31 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 538

O PODER DE UM OLHAR

Faz bem anos que se deu este caso. Pregava-se uma Missão popular numa cidadezinha do interior. Um ferreiro, vizinho da igreja, quando o missionário começava a pregar, começava ele também a malhar com toda a força na bigorna. Deixava para aquelas horas os trabalhos mais rumorosos e zombava da Missão.
Um dia o Crucifixo, erguido num estrado, desprendeu-se da cruz, da qual escapara um cravo. O missionário, obedecendo a uma inspiração interior, tomou consigo a cruz e o Crucifixo e, entrando na oficina do ferreiro, falou-lhe assim:
 — Ouvi dizer que o senhor é valente na arte e um ótimo ferreiro. Veja aqui o que aconteceu... quem sabe o sr. seria capaz de consertar este Crucifixo pelo qual tenho grande afeição.
Aquele incrédulo, quando viu o padre entrar em sua oficina, franziu com raiva a testa e estava a ponto de tocá-lo para fora. Contudo, tomando nas mãos o Crucifixo, disse:
— Tudo se pode arranjar... vamos ver.
Então o missionário, empregando afabilidade, acrescentou:
— Muito bem; aqui lhe deixo o meu Crucifixo e, quando o senhor tiver consertado, tenha a bondade de mo entregar na sacristia, onde gratificarei o seu trabalho.
Naquele dia e na manhã seguinte, nem o rumor do malho, nem os gritos do ferreiro perturbavam a palavra do pregador; ao contrário, à tardinha, foi visto o ferreiro entrar na igreja às furtadelas e ajoelhar-se para rezar. Eis que, terminado o sermão, quando o missionário pôs o pé na sacristia, chega-se a ele o ferreiro e diz:
— Padre, aqui está o seu Crucifixo; como recompensa, peço-lhe que me ouça de confissão.
É impossível descrever a caridade e as bondosas palavras com que o padre acolheu aquela ovelha desgarrada, que humildemente voltava ao rebanho de Jesus Cristo.

30 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 537

UMA HÓSTIA SACERDOTAL

No seu áureo livrinho “Hóstias Sacerdotais” escreve o P. Leblanc:
“Encontrava-me num Sanatório, quando um jovem sacerdote, dirigindo-se a mim, disse:
— Padre, peço-lhe o favor de ir ao quarto número 12, onde se acha minha irmã tuberculosa. Está desenganada, mas não quer conformar-se com o pensamento da morte. O sr. poderia fazer-lhe algum bem; vá visitá-la e diga-lhe que foi a meu pedido.
Pouco depois entrava eu no quarto da doentinha. Admirou-se da minha visita, e parece que lhe desagradava, pois quando me viu entrar, gritou:
— Padre, não me faleis da morte.
Tal acolhimento era pouco encorajador. Deixei que falasse. Explicou-me, chorando, as razões por que não queria morrer e acrescentou:
— Dizei-me que não morro; não quero morrer! Quero sarar; dizei-me que hei de sarar!
Disse-lhe então:
— Espero que hás de recuperar a saúde, e vou rezar nessa intenção; o mais importante, porém, é que santifiques os teus sofrimentos. Se quiseres, propor-te-ei uma intenção.
— Dizei que intenso é — respondeu friamente; — mas isso não mudará nada, eu não quero morrer, sou muito moça.
— Foi teu irmão, o Padre N., quem pediu que te visitasse. Oh! quanto és feliz de ter um irmão sacerdote! Feliz seria também ele se tu, sua irmãzinha, quisesse oferecer teus sofrimentos pelo bom êxito do seu ministério sacerdotal. Quanto mais tu fores hóstia, tanto mais ele será sacerdote.
— É verdade, Padre? — perguntou-me com leve sorriso! Recolheu-se um momento interiormente, depois disse: — Vou. experimentar. Dou-vos a minha palavra e não a retirarei; mas não digas nada a meu irmão.
A causa estava ganha. Dias depois, a doentinha voltava para sua casa, onde viria a morrer como uma santinha. Durante seis longos meses, ainda que sofresse atrozmente, a sua paciência, a sua resignação, o seu abandono nas mãos de Deus jamais se desmentiram. Falava da morte como se fala de uma festa. A morte, que antes tanto temia, agora ela a desejava. Estava ansiada por fazer o sacrifício de sua vida em favor do irmão.
— Padre — disse-me um dia — a intenção que me propuseste foi para mim uma revelação. Sem ela eu teria amaldiçoado os meus sofrimentos e morreria desesperada.
Poucos dias antes da morte dizia a seu irmão:
— Como sou feliz de morrer! Podes estar certo que, no Céu, serei a tua Teresinha.

