31 de março de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV 

Tal é o estado glorioso que nos espera, porque é o estado glorioso do nosso chefe Jesus, de quem somos os membros, estado admirável que a Transfiguração do Tabor nos faz entrever e propõe à nossa fé como objeto de esperança.
 Mas, perguntar-me-eis, que devemos fazer para o conseguir? Qual o caminho que havemos de seguir para atingirmos essa glória bem aventurada, de que contemplamos um revérbero na Transfiguração do nosso divino Salvador?
Há só um caminho, e é o Pai quem no-lo mostra. O Pai, que nos adota, que nos chama à celestial  herança a fim de partilharmos da Sua beatitude e participarmos um dia da plenitude da Sua vida, o próprio Pai é quem nos aponta o caminho e no-lo indica neste mesmo mistério: "Eis o meu Filho muito amado, em quem pus as minhas complacências".
 É verdade que já ouvimos estas palavras no Batismo de Jesus; mas, na Transfiguração, o Pai acrescenta uma nova palavra que encerra todo o segredo da nossa vida: Ipsum audite - «Escutai-O" . É como se Deus, para nos fazer chegar até Ele, tudo fizesse depender de Jesus. E tal é, de fato, a economia dos desígnios divinos.
 Filho de Deus que vive sempre no seio do Pai, Jesus, o Verbo Incarnado, faz-nos conhecer os segredos divinos: lpse enarravit. Ele é a luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo; onde brilha essa luz não há trevas; ouvi-Lo é ouvir realmente o Pai que nos chama, pois a doutrina de Jesus não é sua, mas d"Aquele que O enviou; "tudo o que nos ensina, foi o Pai que no-lo mandou revelar»: Omnia quecumque audivi a Patre meo, nota feci vobis. Ele é o único caminho que conduz ao Pai»: Nemo venit ad Patrem, nísi per me. «Outrora, Deus falou, e frequentes vezes, pela boca de Moisés e dos profetas; agora não nos fala senão por Seu Filho»: Multifariam multisque modis olim Deus loquens patribus in prophetis: novissime diebus istis locutus est nobis in Filio. 
Ora vede: para no-lo fazer compreender claramente, Moisés e Elias desaparecem, quando a voz do Pai nos manda ouvir o Filho: Et dum fieret vox (Patris), inventus est Jesus solus. Só Ele é, de futuro, o único Mediador: só Ele realiza as profecias e compendia a lei. Substitui as realidades às figuras e profecias; substitui a Lei Antiga, toda de servidão, pela Lei Nova, toda de adoção e amor. Para ser filho do Eterno Pai, para alcançar a «adoção perfeita» e gloriosa, basta-nos ouvir Jesus: Oves meae vocem meam audíunt.
 E quando é que nos fala? Fala-nos no Evangelho, fala-nos pela voz da Igreja, dos pastores; fala-nos pelos acontecimentos, pelas provações; fala-nos pelas inspirações do Seu Espírito.
 Mas, para bem O ouvir, é indispensável o silêncio; é preciso muitas vezes, como Jesus na Transfiguração, retirar-nos a um sítio ermo e solitário; seorsum. É certo que em toda a parte podemos encontrar Jesus, mesmo no tumulto das grandes cidades; mas só numa alma em paz e bem envolvida em silêncio se pode ouvir bem a sua voz; não se pode compreender bem senão «na prece e na oração» - dum oraret; é então sobretudo que se revela à alma para a atrair e transfigurar em Si. No momento da oração, imaginemos que o Pai nos mostra o Seu Filho: Hic est Filius meus dilectus. Adoremo-Lo então com profunda reverência, fé viva e amor ardente. E escutemo-Lo; «só Ele tem palavras de vida eterna»: Domine, ad quem ibimus? Verba vitae aeternae habes.
Escutemo-Lo pela Fé, pela aceitação de tudo o que nos diz: «Sim, Senhor, creio, porque Vós o dizeis: estais sempre in sinu Patris; vedes os segredos divinos no esplendor da luz eterna: cremos no que nos revelais. A fé é para nós essa lâmpada de que fala o Apóstolo, testemunha da Vossa Transfiguração, «lâmpada que brilha nas trevas para nos guiar»: Lucerna lucens in caliginoso loco.
 E é a esta luz, cercada de trevas, que vamos caminhando; e, apesar destas trevas, devemos caminhar com coragem. Escutar a Jesus não é somente ouvi-Lo com os ouvidos do corpo; ouve-se também com os ouvidos do coração. É preciso que a nossa fé seja prática, que se manifeste por obras dignas dum verdadeiro discípulo de Jesus, conformes com o espírito do Seu Evangelho. É o que S. Paulo chama «agradar a Deus"- placere Deo  termo que a Igreja repete, quando pede por nós a Deus que sejamos dignos filhos do nosso Pai celeste.
 E isto, apesar das tentações, das provações, dos sofrimentos. Não ouçamos a voz do demônio; as suas sugestões são do príncipe das trevas. Não nos deixemos arrastar pelos preceitos do mundo; as suas máximas são enganosas. Não nos deixemos seduzir pelas solicitações dos sentidos; com satisfazê-las a alma só ganha ficar perturbada.
 Só a Jesus devemos ouvir, só a Ele devemos seguir. Entregue-mo-nos a Ele pela fé, pela confiança, pelo amor, pela humildade, pela obediência, pelo abandono. Se a nossa alma se fechar aos rumores da terra, ao tumultuar das paixões e dos sentidos, o Verbo Incarnado tomará pouco a pouco posse dela; far-nos-á compreender que as mais profundas alegrias são aquelas que encontramos no Seu serviço. A alma que tiver a felicidade de ser admitida, como os Apóstolos privilegiados, na intimidade do Divino Mestre, sentirá por vezes a necessidade de exclamar como S. Pedro: Domine, bonum est nos hic esse, «Senhor, que bem se está aqui» !
 Está claro que Jesus nem sempre nos leva ao Tabor, a esse lugar onde «se está bem»; nem sempre nos dá consolações sensíveis; se no-las dá, não devemos rejeitá-las, pois nos vêm d'Ele, mas aceitá-las humildemente, embora sem as procurar e sem nos apegarmos a elas. S. Leão observa que Nosso Senhor não respondeu a Pedro, quando este Lhe propunha se levantassem tendas e se fixasse morada naquele lugar de beatitude. Não diz que tal desejo fosse condenável, mas que ainda não era chegada a hora. Enquanto estamos neste mundo, é ao Calvário que Jesus nos conduz as mais das vezes, quer dizer, pelo caminho das contradições, das provações, das tentações.
 Ora reparai. De que falava Ele na montanha com Moisés e Elias? Das Suas prerrogativas divinas, da Sua glória que deslumbrava os discípulos? Não; falava da Sua Paixão próxima, do excesso dos Seus sofrimentos que assombravam Moisés e Elias tanto como os fascinava o excesso do Seu amor. É pela cruz que Jesus Cristo nos conduz à vida; e, porque sabe que somos fracos na provação, quis mostrar-nos com a Sua Transfiguração a glória que éramos chamados a partilhar com Ele, se permanecêssemos fiéis: Coheredes autem Christi, si tamem compatimur, ut et conglorificemur. A terra não é lugar de repouso, mas sim de trabalho, de luta, de paciência. 
Sejamos fiéis a Jesus, a despeito de tudo. Ouvimos que Ele é o Filho de Deus, igual a Deus; a Sua palavra não passa; é o Verbo eterno. Ora Ele afirma que aquele que O seguir chegará à «luz da vida»: Habebit lumen vitae. Feliz da alma que O escuta, que O escuta só a Ele, que O escuta sempre, sem duvidar da Sua palavra, sem se deixar abalar pelas blasfêmias dos Seus inimigos, sem se deixar vencer pelas tentações nem abater pelas provações ! «Não sabemos, diz S. Paulo, o peso de glória que nos está reservado pelo menor sofrimento suportado, em união com Jesus Cristo». «Deus é fiel»; e, através de todas as vicissitudes por que uma alma passa, Deus leva-a infalivelmente a essa transformação, que a torna semelhante a Seu Filho.
 Assim, a nossa transfiguração em Jesus vai-se realizando pouco a pouco interiormente, até chegar o dia em que aparecerá radiante naquela sociedade de eleitos que trazem o sinal do Cordeiro e que o Cordeiro transfigura porque Lhe pertencem.
O próprio Nosso Senhor no-lo prometeu. «O mundo alegrar-se-á, dizia Ele antes de nos deixar; vós sofrereis na terra aflição e provação, assim como Eu mesmo sofri, antes de entrar na glória»: Oportuit pati Christum et ita intrare in gloriam suram. Assim tem de ser; é o caminho da minha providência; mas permanecei firmes, «tende confiança», confidite: eu estou convosco até à consumação dos séculos. Por enquanto, a vossa fé recebe-me cada dia no mistério dos meus aniquilamentos; mas, um dia, hei-de vir na plena revelação da minha glória. E vós, discípulos fiéis, entrareis na minha glória, tomareis parte na minha alegria, pois sois um comigo. Porventura não o pedi ao meu Pai no momento de saldar as contas com o meu sacrifício? " Quero, ó Pai, que, onde eu estiver, estejam também os meus discípulos, aqueles que Vós me destes; que vejam e participem da minha glória, glória que recebi de Vós antes da criação do mundo»: Pater, VOLO ut ubi sum ego et illí sint MECUM, ut videant claritatem meam quam dedisti mihi. Quanto a vós, a quem chamo meus amigos, vós a quem confiei os segredos da vida divina, conforme o Pai me ordenou; vós, que crestes e não me abandonastes, entrareis na minha alegria, vivereis da minha vida, vida plena, alegria perfeita, porque será a minha própria vida e a minha alegria pessoal que vos darei, a minha vida e alegria de Filho de Deus: Ut gaudium MEUM in vobis sit, et gaudium vestrum lMPLEATUR . 

