30 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Desposada


Parte 01/12

O acontecimento familiar, que mais se presta para a fotografia, é o casamento.
Tiram-se fotografias dos noivos ao entrar e ao sair da igreja; do altar primorosamente adornado, das cerimonias nupciais e da missa; tiram-se fotografias dos convidados e do banquete; e, como se isto fosse pouco, os recém casados vão ao melhor fotógrafo vestidos com os trajes de casamento, para obterem um retrato artístico, que se conservará como recordação perene nas salas de casa.
Esta coleção de retratos da Virgem ficaria incompleta, se nela faltassem as fotografias do seu casamento.

29 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Virgem


Parte 11/11

Porém ainda não chegou a suprema glorificação das almas virgens. Esta glorificação terá lugar no fim dos tempos no dia da ressurreição.
Diz Santo Ambrósio, o grande defensor e panegirista da virgindade, que os corpos virgens serão os primeiros a ressuscitar e a entrar nos céus. É justo que seja assim.
A ressurreição é a glorificação do corpo do homem, e justo é que os corpos mais mortificados, os que sacrificaram até os prazeres lícitos, para se fazerem semelhantes a Jesus crucificado sejam também os que sigam mais de perto Jesus Cristo glorioso, ressuscitando primeiro.
Por isso o corpo da Rainha das Virgens, o mais puro de todos, ressuscitou pouco depois de morrer e recebeu a sua glorificação, no dia da sua Assunção e Coroação nos céus.
Os corpos virgens serão os primeiros a ressuscitar e serão também os primeiros a entrar no céu, e serão recebidos pelos anjos, seus irmãos e seus modelos, que porão sobre eles diademas de flores incorrutíveis.
E serão os primeiros, a ser recebidos pela Mãe de Deus, Rainha das Virgens. Ela os estreitará contra o seu coração e os apresentará ao Eterno Pai dizendo: Estes são os fiéis a meu Filho, os que guardaram sem mancha os divinos desposórios. O próprio Jesus os recomendará também a seu Eterno Pai: "Meu Pai, estas são as almas que eu guardei com mais esmero, e que me serviram com maior generosidade.
Nelas, com mais gosto que em nenhumas outras, reclinei a minha cabeça, porque eram muito puras, e o meu gosto é viver entre lírios de pureza.
Por isso peço-te que onde eu esteja, elas estejam também e formem a minha corte de honra e me acompanhem para onde quer que eu vá".
As virgens ressuscitadas, guiadas pela Rainha de todas, formarão a corte de honra de Jesus Cristo glorioso no céu, como formaram também na terra.
Aí tendes o retrato de Maria Virgem, na moldura mais bela que podem ter, os seus filhos que na terra a imitaram, guardando virgindade.

28 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Virgem


Parte 10/11

Jesus permanece na terra, perpetuado na Eucaristia e nos pobres; porém vive glorioso e viverá eternamente no céu.
E Jesus Cristo glorioso no céu tem também a sua corte de honra: a mesma de sempre, as almas virgens. "Pascitur inter lilia".
Contemplou esse espetáculo grandioso, quando ainda vivia na terra, João Evangelista. Com o seu olhar de virgem viu Jesus Cristo, rei da glória, sentado no seu trono, à direita do Pai, e à volta d'Ele como uma teoria de apoteose, as almas virgens, a sua corte de honra.
Como timbre de nobreza, essas almas têm gravado na sua fronte o nome de Jesus e o do Pai Eterno, que as coroam a modo de um diadema. Entoam um cântico belo e harmonioso, cântico novo que ninguém no céu consegue aprender. Esse hino é forte como o estrondo da catarata que se desprende da montanha, é ao mesmo tempo harmonioso, como a música de centenas de cítaras.
As almas virgens têm o privilégio de acompanhar de perto o cordeiro de Deus, Jesus Cristo Rei, para onde quer que vá, e escalam com Ele os cumes mais altos da bem aventurança aonde não podem subir os outros bem aventurados.
Santo Agostinho, que teve uma juventude tormentosa, vê com santo pesar este exército de virgens e diz: Além, nas regiões da glória, Cristo vai acompanhado por todos os bem aventurados que povoam o céu: os que foram pobres de espírito, os que choraram, os que tiveram misericórdia...
Porém chega um momento em que o Rei da glória começa a escalar cumes elevadíssimos. atrás d'Ele, vai primeiro a sua Santíssima Mãe, a Rainha das almas virgens; e atrás dela os que a imitaram na terra, guardando a virgindade.
Os que não foram virgens no mundo detêm-se ao pé da montanha, não podem seguir o voo daquelas almas privilegiadas e com pesar os vêem escalar cumes, para eles inacessíveis, donde desfrutam panoramas desconhecidos para os outros santos do céu.

27 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Virgem


Parte 9/11


Porém Jesus, ainda que subindo glorioso aos céus, perpetuaria a sua presença na terra: perpetua-la-ia na eucaristia e nos pobres; e nesta sua permanência contínua, não quis prescindir da sua corte de honra, quis viver rodeado de almas virgens.
"Pascitur inter lilia".
Vive Jesus perpetuamente na Eucaristia e à volta do seu trono quer ver almas virgens. 
Virgens quer que sejam os sacerdotes que pegam no seu corpo: os lábios que o fazem baixar dos céus e as mãos que o sustentam e apresentam à adoração dos fiéis como o sustentou e apresentou sua Santíssima Mãe.
Virgens quer que sejam os coros de religiosos que velam dia e noite diante do sacrário formando a sua guarda perpétua.
Jesus vive também perpetuado nos doentes, nos velhos desamparados, em todos os pobres.
Disse-o Ele mesmo: Tive fome, tive sede neles. O que fizerdes com eles, comigo o fazeis. E Jesus nos seus pobres quer viver rodeado e cuidado por almas virgens.
São essas religiosas que oferecem a Deus a virgindade e se dedicam a cuidar de Jesus nos pobres, nas crianças, nos velhos, nos doentes e satisfazem assim o instinto de maternidade que Deus deu a todas as mulheres.
Quer Jesus que a sua corte de honra na terra seja formada por almas virgens; e para recrutar a sua guarda predileta, um dia lançou o pregão de recrutamento.
Disputavam os apóstolos com certo egoísmo filosófico, as vantagens e desvantagens do matrimônio; e Jesus, o rei das almas virgens, aproveita a ocasião para promulgar a carta magna da virgindade. Começa com uma advertência necessária. Nem todos são capazes de compreender esta doutrina. Há pessoas, diz Jesus, que são incapazes para o matrimônio, por defeito físico de nascimento. Outras o são por malefício dos homens; e há finalmente quem o seja voluntariamente pelo reino dos céus. Está lançado o pregão, quem possa entender que entenda.
A voz de Jesus transpôs muito depressa as fronteiras da Palestina, transbordou pelos peristilos das academias helênicas e pelos palácios dos magnatas romanos e chegou até aos desertos áridos do Egito e aos vales solitários da Síria; e de toda a parte surgiram legiões de virgens dispostas a seguir o seu chamamento.
A todo este exército glorioso deu Jesus uma rainha, um modelo e uma protetora, a Virgem por excelência, sua Mãe Santíssima; e disse a todos: "Já que haveis de cuidar de mim na eucaristia e nos meus pobres, fazei-o como cuidou de mim minha Mãe Santíssima na terra; aí tendes o modelo, sede virgens como ela." E desde então Maria começou a ser a Rainha das virgens. "Regina virginum".
E desde então, centenas e milhares de jovens se afastarão do carinho do lar paterno e renunciarão às satisfações legítimas de um lar próprio, para seguir o convite de Jesus, é verdade, porém estou em dizer, que mais talvez para imitar e seguir de perto a Maria, a Rainha das Virgens.