29 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 536

QUERO TER TAMBÉM O MEU PADRE

Um domingo, quando o pároco explicou o evangelho e disse que o número de sacerdotes estava diminuindo muito, e que isso era muito triste, uma velha empregada dizia consigo: “Que poderei fazer para que haja mais padres, eu que sou uma pobre empregada? Vou rezar, para que o divino Espírito Santo acenda nos corações das mães cristãs o desejo de consagrarem os filhos a Deus”. Contudo, aquele propósito, embora nobre e santo, não a satisfazia, porque o pároco dissera também que “em nossos dias não basta rezar, mas é preciso agir”.
“Meu Deus, dizia ela, que quereis pois que eu faça?”
De súbito ocorreu-lhe à mente uma ideia, uma ideia nova e quase desconhecida até então: “Se pudesse ajuntar tanto dinheiro que bastasse para preparar um jovem ao sacerdócio?”
Este pensamento a afligia e alegrava ao mesmo tempo. Pobre senhora! Para viver tinha apenas uma pequena renda deixada por seus patrões e para trabalhar suas mãos estavam quase entorpecidas. “Não importa, disse consigo; farei economias... trabalharei mais...” Economia, quando se tem apenas para viver? trabalhar mais aos 60 anos?... E todavia estava decidida a dar a Deus um padre.
“Um padre! — repetia — serei feliz quando tiver um padre, que eu formei; um padre que rezará a Deus por mim, que salvará almas por mim. Meus Deus, não me deixeis morrer sem vos ter dado um padre”.
E foi economizando até ajuntar uma bela soma. Foi ter com o pároco e disse-lhe:
— Sr. pároco, quero realizar o meu velho sonho: ter o meu padre. O sr. procure um rapaz bom, inteligente e piedoso, que tenha vontade de estudar e ser padre. Eis uma pequena soma para os primeiros anos de Seminário; se Deus me der vida e forças, continuarei a trabalhar e economizar...
O pároco, muito edificado, dizia:
— Obrigado, alma generosa; Deus te recompensará.
E a velha deixava a casa paroquial repetindo com alegria:
“Também eu terei o meu Padre... também eu terei o meu Padre!”

28 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 535

SOU EU, O CARDEAL CULLEN!...

Era uma noite escura, tempestuosa, e chovia, quando um sacerdote foi chamado para atender a um moribundo num albergue, em Dublin, na Irlanda. Logo que o portador deu o recado, o padre dirigiu-se ao albergue, visitou o doente e administrou-lhe os Sacramentos.
Quando o padre saiu do quarto do doente, o dono do albergue (um protestante) convidou-o a tomar alguma coisa e, com o propósito de ganhá-lo para a seita, disse:
— Imagine, Padre, que orgulhosos são estes bispos e cardeais e como vivem luxuosamente; estou certo de que o cardeal mandou que o senhor fizesse esse longo trajeto debaixo de chuva, enquanto ele está sentado comodamente junto à estufa bebendo ponche.
— O senhor — disse o Padre — tem opinião falsa a respeito do Cardeal, que nunca faz coisa semelhante.
— E como o senhor sabe disso? — perguntou o albergueiro.
— Da melhor fonte — respondeu o Padre — o senhor ainda não perguntou pelo meu nome.
— E qual é o seu nome? — perguntou então o protestante.
— Cullen — disse o Padre, — eu sou o Cardeal Cullen.
O albergueiro põe-se em pé e diz:
— Perdão, Eminência, eu não o sabia; posso mandar preparar-lhe um carro?
— Não, sr., — respondeu o Cardeal; — volto como vim, pois já estou acostumado — e partiu.
Passados alguns dias, fez o albergueiro uma visita a Sua Eminência e manifestou-lhe o desejo de ser instruído na doutrina católica. O Cardeal indicou-lhe um sacerdote, a quem devia dirigir-se. Em pouco tempo, o albergueiro abjurou o protestantismo e fez-se católico.

AVISO - MISSAS

Prezados Leitores, Salve Maria!

