhor nada mais sente de tudo isso: é a separação completa de tudo o que é fraqueza. Mas então o Seu corpo já não é real? Evidentemente que sim. É o mesmíssimo corpo que recebeu da Virgem Maria e que padeceu a morte na cruz.
Vede como o próprio Jesus Cristo se empenha em o provar. Na tarde da Ressurreição aparece aos Apóstolos. Estes, «tomados de espanto e pavor, julgam ver um espírito. Mas Ele disse-lhes: Por que vos perturbais e se levantam pensamentos de dúvida em vossos corações?
Vede as minhas mãos e pés; sou Eu mesmo. Apalpai-me e vede que um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho. Tendo assim falado, mostra-lhes os pés e as mãos». Tomé não estava presente. Quando voltou, os discípulos dizem-lhe que viram o Senhor. Tomé não quer acreditar. Mostra-se céptico: «Se não vir em suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no sítio deles e a mão no Seu lado, não acredito». Passados oito dias, Jesus aparece-lhes de novo e, depois de lhes dar a paz, diz a Tomé: «Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega aqui a mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas fiel».
Assim, o próprio Jesus faz verificar aos Apóstolos a realidade do Seu corpo ressuscitado; mas é doravante um corpo isento das fraquezas terrenas; este corpo é ágil: a matéria não é para ele obstáculo; Jesus sai do túmulo cavado na rocha e cuja entrada está fechada por uma enorme pedra; apresenta-se aos discípulos, januis clausis, « estando fechadas todas as portas" do lugar onde estavam reunidos. Se toma algum alimento com os discípulos, não é que sinta fome, mas porque quer, por misericordiosa condescendência, confirmar a realidade da sua Ressurreição.
Aquele corpo ressuscitado é agora imortal. Morreu uma vez - Quod enim mortuus est, mortuus est semel - , mas agora, diz S. Paulo, Cristo ressuscitado já não morre, a morte já não tem poder sobre Ele: Mors illi ultra non dominabitur. O corpo de Jesus ressuscitado já não está sujeito à morte nem às vicissitudes do tempo; está livre de toda a servidão, de todas as enfermidades que assumira na Incamação: é impassível, espiritual, vive numa soberana independência.
Está nisto o primeiro elemento da santidade em Jesus Cristo: ausência de tudo o que é morte, de tudo o que é terreno, de tudo o que é criatura, imunidade de toda e qualquer fraqueza, enfermidade, passibilidade. Jesus Cristo, no dia da Sua ressurreição, deixa no túmulo os lençóis, símbolo das nossas enfermidades, das nossas fraquezas, das nossas imperfeições sai triunfante do sepulcro; a Sua liberdade é completa, está animado duma vida intensa, perfeita, que faz vibrar todas as fibras do
Seu ser. N'Ele, tudo quanto é mortal é absorvido e dominado pela vida.
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