26 de novembro de 2017

Sermão para o 24° Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP


[Sermão] A Meditação Católica




Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
“Meditando as coisas racionais, possamos executar, pelas palavras e atos, o que Vos agrada.”
São as palavras da oração da coleta deste Domingo de hoje. A meditação é, de fato, necessária para que possamos executar bem aquilo que é a vontade de Deus, executar bem e com verdadeira constância. A oração da coleta nos fala das coisas racionais. O que são essas coisas racionais? São a verdade e, ainda mais propriamente, as verdades eternas, as virtudes, os fatos da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora, dos Santos.
É preciso meditar, caros católicos, porque as coisas espirituais não se vêem com os olhos do corpo, mas somente com os olhos da alma. Quem não medita, não vê, portanto, as coisas espirituais. Caminha sem enxergar, sem ter luz. Caminha tateando. E quem caminha tateando no escuro tem risco de errar o caminho e de cair e não levantar-se. Aquele que não tem em vista – com os olhos da alma e pela Meditação  – as coisas espirituais, vai deixar-se levar facilmente pelas coisas sensíveis, pelas paixões, pelas coisas sensuais, pelas coisas do mundo.
Falamos aqui, é evidente, da meditação católica, que não se confunde nem de longe com essa meditação  oriental, às vezes chamada de meditação  transcendental, ou de qualquer outro nome  que queiramos dar. Essa meditação errônea que visa não querer nada, não desejar absolutamente nada. A meditação católica é precisamente o contrário. A meditação católica nos leva ao conhecimento da verdade, ao amor pela verdade e pelo bem. E nos leva a desejar a verdade ardentemente e nos dispõe a sofrer bem por ela. A meditação é a aplicação da nossa razão, movida ou iluminada pela fé, a uma verdade, a uma virtude, a um fato da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora, dos Santos. Ela é a aplicação da nossa razão iluminada pela fé para considerar o bem dessa virtude ou a profundidade dessa verdade; aplicação da razão para mover nossa vontade, pela caridade, a amar esse bem, essa virtude; aplicação da razão para que eu considere como está a minha vida com relação a essa verdade, com relação a essa virtude, com relação a esse exemplo dado por Nosso Senhor, Nossa Senhora, ou os Santos; aplicação da razão para que eu possa fazer uma resolução, corrigindo, então, a minha vida nesse ponto considerado na meditação. Finalmente, ela se conclui com uma ação de graças a Deus pela meditação bem feita.
Quem não medita, caros católicos, não conhece verdadeiramente seus erros e não os abomina, como nos diz São Bernardo. Quem medita, ao contrário, vê – com o tempo de meditação constante – claramente seus erros e procura remédio para os seus defeitos, os seus pecados. Ao mesmo tempo, aquele que medita, considera também as perfeições divinas e é levado assim ao amor de Deus.
Portanto, a meditação considera duas coisas. Primeiro, o conhecimento de si mesmo diante de Deus, com nossas misérias, com os nossos pecados, com os nossos defeitos. Mas ao mesmo tempo, a meditação nos faz considerar as perfeições divinas, nos leva ao conhecimento de Deus. Se a meditação fosse somente para o conhecimento de nós mesmos, seríamos levados ao desespero. Se fosse somente para o conhecimento de Deus, poderíamos ser levados à presunção, a pensar que poderíamos nos salvar sem nos converter verdadeiramente. A meditação considerando as duas coisas, minhas misérias e as perfeições de Deus, me leva, então, à boa vida espiritual, a corrigir os meus defeitos, apoiando-me com confiança na graça divina.
“A meditação regra nossas paixões, dirige nossas ações, corrige os nossos defeitos”, como diz São Bernardo. E Santa Teresa D’Ávila dizia que quem negligencia a meditação não precisa de demônio para levá-lo ao inferno. Quem negligencia a meditação não precisa de um demônio que o tente. Quem negligencia a meditação caminha sozinho, com seus próprios passos para o inferno, assim diz a Santa. E Santo Afonso de Ligório nos diz claramente, com toda razão, é evidente, que a meditação católica não pode coexistir com o pecado mortal. Se a pessoa se entrega à meditação cotidiana, no tempo que lhe é possível – que sejam quinze minutos por dia para começar – ou vai deixar o pecado mortal, ou deixará a meditação. É impossível que as duas coisas convivam. Isso porque, pela meditação, vamos considerar e conhecer toda a malícia do pecado e toda a bondade de Deus, nos levando assim a evitar o pecado, em primeiro lugar, para não ofender a Deus. Muitos ficam num estado de pecado mortal ou não conseguem sair dele com estabilidade, simplesmente porque não pensam, porque não meditam. Não pensam, não meditam, como dissemos mais acima, nas verdades eternas, nas virtudes, nos próprios defeitos, nas ocasiões de pecado a serem evitadas. Não meditam nas causas que o conduzem ao pecado e não meditam nas perfeições divinas, na Sua bondade, na Sua justiça, na Sua misericórdia, por exemplo. E assim dizia já o profeta Jeremias: “A terra está em desolação porque ninguém se recolhe em seu coração para meditar.” (Jer 12, 11) Ninguém pára para pensar nas verdades eternas.
É preciso então, caros católicos, se ainda não o fazemos, começar a Meditação hoje. Aplicar a nossa razão durante alguns minutos, a uma verdade eterna, a uma virtude. Considerar o bem disso, mover a nossa vontade a amar isso, ver como está a minha vida com relação a esse ponto e tomar uma resolução firme, bem concreta, bem prática, para ser praticada no dia, e, claro, para influenciar toda a vida. Começar e perseverar. Não desistir nas primeiras distrações que virão certamente quando não temos o hábito da meditação. Perseverar apesar das eventuais omissões que faremos nas meditações em algum dia. Perseverar para alcançarmos essa estabilidade. Perseverar apesar das mais variadas dificuldades, das interrupções que teremos que fazer, eventualmente, em virtude dos nossos deveres de estado. Assim, se diz, na vida de Santa Francisca Romana, que ela começou a meditar um salmo, quando seu marido a chamou para fazer algo. Ela deixou, então, a meditação. Feito aquilo que lhe tinha sido pedido, voltou à meditação. Uma segunda vez seu marido a chamou, e novamente interrompeu a Meditação, depois voltando à oração. E assim quatro, cinco vezes, porque o dever de estado é preciso ser cumprido, mas ao mesmo tempo a Santa voltava à meditação, pois isso lhe era possível. Quando voltou na quinta vez, viu, então, os anjos em festa pela sua devoção, pela sua grande dedicação.
Perseverar apesar das dificuldades, que não serão poucas. O demônio sabe o valor da meditação e o quanto ela contribui para a nossa santificação. São Luís Maria Grignion de Montfort diz que o demônio fará de tudo para que não rezemos nosso Terço cotidiano por causa do seu valor imenso. Fará ainda mais contra a meditação, que é muito mais eficaz ainda do que o Terço para a nossa santificação. Sem a meditação não é possível desejar seriamente, buscar seriamente a vida de santidade. Devemos, então, buscar as coisas profundamente pela meditação. “Duc in altum”, nos diz Nosso Senhor Jesus Cristo, “lançai as redes no mar profundo”. (Luc 5, 4)
Devemos, então, nos entregarmos à meditação para nos mantermos unidos a Deus de maneira estável, inamovível, se assim podemos dizer. Estando assim unidos a Deus, encontraremos a alegria em todas as situações, mesmo nas cruzes, essa alegria profunda da alma. Se começarmos e perseverarmos na meditação bem feita, na qual vamos melhorando pouco a pouco, a nossa vida espiritual crescerá como o grão de mostarda, do qual nos fala Nosso Senhor Jesus Cristo no Evangelho. Começará pequeno, mas se tornará uma árvore frondosa, na qual vêm habitar os pássaros, isto é, todas as virtudes. Comecemos e perseveremos na meditação, caros católicos. Meditando as coisas racionais, possamos executar, pelas palavras e atos, o que Vos agrada.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

25 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Virgem

Parte 8/11


Maria foi a Virgem por excelência e tinha que ser assim. Exigia-o a sua dignidade de Mãe de Deus. O Filho de Deus, antes de se fazer homem, vivia no céu; e ali tinha a sua corte de honra. Que corte de honra era aquela? "Pascitur inter lilia". Gosta de viver rodeado de açucenas. Essas açucenas de pureza, entre as quais vivia o Verbo de Deus, eram os anjos. Seres espirituais, aos quais compara o mesmo Jesus as almas virgens; por isso a virgindade chama-se virtude angélica. Eles formavam a corte de honra do Filho de Deus no céu.
Porém o Filho de Deus determinou fazer-se homem: tomar uma natureza humana, viver na terra. Em terra quis também ter a sua corte de honra, que devia ser semelhante à que tinha no céu. Mas a virgindade não era planta da terra; e teve de a trazer do céu o Filho de Deus. É uma virtude sobre humana. As forças naturais são insuficientes para a cultivar. Por isso o mundo pagão desconhecia-a. Os hebreus estimavam-na.
Houve no povo hebreu alguma que outra pessoa excepcional que a guardou; mas o ideal do israelita não era esse; era constituir um lar e nele viver e crescer rodeado de filhos e netos, como o tronco da oliveira rodeado de rebentos. E nesse mundo ia viver o Filho de Deus e contudo quis que a sua corte de honra a formassem almas virgens semelhantes aos anjos do céu, e assim foi.
Os que viverem perto d'Ele serão açucenas de pureza. "Pascitur inter lilia".
Virgem será o seu precursor João Baptista. 
Virgem será o que tenha para com Ele os cuidados de pai, São José.
Virgem será o discípulo a quem amará com predileção, ao qual permitirá reclinar a cabeça sobre o seu ombro no dia das maiores emoções para o Coração de Jesus: no momento da instituição da Eucaristia, e o que o acompanhará nas horas da sua agonia na cruz, João Evangelista.
Se todas estas pessoas que viveriam com Ele haviam de ser virgens, como não o havia de ser sua Mãe? Se gosta de viver entre lírios de pureza, como não o havia de ser sua Mãe, que o teria nove meses em seu seio, e o teria pequenino nos seus braços e que viveria com Ele no mesmo lar cuidando-o e tratando-o?
Eis a razão por que Maria, sendo verdadeira Mãe de Jesus Cristo no sentido físico da palavra, tinha de ser uma mãe virgem.