30 de março de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

Naquele momento, os discípulos de Jesus talvez não alcançassem toda a grandeza da cena, toda a profundeza do mistério de que eram testemunhas privilegiadas. Bastava que estivessem prevenidos contra o escândalo da cruz. Por isso, Jesus Cristo «proibiu-lhes que falassem daquela visão» .
Mais tarde, depois da Ressurreição, quando o Espirito Santo, no dia do Pentecostes, os confirmou na dignidade de Apóstolos, nessa altura revelaram, pela voz de Pedro, os esplendores que haviam contemplado. Pedro, o chefe da Igreja, aquele que recebera do Verbo Incarnado a missão «de confirmar os seus irmãos na fé»,  anuncia que «a majestade de Jesus lhe fora revelada, que Jesus recebera de Deus Pai honra e glória na santa montanha». E Pedro, pastor supremo, aproveita esta visão para exortar os seus fiéis, e a nós com eles, a não vacilarmos na fé.
 É que a Transfiguração operou-se também por causa de nós. Os discípulos escolhidos para testemunhas, diz S. Leão, representam toda a Igreja; é a ela, tanto como aos Apóstolos, que o Pai Eterno se dirige, quando proclama a Divindade do Seu Filho e ordena que O escutem.
 A Igreja, na oração da festa, resume admiravelmente os preciosos ensinamentos deste mistério. Para nós, como para os Apóstolos, a Transfiguração «confirma a nossa fé»: Fidei sacramenta patrum testimonio roborasti. Depois, "a nossa adoção de filhos de Deus é por ela admiravelmente significada": Et adoptionem filiorum perfectam, voce delapsa ín nube lucida, mírabiliter praesignasti. Finalmente, a igreja pede "que nos tornemos um dia co-herdeiros do Rei da glória e tenhamos parte no Seu triunfo»! Ut ipsius Regis gloriae nos coheredes efficias, et ejusdem gloriae tribuas esse consortes.
 A Transfiguração confirma a nossa fé?
 Com efeito, o que é a fé? É uma misteriosa participação do conhecimento que Deus tem de Si mesmo. Deus conhece-se como Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai, conhecendo-se, gera, desde toda a eternidade, um Filho semelhante a Si: Hic est Filius meus dilectus in quo mihi bene complacui. Estas palavras constituem a maior revelação que Deus fez ao mundo, são como que um eco da vida do Pai. O Pai, enquanto Pai, vive de gerar o Filho. Esta geração que não tem princípio nem fim, constitui a propriedade essencial do Pai. Na eternidade, veremos com espanto, admiração e amor, esta "processão» do Filho gerado no seio do Pai. Esta «processão» é eterna: Filius meus es tu, ego hodie genuite. Este "hoje", este hoje, é o presente da eternidade.
 Quando nos diz que Jesus é o Seu Filho muito amado, o Pai revela-nos a Sua vida; e, quando acreditamos nesta revelação, participamos do conhecimento do próprio Deus. O Pai conhece o Filho nos esplendores sem fim; nós conhecemo-Lo nas sombras da fé, enquanto esperamos os fulgores da eternidade. O Pai declara que o menino de Belém, o adolescente de Nazaré, o pregador da Judeia, o supliciado do Calvário é o Seu Filho, o seu Filho muito amado; a nossa fé está em o crer.
É ótimo, na vida espiritual, ter sempre, para assim dizer, presente aos olhos do coração este testemunho do Pai. Não há nada que tão poderosamente sustente a nossa fé. Quando lemos o Evangelho ou uma Vida de Nosso Senhor, quando celebramos os Seus mistérios, quando O visitamos no Santíssimo Sacramento, quando nos preparamos para O receber em nosso coração pela Comunhão ou O adoramos depois de O termos recebido, numa palavra, em toda a nossa vida, procuremos ter sempre presente esta palavra: "Este é o meu Filho muito amado, em quem pus as minhas complacências».
 E digamos então: «Sim, Pai, eu creio, e quero também repetir: este Jesus que está em mim pela fê, pela Comunhão, é o Vosso Filho: e creio-o, porque Vós o dissestes: e porque o creio, adoro o Vosso Filho para Lhe prestar as minhas homenagens e, por Ele e n'Ele, Vos testemunhar também a Vós, ó Pai celeste, em união com o Vosso Espírito, toda a honra e glória».
 Uma oração assim é extremamente agradável ao nosso Pai dos Céus. E, quando sincera, pura e frequente, faz de nós o objeto do amor do Pai; Deus envolve-nos nas Suas complacências para com o Seu próprio Filho Jesus. É o próprio Nosso Senhor quem no-lo diz: «O Pai ama-vos, porque crestes que Eu saí dEle, que sou Seu Filho. E que felicidade para uma alma ser objeto do amor do Pai, desse Pai "de quem vem todo o dom perfeito" que alegra os corações!
 É também muito agradável a Jesus. Ele quer que proclamemos a Sua Divindade, que tenhamos nela uma fé viva, forte, profunda, a coberto de qualquer ataque: "«Bem-aventurado aquele que não se escandalizar comigo», aquele que, apesar das humilhações da minha Incarnação, dos obscuros trabalhos da minha vida oculta, dos ataques e blasfêmias de que sou constantemente objeto, das lutas que neste mundo têm de suportar os meus discípulos e a minha Igreja, permanecer firme na sua fê em mim e de mim se não envergonhar.
 Vede os Apóstolos durante a Paixão de Jesus. A sua fê era fraca: fugiram. S. João foi o único a seguir o divino Mestre até ao Calvário. E sabemos que, depois da Ressurreição, quando Madalena e as outras santas mulheres, mandadas pelo próprio Jesus Cristo, lhes foram dizer que Ele havia ressuscitado, não o quiseram acreditar; e disseram que eram histórias de mulheres, boatos.
Vede ainda os dois discípulos que se dirigiam para Emaús. É preciso Jesus juntar-se a eles e, depois de lhes explicar o sentido da Escritura, mostrar-lhes que "era necessário que se cumprisse tudo o que acerca d'Ele estava escrito na lei de Moises, nos profetas e nos salmos»,  antes de entrar na Sua glória.
 Creiamos, pois, firmemente na Divindade de· Jesus. Não deixemos nunca afrouxar esta fé. Recordemos, para a sustentar, o testemunho do Eterno Pai na Transfiguração. Nele encontrará a nossa fê um dos seus mais inabaláveis apoios.
A oração da festa diz-nos em seguida que "a nossa adoção como filhos de Deus foi admiravelmente significada pela voz divina que saiu da nuvem luminosa».
 O Eterno Pai declara-nos que Jesus é Seu Filho. Mas, como sabeis, Jesus é também "o primogênito duma multidão de irmãos». Tendo assumido a nossa natureza humana, faz-nos participar, pela graça, da Sua filiação divina.  Se Ele é o próprio Filho de Deus por natureza, nós somo-lo pela graça. Pela Incarnação, Jesus é um dos nossos; torna-nos semelhantes a Ele, conferindo-nos uma participação da Sua divindade, de maneira a formarmos com Ele um só corpo místico. É a adoção divina: Ut filii Dei nominemur et simus.
 Ao proclamar que Jesus é Seu Filho, o Pai proclama que são igualmente Seus filhos, embora por outro titulo, aqueles que, pela graça, participam da Sua Divindade. É por Jesus, Verbo Incarnado, que nos é outorgada esta adoção: Genuit nos verbo veritatis. E, adotando-nos como filhos, o Pai dá-nos o direito de parti­lharmos um dia da Sua vida divina e gloriosa. É a «adoção perfeita»: Adoptio perfecta! Da parte de Deus é perfeita, pois «todas as Suas obras levam o cunho da sabedoria infinita»: Domine, omnia in sapientia fecisti. De fato, vede de quantas riquezas cumula Deus os Seus adotados para tornar este dom incomparável: graça santificante, virtudes infusas, dons do Espírito Santo, socorros que diariamente nos concede, tudo o que na terra constitui para nós a ordem sobrenatural. E, para nos garantir todas estas riquezas, a Incarnação do Seu Filho, os méritos infinitos de Jesus, que nos são aplicados nos Sacramentos, a Igreja com todos os privilégios que lhe confere o titulo de Esposa de Cristo. Sim, da parte de Deus, esta adoção é perfeita.
 Mas, da nossa parte, neste mundo, não o pode ser. Vai sempre aumentando, desde o dia em que nos foi conferida pelo Batismo. É um germe que deve crescer, um esboço que se deve acabar, uma aurora que deve chegar ao pleno meio dia. Atingiremos a perfeição quando, depois de termos perseverado fielmente, a nossa adoção desabrochar em glória: Si filii et heredes, heredes quidem Dei, coheredes autem Christi.
 Ê por isso que a Igreja termina a oração da festa pedindo a graça de «alcançarmos a adoção perfeita, que só na glória do céu se realiza» : Concede propitius  ut ipsius regis gloriae nos coheredes efficias et ejusdem gloriae tribuas esse consortes.
 Realmente vemos na Transfiguração a revelação da nossa futura grandeza. Esta glória que cerca Jesus deve tornar-se nossa herança. E porquê? Porque nos dá o direito de participar, como membros Seus que somos, da herança que Lhe cabe como Filho de Deus.
 É o pensamento de S. Leão. "Por este mistério da Transfiguração, uma providência não menos singular radicou a esperança da Igreja. Todo o corpo de Jesus Cristo (isto é, as almas que formam o Seu corpo místico) pode reconhecer agora que transformação será a sua. Os membros podem ter a certeza de que participarão um dia da honra que brilhou no seu Chefe».
 Neste mundo, pela graça, somos filhos de Deus. Mas "não sabemos ainda o que, em consequência desta adoção, viremos a ser um dia»: Nunc filii Dei sumus; et nondum apparuit quid erimus.  Esse dia virá quando, «tendo os raios iluminado, sacudido e feito tremer a terra  até seus fundamentos», «os justos, segundo a palavra de Jesus, ressuscitarem para a glória: Tunc justi fulgebunt sicut sol in regno Patris eorum. Os seus corpos serão glorificados à semelhança do corpo de Jesus Cristo no Tabor. A mesma glória que irradia sobre a humanidade do Verbo Incarnado é que há de transfigurar os nossos corpos. S. Paulo di-lo expressamente: Reformabit corpus humilitatis nostrae, configuratum corpori claritatis suae.
 Sem dúvida, não devemos crer que Jesus Cristo, na santa montanha, tivesse todo o esplendor com que brilha no céu a sua Humanidade; era apenas um reflexo, mas tão fulgente que deslumbrava os discípulos.
 Donde Lhe vinha esse brilho? Da Divindade. Era como que um derramamento da Divindade sobre a santa Humanidade, uma irradiação do foco da vida eterna que se ocultava ordinariamente em Cristo e fazia naquele momento brilhar o Seu corpo sagrado com um esplendor maravilhoso. Não era uma luz vinda de fora, mas sim um reflexo dessa incomensurável majestade que Jesus Cristo possuía e comprimia dentro de si mesmo. Por nosso amor, Jesus, durante a Sua existência terrena, ocultava a vida divina sob o véu da carne mortal; impedia-a de transbordar uma luz contínua que cegaria os nossos débeis olhos. Mas, na transfiguração, Jesus Cristo deixou projetar sobre a Humanidade que assumira o fulgor da eterna glória.
 Isto mostra-nos que a nossa santidade não é mais do que a nossa semelhança com Jesus Cristo, não uma santidade de que nós próprios podemos ser a fonte primeira, mas difusão em nós da vida divina. Pela graça de Jesus Cristo, esta santidade principiou a «despontar em nós» com o Batismo, que inaugura a nossa transformação na imagem de Jesus. De fato, a santidade não é neste mundo senão uma transfiguração interior moldada em Jesus Cristo: Praedestinavit nos Deus conformes fieri imaginis Filii sui. Pela nossa fidelidade à ação do Espirito, esta imagem vai-se desenvolvendo, aumentando, aperfeiçoando pouco a pouco, até chegarmos à luz eterna. Então a transfiguração revelar-se-á  aos olhos dos Anjos e dos eleitos. Será a ratificação suprema da "adoção perfeita", que fará brotar em nós uma fonte perene de alegria.