Em função da peregrinação dos padres do Instituto do Bom Pastor - IBP para Aparecida, não serão celebradas as missas de hoje (27/07/18) às 19:00 horas e amanhã (28/07/18) às 09:00 horas. No domingo a missa será celebrada normalmente.

Atenciosamente
Blog São Pio V

27 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 534

QUANTO VALE UM PADRE

Nos arredores de um hospital de Roma, repleto de feridos transportados dos campos de batalha, prestavam seus serviços como enfermeiras algumas senhoras da Cruz Vermelha. Entre elas havia uma moça de seus dezoito anos, protestante. Duas solteironas sem consciência a haviam recolhido, quando criança e, com a maior perfídia, lhe haviam roubado a fé do seu Batismo, educando-a no ódio contra a Igreja Católica. Apenas deixara aquele ímpio colégio, fizeram-na enfermeira no meio dos soldados. Ali está ela, correndo de um leito para outro, procurando algum conforto aos pobres feridos. De repente chega aos seus ouvidos uma voz muito fraca:
— Senhorita, faça o favor de chamar-me um Padre.
Era um pobre soldado agonizante. Ela fingiu não entender. Depois de alguns minutos, novamente a mesma voz:
— Senhorita, disse-lhe que me chame um Padre, por favor.
Enfastiada, a moça respondeu:
— Mas de que lhe vai servir um Padre?
Então o soldado, fixando-a com olhos amortecidos, nos quais se notava um quê de altivez e severidade, disse:
— Senhorita, quando a senhora estiver em seu leito de morte, compreenderá o que vale um Padre!
A essa palavra a moça apressou-se a chamar, o sacerdote e, depois, pondo-se a refletir, ajudada pela graça, voltou a fé católica, que era a de seus maiores.
O Sacerdote, na hora suprema, é o único e verdadeiro consolador.

26 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 533

A VOZ DA INOCÊNCIA

Numa igreja paroquial está se organizando a procissão de Sexta-feira Santa. Ao redor da Cruz, que será levada em procissão, agrupa-se uma multidão de fiéis. Junto a um altar lateral encontra-se um sacerdote.
Pouco distante dele, um menininho de três anos, mais ou menos, com uma das mãozinhas agarra-se a roupa do papai e, com a outra segura um buquêzinho de violetas. Graciosos cachos de cabelos louros emolduram seu rosto rechonchudo e sorridente; e os dois olhos, nos quais se nota um raio de inocência e precoce inteligência, estão fixos na Cruz.
Ele trouxe as violetas para Jesus Crucificado e está ansiado por ir depositá-las aos pés dele; mas... a multidão é tão grande. .. é impossível aproximar-se da Cruz.
Eis senão quando, vê o sacerdote junto ali do altar; imediatamente, puxando o papai pelo paletó e mostrando-lhe o sacerdote, diz: “Papai, olhe ali um padre; vou dar-lhe as violetas: não será a mesma coisa?”
E sem esperar resposta, oferece com rápido gesto o ramalhetezinho ao sacerdote.
Caro menino, não imaginas quão grande, quão bela e quão verdadeira é a palavra que acabas de dizer! Sim, o que se faz a um sacerdote é o mesmo que fazê-lo a Jesus.
Quem te ensinou isso?... Os teus bons pais?... O teu Anjo da Guarda?... Oxalá, quando fores grande, possas compreender e amar esta verdade! Oxalá tenhas tamanha fé que vejas sempre e unicamente Jesus no sacerdote!

25 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 532

VEDE SE NÃO É SUBLIME...

É recente este episódio que lemos no periódico “Gioventú Nuova”. Um aluno de escola primária, atacado de repentina infecção, é transportado com urgência a uma clínica. O caso é desesperador. O pai, um homem anti religioso, acompanhou-o à sala de operação com o coração despedaçado.
O cirurgião, antes de proceder à dolorosa operação, convida brandamente o pequeno a estender a mãozinha direita,que está fortemente cerrada e parece ocultar qualquer coisa preciosa. São inúteis as insistências do médico e do pai. O menino não fala, mas não abre a mãozinha. Entretanto, sob a ação do clorofórmio, a mãozinha abre-se por si mesma e aparece um papelzinho dobrado. O pai toma-o agitado, lê... sob violenta comoção.
Aquele anjo escrevera: “Adorado Jesus, ofereço-vos os meus sofrimentos e, se necessário for, a minha vida pela conversão de papai”.
Durante a operação o menino sucumbe. Sua alma, radiante de glória, certamente voa para o coro dos anjos, enquanto o pai, vencido pela graça, inclina-se soluçando sobre o seu pequeno mártir.
Quem teria guiado a mãozinha daquele inocente ao redigir aquela fervorosa oraçãozinha? Certamente Jesus Eucarístico, que o pequeno recebia fervorosamente todas as manhãs.