24 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Virgem

Parte 7/11


Jovem que abrigas no teu coração ideais semelhantes aos da tua mãe a Virgem Imaculada. Jovem, que no segredo da tua alma fizeste a Deus o mesmo sacrifício generoso que a Virgem Maria seja porque aspiras a ser religiosa, seja porque queres permanecer virgem no mundo. Não estranhes que a tua virtude seja também provada com provas difíceis.
Sentirás a prova por parte das más companheiras. Vives rodeada de outras jovens que se dizem felizes por ter um noivo.
Vês todos os dias casamentos ruidosos de jovens tuas companheiras, que naquele dia atraem para si os olhares da cidade, que se sentem as figuras da atualidade, e tu ficas na solidão, no esquecimento. As jovens da tua idade zombam de ti, ridicularizam-te, e até te abandonam, porque não segues o mesmo caminho que elas. Mesmo os teus pais se aborrecem contigo, porque dizem que não solucionas a tua vida procurando um noivo; e tens que aguentar um dia atrás do outro rostos de mau humor, e frases cortantes. 
Jovem que aspiras a imitar tua Mãe a Virgem Maria, tu também tens que ser heroína como Ela, e como ela sentirás também a prova de Deus, ainda que de modo diferente.
Deus permitirá que sejas tentada; e ao ser combatida precisamente a virtude que tu mais estimas, a virtude pela qual fazes os mais custosos sacrifícios, voltarás para Deus o teu coração angustiado e dirás: "Senhor, como pode ser isto? Tu inspiras-me a que renuncie a tudo e que seja só para ti e permites que sofra tais tentações. Como é isto, Senhor?"
E Deus responde-te no fundo da alma: "Se eu permito essas tentações, não é porque pretenda tirar-te esse ideal que eu mesmo te proponho; pelo contrário, quero que a tua virtude brilhe com mais esplendor, e para isso tens de ser provada. A virtude aperfeiçoa-se na tentação.'

23 de novembro de 2017

Sermão para o 23º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP



[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 13: O Cânon Romano V – Consagração do Cálice





Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Hic est enim cálix sanguinis mei.
Voltamos a considerar, caros católicos, as cerimônias da Missa em seu sentido espiritual. Insisto mais uma vez para que se interessem pela liturgia romana, para que a conheçam, a fim de amar esse tesouro inestimável de nossa fé católica. E que transmitam esse conhecimento e esse amor aos filhos. Tudo o que já falamos até aqui está publicado na internet.
Estamos no centro da Missa, no centro de nossa santa religião católica, no centro do mundo. Estamos na consagração, momento em que, pelas palavras do sacerdote, Nosso Senhor Jesus Cristo se faz realmente e substancialmente presente com seu corpo, sangue, alma e divindade. Já tratamos da consagração da hóstia. Passamos, então, à consagração do cálice. Simili modo, “de modo semelhante’ são as primeiras palavras que o padre diz. De modo semelhante, terminada a ceia, tomou este precioso cálice em suas santas e veneráveis mãos. Mais uma vez, como para a consagração da hóstia, se fala das santas e veneráveis mãos de Cristo. Mãos que fizeram tantas obras de santificação, mãos que foram pregadas na cruz para a nossa salvação. Mão dignas de toda a nossa devoção e veneração. Infelizmente, essa menção foi tirada de todas as orações eucarísticas no Rito de Paulo VI, permanecendo somente na oração eucarística I. São palavras que favorecem o respeito e a reverência ao sacramento. Ao dizer essas palavras, o padre pega o cálice com vinho em suas mãos e o eleva um pouco, colocando-o novamente sobre o corporal. Ao fazer menção à ação de graças, inclina novamente a cabeça e, ao mencionar a bênção, faz o sinal da cruz sobre o cálice. Tudo isso tem o mesmo sentido de quando é feito sobre o pão. Menciona ainda as palavras do Senhor: “tomai todos e bebei.”
Chega, então, às palavras da consagração propriamente dita: “este é, com efeito, o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança – mistério da fé – que será derramado por vós e por muitos em remissão dos pecados”. É por essas palavras que a substância do vinho será transformada na substância do sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aqui, como para a consagração do pão, o padre realiza o que está dizendo, não se trata de uma mera narração, lembrança ou comemoração. O sangue do Senhor se torna realmente presente. É o sangue da nova e eterna aliança. A palavra “eterna” não se encontra nas Sagradas Escrituras, tendo-nos sido transmitida pelo ensinamento oral de Cristo e dos apóstolos, ou seja, pela Tradição. O fato de não ser uma repetição palavra por palavra da Sagrada Escritura torna mais claro o fato de que não se trata de uma narração, mas da renovação do sacrifício de Cristo. É o sangue da nova e eterna aliança. De fato, a aliança estabelecida pelo sacrifício, pelo sangue de Cristo não passará como passou a aliança feita com os judeus. O Novo Testamento e o sacrifício de Cristo não serão substituídos por outro, pois já estamos também no máximo possível de perfeição.
O padre diz em seguida: mysterium fidei, mistério da fé. No rito romano tradicional, essas palavras são ditas ainda durante a fórmula da consagração. Enquanto o sacerdote realiza esse grande milagre, ele confessa que se trata de um mistério, reconhecendo a grandeza da bondade de Cristo, reconhecendo a grandeza do que está ocorrendo. Essas palavras são uma confissão de fé profunda e instantânea no que está ocorrendo e na presença real de Cristo sob as aparências de pão e de vinho. Essas palavras inseridas nesse momento são também da Tradição. Mais uma vez, não se repetem aqui simplesmente as fórmulas presentes na Bíblia, para deixar claro que não se trata de uma narração. Tirar o mysterium fidei das palavras da consagração atenua a confissão de fé na presença real de Cristo nas espécies consagradas.
O padre continua, referindo-se ao sangue de Cristo, dizendo que ele será derramado por vós e por muitos em remissão dos pecados. Será derramado por vós, isto é, pelos presentes, e por muitos, conforme o latim, pro multis, conforme também os originais gregos da Sagrada Escritura e conforme as palavras mesmas de Cristo. Infelizmente, no rito novo traduziram o “por muitos” como “por todos” em português. É uma tradução errada, contrária a todos os textos da Sagrada Escritura e à Tradição. Ora, esse derramado “por todos” em vez de “por muitos”, sobretudo nas circunstâncias atuais, em que as pessoas perderam a noção de pecado e acham que já estão salvas independentemente do que fizerem, é no mais das vezes interpretado como a confirmação de que todos se salvam, é interpretado como a afirmação da salvação universal. “Derramado por todos” pode ser bem interpretado, se entendemos que o Sangue de Cristo foi suficiente e mais do que suficiente para obter para todos as graças para se salvarem, mas não no sentido de que todos se salvarão, pois é preciso ser fiel à graça e cooperar com ela para se salvar. Assim, a tradução errônea é aberta a más interpretações, mas não é herética e não impede que a consagração ocorra, mas pode induzir a um erro sério. É altamente conveniente que seja corrigida, como, inclusive, já pediu a Santa Sé há alguns anos. O original “derramado por muitos” indica que muitos efetivamente aproveitarão o sangue de Cristo para se converterem, para obterem o perdão dos pecados, para se salvarem, mas nem todos aproveitarão o sangue de Cristo derramado por nós, infelizmente. Podemos fazer para a consagração do vinho as mesmas observações tipográficas que fizemos para a consagração do pão. Depois das palavras “tomai todos e bebei” vem um ponto final. Há um parágrafo e, em letras maiúsculas, vêm as palavras da consagração. Não temos, portanto, dois pontos, que designam uma narrativa. As palavras da consagração, ou seja, as palavras “este é o cálice do meu sangue etc.” estão separadas do resto. (O missal de fiéis de Dom Gaspar já apresenta uma tipografia narrativa, como preparação para as mudanças que viriam depois.)  O que está sendo dito nas palavras da consagração se realiza efetivamente pela obra de Cristo, sacerdote principal na Missa, como já dissemos.
O padre faz a genuflexão imediatamente depois da consagração e antes da elevação para significar que Cristo está todo inteiro presente no cálice consagrado, independentemente da consideração dos fiéis. Faz a genuflexão também depois da elevação, depois que os fiéis adoraram o sangue de Cristo. No rito novo sobrou apenas a genuflexão após a elevação.
Pela força das palavras do sacerdote, o sangue de Cristo se faz presente sobre o altar. Como o sangue de Cristo está unido ao seu corpo, à sua alma e à sua divindade, Cristo todo inteiro se faz realmente e substancialmente presente no altar.
Após a consagração o padre diz: toda vez que fizerdes isso, fazei-o em memória de mim. Ele lembra aqui o mandamento de Nosso Senhor que institui ao mesmo tempo a eucaristia, a Missa e o sacerdócio. Toda vez que o padre fizer o que Cristo fez na última ceia, vai fazê-lo para lembrar Cristo. O que fez Cristo? Transformou o pão no seu corpo, o vinho no seu sangue, celebrou a primeira Missa como sacerdote. É isso que o padre faz por ordem de Cristo na Missa. Não é um memorial somente. Ele faz exatamente o que Cristo fez: transforma o pão no Corpo de Cristo, o vinho no seu Sangue e celebra a Missa.
Terminada a consagração do cálice, o sacrifício do calvário está renovado. A separação das espécies significa mística e sacramentalmente a morte de Cristo. Se houvesse a consagração apenas do corpo ou do sangue de Cristo, não haveria sacrifício. Com a consagração das duas espécies, a essência da Missa está realizada, o sacrifício é renovado. No momento da consagração, Cristo oferece novamente seu Corpo e seu Sangue à Santíssima Trindade. Na consagração, ocorre o maior mistério de nossa fé, como o padre diz nas palavras da consagração. O Verbo encarnado se oferece pela nossa salvação. Pela salvação nossa, pobres homens pecadores. Mistério tremendo do amor de Deus. Mistério tremendo do amor de Deus é a Santa Missa. Como dissemos na homilia passada sobre o assunto, a Missa é o mesmo sacrifício da cruz, mudando apenas o modo em que é oferecido. Na cruz, foi sangrento. No altar é incruento, sem sangue, sem sofrimento.
A consagração é a parte mais importante da Missa, caros católicos. Nela, Nosso Senhor se faz presente e renova o seu sacrifício. Muitos pensam que a parte mais importante da Missa é a comunhão e chegam a dizer que se não é para comungar não vale a pena ir à Missa. Chegam a dizer que se a pessoa está em pecado mortal, não tem sentido ir à Missa porque não pode comungar. Isso é um erro. A parte mais importante da Missa é a consagração. Aquele que está em pecado mortal encontrará graças abundantes para o seu arrependimento e conversão vindo à Missa, ainda que não comungue. É pela Missa que nos vêm todas as graças, pois ela é o ato central da verdadeira religião. É pelo seu sacrifício renovado sobre os altares que Cristo nos aplica as graças que alcançou na cruz. Da Missa, depende todo o resto.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