29 de março de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I I

 Aqui temos o mistério, tal qual o descreve o santo Evangelho. Vejamos agora o sentido dele.
 É que tudo na vida de Jesus, Verbo Incarnado, está cheio de significado. Jesus Cristo, se assim me posso exprimir, é o grande Sacramento da Nova Lei. O que é um sacramento? No sentido lato da palavra, é o sinal sensível duma graça interior. Pode-se, pois, dizer que Jesus Cristo é o grande Sacramento de todas as graças que Deus fez à humanidade. Como diz o Apóstolo S. João. "Jesus Cristo apareceu entre nós como o Filho único de Deus, cheio de graça e de verdade»: e logo acrescenta: «E é desta plenitude  que todos recebemos». Jesus Cristo dá-nos todas as graças como Homem-Deus, porque no-las mereceu e o Pai Eterno O constituiu único Pontífice e supremo Mediador; dá-nos estas graças em todos os Seus mistérios.
 Já vos disse que os mistérios de Nosso Senhor devem ser, para nós, objeto de contemplação, de admiração e de culto; devem ser também como sacramentos que produzem em nós, na medida da nossa fé e do nosso amor, a graça que significam.
 E isto é verdade de cada um dos estados de Jesus, de cada um dos Seus gestos. Porque, se Jesus Cristo é sempre o Filho de Deus, se, em tudo o que diz e faz, glorifica primeiro o Pai, nunca nos afasta do seu pensamento; a cada um dos Seus mistérios ligou uma graça que nos deve ajudar a reproduzir em nós os traços divinos para nos tornar semelhantes a Ele.
 Eis porque Nosso Senhor Jesus Cristo quer que conheçamos os Seus mistérios, que os aprofundemos, com reverência, sem dúvida, mas também com confiança. Quer sobretudo que, na nossa ·qualidade de membros do Seu Corpo Místico, vivamos sobrenaturalmente da graça interior que ligou a esses mistérios, vivendo-os antes de nós e por amor de nós.
 É o que nos diz S. Leão Magno, ao falar da Transfiguração. "O relato do Evangelho, que acabamos de ouvir com os ouvidos do corpo e que impressionou o nosso espírito, convida-nos a inquirir o sentido deste grande mistério». É uma graça preciosa poder compreender o significado dos mistérios de Jesus, porque nisso está a vida eterna: Haec est vita aeterna. O próprio Nosso Senhor dizia aos Seus discípulos «que não concedia a graça da inteligência espiritual senão aqueles que O seguiam»:Vobis datun est nosse mysterium regni Dei, caeteris autem in parabolis.
 Esta graça é tão importante para as nossas almas, que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, faz dela o objeto das Suas súplicas na pós-comunhão da festa: «Ouvi a nossa prece, ó Deus todo poderoso ! Fazei que as nossas almas purificadas tenham uma compreensão fecunda dos santos mistérios da Transfiguração do Vosso Filho, que acabamos de celebrar em oficio solene ... Ut sacrosancta Fili tui transfigurationis mysteria quae solemni celebramus officio purificatae mentis intelligentia consequamur. 
Vejamos, pois, o significado deste mistério.
 Primeiro, em relação aos Apóstolos, pois foi na presença de três deles que o mistério se realizou. Porque é que Jesus Cristo se transfigurou a seus olhos? S. Leão dí-lo mui claramente: «O fim principal desta Transfiguração era arrancar do coração dos discípulos a escândalo da cruz. As humilhações duma paixão voluntariamente aceite, jamais perturbariam a sua fé, depois de lhes ter sido revelada a transcendente dignidade do Filho de Deus». 
Os Apóstolos, que viviam em contato íntimo com o Divino Mestre, e, por outro lado, continuavam imbuídos dos preconceitos da raça no que dizia respeito aos destino dum Messias glorioso, não podiam admitir que Jesus Cristo pudesse sofrer. Vede S. Pedro, o príncipe do colégio apostólico. Pouco tempo antes, proclamara, na presença e em nome de todos, a Divindade de Jesus: «Sois o Cristo, Filho de Deus vivo». O amor que dedicava a Nosso Senhor e as concepções ainda terrenas que conservava do Seu reino faziam-lhe repelir a ideia da morte do Mestre. Por isso, quando Jesus Cristo, alguns dias antes da Transfiguração, falara abertamente aos discípulos da Sua Paixão próxima, Pedro ficou impressionado e, chamando Jesus à parte, protestou: «Deus nos livre, Senhor, que tal aconteça! » Mas o divino Salvador repreende logo o Apóstolo: «Retira-te de mim, Satanás (isto é, adversário), que queres pôr obstáculo à vontade d'Aquele que me envia;  não compreendes as coisas de Deus, mas tens só pensamentos humanos.
 Portanto, Nosso Senhor previa que os Apóstolos não suportariam as Suas humilhações, que a Sua cruz seria para eles ocasião de queda. Os três Apóstolos que escolhera  para testemunhas da Sua Transfiguração, devia escolhê-los ainda, de preferência aos outros, para serem, dentro de pouco, testemunhas da Sua fraqueza, da Sua agonia e da Sua imensa tristeza no Horto das Oliveiras. Quer premuni-los contra o escândalo que o Seu estado de humilhação há de causar à sua fé; quer fortalecer-lhes esta fé pela Sua Transfiguração. De que modo?
 Primeiro, pelo mistério em si.
 Durante a Sua vida mortal, Nosso Senhor "tinha a aparência dum homem como os outros»: Habitu inventus ut homo, diz S. Paulo. E isto é tão verdade, que muitos dos que O viam O tomavam por um homem qualquer. Os seus próprios parentes - Sui, isto é aqueles a quem o escritor sagrado, segundo o modo de falar daquele tempo, chama fratres Domini, os Seus primos - , ouvindo a Sua tão extraordinária doutrina, o tratam por louco. Aqueles que O tinham conhecido em Nazaré, na oficina de José, admiram-se e perguntam donde Lhe vem aquela sabedoria! Nonne hic est fabri filius?  Havia, sem dúvida, em Jesus, uma virtude divina toda interior que se manifestava por meio de prodígios: Virtus de illo exibat et sanabat omnes; havia um como perfume da Divindade que d'Ele emanava e atraia as multidões. Lemos no Evangelho que, muitas vezes, os Judeus, embora grosseiros e carnais, ficavam três dias sem comer para O poderem seguir.
 Mas exteriormente, a Divindade estava n'Ele velada sob a fraqueza duma carne mortal, Jesus estava sujeito às condições variáveis e ordinárias da vida humana, frágil e passível: sujeito à fome, à sede, à fadiga, ao sono, à luta, à fuga. Tal era o Cristo de todos os dias, tal era a humilde existência de que os Apóstolos quotidianamente eram testemunhas.
 E eis que, no alto da montanha, O vêem transfigurado. A Divindade irradia, toda poderosa, através do véu da Humanidade: a face de Jesus resplandece como o sol, «as Suas vestes brilham com tal alvura, diz S. Marcos, que pisoeiro algum poderia conseguir coisa semelhante». Os Apóstolos compreendem então que este Jesus é realmente Deus; sentem.-se penetrados da majestade da Divindade; revela-se-lhes inteiramente a glória eterna do Mestre.
 Aparecem ainda ao lado de Jesus, Moisés e Elias, que conversam com Ele e O adoram.
 Sabeis que, para os Apóstolos como para os judeus fiéis, Moisés e os profetas resumiam tudo. Moisés era o seu legislador: os profetas estão aqui representados por Elias, um dos maiores de entre eles. A lei e os profetas vinham, nestes personagens, atestar que Jesus Cristo era o Messias figurado e predito. Os fariseus podem, dali por diante, atacar Jesus, podem alguns discípulos abandoná-Lo; a presença de Moisés e Elias prova a Pedro e aos seus companheiros que Jesus respeita a lei e está de acordo com os profetas. É realmente o Enviado de Deus, Aquele que havia de vir.
 Finalmente, para corroborar todos estes testemunhos, para acabar de manifestar com evidência a Divindade de Jesus, faz-se ouvir a voz do Eterno Pai. Deus Pai proclama que Jesus é o Seu Filho, Deus como Ele.
Tudo se conjuga assim para consolidar a fé dos Apóstolos n'Aquele que Pedro reconhecera ser o Cristo, Filho de Deus vivo. 

28 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 341 a 345

MÃES EXEMPLARES E SANTAS

1. Viúva aos vinte anos, a mãe de São João Crisóstomo não quis passar. a segundas núpcias a fim de se consagrar integramente à educação cristã de seus filhos. Foi em verdade digna do sagrado nome de mãe, tanto que os próprios pagãos não podiam deixar de admirar-lhe as excepcionais qualidades. Um de seus filósofos, referindo-se a ela particularmente, exclamou: “Oh! que mulheres maravilhosas há entre os cristãos!”

2. A mãe de São Bernardo dedicou um cuidado extraordinário à educação de seus numerosos filhos. Infundia em todos sentimentos de piedade e, temendo que, se os confiasse a mãos estranhas, contraíssem algum mau costume, ela mesma os alimentava e tratava com. grande desvelo. Deus recompensou-lhe o árduo trabalho e santos desejos, chamando a uma ordem religiosa os seus sete filhos, entre os quais sobressai o grande e douto São Bernardo.

3. A mãe de São Francisco de Sales empregava suma diligência em afastá-lo até da sombra de qualquer vicio, razão por que nunca o perdia de vista. Levava-o à igreja, inspirava-lhe profundo respeito pela casa de Deus e por tudo que dizia respeito à religião. Lia-lhe a vida dos Santos, intercalando reflexões adaptadas à idade do menino. Nas suas freqüentes visitas aos enfermos, ele devia acompanhá-la, prestar aos doentes pequenos serviços e distribuir-lhes as esmolas. Tudo isto se realizava quando o menino ainda não tinha nem dez anos. Quando afinal teve de separar-se do filho, que ia para longe para completar seus estudos, a condessa redobrou de zelo para o consolidar nas virtudes, recomendando-lhe sobretudo o amor a Deus, a oração, a fuga do pecado e das ocasiões. Repetia-lhe amiúde a célebre sentença da rainha Branca a seu filho Luís: “Meu filho, antes quero ver-te morto do que ouvir que caíste em pecado mortal”.

4. Santa Joana de Chantal nada tinha tanto a peito como a educação dos filhos. Tinha particular cuidado em preservar-lhes a inocência. A única graça que pedia a Deus para eles era que vivessem sempre de tal modo que, morrendo, tivessem um lugar no céu. Tratava seus domésticos como irmãos e futuros co-herdeiros do reino do céu. Daí o zelo e o esforço que empregava para que todos trabalhassem na própria salvação.

