VI
Ao expormos o duplo aspecto do mistério de santidade que a Ressurreição de Jesus deve produzir em
nossos corações, não esgotamos os tesouros da graça pascal.
Deus é tão liberal no que faz pelo Seu Cristo, que quer que o mistério da Ressurreição de Seu Filho se
estenda não só às nossas almas, mas também aos nossos corpos. Também nós havemos de ressuscitar. É dogma de fé. Havemos de ressuscitar corporalmente como Jesus Cristo, com Jesus Cristo. Nem podia deixar de ser.
Já vos tenho dito muitas vezes que Jesus Cristo é nossa cabeça; com Ele formamos um corpo místico.
Se Cristo ressuscitou (e ressuscitou em Sua natureza humana), forçoso é que nós, seus membros, partilhemos da mesma glória. Porque não é só pela alma, mas também pelo corpo, por todo o nosso ser que somos membros de Jesus Cristo. Estamos ligados a Jesus pela mais íntima união. Portanto, se Ele ressuscitou glorioso, os fiéis que, pela graça, fazem parte do Seu corpo mistico, com Ele estarão unidos também na sua Ressurreição.
Ouvi o que a este respeito diz S. Paulo: "Ressuscitou Cristo, primícias daqueles que adormeceram» ;
representa os primeiros frutos duma colheita; depois d'Ele, a colheita deve continuar. "A morte veio à terra por causa dum homem, Adão; por um homem também virá a Ressurreição dos mortos; assim como todos morrem em Adão, assim todos serão vivificados em Cristo». «Deus, diz com mais energia ainda, com-ressuscitou-nos em Seu Filho": CONresuscitavit nos. .. in Christo Jesu». Como? É que pela fé e pela graça, somos membros vivos de Jesus Cristo, participamos dos Seus estados, somos um com Ele. E como a graça é o princípio da glória, aqueles que pela graça já estão salvos em
esperança, estão já também, em princípio, ressuscitados em Cristo.
É esta a nossa fé e a nossa esperança.
Mas «agora a nossa vida está oculta com Cristo em Deus"; vivemos presentemente sem que a graça produza os seus efeitos de claridade e esplendor que atinge na glória; tal como Jesus Cristo, antes da Ressurreição, teve oculto o esplendor glorioso da Sua Divindade, não deixando ver mais que um reflexo dessa glória a três discípulos, no dia da Transfiguração no Tabor. A nossa vida interior, neste mundo, só é conhecida de Deus; está oculta aos olhos dos homens. Além disso, se procuramos
reproduzir em nossa alma, pela nossa liberdade espiritual, os caracteres da vida ressuscitada de Jesus, este trabalho realiza-se ainda numa carne ferida pelo pecado, sujeita às enfermidades do tempo; não alcançaremos esta santa liberdade senão à custa duma luta incessantemente repetida e fielmente sustentada. Como dizia o próprio Jesus Cristo aos discípulos de Emaús, no dia da ressurreição, também nós precisamos de «sofrer para entrar na glória": Nonne haec oportuit pati Christum et ita
intrare in gloriam suam. "Nós somos, diz o Apóstolo, filhos de Deus e seus herdeiros ; somos
co-herdeiros de Cristo; mas não seremos glorificados com Ele, se não sofrermos com Ele».
Estes pensamentos celestiais devem alentar-nos durante os dias que ainda temos de passar neste mundo. Sim, tempo virá em que "já não haverá dores nem gritos nem choros; o próprio Deus enxugará as lágrimas a Seus servos», que se tornaram co-herdeiros de Seu Filho; fá-los-a sentar no eterno banquete que preparou para celebrar o triunfo de Jesus e daqueles de quem Ele é o irmão mais velho.
Se todos os anos formos fiéis em tomar parte nos sofrimentos de Jesus Cristo durante a Quaresma e a
Semana Santa, a celebração do mistério da Páscoa, fazendo-nos contemplar a glória de Jesus vitorioso da morte, contribuirá também cada ano para que participemos, com mais fruto e abundância, da Sua condição divina de ressuscitado. Aumenta o nosso desprendimento de tudo o que não é Deus; afervora em nós, pela graça, pela fé e pelo amor, a vida divina. Ao mesmo tempo, aviva a nossa esperança, pois, «quando no último dia aparecer Jesus Cristo, nossa vida" e nosso chefe, também nós, que participamos da Sua vida, "apareceremos com Ele na glória": Cum Christus apparuerit VITA VESTRA, tunc et vos apparebitis CUM IPSO in gloria.
Esta esperança enche-nos de alegria; e porque o mistério da Páscoa, sendo um mistério de vida, fortalece a nossa esperança, por isso é eminentemente um mistério de alegria.
A Igreja mostra-o, repetindo durante o tempo pascal o Alleluia, brado de alegria e felicidade tirado da Liturgia do céu. Suprimira-o durante a Quaresma, para manifestar a sua tristeza e comungar dos sofrimentos do seu Esposo. Agora que Cristo ressuscitou, a Igreja alegra-se com Ele, usa de novo, e com redobrado fervor, esta exclamação alegre que resume todo o ardor dos seus sentimentos.
Não percamos jamais de vista que formamos um só com Jesus Cristo; o Seu triunfo é o nosso triunfo; a Sua glória é o princípio da nossa alegria. Por isso, com a Igreja nossa Mãe, digamos muitas vezes Alleluia, para mostrarmos a Cristo a nossa alegria por vê-Lo triunfar da morte, para agradecermos ao Pai a glória que dá ao Filho. O Alleluia, que a Igreja repete sem se cansar durante os cinquenta dias do período pascal, é como que o eco sempre repetido da oração com que encerra a semana da Páscoa: "Fazei, Senhor, Vos rogamos, que estes mistérios da Páscoa sejam doravante uma ação de graças, e que a obra da nossa regeneração, que incessantemente se vai desenvolvendo, se torne em nós um
princípio inexaurível de infinita alegria".
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