21 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.

RETRATOS DE NOSSA SENHORA.

Nossa Senhora Virgem

Parte 6/11

A Virgem Santíssima não teve tentações contra a pureza; porém Deus submete-a à prova mais delicada por que podia passar uma mulher.
O anjo podia descobrir desde o primeiro momento o meio milagroso de operar-se a Encarnação e no entanto cala-se. Só lhe propõe o fato.
Por isso a Virgem não se precipita a responder. Reflete, cala-se, e espera. Momento sublime em que os céus e a terra estão suspensos dos lábios de Maria!
O anjo espera no aposento.
Espera no céu a Santíssima Trindade: o Pai para a fazer sua filha predileta, o Filho para a fazer sua Mãe, o Espírito Santo para a fazer sua esposa.
Esperam no limbo as almas dos santos a palavra que lhes trará a liberdade e que lhes abrirá as portas do céu.
Esperam na terra todos os homens aquele que realmente quebrará as cadeias que os prende.
Esperam e a Virgem Santíssima reflete. Ela fez voto de virgindade perpétua.
O anjo não lhe disse que Deus a dispensara do voto.
Se fosse essa a vontade de Deus, ainda que lhe custasse, cumpriria; porém Deus não disse que quebrasse o voto; portanto, o seu dever é cumprir o prometido. Se é necessário renunciar a ser Mãe de Deus, renunciará.
Que outra mulher traga em seus braços o Filho de Deus feito homem; que seja outra que contemple o seu rosto e ouça de seus lábios de menino o doce nome de Mãe. Que seja outra mulher que traga sobre a fronte a coroa de Rainha dos céus e da terra.
Tudo isto significam aquelas palavras da Virgem Maria ao anjo - "Como pode ser isso, se não conheço nenhum varão?"
Com razão se chama a Maria a Virgem fiel, Virgem das Virgens.
Ao conhecer o anjo o motivo da sua hesitação apressa-se a dissipá-la.
- Se é isso o que te detém, podes estar tranquila; serás mãe sem deixar de ser virgem.
Para Deus não há dificuldade alguma nisso. Ele que fez o primeiro homem do nada, bem poderá realizar esse milagre.
"O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo cobrir-te-á com a sua sombra. Por isso o fruto santo que nascerá de ti será chamado o Filho de Deus".
Quando a Virgem Maria viu solucionada a dificuldade que se opunha ao cumprimento da vontade divina, que responde?
Apesar dos louvores que o anjo lhe dirigiu, apesar das grandezas que reconhece em si, sabe perfeitamente que tudo recebeu de Deus; sabe que ela não é mais do que uma criadinha, uma escravinha de Deus, que deve fazer a todo o momento a vontade de seu amo: "Ecce ancilla Domini. Fiat mihi secundum verbum tuum". Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.
Recebida a resposta da Virgem Maria, o anjo retirou-se da sua presença e voltou ao céu para comunicar o resultado da sua embaixada.

19 de novembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Virgem

Parte 5/11

O anjo descobre-lho agora.
Sabes que o povo de Israel e toda a humanidade está esperando, há séculos e séculos, a vinda de um libertador. As Escrituras estão cheias dele.
No templo, todos os dias, fazem-se sacrifícios e elevam-se orações pedindo a sua vinda. A aspiração suprema das mulheres de Israel é que seja um descendente seu.
Pois bem, tu és a escolhida por Deus para seres a Mãe do Messias.
"Conceberás e darás à luz um filho a quem porás o nome de Jesus. Este teu Filho será grande e será chamado Filho do Altíssimo, ao qual o Senhor Deus dará o trono de seu pai David e reinará na casa de Jacob eternamente e o seu reino não terá fim. Esta é a mensagem de Deus. Esta é a sua vontade. Aceitas?"
Que delicado é Deus com os homens. Como respeita a sua liberdade. Na vocação que dá a cada homem, não manda, não obriga, propõe, mostra o seu desejo e deixa em liberdade. "Si vis", se queres.
A Virgem Santíssima ouve a mensagem de Deus. Aceitá-la-a prontamente? Tem uma dificuldade muito séria, por isso não se precipita, e reflete.
Que dificuldade é essa?
O seu voto de virgindade perpétuo. Foi talvez o primeiro voto de virgindade que se fez no mundo.
Depois, quantos milhares e milhares de virgens seguiriam o mesmo caminho, arrastadas pelo perfume da sua pureza.

16 de novembro de 2017

VI Congresso São Pio V - Palestra "Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil" - Pe. José Zucchi

Prezados Leitores do blog São Pio V, Salve Maria!

Estamos disponibilizando a terceira palestra do VI Congresso São Pio V, "Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil", a qual foi proferida pelo Padre José Zucchi. Salientamos que o congresso faz parte do apostolado do IBP no Brasil, o qual tem o apoio da Associação Civil São Pio V e da Associação da Vila Militar. Assistam e divulguem a publicação!

Um grande abraço em Cristo Nosso Senhor!