5. A Venerável Ringarda, viúva, considerou sempre a educação dos filhos como o seu primeiro dever. Pedia a Deus incessantemente as graças de que mais necessitassem; observava-os com a máxima atenção a fim de combater neles até os mais leves movimentos das paixões. Acostumava-os à temperança no comer e beber, à mortificação e à penitência; vestia-os com simplicidade e educava-os segundo as regras da mais estrita sobriedade. O verdadeiro êxito de suas instruções provinha dos santos exemplos que lhes dava.
Estas são as mães que educam santamente os filhos; o contrário mostram-nos os exemplos seguintes:

27 de março de 2017

Missas Tridentinas - Padre Renato Coelho - IBP

Missas Tridentinas

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Março 2017

25/03     Sábado       17:30h - Oração do Santo Terço
                                 18:00h - Missa
                                 19:00h - Palestra: Tema Iraburu X Boróbio
26/03     Domingo    10:30h - Oração do Santo Terço
                                 11:00h - Missa
27/03     2ª feira        07:00h

Local:       Capela da Polícia Militar
Endereço: Av. Mal. Floriano Peixoto, 2057
Bairro:      Rebouças - Curitiba - Paraná

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Estamos antecipando a divulgação do Calendário das Missas para os meses de Abril (Semana Santa) e Maio de 2017. Sofrendo alguma alteração, estaremos divulgando em nosso blog.

Abril 2017

08/04     Sábado       19:00h
09/04     Domingo    11:00h
10/04     2ª feira        20:00h
11/04     3ª feira        20:00h
12/04     4ª feira        20:00h
13/04     5ª feira        20:00h
14/04     6ª feira        17:00h
15/04     Sábado       22:00h
16/04     Domingo    11:00h
17/04     2ª feira       20:00h
18/04     3ª feira       07:00h

Maio 2017

27/05     Sábado      18:00h
28/05     Domingo   11:00h
29/05     2ª feira       07:00h

Sermão para o 3º Domingo da Quaresma – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] A pureza ou a modéstia no falar


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, seguindo o nosso propósito durante essa Quaresma, trataremos de mais uma virtude aparentemente simples, mas bem importante: a pureza ou modéstia no falar. São Paulo trata hoje, em sua epístola, da castidade. Diz o apóstolo que nenhum fornicador ou impuro entrará no reino dos céus. Pouco antes, ele diz: nem sequer se nomeie entre vós a fornicação, a impureza, como convém a santos. E continua: nem palavras torpes, nem parvoíces, nem chocarrices. Palavras torpes são palavras impuras, palavrões, palavras chulas. Parvoíces são palavras tolas, idiotas. Chocarrices são brincadeiras indevidas, piadas indevidas e, se envolvem coisas indecentes, cairão também nas palavras torpes. O que nos interessa hoje é tratar dessas palavras torpes, obscenas, impuras, também palavrões.
Muitas vezes se desdenha dessas palavras, dizendo que não têm muita importância, que há coisas mais graves com o que se preocupar e que elas são ditas simplesmente por brincadeira. Já na época de Santo Afonso se usava esse argumento. O Santo Doutor, farol da moral católica, fala dessa linguagem ruim em seu sermão para o 11º Domingo depois de Pentecostes, sobre as conversas e palavras licenciosas. O Santo diz: “se o confessor os repreende, eles dizem que falam essas coisas somente por brincadeira e sem a menor malícia.” O próprio Santo responde a esse argumento dizendo: “Tenha em mente, pobre insensato que você é, que essas brincadeiras indecentes fazem rir hoje os demônios e que eles farão que você chore um dia no inferno.” E continua o Santo: “não diga que você agiu sem malícia, pois é quase impossível que você não seja nos seus atos o que você é nas suas palavras.”  E cita São Jerônimo que diz: “não está longe dos atos aquele que se deleita nessas palavras.” São Sidônio Apolinário, Bispo de Auvergne, na França, no século V, diz que é impossível encontrar um homem imoral na linguagem e puro nos costumes. E São Bernardo diz que terminamos por praticar aquilo que gostamos de ouvir (ou que gostamos de falar, podemos acrescentar). Lembremo-nos da palavra do próprio Senhor: “a boca fala daquilo que o coração está cheio.” O que falamos é expressão de nosso íntimo ou vai formando o nosso íntimo. Alguém que fala impurezas, obscenidades, palavrões, ou tem o coração cheio disso ou está enchendo rapidamente o coração dessas coisas.
Um dos grandes meios para avançar na castidade nos atos é parar de falar essas impurezas e obscenidades, que são por si só um pecado e que conduzem a pecados ainda mais graves. Uma das dificuldades para as pessoas vencerem os pecados impuros é justamente a onipresença dessa linguagem baixa na nossa sociedade. No ambiente de trabalho, nos meios de comunicação, nos escritos, em todo lugar. Elas conduzem aos pensamentos impuros e aos atos de impureza. A impureza que condena tantas almas… Por uma satisfação insignificante se perde o céu, se merece o inferno, se ofende gravemente a Deus.
E se ao nosso redor falam coisas impuras, palavrões, procuremos mudar de assunto, procuremos sair do ambiente. Não devemos nunca ouvir voluntariamente a tais palavras baixas. Se mudar de assunto e sair do ambiente for impossível, não demonstremos aprovação alguma a essas palavras, por exemplo, rindo delas. Rezemos, reparemos por essas palavras tão baixas, mas sem repeti-las. Nosso apostolado e nossos deveres cotidianos devem ser feitos com palavras dignas de um cristão, mesmo nos momentos que exigem maior firmeza.
As palavras torpes são um pecado. E, como todo pecado, favorecem o reino do demônio. Elas podem ser um pecado leve ou grave, isto é, venial ou mortal. A gravidade depende, primeiramente, da gravidade da palavra em si. Em seguida, depende da intenção com que é proferida e, finalmente, depende também do escândalo que provoca (levando outros ao pecado). Deixemos claro que ainda que sejam ditas somente com a intenção de brincar ou de chamar a atenção de alguma forma, essas palavras não serão lícitas. E tenhamos consciência: ainda que alguma palavra assim não seja um pecado mortal, ela vai dispondo cada vez mais a alma para atos torpes, e o perigo de escândalo ou de levar os outros ao pecado também é considerável. Basta conhecer um pouco de verdadeira psicologia humana. Tais palavras ditas e repetidas vão marcando a imaginação e facilmente a pessoa volta a pensar nelas ou a representar-se tais palavras. A tendência é terminar consentindo nelas interiormente e depois praticar atos de impureza. São Bernardino de Sena conta a história de uma jovem que tinha uma conduta exemplar, mas que ouviu (voluntariamente ou sem combatê-la de um modo sério) uma palavra obscena de um jovem e teve logo maus pensamentos que a levaram a vícios aos quais se entregou de tal forma que o próprio demônio, se tivesse carne humana, não faria.
Que tristeza é ver um cristão proferir palavras tão vergonhosas ou de alguma forma encontrar agrado nelas, por exemplo, rindo. Ou proferir tais palavras por impaciência, por ira. Se Deus nos deu a inteligência e a língua, é para falarmos coisas que nos elevem a Deus, que nos edifiquem a nós mesmos e ao próximo, para falar coisas boas, ainda que não somente religiosas. Em todo caso, nunca para que falemos coisas que nos afastem de Deus. E, assim, São Paulo diz que devemos falar ações de graças. Se Nosso Senhor diz que deveremos prestar contas de toda palavra ociosa, quanto mais de uma palavra impura, torpe. Sendo católicos, temos ainda muitos outros motivos para não proferirmos coisas tão baixas. Vejamos. Somos batizados, somos membros de Cristo. Cristo é a Sabedoria Eterna Encarnada, é a Palavra de Deus que se fez homem. Sendo nós membros e discípulos da Sabedoria Eterna Encarnada, não podemos usar a sabedoria e a palavra que nos foram dadas para proferir coisas torpes, impuras, que A ofendem. Sendo católicos, é na nossa língua que recebemos o Corpo de Cristo. Se a patena em metal que recebe a hóstia consagrada na Missa deve ser revestida de ouro, sem corrupção, quanto mais a nossa língua deve estar isenta da mancha, da corrupção dessas palavras. Nosso Senhor nos dá o exemplo. Jamais usou palavras torpes. As condenações de Jesus dirigidas aos seus inimigos não são xingamentos, palavras baixas, palavrões. Afirmar o contrário seria uma blasfêmia terrível. Seria dizer que Cristo nomeia aquilo que São Paulo diz que um cristão não deve nomear. Nosso Senhor usa palavras duras, mas honestas, e as utiliza com mansidão, justiça e caridade. Palavras que, em aspecto algum, são palavras torpes.
Devemos abolir essas palavras baixas de nosso vocabulário, ainda que algumas não sejam pecado mortal. Se por hábito e sem muita advertência alguém proferir uma palavra impura, um palavrão, deve fazer um pequeno ato de reparação e impor-se uma pequena penitência, a fim de perder esse hábito pouco a pouco. Uma Ave-Maria, por exemplo, ou invocar os nomes de Jesus, Maria e José. E mesmo se essas palavras vêm somente na nossa imaginação, afastemo-las, rezando e pensando em algo lícito.
Como diz São Paulo, que essas coisas nem se nomeiem entre os cristãos, como convém a santos. São coisas despropositadas. Sejamos filhos da luz, como diz o mesmo apóstolo, filhos da Palavra Eterna, da Sabedoria Eterna. Que nossas palavras sejam sábias, dignas de filhos de Deus.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

26 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 340

PREFIRO MORRER!

Um soldado piemontês, na confissão que fez antes de entrar para a milicia, propôs aos pés do Crucifixo antes morrer que pecar, dizendo uma mentira.
Fazia poucos meses que estava na caserna; entretanto, como não podia mais conter o desejo de rever os pais, estando de guarda, quis aproveitar a ocasião para desertar. Mas, ao saltar um muro, foi tão infeliz que quebrou uma perna. Obrigado a pedir socorro, aparece o cabo e pergunta-lhe por que saltara o muro.
— Para voltar para casa de meus pais, pois não aguento mais de saudades.
O cabo, compadecendo-se dele, adverte-o que não revele o motivo da fuga planejada; diga antes, para justificar a desgraça, que fez aquilo para impedir a evasão de alguns detentos. Assim você não será castigado — dizia-lhe o cabo — antes será premiado e graduado.
O soldado, fiel ao seu propósito, respondeu:
— Ah! isso não; prefiro morrer a mentir!
Chega, entretanto, outro colega que o exorta a seguir o conselho do cabo. A resposta foi a mesma:
— Prefiro morrer a dizer urna mentira!
E assim foi. Perdeu a perna e teve de cumprir a pena. Mas, pensando na glória que dava a Deus com a constância no seu propósito, suportou tudo com grande paciência.

25 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 339

AI DE QUEM QUISER TOCAR NESTA CRUZ!

