29 de março de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

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 Aqui temos o mistério, tal qual o descreve o santo Evangelho. Vejamos agora o sentido dele.
 É que tudo na vida de Jesus, Verbo Incarnado, está cheio de significado. Jesus Cristo, se assim me posso exprimir, é o grande Sacramento da Nova Lei. O que é um sacramento? No sentido lato da palavra, é o sinal sensível duma graça interior. Pode-se, pois, dizer que Jesus Cristo é o grande Sacramento de todas as graças que Deus fez à humanidade. Como diz o Apóstolo S. João. "Jesus Cristo apareceu entre nós como o Filho único de Deus, cheio de graça e de verdade»: e logo acrescenta: «E é desta plenitude  que todos recebemos». Jesus Cristo dá-nos todas as graças como Homem-Deus, porque no-las mereceu e o Pai Eterno O constituiu único Pontífice e supremo Mediador; dá-nos estas graças em todos os Seus mistérios.
 Já vos disse que os mistérios de Nosso Senhor devem ser, para nós, objeto de contemplação, de admiração e de culto; devem ser também como sacramentos que produzem em nós, na medida da nossa fé e do nosso amor, a graça que significam.
 E isto é verdade de cada um dos estados de Jesus, de cada um dos Seus gestos. Porque, se Jesus Cristo é sempre o Filho de Deus, se, em tudo o que diz e faz, glorifica primeiro o Pai, nunca nos afasta do seu pensamento; a cada um dos Seus mistérios ligou uma graça que nos deve ajudar a reproduzir em nós os traços divinos para nos tornar semelhantes a Ele.
 Eis porque Nosso Senhor Jesus Cristo quer que conheçamos os Seus mistérios, que os aprofundemos, com reverência, sem dúvida, mas também com confiança. Quer sobretudo que, na nossa ·qualidade de membros do Seu Corpo Místico, vivamos sobrenaturalmente da graça interior que ligou a esses mistérios, vivendo-os antes de nós e por amor de nós.
 É o que nos diz S. Leão Magno, ao falar da Transfiguração. "O relato do Evangelho, que acabamos de ouvir com os ouvidos do corpo e que impressionou o nosso espírito, convida-nos a inquirir o sentido deste grande mistério». É uma graça preciosa poder compreender o significado dos mistérios de Jesus, porque nisso está a vida eterna: Haec est vita aeterna. O próprio Nosso Senhor dizia aos Seus discípulos «que não concedia a graça da inteligência espiritual senão aqueles que O seguiam»:Vobis datun est nosse mysterium regni Dei, caeteris autem in parabolis.
 Esta graça é tão importante para as nossas almas, que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, faz dela o objeto das Suas súplicas na pós-comunhão da festa: «Ouvi a nossa prece, ó Deus todo poderoso ! Fazei que as nossas almas purificadas tenham uma compreensão fecunda dos santos mistérios da Transfiguração do Vosso Filho, que acabamos de celebrar em oficio solene ... Ut sacrosancta Fili tui transfigurationis mysteria quae solemni celebramus officio purificatae mentis intelligentia consequamur. 
Vejamos, pois, o significado deste mistério.
 Primeiro, em relação aos Apóstolos, pois foi na presença de três deles que o mistério se realizou. Porque é que Jesus Cristo se transfigurou a seus olhos? S. Leão dí-lo mui claramente: «O fim principal desta Transfiguração era arrancar do coração dos discípulos a escândalo da cruz. As humilhações duma paixão voluntariamente aceite, jamais perturbariam a sua fé, depois de lhes ter sido revelada a transcendente dignidade do Filho de Deus». 
Os Apóstolos, que viviam em contato íntimo com o Divino Mestre, e, por outro lado, continuavam imbuídos dos preconceitos da raça no que dizia respeito aos destino dum Messias glorioso, não podiam admitir que Jesus Cristo pudesse sofrer. Vede S. Pedro, o príncipe do colégio apostólico. Pouco tempo antes, proclamara, na presença e em nome de todos, a Divindade de Jesus: «Sois o Cristo, Filho de Deus vivo». O amor que dedicava a Nosso Senhor e as concepções ainda terrenas que conservava do Seu reino faziam-lhe repelir a ideia da morte do Mestre. Por isso, quando Jesus Cristo, alguns dias antes da Transfiguração, falara abertamente aos discípulos da Sua Paixão próxima, Pedro ficou impressionado e, chamando Jesus à parte, protestou: «Deus nos livre, Senhor, que tal aconteça! » Mas o divino Salvador repreende logo o Apóstolo: «Retira-te de mim, Satanás (isto é, adversário), que queres pôr obstáculo à vontade d'Aquele que me envia;  não compreendes as coisas de Deus, mas tens só pensamentos humanos.