Blog São Pio V

3ª Palestra - "Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil" - Padre José Zucchi

2ª Palestra - "Nossa Senhora de Fátima e sua mensagem" - Padre Thiago Bonifácio

1ª Palestra - "A Esperança em Nossa Senhora de Fátima" - Padre Renato A. Coelho

15 de novembro de 2017

Sermão para a Solenidade Externa da Festa de Todos os Santos – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] O número dos que se salvam


 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Depois disso, olhei e vi uma multidão grande que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua
Poderíamos, caros católicos, considerando nesse dia de hoje todos os santos no céu, considerando a glória da Igreja triunfante, nos perguntar como aquele judeu perguntou ao Salvador: “Senhor, são poucos os que se salvam ?” E o Senhor respondeu: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita porque vos digo que muitos procurarão entrar, e não conseguirão.” Nosso Senhor fala que é preciso esforçar-se, que é preciso entrar pela porta estreita, que o caminho é difícil, mas não responde propriamente quanto ao número de eleitos. Mesmo em outras passagens, quando o Senhor diz que muitos são os chamados e poucos os escolhidos, Ele não se refere exatamente ao número de eleitos, mas fala da maior parte dos judeus, que não quis entrar no reino de Deus, isto é, na Igreja de Cristo, a Igreja Católica.
Nosso Senhor, no lugar de responder, mostra o caminho, mostra que é preciso esforçar-se, que é preciso renunciar a si mesmo, ao pecado, ao demônio, ao mundo. Nosso Senhor não quis responder para evitar que as almas se perdessem. Se Nosso Senhor respondesse que são poucos os que se salvam, muitos seriam levados ao desespero. Se Nosso Senhor falasse que é grande o número dos que se salvam, muitos seriam levados à presunção, quer dizer, seriam levados a pensar que poderiam se salvar de qualquer jeito, sem muito esforço. Nosso Senhor não responde.
Dentro desse tema, não devemos acreditar que praticamente todo mundo se salva nem que praticamente todo mundo se condena. Nós podemos, todavia, com base na Revelação e na razão, ter um otimismo moderado. Ora, mesmo a lição do livro do Apocalipse, que lemos hoje, fala de uma multidão incalculável de santos. A própria repetição do texto dá a idéia de uma grande multidão. E nós, ao comemorar todos os santos, nos lembramos também da quantidade imensa deles, de quantos nos são completamente desconhecidos e de quantos eram como nós, no mesmo estado de vida, com os mesmos problemas.
Nós temos motivos para um otimismo moderado quanto ao número dos que se salvam. Temos motivo para esse otimismo por causa da misericórdia de Deus, em virtude da sua justiça, que pune apenas os que merecem. Podemos ter um otimismo moderado porque a redenção de Cristo é superabundante. Podemos ter grande esperança porque temos a intercessão de Nosso Senhora, Mãe de Deus e nossa, advogada nossa, refúgio dos pecadores. Portanto, o número dos que se salvam não é um número ínfimo. Devemos evitar essa posição rigorista, mas, ao mesmo tempo, devemos evitar a posição de que todos se salvam, ou a posição de que o caminho para a salvação é fácil. E o dogma de que fora da Igreja católica não há salvação continua sempre válido evidentemente. Apenas se salva quem está na Igreja Católica de fato (reapse) ou por desejo.
São Tomás, ao tratar do assunto, escreve que é melhor dizer que somente de Deus é conhecido o número dos eleitos que serão colocados na felicidade suprema. Nosso Senhor não responde e São Tomás também não responde abertamente à questão. Quem seríamos nós para fazê-lo?
O que deve nos interessar, caros católicos, não é tanto a quantidade de pessoas que se salvam. Pode ser que a maioria dos homens se salve, mas isso não significa que eu esteja entre eles. Pode ser que poucos se salvem, mas que eu esteja entre eles. O que deve nos interessar, então, não é o número dos que se salvam, mas que estejamos entre os que se salvam. E isso é plenamente possível porque Deus quer nos tirar de nossa miséria, Deus nos dá os meios abundantes para vivermos em sua graça e para perseverarmos nela. Temos a Missa, temos os sacramentos, temos os sacramentais, temos o Terço, temos tantas outras orações. Temos a intercessão de Nossa Senhora e dos outros santos. Temos a comunhão dos santos, pela qual podemos e devemos rezar uns pelos outros.
A salvação nos é possível, caros católicos. E não apenas a salvação, mas a santidade, o grande avanço nas virtudes. O caminho é que renunciemos a nós mesmos, tomemos a nossa cruz e sigamos a Jesus.
Renunciar a nós mesmos é renunciar à nossa vontade própria cada vez que a nossa vontade se opõe à vontade divina. É também renunciar ao pecado mortal. E lutar seriamente também contra o pecado venial, isto é, contra o pecado leve. É também renunciar ao demônio com as suas tentações. É renunciar ao mundo, pisoteando o respeito humano, fugindo das ocasiões de pecados, em particular das diversões mundanas. Devemos afastar para longe de nós o espírito mundano, amaldiçoado por Cristo.
Devemos nos apoiar na graça de Deus mais do que em nós mesmos e devemos nos conformar com a vontade de Deus em tudo. Nesse caminho de esperança em direção ao céu, não podemos desanimar. Grande armadilha do demônio é o desânimo e a tristeza. Nós vemos mesmo muitos católicos atingidos profundamente pelo desânimo e pela tristeza. Isso se vê na expressão do rosto, se vê no modo de falar e de agir. Quantos, compreendendo mal o caminho da salvação, desanimam porque não avançam tão rápido quanto idealizaram ou desistem de tudo porque caíram? Querendo avançar muito rápido, tropeçam. Querendo ficar de pé apenas com as próprias forças, caem. E têm dificuldade para levantar. Porque não se apoiam em Deus ou porque não têm paciência consigo mesmo. Claro, é preciso lutar, levantar-se o quanto antes com o propósito de não mais cair, mas com humildade e apoiados em Deus. Esforçar-se de modo sereno, suavemente e fortemente. Esse é o caminho dos santos. Força e suavidade. Sem angústia, sem ter a alma dilacerada na busca pela santidade e pela salvação. Força e suavidade.
O reino dos céus é dos violentos, nos diz Nosso Senhor, isto é, daqueles que o arrebatam pela força, pela força da fé, da caridade, da conformidade com a vontade de Deus, pela força da luta contra a carne, contra o demônio e contra o mundo. Mas o reino dos céus é também dos mansos e dos humildes. É preciso ser violento, manso e humilde, ou seja, suave e forte. É preciso compreender que não há contradição em ser violento, manso e humilde, quando falamos do combate espiritual.
Caros católicos, façamos a nossa parte para estar no número dos que se salvam. Não nos interessa o número dos que se salvam, mas estar entre eles. É perfeitamente possível, com suavidade e força. Deus nos dá graças abundantes para isso. Deus é bom! Confiança nEle!
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