Zacarias é o filho primogênito de um velho francês, combatente valoroso pela religião e pela pátria. Todos os seus sucumbiram perante os inimigos superiores em número, e ei-los agora conduzidos pelos republicanos para serem fuzilados no prado de Briacé, onde se ergue um grande cruzeiro.
— Você é deste lugar? — perguntou a Zacarias um dos beleguins, apontando para o campanário da igreja.
— Sou, sim; respondeu o moço e, olhando para a direita, vê o sino de suas mais santas recordações. Uma lágrima corre-lhe pela face e um grito doloroso sai-lhe dos lábios: — Meu pobre pai!...
— Ah! você ainda tem pai?
— Sim, velho e infeliz. Ah! a minha morte sera também a sua.
O republicano, ao ver a comoção do rapaz, acrescentou com malicioso sorriso:
— Pois bem, se você quiser, viverão você e seu pai.
Zacarias lança-lhe um olhar interrogativo.
— Sim, você viverá; basta fazer o que se exigir de você.
O jovem, que jamais tremera no fragor dos combates, lança de novo um olhar para a casa paterna e exclama:
— Qual a condição para me restituirdes meu pai?
— Tome aquele machado e bote por terra aquela Cruz.
O jovem, numa agitação febril, corre para a Cruz e grita:
— Dai-me o machado!
Seus companheiros, à vista daquele espetáculo, uivam ameaçadores:
— Traidor, vilão, desertor!
Os blasfemadores, ao contrário, não escondem a sua alegria satânica por aquele inesperado triunfo.
Entretanto, o valoroso jovem, firme ao pé da Cruz, brandindo o machado, assim fala:
— Esta Cruz guarda os nossos campos, abençoa os nossos lares... ao pé desta Cruz tenho rezado e derramado lágrimas... Ai daquele que se atrever a tocar nesta Cruz!
A esse gesto e a essas palavras, os republicanos arremessaram-se contra ele; mas, como um leão furioso, vibra o machado e prostra por terra o miserável que lhe ordenara derribasse a Cruz. Seu coração está alvoroçado, seus olhos despedem faíscas. A luta é de morte. Os inimigos arremessam-se de novo contra ele e em maior número. Vendo que vai sucumbir, agarra-se à Cruz, para defendê-la com seu corpo.
As baionetas apontam para ele, mas não o ferem porque os inimigos esperam que renegue a Deus.
- Derrube essa Cruz — gritam — ou neste instante morrerá.
— A Cruz é vida... Viva a Cruz!
— Derrube a Cruz ou morre! — repetem furiosos os outros e já lhe vão traspassando o corpo.
— Ó Cruz bendita, eu te abraço... tu serás o meu consolo na morte.
O sangue do novo mártir da fé purpureou a árvore da vida!. Um último olhar amoroso para o Crucifixo e caiu mor.to. Naquele mesmo lugar foi sepultado, e sobre a lousa de mármore foram gravados estes dizeres: “Aqui descansa em paz Zacarias, o herói da Cruz!”

24 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 338

NÃO FAZER POUCO DA GRAÇA

O cônego Schmid, escritor muito popular, narra o seguinte fato:
Uma jovem da alta nobreza, órfã de pais, morava num magnífico castelo. Um dia, a filha de um pobre pedreiro foi procurá-la apressadamente e disse-lhe:
— Senhorita, meu pai está à morte; venha vê-lo; mas venha logo porque tem algo a dizer-lhe.
A orgulhosa jovem não fez caso do recado, dizendo consigo: “Que pode ter um operário a dizer-me na hora da morte?”
Uma hora mais tarde, chegava de novo a filha do pedreiro quase sem fôlego de tanto. correr.
— Senhorita — disse — venha depressa. Meu pai diz que a mãe da senhora, durante a última guerra, mandara embutir numa parede do castelo grande quantidade de ouro e prata. Meu pai tinha ordem de não lhe dizer nada antes que a senhora completasse vinte anos. Mas, como está certo de que vai morrer, quer antes confiar-lhe o segredo.
No mesmo instante a jovem saiu a correr para a casa do agonizante. Aconteceu, porém, que, ao entrar ela no quarto, o operário acabava de expirar. A jovem empregou grandes esforços para descobrir o tesouro escondido, mas tudo foi em vão. A herdeira do tesouro materno jamais o encontrou.
Muitos procedem a respeito da graça de Deus como aquela jovem. Fazem desse tesouro divino muito pouco caso; virá, porém, urna hora em que não mais o encontrarão.

23 de março de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

XII 

NO ALTO DO TABOR 

 A VIDA de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra, tem, mesmo nas suas particularidades, um valor tal, que lhe não podemos esgotar todas as profundezas. Uma só palavra do Verbo Incarnado, d' Aquele que está sempre in sinu Patris, é uma revelação tão grande que, só por si, qual fonte sempre viva de água salutar, é bastante para fecundar toda uma vida espiritual. Vê-mo-lo na vida dos Santos: muitas vezes bastou uma palavra Sua para converter inteiramente a alma para Deus. As Suas palavras vêm do céu; daí a sua fecundidade.
 O mesmo acontece com as Suas ações: são para nós modelos, luzes, fontes de graças.
 Procurei, na conferência anterior, mostrar-vos alguns aspectos da vida pública de Jesus, o bastante para vos fazer entrever o que há de inefavelmente divino, bem como de indizivelmente humano, neste período de três anos. Bem contra minha vontade, vi-me obrigado a pôr de parte muitos passos do Evangelho e passar em silêncio muitas cenas contadas pelos escritores sagrados.
 Há, porém, uma página, página única e tão singular, mistério tão cheio de grandeza e ao mesmo tempo tão fecundo para as nossas almas, que merece lhe dediquemos uma conferência inteira: a Transfiguração.
 Muitas vezes vos tenho dito que nada devemos ter em maior apreço do que o dogma da Divindade de Jesus. Primeiramente, porque nada Lhe é maís agradável: em segundo lugar, porque este dogma é simultaneamente a base e fundamento, o centro e remate de toda a nossa vida interior. Ora a Transfiguração é um desses episódios em que particularmente se vêem irradiar, aos olhos humanos, os esplendores dessa Divindade.
 Contemplemo-Lo, pois, com fé, mas também com  amor. Quanto mais viva for esta fé, quanto maior for o amor com que nos aproximarmos de Jesus neste mistério, tanto maior e mais profunda será também a nossa capacidade para sermos interiormente cheios da Sua luz e inundados da sua graça. Cristo Jesus, Verbo eterno, Mestre Divino, Vós que sois o esplendor do Pai e fulgor da Sua substância, Vós que dissestes: «Se me alguém amar, Eu me manifestarei a ele», - fazei que vos amemos com fervor, para podermos receber de Vós uma luz mais intensa a respeito da Vossa Divindade, pois nisso está, como Vós o dissestes, o segredo da nossa vida, da vida eterna: «Conhecer que o nosso Pai celeste é o único verdadeiro Deus e que Vós sois o Seu Cristo», enviado ao mundo para ser o nosso rei e o Pontífice da nossa salvação. Iluminai a nossa alma com um raio desses esplendores divinos que brilharam no Tabor para que a nossa fé na Vossa Divindade, a nossa esperança nos Vossos méritos e o nosso amor pela Vossa pessoa adorável aumentem e se fortaleçam cada vez mais! 

22 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 336 a 337

COMO SE FAZ AÇÃO CATÓLICA

1. Uma senhora de poucos recursos, ao renovar a assinatura de um jornal católico, escreveu a direção da folha: “Eis o que aconteceu há pouco. Tendo um negócio a tratar numa repartição pública, levei comigo os últimos dois números do nosso apreciado jornal. Depois de ler por algum tempo, levantei-me, deixando ali os jornais. Passado um bom lapso de tempo, quis ver. o que acontecera. Quando cheguei à sala, um número do jornal já havia desaparecido; o outro estava nas mãos de uma moça que o lia atentamente. Digo-lhes com sinceridade: Daqui em diante farei o mesmo, em qualquer repartição, com os jornais que for recebendo. No restaurante, nos trens, nas salas de espera, irei deixando algum número do nosso querido jornal para fazer um pouco de propaganda católica. Depois lhe escreverei qual o resultado desta experiência’. Oh! que pena não haver muitas senhoras como esta!

2. O Papa, por ocasião de uma peregrinação lombarda de dez mil pessoas, fez importante alocução sobre o apostolado dos leigos. Disse-lhes entre outras coisas: “Uma vez de volta aos velhos lares, enriquecidos com os preciosos tesouros do Ano Santo, deveis tornar-vos melhores: não só mais piedosos, mais fervorosos na fé, mais dóceis para com a Igreja, mas, sobretudo, deveis ser apóstolos. O que a Igreja espera de vós é que sejais apóstolos pela palavra, pelo exemplo, pela coragem cristã. É precisamente o apostolado do bom exemplo, duma vida verdadeiramente cristã, nos pormenores de cada dia, que pode e deve ser realizado por vós, seja qual for a vossa posição social, seja qual for a vossa profissão”.

