14 de março de 2017

Sermão para o 2º Domingo da Quaresma – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] A serenidade ou a constância da alma



Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, no último domingo, tratamos da paciência que devemos ter para com os defeitos do próximo. Paciência tão necessária para a santidade, para a paz – em particular, na família – e que, ao mesmo tempo, não é uma aprovação dos defeitos ou faltas do próximo.
Falaremos hoje, nesse segundo domingo da Quaresma, de uma outra virtude simples: a constância ou igualdade de ânimo e que podemos chamar de serenidade.
No Evangelho de hoje, temos a transfiguração do Senhor. O Salvador deixa transparecer a Sua glória, para confirmar os apóstolos na fé, para que não O abandonem quando de Sua paixão. Vejamos, porém, a figura de São Pedro. O príncipe dos apóstolos, antes de Pentecostes, antes de sua santificação, apresenta ainda defeitos. Um deles é precisamente a inconstância de alma, a falta de serenidade em suas ações. Sem muito refletir, por ímpeto, São Pedro, no episódio da transfiguração já quer logo fazer três tendas para ali permanecer, esquecendo-se da necessidade da paixão. Em outros momentos, essa impetuosidade leva São Pedro a dizer que seguirá Jesus, pois só Ele tem palavras de vida eterna, e leva São Pedro a dizer que vai seguir Jesus até a morte, se necessário for. Mas vemos também São Pedro querer impedir a paixão de Cristo, vemo-lo dormir enquanto deveria vigiar, rezando, com Cristo. Logo em seguida, vemos São Pedro tirar a espada e cortar a orelha do soldado no Jardim das Oliveiras para, depois, vermos o apóstolo negar Jesus três vezes antes do galo cantar durante a paixão do Senhor. São Pedro tem a alma inconstante, levada para todos os lados conforme o vento que sopra no momento. Uma hora faz uma coisa e noutro momento, mesmo próximo, já faz o extremo oposto, com um humor que varia muitíssimo. Não tem serenidade em suas ações. Após a ressurreição do Senhor, após os quarenta dias que Cristo passou ainda na terra antes da Ascensão e depois de Pentecostes, São Pedro, arrependido de suas faltas e cheio da graça do Espírito Santo, será firme como a pedra e como a pedra que é o fundamento visível da Igreja de Cristo.
Nossa alma também é assim, muitas vezes. Parece mais um cata-vento do que uma bússola. O cata-vento muda de direção conforme a direção do vento, se deixando levar completamente pelo ambiente. Já a bússola aponta sempre para a mesma direção, independentemente de qualquer coisa, indicando o norte.
A alma inconstante é sacudida pelos vários acontecimentos que lhe sucedem ou é agitada pelas diversas impressões que recebe. Algo a agrada? A alegria e o entusiasmo dessa alma são imensos. Algo a desagrada? Ela fica afogada na mais profunda tristeza. Tem um fervor sensível nas orações? Entrega-se às orações. Já não se sente tão bem na oração? Depressa abandona as práticas de piedade. Se essa alma é contrariada, se torna insuportável. Quando não tem maiores tentações, anda cheia de confiança e com tranquilidade, parecendo-lhe muito fácil a perfeição. Mas quando é tentada ou provada um pouco mais, desanima, perde a esperança e acha que a santidade é impossível. Essa alma é uma cana agitada pelo vento, pelas circunstâncias. Ela não para em pé. É um turbilhão, cheia de ímpetos. Nela, podemos ver as mudanças mais repentinas e opostas. Não há firmeza, nem estabilidade. Não é uma alma constante nem serena. Essa alma, essa pessoa não é senhora de si mesma. Mas escrava das circunstâncias, das situações e de suas próprias inclinações.
Essa falta de serenidade da alma, de constância, de domínio sobre si mesma é sinal de uma virtude inexistente ou ainda muito inicial. Uma virtude edificada sobre a areia movediça. Os males dessa falta de serenidade são imensos. Essa alma não conseguirá fazer grandes coisas no caminho da santidade porque não perseverará em nada. Uma impressão mais forte e ela já se deixará levar por outro caminho, como a criança que se distrai facilmente com qualquer coisa no seu estudo, abandonando o que se tinha proposto a fazer. Essas pessoas volúveis como o cata-vento tornam-se também antipáticas aos outros e chatas em razão da variação de humor.