14 de novembro de 2017

Sermão para a Festa de Cristo Rei – Padre Daniel Pinheiro


[Sermão] Cristo Rei e o liberalismo



 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
 A Festa de Cristo Rei foi instituída por Pio XI em 1925 para afirmar a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo não só sobre os indivíduos, mas também sobre as sociedades, sobre todas as sociedades, da família ao Estado, da menor sociedade à maior. Por essa época, praticamente a maioria das nações cristãs já haviam se separado da Igreja, muitas realmente apostatado, em movimento que trouxe enorme prejuízo para as pessoas membros dessas nações e para os próprios estados.
Nosso Senhor é Rei porque Ele é Deus verdadeiro. Mas Ele é Rei também enquanto homem, em virtude da união de sua natureza humana à natureza divina na pessoa do Verbo. Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem e sua pessoa é divina. Ele é Rei enquanto homem também por direito de aquisição. Adquiriu a realeza sobre nós pelo seu sangue derramado para a nossa redenção. Essa realeza é sobre os indivíduos e todas as suas faculdades: realeza sobre a inteligência, sobre a vontade, sobre os sentimentos, sobre os sentidos. Essa realeza é sobre todas as ações nossas. Devemos nos submeter inteiramente a Cristo, nosso Rei.
Todavia, Nosso Senhor é Rei também das sociedades. A sociedade também é uma criatura de Deus, já que Deus criou o homem como animal social, ou seja, Deus criou o homem como um ser que precisa de outros para sua perfeição, para viver de modo conveniente. Isso começa pela família, onde todos nascemos. E se conclui com a sociedade civil, com o estado. Nem mesmo a família sozinha basta para a perfeição do homem. É necessária a convivência entre famílias, formando a sociedade civil. Portanto: em suas leis, em seu governo, na educação, em todos os aspectos, a sociedade civil, o estado, e qualquer outra sociedade devem reconhecer a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Todavia, as nações se revoltaram contra Deus, dizendo: não queremos que Jesus Cristo reine sobre nós. Essa revolta, filha autêntica do demônio com o seu non serviam (não servirei), é própria do liberalismo. A sua origem se encontra na decadência filosófica, teológica e política de fins da idade média, quando se foi abandonando a boa filosofia e a teologia de São Tomás. Podemos, porém, apontar um marco decisivo no avanço do liberalismo: Lutero e a revolta protestante. Lutero nega a autoridade da Igreja e coloca cada indivíduo como autoridade para interpretar a Sagrada Escritura. É o chamado livre exame. Cada um pode, com inspiração particular, interpretar a Bíblia sozinho. É curioso como essa inspiração, teoricamente vinda de Deus, é tão contraditória. Um indivíduo interpreta de um jeito. Outra pessoa interpreta de outro. As duas viriam de Deus. Deus pode se contradizer? Afirmar isso seria uma blasfêmia. O fato é que ao negar a autoridade da Igreja e ao afirmar a independência total do indivíduo em ponto tão fundamental, Lutero coloca as bases mais claras para o liberalismo.
O liberalismo afirma a independência da vontade com relação ao bem, como se cada um pudesse escolher, sem distinção, entre o bem e o mal. Ele afirma a independência do sentimento com relação à inteligência e a vontade, como se todo sentimento devesse ser seguido cegamente, independentemente de qualquer outra coisa. O liberalismo afirma a independência do corpo em relação à alma, como se fôssemos puramente animais. Afirma a independência do indivíduo com relação à sociedade, como se não houvesse hierarquia alguma na família, entre marido e esposa, entre pais e filhos; como se não houvesse hierarquia na Igreja, entre o clero e os fiéis. O liberalismo afirma a independência dos homens com relação a Deus, como se Ele não existisse ou como se Deus existisse simplesmente para satisfazer os anseios dos homens, a fim de que eles se sintam bem. Ele afirma a independência do Estado com relação a Deus e à Igreja, como se não houvesse uma religião verdadeira, como se fossem todas boas. Nessa falsa concepção, também a economia se torna independente de toda lei moral. Essa é a concepção atual de liberdade, radicalmente oposta à liberdade verdadeira, que nos foi dada por Deus. Essa é a concepção liberal de liberdade, conhecida como liberalismo. Essa concepção tão gravemente errada de liberdade e que vai tão profundamente contra a natureza das coisas é uma liberdade que escraviza, que escraviza o homem à sua vontade própria, ao pecado. É uma liberdade que conduz à perdição. A verdadeira liberdade é uma liberdade para nos movermos no bem.
Inspirando-nos em Monsenhor Gaume, prelado francês do século XIX podemos dizer: “Se arrancando sua máscara, perguntamos ao liberalismo: quem és tu? Ele dirá: eu não sou o que pensam. Muitos falam de mim e poucos me conhecem. Não sou a maçonaria, nem motim, … nem troca de monarquia por república, nem substituição de uma monarquia por outra, nem a perturbação momentânea da ordem pública. Não sou nem os latidos dos comunistas, nem os furores dos direitistas, nem a guerrilha nem a pilhagem, nem o incêndio, nem a reforma agrária, nem o socialismo, nem a social democracia, nem o centro, nem a guilhotina, nem as execuções. Essas coisas são minhas obras e minhas filhas, mas não eu. Essas coisas são passageiras mas eu sou um estado permanente. Sou o ódio por toda ordem que não tenha sido estabelecida pelo homem e na qual ele não seja ao mesmo tempo rei e deus. Sou a proclamação dos direitos do homem sem respeito aos direitos de Deus. Sou a fundação do estado religioso e social na vontade do homem em lugar da vontade de Deus. Sou Deus destronado e o homem em seu lugar. Eis porque me chamo Revolução, ou seja, subversão, liberalismo.”
Não adianta combater meramente as filhas e as obras do liberalismo. É preciso combater seus princípios. Ainda menos adianta combater as obras do liberalismo com outras obras do liberalismo, alimentando e reforçando o liberalismo enquanto se tem a ilusão de combatê-lo (o comunismo com o liberalismo em geral ou o liberalismo econômico em particular; a democracia moderna com uma monarquia que é no fundo liberal e maçônica). É preciso combater com os bons princípios da lei natural, com os bons princípios da religião católica. É preciso proclamar a realeza de Cristo em nossa alma e viver essa realeza. É preciso buscar, com os meios que nos são possíveis, que Cristo reine na sociedade, começando por nós e pelas nossas famílias.
Boa é a data da Festa de Cristo rei porque afirma o reinado de Cristo já aqui nesse mundo sobre os indivíduos e sobre as sociedades. Ela não é relegada ao último domingo do ano litúrgico, que trata do fim do mundo, como se o reino de Cristo viesse apenas no fim do mundo.  Boa porque afirma a realeza de Cristo no céu e no purgatório pela proximidade com a Festa de Todos os Santos e com o Dia de Finados. Boa porque é próxima da data que marca o início da revolta de Lutero: a fixação das 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg ocorreu em 31 de outubro de 1517 (alguns historiadores chegam a contestar que isso realmente tenha acontecido). Os protestantes a comemoram no último domingo de outubro. A festa de Cristo Rei, sendo no último domingo de outubro, é o antídoto ao liberalismo protestante, que destruiu as pessoas e a sociedade. A realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é o remédio para os males de nossa época. Viva Cristo Rei.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

13 de novembro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 416

PERGUNTAI A ELE

Dois jovens esposos, no dia de seu casamento, receberam de presente uma linda imagem de Jesus Crucificado. Levaram-na com alegria para o novo lar, onde o lugar de honra foi dado Aquele que realmente haveria de ser o Rei e Chefe da família. Era sempre aos pés daquele Cristo que a família implorava bênçãos e agradecia favores e graças; gozava de alegrias e bendizia os sofrimentos.
Passaram-se os dias, meses e anos, e o Crucifixo ali estava sempre no seu lugar de honra, recebendo homenagens e espargindo graças... Hoje aqueles esposos são velhos, preparam-se para as bodas de ouro. A família é modelo de virtudes e goza da estima de todos que a conhecem. Alguém pergunta à veneranda que meios empregara para conservar os filhos tão bons e virtuosos. E ela, apontando para aquele Crucifixo, com um sorriso que refletia a verdadeira felicidade, responde:
- Ele sabe. Perguntai a Ele!...