21 de março de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

VI 

A vida de Jesus é uma manifestação das perfeições de Deus, das prodigalidades da Sua bondade suprema e das suas insondáveis misericórdias. É no Verbo Incarnado que Deus nos descobre o Seu «carácter» íntimo: llluxit in cordibus nostris ... in facie Christí Jesu. Jesus Cristo é "a imagem visível do Deus invisível"; as Suas palavras, os Seus atos são a revelação autêntica do Ser infinito. 
Ora, a nossa contemplação da fisionomia de Cristo e a nossa ideia de Deus seriam incompletas, se, ao meditarmos na condescendência incansável de Jesus para com toda a espécie de misérias, sem exceptuar o pecado, deixássemos de examinar também o Seu procedimento para com essa forma da malícia humana, à mais oposta à nobreza e bondade divina, e que se resume numa palavra: o farisaísmo. 
Sabeis o que eram os fariseus. De volta do cativeiro de Babilônia, alguns judeus zelosos envidaram todos os esforços para neutralizar a influência estrangeira, perigosa para a ortodoxia de Israel. Procuraram sobretudo pôr novamente em vigor as prescrições da lei de Moisés, conservando-lhes a pureza. 
 Este zelo, digno de todo o louvor e que denotava um ideal elevado, degenerou infelizmente pouco a pouco num fanatismo feroz e num culto exagerado pelo texto da lei. Formou-se uma classe de judeus, que se chamavam "fariseus", isto é, "separados", separados de todo o contato estrangeiro e de quaisquer relações com aqueles que não observavam as suas "tradições".
 E, de fato, interpretando a lei com rara sutileza de casuística, os fariseus acrescentaram-lhe uma infinidade de prescrições orais que a tornavam as mais das vezes impraticável e em muitos artigos, pueril e ridícula. Havia sobretudo dois pontos cujas minúcias eram objeto de intermináveis discussões, que lhes ocupavam a atenção: a observância do descanso do sábado e as purificações rituais e legais. Mais de uma vez os vemos no Evangelho acusarem o Salvador nestes pontos. 
Tinham caído num formalismo extremamente acanhado. Não se importando da pureza interior da alma, prendiam-se com a observância exterior, material e mesquinha, da letra da Lei. Nisto consistia toda a sua religião e perfeição. Daí, como resultado, uma profunda obliteração moral. Estes «puros» transgrediam graves preceitos da lei natural, para se prenderem apenas com minúcias absurdas, baseadas nas suas interpretações pessoais. Assim, a pretexto de não violarem o repouso do sábado, ensinavam que nesse dia não se deviam curar os doentes, nem dar esmola aos necessitados; e vemo-los censurar os discípulos de Jesus por não terem observado o sábado, debulhando com as mãos algumas espigas para comer!
 Este formalismo exagerado conduzia-os forçosamente ao orgulho. Sendo eles próprios autores de muitas prescrições, julgavam-se também autores da sua própria santidade. Eram os "separados", os "puros", que nada impuro podia atingir. Que se lhes poderia então censurar? Não eram em tudo duma perfeita «correção»?  Por isso, tinham por si mesmos uma estima extremamente desregrada; um orgulho incomensurável levava-os a «procurar avidamente os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes a que eram convidados, as saudações e aplausos da multidão nas praças públicas».
 Este orgulho estadeava-se no santuário. Conheceis a parábola em que Jesus Cristo pinta admiravelmente esta odiosa ostentação. O nosso divino Salvador estabelece um paralelo entre a humildade do publicano, que não ousa levantar os olhos ao céu por via dos seus pecado, e a presunção do fariseu, que, de pé, dá graças a Deus por estar acima de todos os homens por causa da sua exata observância das particularidades da lei, e, para assim dizer, reclama de Deus a aprovação absoluta da sua maneira de proceder.
 O que tornava desprezíveis muitos dos fariseus era juntar-se a este orgulho uma profunda hipocrisia. Em consequência da infinidade de prescrições que estabeleciam e que o próprio Nosso Senhor declara «intoleráveis», muitos deles não chegavam a realizar a santidade de que se gabavam, senão dissimulando habilmente as suas faltas e fraquezas e fazendo passar o texto da lei por interpretações desleais. Deste modo, podiam transgredir a lei, salvaguardando as aparências aos olhos do vulgo que os admirava. 
A sua autoridade e influência eram enormes; eram considerados como intérpretes e guardas da lei de Moisés. Fazendo alarde de profundo respeito por todas as práticas exteriores da observância, impunham-se à multidão que os considerava como santos.
 Por isso, tudo o que lhes podia diminuir este ascendente os perturbava. Desde o início da vida pública de Jesus, começam a fazer-Lhe oposição. Além de Jesus Cristo não seguir a escola deles, a doutrina que pregava, os atos com que a confirmava eram o extremo oposto das suas opiniões e do seu modo de proceder. A extraordinária condescendência do Salvador para com os publicanos e pecadores, repelidos por eles como impuros, a sua independência acerca da lei do sábado, de que se dizia senhor soberano, os milagres com que atraía o povo, não podiam deixar de os impressionar. Abismando-se pouco a pouco na sua cegueira, a despeito das advertências do próprio Jesus, tratam de Lhe armar ciladas: pedem-Lhe um «sinal do céu», como prova da Sua missão; apresentam-Lhe uma mulher adúltera, com o fim de O porem em oposição com a lei de Moisés; perguntam-Lhe, ardilosamente, se se deve pagar o tributo a César. Por toda a parte, em cada página do Evangelho, 
vê-los-eis, cheios de ódio contra Jesus, esforçarem-se por fazer decair a autoridade d'Ele junto da multidão, desviar os seus discípulos, enganar o povo, a fim de impedir Jesus Cristo de cumprir a Sua missão de salvação. 
Mais de uma vez Nosso Senhor preveniu os discípulos que se acautelassem contra esta hipocrisia. Mas, no fim do Seu ministério público, quis, como bom pastor que ensinava a verdade às Suas ovelhas e ia dar a vida por elas, desmascarar completamente esses lobos, que se apresentavam sob a capa de santidade,  unicamente para enganar e perder as almas simples.
 No solene sermão da montanha, Jesus Cristo assombra o auditório judeu com a revelação duma doutrina que ia de encontro aos seus instintos inveterados e aos seus preconceitos seculares: proclama diante de todos que os bem aventurados do Seu reino são os pobres de espírito, os mansos de coração, os que choram, os que têm fome de justiça; declara que os verdadeiros filhos do Pai celeste são os misericordiosos, as almas puras, os pacíficos, e que a mais sublime das bem aventuranças é sofrer perseguição por amor d'Ele. 
Esta doutrina, que constitui a "carta magna" evangélica dos pobres, dos pequenos, dos humildes, é a antítese da que, por palavras e exemplos, pregavam os fariseus.
 Por isso, ouvimos Nosso Senhor lançar contra eles uma série de oito maldições, que formam a contrapartida das oito bem-aventuranças.
Lede-as integralmente no Evangelho, em que ocupam uma página inteira. Vereis com que indignação Jesus Cristo, Verdade infalível e Vida das almas, põe a multidão e os discípulos de sobreaviso contra uma doutrina e procedimento que desviavam do reino de Deus, ocultavam a cobiça e o falso zelo alteravam a verdade e as prescrições da Lei, estabeleciam uma religião toda de aparências, se contentavam com uma pureza toda exterior, debaixo da qual se dissimulavam a corrupção e o ódio perseguidor. 
«Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que fechais aos homens o reino dos céus; nem vós entrais, nem deixais entrar os outros ! »
"Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que, a pretexto de rezar longas orações, devorais as casas das viúvas! O vosso julgamento será, por isso, mais rigoroso».
 «Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que tendes o cuidado de pagar o dízimo por uma folha de hortelã, de endro e de cominho, e desprezais as coisas mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a boa fé ! Devíeis praticar uma coisa sem omitir as outras. Guias cegos, que coais a água para não engolir um mosquito, e engolis um camelo! ».
 "Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que limpais por fora o copo e o prato, e por dentro estais cheios de rapina e de impureza».
"Serpentes, raça de víboras, como podereis escapar à condenação da geena? » 
Que contraste entre estas acusações fulminantes, entre estas veementes invectivas de Nosso Senhor, e a Sua atitude para com os maiores pecadores, a Samaritana, a Madalena, a mulher adúltera, às quais perdoa, sem uma palavra de censura; para com os criminosos, como o bom ladrão, a quem promete o céu.
 Qual a razão desta diferença? Porque é que Jesus, tão cheio de condescendência com os pecadores, lança publicamente sobre os fariseus tão terríveis anátemas?
 É que toda a espécie de fraqueza e de miséria, quando humildemente reconhecida e confessada, atrai a compaixão do Seu Coração e a misericórdia do Pai: Quomodo miseretur pater filiorum, misertus est Dominus, timentibus se: quoniam ipse cognovit figmentum no­strom. Ao passo que o orgulho, sobretudo o orgulho de espírito, semelhante ao pecado dos demônios, excita a indignação do Senhor: Deus superbis resistit.
 Ora, o espírito dos fariseus é um resumo de tudo o que há de odioso e hipócrita no orgulho. Estes "soberbos no pensamento do seu coração», estes ricos da estima de si mesmos, são para sempre expulsos da presença de Deus: Divites dimisit inanes.
 Cumpre notar que o farisaísmo reveste muitas formas. Nosso Senhor não atacava somente os fariseus por causa do orgulho hipócrita que, sob o manto de perfeição, ocultava a corrupção: "Sepulcros caiados, que parecem limpos por fora, mas, por dentro, estão cheios de corrupção e iniquidade» . Acusava-os também de terem substituído a lei eterna de Deus por um formalismo de origem humana. Os fariseus escandalizavam-se por verem Jesus Cristo curar doentes ao sábado; indignavam-se por ver que os Apóstolos se não submetiam, antes das refeições, a toda a série pueril de abluções legais que eles tinham inventado e nas quais faziam consistir toda a pureza do homem. Fazendo consistir toda a santidade na observância minuciosa de tradições e práticas originadas no seu próprio cérebro, desprezavam os mais graves preceitos da lei divina. É assim que, na opinião deles, se podia, só com pronunciar uma simples palavra, consagrar bens ou dinheiro ao serviço do Templo, tornando-os assim invioláveis: de modo que o fariseu devoto não podia servir-se deles, nem sequer para pagar as suas dívidas ou para socorrer os pais necessitados. Era, segundo a própria palavra do Salvador, «destruir com a tradição deles o mandamento de Deus».
 Este formalismo mesquinho, de invenção puramente humana, que desnaturava e diminuía a religião, esta falsa consciência repugnavam de tal modo à nobreza de coração e à sinceridade de Jesus, que os desmascarava e condenava sem consideração alguma. Com efeito, que juízo fazia Ele desta casuística? "Em verdade vos digo, se a vossa justiça e perfeição não for maior do que a dos fariseus, não entrareis no reino do céu".
 Que revelação do caráter íntimo de Deus! Que manifestação do Seu modo de julgar e apreciar os homens ! Que luz preciosa não lançam sobre a noção da verdadeira perfeição estas amargas censuras dirigidas aos fariseus !
 No sermão da montanha, Jesus aponta-nos o cume da verdadeira santidade; na condenação do farisaísmo, descobre-nos os abismos da falsa piedade, de que o fariseu é fiel protótipo.
 Não há embuste do demônio mais terrível nem mais funesto do que fazer passar qualquer forma de farisaísmo pela santidade reclamada pelo Evangelho. Nisto, o príncipe das trevas ataca mesmo as almas que procuram a perfeição; obscurece-lhes a vista interior com as aparências duma virtude toda formalista que substitui a verdade do Evangelho. Longe de progredirem por semelhante caminho, ficam estéreis diante de Deus. «Toda a árvore que a mão do meu Pai não tiver plantado será arrancada». É a sentença inexorável de Jesus contra a raça dos fariseus. 
Já vedes quanto importa nesta matéria desconfiar do próprio parecer, das próprias luzes; quão essencial é basear a nossa santidade, não em tal ou tal prática de devoção por nós escolhida e que talvez seja excelente, não nesta ou naquela prescrição da regra religiosa que se professa (a sua observância pode ser suspensa por uma lei superior, como, por exemplo, a lei, da caridade para com o próximo), - mas, antes e acima de tudo,no cumprimento da lei divina; lei natural, Mandamentos da  Lei de Deus, Mandamentos da Santa Madre Igreja, deveres do próprio estado. Toda a piedade que não respeitar esta hierarquia de deveres deve ser-nos suspeita; toda a ascese que não se regular pelos preceitos e doutrina do Evangelho não pode vir do Espírito Santo que inspirou o Evangelho. Diz S. Paulo: «Verdadeiros filhos de Deus são só aqueles a quem o Espírito Santo conduz».
 A ternura de Jesus é tão grande que, ao mesmo tempo que lançava sobre os fariseus terríveis maldições, predizendo-lhes a cólera divina, o Evangelho no-lo mostra profundamente comovido: o pensamento do castigo que vai cair sobre a cidade santa por ter rejeitado o Messias, escutando «esses cegos», arranca ao Seu Coração sagrado gritos de angústia.
 Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te são enviados, quantas vezes quis juntar os teus filho, como a galinha reúne os pintainhos debaixo das suas asas ... e tu não quiseste!» E, aludindo ao Templo, onde não mais entraria, pois estava nas vésperas da Paixão, acrescenta: «Eis, a vossa casa ficará deserta. Pois eu vos digo que não mais me vereis, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor».
 Enquanto estamos neste mundo, são incessantes os chamamentos da eterna bondade: Quoties voluil... Mas não sejamos daqueles que, pelo desperdício contínuo da graça e pelo hábito do pecado deliberado, ainda que leve, se endurecem a ponto de não os compreenderem: Et noluistí. Fujamos de expulsar o Espírito Santo do templo da nossa alma, com resistências voluntárias e obstinadas. Deus abandonar-nos-ia à nossa cegueira: Ecae relinquetur domus vestra deserta. A misericórdia nunca falta à alma; a alma, essa, desprezando a misericórdia, é que provoca a justiça.
 Procuremos antes permanecer fiéis, não com aquela fidelidade que se limita à letra, mas com aquela que tem sua origem no amor e seu ponto de apoio na confiança num Salvador cheio de bondade. Então, quaisquer que sejam as fraquezas, misérias. culpas, faltas que nos escapem, despontará para nós o dia em que bendiremos para sempre Aquele que sob formas humanas apareceu na terra. Veio «curar as nossas enfermidades», «resgatar-nos do abismo do pecado»; e é Ele que «coroará para sempre em nós os dons da Sua misericórdia e do Seu amor»: Benedic anima mea Domíno... qui sanat omnes infirmates tuas, qui redimit de interitu vitam tuam, qui coronat te in misericordia et miserationibus. 