23 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 531

SOLDADOS, FAZEI CONTINÊNCIA A JESUS

O tenente Foggi D. di Savignano fora mortalmente ferido quando, no mais rijo da batalha, com seu exemplo nobilíssimo, encorajava os soldados à luta.
Reconhecendo-lhe o valor militar, o Rei conferira-lhe de motu próprio a medalha de ouro.
Transportado ao hospital, pediu o bravo tenente que lhe administrassem logo os Sacramentos, que recebeu com singular devoção. E, no momento em que chegava o sacerdote com o santo Viático, voltando-se para os circunstantes, disse em tom marcial e voz vibrante de fé:
— Soldados, fazei continência a Jesus!

22 de julho de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 530

SIM, SIM, EU CREIO!

S. Tomás de Aquino, religioso de uma sabedoria incomparável, está para morrer. Levam-lhe o santo Viático e, antes da Comunhão, perguntam-lhe:
— Frei Tomás, crês na presenta real de Jesus na Eucaristia? Ele ajunta as mãos devotamente, fixa os olhos na Hóstia Santa e exclama:
— Ó Jesus, ó Rei da glória, como não hei de crer que ai estais presente, vós, a quem amei e por quem trabalhei a vida inteira? Eu creio, sim, eu creio!
Recebe a última santa Comunhão e morre tranquilo, na doce esperança de ver em breve, face a face, aquele Deus, que adorara e amara oculto sob os véus eucarísticos.

12 de julho de 2018

[Sermão] Deus non irridetur. De Deus não se zomba.