12 de novembro de 2017

O Inferno existe - Parte 9

CAPÍTULO IX

Lembrança salutar do inferno
O pensamento do inferno é fecundo de magnânimas resoluções. Quantos se santificaram meditando naquele terrível sempre e naquele terrível nunca! Quantos deixaram o pecado e se entregaram à virtude ouvindo um sermão sobre o inferno! A lembrança daquelas chamas eternas dava fôrça aos mártires para suportarem os mais cruéis tormentos e caminharem alegres para a morte. Quem pensa no inferno suportará com paciência os males deste mundo, reputando-os insignificantes em comparação com os da eternidade.
O Padre João Eusébio Nierenberg, glória da Igreja de Espanha pela doutrina, pela santidade, pela direção esclarecida de muitas almas, teve dez anos antes de morrer tantos sofrimentos e tão excessivos que passava por certo envenenado da Babilônia! Ele trilha a passos agigantados a caminho da perdição; e como é difícil deter-se e voltar atrás!
E este pecado traz muita vez consigo o sacrilégio, mormente nos jovens. Confessam-se sem dificuldade das culpas cometidas contra a obediência, a caridade as outras virtudes; mas têm vergonha de revelar ao confessor as faltas cometidas contra a bela virtude. O demônio tira-lhes a vergonha no ato de cometer o pecado e depois lhes restitui no momento da confissão. E então comentem um sacrilégio, depois outro e mais outro, até que a justiça divina cansada, abre para esses infelizes a porta do inferno.
Sirvam os seguintes exemplos para causar salutar temor e preservar-nos de impureza e de sacrilégio.
*
* *
Santo Antônio de Florença refere nos seus escritos um fato terrível, que pela metade do século XV encheu de pavor todo o norte da Itália.
Um rapaz de boa família, que na idade de 16 para 17 anos tivera a desgraça de calar na confissão um pecado mortal e de comungar nesse estado, ia adiando, de semana em semana, de um mês para outro, a confissão para ele tão penosa dos seus sacrilégios. O santo arcebispo não menciona qual fosse o pecado oculto, mas parece que tenha sido uma culpa grave contra a bela virtude. Atormentado pelos remorsos, em vez de descobrir com sinceridade a sua miserável condição, procurava a paz fazendo grandes penitências; mas inutilmente.
Não aguentando mais os contínuos assaltos da consciência entrou num convento, pensando: – Lá, ao menos, confessar-me-ei bem e farei penitência dos meus pecados: Por sua desgraça foi recebido como um moço de vida exemplar, pois os superiores sabiam da boa reputação de que gozava; e por isso, também aqui a voz da consciência para outra ocasião, e dois, três anos passou-se em tal deplorável estado, sem ter a coragem de se confessar.
Afinal uma doença parecia-lhe trouxesse oportunidade: – Desta vez, dizia consigo o infeliz, manifesto tudo e faço uma confissão geral antes de morrer.
Mas, também desta vez não foi sincero na acusação; fez tantos rodeios que o confessor não compreendeu nada; esperava confessar-se melhor no dia seguinte, mas surpreendido por uma crise, expirou miseravelmente nesse estado.
Na comunidade, ignorando todos o seu triste fim, cercaram de veneração o defunto; o corpo foi transportado para a igreja do convento, onde ficou exposto no coro até as matinas do dia seguinte, quando se fariam as exéquias.
Uns minutos antes da hora marcada para a cerimônia, a um dos frades que fora tocar o sino aparece o morto amarrado de correntes afogueadas com não sei que de incandescente que lhe transparecia em toda a pessoa. O frade caiu de medo, mas cravou o olhar naquela terrível aparição; então o réprobo lhe falou: – “Não rezeis por mim, que estou no inferno para sempre.” E contou-lhe a lamentável história de sua maldita vergonha e dos seus sacrilégios. Depois desapareceu, deixando na igreja um odor pestífero que se espalhou por todo o convento, como para atestar a verdade do que o frade tinha visto e ouvido.
Advertidos os superiores fizeram remover de aí o cadáver, julgando-o indigno de sepultura eclesiástica.
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* *
Narram as crônicas de S. Bento de um solitário de nome Pelágio, que encarregado pelo pai da guarda do rebanho, levava vida exemplar, tanto assim que todos lhe chamavam santo. Assim viveu muitos anos. Mortos os pais, vendeu as poucas coisas que lhe deixaram, e se retirou para o ermo.
Uma ocasião teve a desgraça de consentir num pensamento desonesto. Cometido o pecado, caiu em profunda melancolia porque não queria confessá-lo, para não perder a fama em que era tido. Resolveu fazer penitência, sem confessar o pecado, iludindo-se a si mesmo que Deus talvez
lhe perdoasse sem confissão. Entrou num convento, onde foi recebido pela sua boa fama, e aí viveu vida austera. Chegou a hora da morte e ele se confessou pela última vez; mas como por vergonha ocultara o pecado durante a vida, assim deixou de o contar na hora da morte. Depois de receber o viático morreu e foi sepultado como o mesmo conceito de santo.
Na noite seguinte o sacristão encontrou o corpo de Pelágio em cima da sepultura e o enterrou outra vez; como, porém, o encontrasse desenterrado três noites consecutivas, avisou o abade, o qual foi ao sepulcro com outros frades, e:
– Pelágio, disse, tu foste sempre obediente durante a vida, obedece-me também agora depois de morto; dize-me: é talvez vontade divina que o teu corpo tenha lugar reservado?
O infeliz defunto dando um formidável grito respondeu:
– Ai! eu estou condenado por um pecado que não confessei; olhe, sr. abade, para meu corpo.
E o seu corpo, nesse instante, apareceu como um ferro em brasa, que mandava chispas. Todos fugiam espavoridos; mas Pelágio chamou o abade para que lhe tirasse da boca a partícula consagrada que ainda se achava aí. Depois disto, Pelágio disse que o tirassem da igreja e o lançassem no monturo, e a ordem foi executada.
*
* *
Conta o Padre João Batista Manni, jesuíta, que houve uma pessoa que por muitos anos calou na confissão um pecado de desonestidade.
Passaram por aquele lugar dois frades dominicanos; ela, que sempre esperava um confessor estranho, pediu a um deles que a ouvisse em confissão. Saindo da igreja, o companheiro contou ao confessor, que observara que, enquanto aquela senhora se confessava, saiam de sua boca muitas serpentes; mas, que uma enorme serpente apenas pôs para fora a cabeça e entrou de novo; e então voltaram todas as outras.
O confessor, suspeitando o que isso pudesse ser, correu à casa daquela senhora; na porta lhe disseram que ela ao chegar à sala caíra morta.
Depois disto, apareceu-lhe, durante a oração, a pobre mulher vestida de fogo e disse: – Eu sou aquela mulher que me confessei contigo, cometendo um sacrilégio; eu tinha um pecado que não queria confessar aos sacerdotes da cidade; Deus mandou um confessor de fora, e foste tu, mas também nessa ocasião deixei-me vencer pela vergonha e logo a justiça divina me castigou, tirando-me a vida apenas cheguei à casa, e justamente me condenou ao inferno.
Tendo assim falado, abriu-se a terra onde se precipitou e desapareceu para sempre.
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* *
O Padre Martinengo, no seu livro da Primeira Comunhão, conta também um fato que aqui reproduzo com as próprias palavras.
Numa paróquia de França celebrava-se a festa de Primeira Comunhão das crianças. Estava já o celebrante distribuindo a comunhão, quando, de repente, um menino, apenas recebeu a sagrada Partícula, caiu no chão. O socorro não se fez esperar. O menino estava frio como cadáver, sem conhecimento e sem fala. Levado nos braços para uma casa próxima e deitado numa cama, procuram reanimá-lo. Vem o médico, que tudo faz para que o menino volta a si. Debalde!
Entretanto, terminada a função, chega o padre que tanto o amava, senta-se à cabeceira, chama-o pelo nome, sacode-o até. Nenhum sinal de vida.
– Ah! coitadinho! Que teria acontecido? Estará mesmo morto? eram as perguntas que então se faziam.
Não; não tinha morrido, mas era moribundo. Depois de convenientemente medicado, o menino se mexeu, abriu os olhos e olhou estonteado os circunstantes. Momentânea alegria se difundiu no semblante de todos. O bom padre deu um grande suspiro de esperança e consolação, e começou a acariciar o menino e a confortá-lo com santas e afetuosas palavras.
– Filho, te sentes mal, não é? Coragem! sofre com paciência. Jesus a quem recebeste te ajudará com certeza.
Ouvindo esse nome, o menino torna-se lívido, olha assustado para o padre e prorrompe nestas palavras de desespero: – Ai de mim! cometi um sacrilégio!
Assim dizendo, vira sinistramente os olhos, cerra os dentes, range-os, e fazendo esgares volta-se para o lado da parede e expira.
*
* *
Conta o Padre Francisco Rodrigues, e o traz também Santo Afonso, um fato acontecido na Inglaterra, quando aí dominava a religião católica.
O rei Anguberto tinha uma filha que por sua airosidade fora pedida em casamento por muitos príncipes. Mas a princesa recusou terminantemente, pois fizera voto de castidade. O pai pediu para ela dispensa de Roma, mas a filha ficou firme no propósito de não se casar dizendo que não queria outro esposo senão Jesus Cristo; e ao mesmo tempo pedia ao pai permissão de viver afastada do mundo; o pai, que a estimava muito, condescendeu dando-lhe uma casa e côrte convenientes. Começou então uma vida santa de oração, jejum e penitências; frequentava os sacramentos e muitas vezes ia prestar serviços aos doentes dum hospital vizinho. Nesse teor de vida morreu, apesar dos seus verdes anos.
Certa vez uma senhora, que tinha sido sua criada, ouviu, durante a oração da noite, um rumor estranho e depois viu aparecer subitamente uma alma em figura de mulher, no meio do fogo e acorrentada entre muitos demônios, que se apresentou assim:
– Eu sou a infeliz filha de Anguberto.
– Como? perguntou assustada a aia; vós, condenada após uma vida tão santa?
Replicou a alma; – Fui justamente condenada por minha culpa.
– Sendo ainda criança tive a desgraça de cair num pecado desonesto. Fui confessar-me, mas a vergonha fechou-me a boca e em vez de revelar candidamente o meu pecado, eu o cobri de jeito que o confessor nada compreendeu, e cometi um sacrilégio. Depois comecei a fazer penitências, a das esmolas, para que Deus me perdoasse, mas sem confissão. Em artigo de morte disse ao confessor que tu tinha sido uma grande pecadora. O padre ignorando o meu estado respondeu-me que devia repelir esse pensamento como uma tentação; logo depois expirei e fui condenada para sempre, às chamas do inferno.
E, dizendo isto, desapareceu, mas com tanto estrépito que parecia derrubar a casa, deixando no quarto um mau cheiro insuportável, que durou por muitos dias.
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* *
O terceiro pecado que arruína tantos cristãos é a blasfêmia. E como se tornou comum no dia de hoje!
Se um carroceiro não consegue fazer o seu animal andar vomita blasfêmia contra Deus e contra os santos. Se um comerciante vai mal nos seus negócios dirige imprecações contra os céus. Um jogador perde e então se ira fortemente contra Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima. Não se pode sair de casa, sem que os ouvidos e o coração se firam por blasfêmias. Mas, que mal nos fez Nosso Senhor para o maldizermos? Não é Ele o nosso Criador, o nosso Redentor que morreu na cruz para nos salvar, e que está pronto a derramar sobre nós as suas bênçãos celestes, se o amamos?
Por que usamos mal dessa língua que nos foi dada para cantar os seus louvores, profanando o seu santo nome?
A blasfêmia é a linguagem do inferno. Os santos padres justamente indignados pelos gravíssimos excessos que ela encerra chamam os blasfemos demônios em carne. Ai de quem se habitua a blasfemar! Ele se encaminha a largos passos para o inferno, pois multiplica pecados sobre pecados, escândalos sobre escândalos.
Em alguns países católicos fundaram-se pias uniões que têm por escopo impedir as blasfêmias, ou, pelo menos, fazer a reparação, bendizendo o santo nome de Deus. Quando encontram algum infeliz que não sabe observar o segundo mandamento da lei de Deus, o advertem caridosamente por si ou por meio de seus conhecidos, mostram o mal que faz à própria alma, o escândalo que dá ao próximo e o castigo que o espera, se não se corrige. São admiráveis os resultados que conseguem tais pias uniões ou ligas e muito fora para desejar que florescessem em todos os países, em todas as cidades.
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Reuniram-se alguns soldados numa taberna de Voviano, na Lorena, e depois de terem bebido demais, começaram a jogar. Um deles tendo perdido muito levantou-se raivoso da mesa e vendo por acaso uma imagem de Maria SS., pôs-se a desabafar a sua raiva vomitando as mais nefandas blasfêmias contra a Mãe de Deus.
Mas no mesmo instante, caiu no chão, com um horrível tremor em todos os membros e com tão violentos espasmos nas vísceras que se contorcia e bramia como um leão ferido. Três dias ele passou nesse estado, sem poder engolir nem alimentos, nem remédio para acalmar um tanto aquelas dores horríveis, até que no quarto dia, espumando de raiva e mordendo nervosamente a poeira morreu na presença de seus companheiros, estarrecidos por esse lutuoso espetáculo.
*
* *
Sabendo S. Leonardo de Porto Maurício que em Suzze, onde pregava as santas missões, estava enraizado o vício da blasfêmia começou a falar com veemência contra esse enorme pecado.
Um jovem devasso e grande blasfemo, riu-se das ameaças que Deus fazia por meio de seu ministro; aconteceu que no dia seguinte, precisamente na hora do sermão, ele passeava a cavalo pelas ruas da cidade; num dado momento levou uma forte queda e teve morte instantânea, ficando com a língua fora da boca.
Todos conheceram o fato como castigo manifesto de Deus, o que serviu para incutir no povo um grande horror à blasfêmia.
*
* *
Lê-se na Sagrada Escritura, que o soberbo e perverso Nicanor foi ferido de morte numa batalha. Judas Macabeu, vendo-o tombar, mandou que o degolassem e arrancassem a língua sacrílega que tantas blasfêmias proferira, atirou-a às aves, para incutir temor nos blasfemos.