20 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 334 a 335

CONSTÂNCIA NO EMPREGO

1. Santa Zita é especial padroeira das empregadas. Na idade de doze anos entrou para o serviço dos Fatinelli, nobre família da cidade de Luca, na Itália. Durante cinqüenta anos aproximadamente permaneceu nesse emprego. Pondo em prática a máxima: "mãos no trabalho e o coração em Deus”, elevou-se a uma alta santidade. Suas práticas de piedade não a impediam de ser diligente e pontual no serviço de seus patrões, contente de fazer em tudo a santíssima vontade de Deus. Humilde e afável, consolava e socorria os pobres, repartindo com eles o seu minguado salário. Corajosa e abnegada, sofreu desprezos e calúnias e até maus tratos com heroica resignação. Com semelhante teor de vida, qualquer empregada, até a mais humilde, pode chegar à santidade.

2. Jorge Almak, escravo negro, depois de suportar os golpes que lhe dava seu amo, que queria obrigá-lo a renegar a fé cristã, respondeu ao tirano que lhe perguntou:
— Que faz agora o teu Jesus?
— Dá-me forças para suportar as pancadas e ferimentos.
O desumano algoz redobrou os açoites, e perguntou:
— E agora, que pode fazer. por ti Jesus?
— Faz-me pensar no prêmio eterno.
O tirano ordenou que o flagelassem até verem-se-lhe os ossos, e de novo perguntou com feroz alegria:
— Que pode fazer agora por ti Jesus?
O mártir, agonizante, reúne as últimas forças e diz:
— Dá-me coragem de rezar por ti e perdoar-te.
E tendo pronunciado essas palavras, expirou como um herói cristão.

19 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 333

AS TRÊS CRIANÇAS DE FÁTIMA

As três crianças videntes de Fátima, Lucia de 10 anos, Francisco de 9 e Jacinta de 7, a SS. Virgem pedira sacrifícios pela conversão dos pecadores. Elas lho prometeram com gosto. No dia seguinte à primeira aparição, recordando-se das palavras da Virgem, perguntam-se: “Como faremos os sacrifícios?”
Vede — disse Francisco — demos nossa merenda aos cordeiros e façamos o sacrifício de não comer.
Aquele foi o primeiro dia de jejum. Muitas vezes deram sua comida às crianças das famílias pobres que viviam de esmola; e para enganar a fome que sentiam, recorriam a raízes, amoras e bolotas das azinheiras. Em casa, faziam o sacrifício de privar-se de frutas e guloseimas.
Um dia de verão, sob o sol abrasador do meio-dia, e estando em lugar árido e pedregoso, sentiram muita sede. Ofereceram-na pela, conversão dos pecadores. Mas depois,'como não pudessem suportar aquele tormento, foram a uma casa mais próxima e pediram um pouco d'água. Uma boa velhinha deu-lhes um jarro de água e um pedaço de pão. Lucia ofereceu o jarro a Francisco, mas ele não quis beber, “para sofrer pela conversão dos pecadores”. Jacinta também não quis beber pelo mesmo motivo. Então Lucia despejou toda a água na cavidade de uma pedra para que as ovelhas, ao menos, bebessem. Jacinta, porém, enfraquecida pela fome e pela sede, sentia-se mal e, com encantadora simplicidade, disse a prima:
— Vai dizer as rãs e aos grilos que se calem. Faz-me tanto mal a cabeça! Não aguento mais!
— E não queres sofrer isso pelos pecadores? — pergunta-lhe Francisco.
— Sim, quero. Deixa-os cantar..
As vezes passavam toda a semana, e até o mês todo, sem beber água.
Mortificavam-se com urtigas, com que esfregavam as mãos e as pernas. Por cilicio serviam-se de uma corda com nós, que atavam à cintura sobre a carne. Principalmente Jacinta, na enfermidade que tão cedo a levou, só queria sofrer. por amor de Nosso Senhor e pelos pecadores.

18 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 329 a 332

ZELO DOS SANTOS PELA SALVAÇÃO DAS ALMAS

1. S. Afonso de Ligório, um dos maiores missionários de todos os tempos, exclamava: “Se Jesus Cristo tivesse morrido na cruz, não por todos mas por uma única alma, ainda assim era de justiça que nós nos sacrificássemos para ganhar uma alma para Deus. E se eu pudesse pregar missões a todo o mundo, a todo o mundo eu as pregaria”. 
Ao bispo de Caserta dizia: “Nós dois temos trinta mil libras de peso sobre nossos ombros: pobres de nós se por nossa negligência se perde ainda que seja uma só de tantas almas de que estamos encarregados!”

2. S. António Daniel, martirizado no Canadá em 1648, dizia: “Nossa consolação no meio das mais duras fadigas é caminhar de provação em provação, buscando e recolhendo as espigas de trigo, quer dizer, as almas simples e fiéis que os anjos separam da cizânia, para formarem no céu essa coroa de eleitos que tantos suores e tantos trabalhos custaram ao Filho de Deus”.

3. S. Josafat trabalhou com tanto zelo pela união dos hereges e cismáticos à Igreja Católica que lhe chamavam “ladrão de almas”. Ele, com muita mansidão, respondia: “Deus queira possa eu roubar todas as vossas almas para levá-las a Ele”. Levantava-se às duas da madrugada para começar o dia com uma disciplina sangrenta, e trabalhava todo o dia sem descanso até a noite. “Toda gente corre a Josafat — dizia um contemporâneo — e a todos recebe como um pai”.

4. S. João Eudes durante sessenta anos dedicou-se às missões, que costumava durar de seis a doze semanas. Levava consigo de doze a vinte e cinco missionários, que não bastavam para recolher os frutos. Seus auditórios eram de trinta a quarenta mil pessoas. Uma vez escreveu: “De oito a dez léguas vem aqui tanta gente e os corações estão extraordinariamente bem dispostos. Não se veem mais que lágrimas; não se ouvem mais que gemidos de pobres penitentes; mas nem a quarta parte poderá confessar-se. Os missionários tem visto pessoas que esperam oito dias sem conseguir confessar-se, e então ajoelham-se onde quer que encontrem os padres, pedindo-lhes com lágrimas e com as mãos postas que as ouçam”.

17 de março de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 324 a 328

CARIDADE COM OS DOENTES

1. Os pais de Frederico Ozanam, fundador das Conferências de S. Vicente de Paulo, praticavam a caridade com os pobres de maneira admirável. O pai, que era médico, visitava-os gratuitamente; e a mãe socorria-os também em suas freqüentes visitas a domicilio. Continuando, já anciã, na prática deste caritativo exercício, o marido viu-se obrigado a proibir que sua esposa subisse as escadas para visitar os doentes, além do quarto andar; e ela prometeu obedecer se ele se comprometesse a fazer o mesmo, pois para ambos, devido a idade, o perigo era igual. Durante algum tempo foram fiéis à palavra dada; mas um dia o médico, ao visitar um cliente de um quarto andar, soube que no sótão do sexto andar uma mulher pobre estava à morte sem nenhum socorro. Lembrou-se da palavra que dera à esposa, mas pensou que poderia visitar a moribunda sem que sua mulher o soubesse, e subiu as escadarias. Ao entrar no quarto, deu com sua esposa, que justamente estava a assistir a enferma.

2. Um pobre menino de dez anos pedia esmola nas ruas de Viena. Aproximou-se de um grande senhor e pediu-lhe dois florins.
— Dois florins? — replicou o cavalheiro; — não vês que isso é muito dinheiro para um menino?
— Senhor, minha mãe está de cama e precisa de médico e de remédios.
— E quem está cuidando dela?
— Eu sozinho. Meu pai faleceu faz três semanas e deixou-nos em grande miséria.
— Onde mora tua mãe?
— Naquela ruazinha, à direita, número 52.
— Toma os dois florins que me pedias e chama o médico.
Enquanto o menino foi à procura do médico, aquele senhor dirigiu-se à casa da pobre viúva, que encontrou de cama, pálida e doente, tendo ao lado uma filhinha de quatro anos. Fez-lhe diversas perguntas acerca de seu estado de saúde e, por fim, fingiu escrever uma receita, que deixou sobre a mesa. Quando o menino voltou, tomou aquele papel e leu: “O Tesouro do palácio imperial pagará imediatamente ao portador deste bilhete a soma de duzentos florins. José, imperador”. Quem visitou aquela pobre viúva e escreveu aquele bilhete era, realmente, o imperador José II da Áustria, o filho de Maria Teresa.

3. Luisa Maria de Orleans, rainha da Bélgica, visitava pessoalmente os pobres e enfermos. Em Bruxelas, em Ostende, em Laeken, acompanhada de uma de suas damas, entrava nos tugúrios daquela pobre gente, sentava-se ao lado dos doentes e informava-se de suas necessidades, dizia-lhes palavras consoladoras, acariciava as crianças e distribuía donativos. Nem sempre a reconheciam; mas, quando descobriam que era a rainha, corriam todos a vê-la e com lágrimas de comoção, inclinavam-se diante dela, bendizendo-a como a uma santa.

4. S. Camilo de Lélis repela freqüentemente a seus companheiros: “Irmãos, considerai que os enfermos são a pupila e o coração de Deus”. Quando certo dia se ocupava no asseio de um doente, foram dizer-lhe que o prior do hospital o chamava. “Dizei a meu senhor que agora estou ocupado com Jesus Cristo; e logo que terminar meu oficio de caridade, lá estarei à disposição de sua senhoria”. No processo de canonização lê-se: “Camilo não só amava os enfermos, mas de certo modo os adorava, porque em cada pobre adorava a pessoa de Jesus Cristo”.