Devemos ter o ânimo constante, invariável, como a bússola. Devemos ter sempre a nossa alma orientada na mesma direção, na direção de Deus, da salvação eterna. Devemos ter a alma senhora de suas paixões e afetos, conservando a paz, a serenidade, no semblante, no humor, na caridade para com o próximo.  Conservando a mesma resolução no serviço a Deus, a mesma fidelidade no cumprimento de seus deveres, a fidelidade nas obrigações, a modéstia no porte, a tranquilidade no desempenho de suas atividades. Ainda que aconteçam ao redor de nós os mais variados acontecimentos que nos atinjam, a nossa alma deve assim permanecer: serenamente orientada para Deus, para a salvação eterna. Essa serenidade é necessária para a perfeição, muito agrada a Nosso Senhor, produz grande paz na alma, é de um grande mérito, ajuda na prática de todas as virtudes, dispõe para a união com Deus, e é muito agradável ao próximo.
Não é coisa fácil de se alcançar, pois necessita uma virtude mais sólida, mas é plenamente possível, recorrendo a Deus, lutando consigo mesmo. Essa serenidade da alma é uma antecipação da paz perfeita de que gozam os santos no céu. Daquela alma que guarda essa serenidade de alma, orientada sempre e firmemente a Deus, pode-se dizer com o salmista: Deus está no meio dela, nada a moverá (45, 6). Deus é o centro dessa alma, e nada será capaz de a perturbar. E é aqui se compreendem também aquelas belas palavras de Santa Teresa d’Ávila: Nada te perturbe, Nada te espante, Tudo passa, Deus não muda, A paciência tudo alcança; Quem a Deus tem, Nada lhe falta: Só Deus basta.
E assim dizia São Francisco de Sales a uma pessoa que dirigia espiritualmente: “é preciso ter uma contínua e inviolável igualdade de coração no meio da desigualdade dos acontecimentos; e apesar de todas as coisas mudarem à nossa volta, devemos permanecer constantemente imóveis, com o olhar fixo só em Deus, ainda que tudo se transtorne em cima e em baixo, e não somente à nossa volta, mas dentro de nós mesmos; ora esteja a nossa alma triste ou alegre, em satisfação ou amargura, em paz ou desassossegada, em claridade ou em trevas, em tentação ou em repouso, contente ou desgostosa ; ora o sol a abrase ou a brisa a refresque, sempre deve a nossa vontade olhar ao beneplácito de Deus, seu único e soberano Juiz. Em qualquer situação em que Deus nos coloque, tudo nos deve ser igual. Este é o alvo da perfeição a que devemos dispor-nos; quem mais se aproximar dele, esse terá o prêmio.”
Não devemos, porém, confundir essa serenidade e constância de alma com a insensibilidade. Não se trata de se tornar insensível aos mais diversos acontecimentos que nos cercam, como pretenderam falsos filósofos ao longo da história, como os estóicos, por exemplo. Essa insensibilidade seria irracional, contra a nossa natureza e mesmo contra a virtude.  A serenidade não é para abater ou destruir nossos sentimentos e emoções, mas para ordená-los e moderá-los, para que não nos dominem, para que não nos perturbem. Devemos ser superiores a eles, fazendo que movam a nossa alma somente no grau e na medida que sejam conformes à reta razão iluminada pela fé. Não se trata tampouco de um quietismo, que nos leva à inação ou a uma grande passividade. Trata-se de lidar com tudo com essa serenidade. Nas alegrias, nas provações. Procurar resolver as dificuldades, se possível for, com caridade, ordenando tudo a Deus.
Nosso Senhor tinha em Sua alma essa constância e serenidade perfeita. Alegrou-se com a conversão das almas, sofreu com todos os ultrajes que recebeu. Sua alegria é plenamente ordenada e moderada. Seu sofrimento é sereno. Diante de seus carrascos, nem chega a levantar a voz. Fala a verdade com serenidade e firmeza. Diante de Herodes, nem fala, para não jogar pérolas aos porcos. Jesus Cristo é plenamente senhor de Si. Temos também o exemplo de Nossa Senhora, chamada de Virgo Serena, Virgem Serena. Contemplemos a serenidade que conserva Nossa Senhora diante da cruz. Sofria mais do que qualquer homem e mais do que todos os homens juntos, excetuando Cristo. As lágrimas lhe saíam dos olhos. Uma espada lhe transpassava o mais profundo de sua alma. Mas ela permaneceu senhora dessa tristeza, permaneceu plenamente ordenada a Deus, permaneceu serena. E isso está muito bem significado pelo fato de que, em meio à toda essa tristeza, Nossa Senhora permaneceu em pé diante da cruz, firme, orientada a Deus. Rezemos à Virgem Serena, para que nos alcance essa serenidade de alma, em meio a todos os acontecimentos da vida. Que não sejamos como o cata-vento ou a biruta, levados para todo lado, mas orientados como a bússola, orientados para Deus. Que nossas emoções sejam ordenadas conforme à razão e a fé, para nos ajudar na nossa santificação. Que possamos alcançar a estabilidade, a constância, a serenidade de São Pedro plenamente convertido.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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