11 de novembro de 2017

As Mais Belas Histórias do Cristianismo - Parte 17

17. PERPÉTUA E FELICIDADE, JOVENS MÃES MÁRTIRES.

A Igreja que vinha sofrendo as mais tirânicas perseguições, oficialmente decretadas pelos imperadores romanos, e que escreveu em sua história as mais belas páginas do heroísmo e fidelidade de seus membros, pôde experimentar algum tempo de tranquilidade no governo de Cômodo.
Embora realizasse êle um reinado de orgias, fosse ávido de sensações violentas, como as que ofereciam as lutas na arena, das quais participava sempre, Cômodo, o Hércules, título que lhe dera o senado, não perseguiu os cristãos. Ao contrário, concedeu anistia àqueles que se encontravam encerrados nas masmorras dos palácios.
Foi na época da Anarquia militar, em que o poder supremo esteve à mercê dos caprichos dos soldados, que surgiu a figura do africano Séptimo Severo, que a princípio, mostrando-se calmo e clemente, subitamente se transformou em grande perseguidor dos cristãos, estendendo sua tirania a todo o império, às províncias das Gálias, da Ásia e África, onde sangrentas páginas se ajuntaram ao doloroso capítulo da história cristã.
Modelos exemplares de fé e heroísmo se inscreveram na galeria já gloriosa de nobres figuras do cristianismo primitivo, e dentre eles os nomes de Perpétua e Felicidade, duas jovens mães, dignas de louvor e admiração pela constância e firmeza imperturbável na fé.
Deus quis unir no mesmo sacrifício duas mães, ambas muito jovens, descendendo uma de família nobre, e outra uma pobre escrava.
Diante dele todos são iguais, capazes de heroísmo, o nobre e o escravo, e as maiores riquezas se encontram na alma e são os tesouros espirituais.
O ambiente na África, de modo especial após a ordem de Séptimo Severo, era muito hostil aos cristãos. Hilariano, que exercia o cargo interino de Governador da Província, por morte do procônsul, queria a sua promoção e para agradar ao Imperador cumpriu à risca a sua ordem, sem nenhum sentimento de humanidade ou clemência.
Dias terríveis viveram os cristãos nas prisões de Cartago, amontoados em redutos escuros, onde tudo era insuportável aos sentidos. Habituada à nobreza, Perpétua, que se fizera batizar no cárcere, pois era catecúmena, valorizava o seu sofrimento, até que à custa de dinheiro, dois diáconos, Tertius e Pomponius, obtiveram mais humanidade dos guardas para com aquelas pobres criaturas, e os cristãos foram colocados em melhores lugares, onde mais fresco era o ar.
Ao lado dos sofrimentos materiais, a tortura da dor de seus pais e parentes. O velho pai que conseguiu penetrar na prisão tudo fêz para demovê-la da fé e desejo do martírio. Suplica-lhe que se compadeça dele e não envergonhe a sua velhice perante a sociedade; lembra-lhe o amor e desvelo com que sempre a distinguiu.
Momentos terríveis para o coração de Perpétua, ao ver seu pai prostrado aos seus pés, beijando-lhe as mãos, e suplicando-lhe que abandone a sua fé por ele, pela sua querida mãe e pelo seu filhinho.
No entanto, a força da graça de Deus, grande na alma de Perpétua, fez com que ela afastasse o pai, renunciasse às suas súplicas, para consagrar sua vida a Deus pelo martírio.
Nada foi capaz de quebrar a resistência da jovem mãe: nem as súplicas do pai, nem as ameaças de suplícios terríveis.
E as duas jovens, Perpétua e Felicidade, baldados os esforços em demovê-las de suas ideias, foram condenadas às feras.
Felicidade chegara ao oitavo mês de gravidez. As leis romanas proibiam a execução de mulheres em semelhantes circunstâncias, e ela temia que fosse adiado o seu suplício.
Entregaram-se ela e todos os cristãos prisioneiros à oração e Deus ouviu as suas preces. Felicidade prematuramente deu à luz uma criança.
No dia marcado, apresentam-se com semblantes alegres, dispostas a tudo por amor a Cristo, de quem jamais se afastariam. Recusaram as túnicas das cerimônias pagãs com que tentaram vesti-las.
Passando diante de Hilariano, disseram-lhe: "Tu nos condenaste, pois saibas que Deus te julgará".
Na arena de Cartago, as feras se lançam contra os cristãos. Perpétua e Felicidade, cobertas com pequeno agasalho, foram atiradas a uma vaca brava; esta as derrubou, mas não as matou. Vendo Perpétua que o pequeno pano que lhe deram para se resguardar da nudez se havia rasgado, apertou-o como pôde, ajeitou os cabelos, para que não parecesse estar triste e abatida. Os algozes não se atreveram a atirá-las mais às feras. Deveriam ser transpassadas pela espada. Por fim, caíram as duas jovens sob os golpes dos verdugos.
Perpétua, ferida no flanco, com uma horrível chaga, toma a mão do assassino inexperiente e coloca a ponta da espada sobre a própria garganta.
Assim, morreram as duas jovens mães, engrandecendo o valor da mulher no cristianismo primitivo.
A narrativa desta bela história a encontramos nas atas autênticas do martírio destas santas, redigidas em parte por Perpétua, em linguagem simples, sincera e elegante, e em parte, as páginas da narrativa do suplício, por testemunhas de vista, talvez Tertuliano, pela semelhança de estilo. Estão estas atas entre os trechos mais belos da literatura cristã antiga.
Os nomes das mártires figuram no Cânon da Missa, prova de quanto a Igreja primitiva as considerava.
E permanece para sempre a lembrança da fé e heroísmo destas duas jovens criaturas, uma nobre, outra escrava.
Em ambas a grandeza da maternidade a humana e a espiritual, gerando seus filhos para a vida e fazendo com que suas vidas se frutifiquem no heroísmo de sua imolação na arena sagrada pelo sangue dos mártires.
Filhos de mães heroicas, mães dignas de sua missão e da grandeza e mistério do próprio nome de Mãe!
A lembrança destas jovens mães despertem nos corações maternos a coragem e heroísmo para os deveres e encargos do lar. Cada mãe seja uma Mártir que cada dia se imole um pouco na arena do trabalho e do sacrifício. Somente assim se considerem dignas de sua alta e misteriosa missão na sociedade.
"As testemunhas dos fatos do martírio das Santas Perpétua e Felicidade, escreve o redator dos Atos dos Mártires, lembrar-se-ão da glória do Senhor, e aqueles que deles tiverem conhecimento, por esta narrativa estarão em comunhão com os santos mártires e, por intermédio deles, com Jesus Cristo Nosso Senhor, para quem são a honra e glória".