5. S. João de Deus não se preocupava apenas com o cuidado corporal dos enfermos; atendia, acima de tudo, à salvação de suas almas. Dirigia-lhes, por isso, comoventes práticas sobre o amor, e o temor de Deus, sobre a brevidade da vida e o valor do sofrimento, e todos o ouviam com prazer. Quando chegava ao hospital algum novo doente, dizia: “Cure-se primeiro a alma, porque estando sã, Deus curará o corpo”. A maior preocupação do Santo era fazê-los conhecer, amar, e servir a Deus, autor de todo o bem.

16 de março de 2017

Missa Tridentina - Visita do Padre Philippe Laguérie - Superior Geral do IBP

Missa Tridentina

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Data: 16/03/2017 (5ª feira)
Horário: 19:30h
Padre: Philippe Laguérie - Superior Geral do IBP
Palestra : Atualidades da Igreja por Padre Laguérie (após a missa)

Local:       Capela da Polícia Militar
Endereço: Av. Mal. Floriano Peixoto, 2057
Bairro:      Rebouças - Curitiba - Paraná

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

v

 A revelação das misericórdias divinas por Jesus Cristo é a fonte primária da nossa confiança.
 Todos temos desses momentos de graça, em que sondamos, com a ajuda da luz divina, o abismo das nossas misérias, do nosso nada. Vendo-nos tão manchados, dizemos a Jesus, como S. Pedro: "Senhor, retirai-vos de mim, que sou pecador». «Seria possível unir-Vos intimamente a uma alma manchada pelo pecado? Procurai de preferência almas nobres, puras, privilegiadas com o dom da Vossa graça. Eu sou indigno demais para estar assim ao pé de Vós».
 Lembremo-nos, porém, que o próprio Jesus Cristo disse: «Não vim chamar os justos, mas os pecadores». Senão vede. Não chamou para ser Seu apóstolo a Mateus, o publicano, o pecador? E quem colocou à frente da Sua Igreja, como chefe dessa sociedade que deseja «santa, imaculada, sem mancha, para cuja santificação vem dar todo o Seu precioso sangue»? A quem escolheu? A João Batista, santificado desde o ventre materno, confirmado em graça e de tão eminente perfeição que o tomavam pelo próprio Cristo? Não. A João Evangelista, o discípulo virgem, aquele a quem amava de modo particular, o único que Lhe ficou fiel até ao pé da Cruz ? Ainda uma vez, não. Quem escolheu então? Cientemente, deliberadamente, Nosso Senhor escolheu um homem que O havia de abandonar. Não é admirável?
 Na Sua presciência divina, Jesus Cristo tudo conhecia de antemão. E, quando prometia a Pedro edificar sobre ele a Sua Igreja, sabia que Pedro, apesar da admirável espontaneidade da sua fé, O havia de renegar. Apesar de todos os milagres operados diante dos seus olhos pelo Salvador, apesar de todas as graças que recebera, apesar da glória com que vira resplandecer a Humanidade de Cristo no Tabor, no próprio dia da sua primeira comunhão e da sua ordenação, Pedro «jura não conhecer aquele homem. .. »! E foi a ele que Jesus escolheu, de preferência a todos os outros. Porquê? Porque a Sua Igreja seria composta de pecadores. Com excepção da puríssima Virgem Maria, todos nós somos pecadores; todos precisamos das misericórdias divinas. E é por isso que Jesus Cristo quis que o chefe do Seu reino fosse um pecador, cuja falta ficasse consignada nas sagradas Escrituras com todos os pormenores que mostram a sua cobardia e ingratidão.
 Vede ainda Maria Madalena. Lemos no Evangelho que algumas mulheres seguiam a Jesus nas Suas jornadas apostólicas para proverem às necessidades d'Ele e dos discípulos. Entre essas mulheres, cuja dedicação era incansável, a quem distinguiu Jesus mais? A Madalena, de quem disse: «Por toda a parte onde for pregado o Evangelho, se há-de falar dela». Quis que o escritor sagrado nada ocultasse dos desregramentos da pecadora; mas quis também que lêssemos que Ele aceitara a presença de Madalena ao pé da Cruz, ao lado de Sua Mãe, a Virgem das virgens; a ela, de preferência a qualquer outra, quis reservar a Sua primeira aparição depois de ressuscitado.
 Ainda uma vez, porquê tanta condescendência? In laudem gloriae gratiae suae: «para exaltar aos olhos de todos a glória triunfal da Sua graça». Com efeito, é tal a generosidade do perdão divino, que elevou a uma das mais eminentes santidades uma pecadora caída no abismo: Abyssus abyssum invocat. "Ele encontrou uma mulher de costumes perdidos, diz um autor dos primeiros séculos, e, pela sua grande penitência, tornou-a mais pura do que uma virgem»: Invenit meretricem, et virgine castionem reddidit.
 Deus quer que «ninguém se glorie com a sua própria justiça", mas que todos engrandeçam o poder da Sua graça e a extensão das Suas misericórdias: Quoniam in aeternum misericordia ejus.
 As nossas misérias, as nossas faltas, os nossos pecados, bem os conhecemos; mas o que não conhecemos - ó almas de pouca fé! - é o valor do Sangue de Jesus e a virtude da Sua graça. 
A nossa confiança tem a sua origem na misericórdia infinita de Deus para conosco; e recebe da penitência um dos mais fortes incrementos.
 A extrema condescendência de Jesus para com os pecadores não pode servir de pretexto para continuarem no pecado ou recaírem depois de se verem livres dele. «Permaneceremos no pecado - diz S. Paulo -, para que abunde a graça? Deus nos livre! Resgatados do pecado pela morte de Jesus Cristo, nunca mais devemos tornar a cair nele».
 Com certeza notastes que, ao perdoar à mulher adúltera, Jesus faz-lhe uma grave advertência: «Doravante não tornes a pecar». O mesmo diz ao paralítico, acrescentando o motivo: «Estás curado; agora não tornes a pecar, não te vá acontecer muito pior. É que, de fato, como diz o próprio Jesus, «quando o espírito maligno é expulso duma alma, volta a assediá-la com outros espíritos piores do que ele; e, se consegue tomar posse dela, o último estado dessa alma torna-se pior do que o primeiro».
 A penitência é a condição exigida para receber e conservar o perdão divino em nós. Vede Pedro. 
Pecou, pecou gravemente; mas o Evangelho diz também que «derramou amargas lágrimas» pelo seu pecado: Flevit amare. Mais tarde, apagou a tríplice negação com um tríplice protesto de amor: «Sim, Senhor, sabeis que Vos amo»! Vede ainda a Madalena, que é simultaneamente um dos mais magníficos troféus da graça de Jesus Cristo e símbolo esplêndido do amor penitente. Que faz ela? Imola a Cristo o que tem de mais precioso. O quê? Aquela cabeleira, que é o seu ornamento, a sua glória - pois, diz S. Paulo, "para a mulher é uma glória ter uma cabeleira comprida"  -, mas da qual se servira para atrair as almas, armar-lhes ciladas e perdê-las. E agora em que a emprega? Em enxugar os pés do Salvador. Como uma escrava, envilece publicamente, aos olhos dos convivas que a conhecem, o que até então fizera o seu orgulho. É o amor penitente que se imola, mas que, 
imolando-se, atrai e retém os tesouros da misericórdia: Remittuntur ei peccata multa quoniam dilexit multum. 
Quaisquer que sejam as recaídas duma alma, nunca devemos desesperar dela. "Quantas vezes, diz S. Pedro a Nosso Senhor, devo perdoar ao meu próximo»? "Setenta vezes sete», responde Jesus, querendo significar um número infinito de vezes. Neste mundo, esta medida inesgotável em face do arrependimento é a medida do próprio Deus. 
Para completar a exposição que vos acabo de fazer da bondade e condescendência de Jesus Cristo para connosco, quero acrescentar um fato que O acaba de "humanizar» e nos descobre um dos aspectos mais tocantes da Sua ternura: a afeição que professava a Lázaro e a suas duas irmãs de Betânia. 
Em toda a vida pública do Verbo Incarnado, talvez não se encontre outro caso que maís nos aproxime d'Ele e a Ele de nós, como o quadro intimo das Suas relações com os amigos da pequena povoação. Se a nossa fé nos diz que Ele é o Filho de Deus, Deus em pessoa, as condescendências da Sua amizade revelam-nos, quer-me parecer, melhor do que qualquer outra manifestação, a Sua qualidade de «Filho do homem».
 Os escritores sagrados limitaram-se apenas a um ligeiro esboço desta santa afeição; mas o que nos deixaram é suficiente para nos fazer entrever o que nela havia de infinitamente delicioso. S. João 
diz-nos que "Jesus amava Marta, sua irmã Maria e Lázaro»: Diligebat autem Jesus Martham et sororem ejus Mariam et Lazarum. Eram Seus amigos e amigos dos Apóstolos. Falando de Lázaro, chama-lhe «nosso amigo»: Lazarus amicus noster. O Evangelho acrescenta que "Maria era aquela mesma que ungira a Jesus com um precioso perfume e Lhe enxugara os pés com seus cabelos». 
A sua casa de Betânia era o lar que Jesus, Verbo Incarnado, escolhera neste mundo para lugar de repouso e cenário daquela santa amizade de que Ele próprio, Filho de Deus, se dignou dar-nos exemplo. Nada mais agradável pera os nossos corações humanos do que a contemplação desse interior que o Espírito Santo nos mostra no capítulo X do Evangelho de S. Lucas. Jesus é o hóspede respeitado, mas muito íntimo, daquele lar. Realmente, devia ser amigo muito intimo da casa, para que Marta, um dia, andando a servi-Lo toda atarefada, ousasse interpelá-Lo para se queixar de sua irmã Maria, tranquilamente sentada aos pés de Jesus a gozar das palavras do Salvador: "Senhor, então não Vos importais de que a minha irmã me deixe sozinha a servir-Vos? Dizei-lhe que me venha ajudar»: Domine, non est tibi curae quod soror mea reliquit me solam ministrare? Dic ergo illi ut me adjuvet. E, em vez de se melindrar com semelhante familiaridade que O abrangia, para assim dizer, na censura feita a Maria, Jesus intervém e resolve a questão em favor daquela que simboliza a oração e a união divina. "Marta, Marta, andas toda atarefada e perturbada com muitas coisas, quando só uma é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».
 Quando assistimos, com espírito de fé, a esta cena deliciosa, sentimos no nosso coração que Jesus é verdadeiramente um de nós: Debuit per omnia fratribus similari; sentimos que em Sua pessoa se verifica admiravelmente a revelação que a Sabedoria eterna faz ao mundo, quando proclama que «as Suas delícias são estar com os filhos dos homens"; sentimos ao mesmo tempo que «nação alguma tem um deus que se aproxime dela como o nosso Deus se aproxima de nós».
 Jesus Cristo é verdadeiramente o "Emmanuel", Deus a viver no meio de nós, entre nós e conosco.