 Portanto, Nosso Senhor previa que os Apóstolos não suportariam as Suas humilhações, que a Sua cruz seria para eles ocasião de queda. Os três Apóstolos que escolhera  para testemunhas da Sua Transfiguração, devia escolhê-los ainda, de preferência aos outros, para serem, dentro de pouco, testemunhas da Sua fraqueza, da Sua agonia e da Sua imensa tristeza no Horto das Oliveiras. Quer premuni-los contra o escândalo que o Seu estado de humilhação há de causar à sua fé; quer fortalecer-lhes esta fé pela Sua Transfiguração. De que modo?
 Primeiro, pelo mistério em si.
 Durante a Sua vida mortal, Nosso Senhor "tinha a aparência dum homem como os outros»: Habitu inventus ut homo, diz S. Paulo. E isto é tão verdade, que muitos dos que O viam O tomavam por um homem qualquer. Os seus próprios parentes - Sui, isto é aqueles a quem o escritor sagrado, segundo o modo de falar daquele tempo, chama fratres Domini, os Seus primos - , ouvindo a Sua tão extraordinária doutrina, o tratam por louco. Aqueles que O tinham conhecido em Nazaré, na oficina de José, admiram-se e perguntam donde Lhe vem aquela sabedoria! Nonne hic est fabri filius?  Havia, sem dúvida, em Jesus, uma virtude divina toda interior que se manifestava por meio de prodígios: Virtus de illo exibat et sanabat omnes; havia um como perfume da Divindade que d'Ele emanava e atraia as multidões. Lemos no Evangelho que, muitas vezes, os Judeus, embora grosseiros e carnais, ficavam três dias sem comer para O poderem seguir.
 Mas exteriormente, a Divindade estava n'Ele velada sob a fraqueza duma carne mortal, Jesus estava sujeito às condições variáveis e ordinárias da vida humana, frágil e passível: sujeito à fome, à sede, à fadiga, ao sono, à luta, à fuga. Tal era o Cristo de todos os dias, tal era a humilde existência de que os Apóstolos quotidianamente eram testemunhas.
 E eis que, no alto da montanha, O vêem transfigurado. A Divindade irradia, toda poderosa, através do véu da Humanidade: a face de Jesus resplandece como o sol, «as Suas vestes brilham com tal alvura, diz S. Marcos, que pisoeiro algum poderia conseguir coisa semelhante». Os Apóstolos compreendem então que este Jesus é realmente Deus; sentem.-se penetrados da majestade da Divindade; revela-se-lhes inteiramente a glória eterna do Mestre.
 Aparecem ainda ao lado de Jesus, Moisés e Elias, que conversam com Ele e O adoram.
 Sabeis que, para os Apóstolos como para os judeus fiéis, Moisés e os profetas resumiam tudo. Moisés era o seu legislador: os profetas estão aqui representados por Elias, um dos maiores de entre eles. A lei e os profetas vinham, nestes personagens, atestar que Jesus Cristo era o Messias figurado e predito. Os fariseus podem, dali por diante, atacar Jesus, podem alguns discípulos abandoná-Lo; a presença de Moisés e Elias prova a Pedro e aos seus companheiros que Jesus respeita a lei e está de acordo com os profetas. É realmente o Enviado de Deus, Aquele que havia de vir.
 Finalmente, para corroborar todos estes testemunhos, para acabar de manifestar com evidência a Divindade de Jesus, faz-se ouvir a voz do Eterno Pai. Deus Pai proclama que Jesus é o Seu Filho, Deus como Ele.
Tudo se conjuga assim para consolidar a fé dos Apóstolos n'Aquele que Pedro reconhecera ser o Cristo, Filho de Deus vivo. 

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