[Sermão] Deus non irridetur. De Deus não se zomba.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Nolite errare: Deus non irridetur. Não vos enganeis: de Deus não se zomba.
Caros católicos, essa frase de São Paulo na Epístola da Missa de hoje deveria ser considerada com todo o cuidado pela nossa sociedade contemporânea e pelos homens, que pensam poder ocupar o lugar de Deus, para ditar o que é certo e o que é errado, sem se preocupar minimamente com Deus. Nossa sociedade zomba de Deus, de sua Revelação, de suas leis. Isso não será sem consequências porque de Deus não se zomba. E muitas dessas consequências dramáticas nós já vivemos. Como nos diz São Paulo hoje: “quem semeia na sua carne, colherá, da carne, a corrupção.”
Nossa sociedade já não reconhece verdadeiramente a existência de Deus. Ela não reconhece a Revelação divina, não adere a Deus tal como Ele se revelou. Ela não reconhece que Deus é um só em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Nossa sociedade não reconhece que a segunda pessoa da Santíssima Trindade, o Filho, se encarnou para nos salvar e que Ele morreu na cruz para nos perdoar os pecados. Ela não reconhece a Igreja fundada por NSJC, a Igreja Católica. Ela nos faz esquecer os novíssimos: a morte, o juízo, o inferno, o céu. Ao contrário, nossa sociedade favorece o indiferentismo religioso, como se todas as religiões fossem boas, colocando em pé de igualdade a religião que nos foi dada por Deus e aquelas que são obra das mãos dos homens ou do demônio. Nossa sociedade favorece o ateísmo prático, fazendo que os homens vivam submersos no mais profundo naturalismo, sem que se preocupem com as verdades eternas, com a obra de redenção operada por Nosso Senhor, com a prática da virtude, dos mandamentos, sem que se preocupem com o pecado e assim por diante. Nossa sociedade nos leva a pensar e agir como se nossa vida se resumisse unicamente a essa terra, em particular fazendo-nos acreditar que a nossa finalidade nesse mundo é aproveitar a vida, nos divertir. Nossa sociedade realmente se coloca no lugar de Deus, querendo estabelecer o que é a verdade, e invertendo, no mais das vezes, o que é o bem e o que é o mal. Nossa sociedade destruiu a família, pela introdução do divórcio. Ela ataca os mais fundamentais e evidentes princípios da lei natural e do bom senso ao favorecer o homossexualismo. Ela favorece o assassinato dos mais inocentes pelo aborto. Verdadeiramente, nossa sociedade parece zombar de Deus.
Mas também nós, caros católicos, quantas vezes parecemos zombar de Deus, pelos nossos pecados, pela nossa falta de seriedade na busca da santidade, pela nossa falta de verdadeira conversão, pelos pecados repetidos e não combatidos seriamente. Vamos levando a vida como se pudéssemos enganar a Deus e nos converter no último instante. Vamos levando a vida muitas vezes esquecidos das verdades sobrenaturais, sem nos interessar por elas. Vamos dividindo o nosso coração, a nossa alma, entre Deus e as coisas mundanas, esquecendo-nos de que Ele nos pediu para amá-lO com todo o nosso coração, com toda a nossa alma e com toda a nossa força. Vamos também nós, os indivíduos, muitas vezes zombando de Deus.
Todavia, de Deus não se zomba. Quando se abusa e se zomba da misericórdia de Deus, será preciso sofrer pela sua justiça. E um dos piores castigos que Deus pode nos dar é nos abandonar aos nossos próprios caprichos e erros. É, basicamente, a situação de nossa sociedade. Já estamos praticamente cegos, sem conseguir enxergar os erros e males tão profundos que são os nossos. E o abismo vai chamando outro abismo. Vejamos o que diz São Paulo aos Romanos, no capítulo 1º, e observemos como é semelhante à situação atual. Diz o Apóstolo:
“Dizendo ser sábios, tornaram-se estultos e mudaram a glória de Deus incorruptível na figura de um simulacro de homem corruptível, de aves, de quadrúpedes e de répteis. Pelo que Deus os abandonou aos desejos do seu coração, à imundície, de modo que desonraram os seus próprios corpos, eles que trocaram a verdade de Deus pela mentira e que adoraram e serviram a criatura de preferência ao Criador, que é bendito por todos os séculos. Amém. Por isso Deus entregou-os a paixões de ignomínia. Efetivamente, as suas próprias mulheres mudaram o uso natural em uso contra a natureza, e, do mesmo modo, também os homens, deixando o uso natural da mulher, arderam nos seus desejos mutuamente, cometendo homens com homens a torpeza e recebendo em si mesmos a paga que era devida ao seu desregramento. E, como não procuraram conhecer a Deus, Deus abandonou-os a um sentimento depravado, que os levou a fazer o que não convém, cheios de toda a iniquidade, de malícia, de avareza, de maldade, cheios de inveja, de homicídios, de contendas, de engano, de malignidade, mexeriqueiros, detratores, odiados por Deus, injuriadores, soberbos, altivos, inventores de maldades, desobedientes aos pais, insensatos, sem lealdade, sem afeto, sem lei, sem misericórdia. Os quais, conhecedores da justiça de Deus, sabendo que os que fazem tais coisas são dignos de morte, não somente as fazem mas também aprovam aqueles que as fazem.”
A semelhança entre o que descreve São Paulo e a sociedade atual é impressionante, mas plenamente compreensível: quando se tem a mesma causa – negação de Deus – se tem o mesmo efeito – corrupção moral profunda do homem. Tendo recusado Deus, tudo se torna possível. Como é grande a decadência da sociedade que recusa Deus.
O que devemos, então, fazer, caros católicos? Desesperar-nos? Desanimar? Abandonar tudo? Não, absolutamente. Devemos nos arrepender de nossos pecados e procurar seriamente levar uma vida santa, fazendo o bem, que é cumprir a vontade de Deus em todas as coisas. É tambem São Paulo que nos diz tão bem o que devemos fazer, na Epístola de hoje: “quem semeia no espírito, colherá, do espírito, a vida eterna. Não nos cansemos, pois, de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não desfalecermos. Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, muito especialmente aos nossos irmãos na fé.” Se fizermos como nos diz São Paulo, podemos ter verdadeiramente esperança. E é essa esperança sobrenatural que deve nos mover, caros católicos.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

11 de julho de 2018

O sacerdócio e o sacrifício

 O sacerdócio e o sacrifício

Caros católicos, aproveitemos a ocasião dessa primeira Missa do Padre, para tratarmos um pouco do sacerdócio católico. Como festejamos hoje Santa Rosa de Lima, padroeira da América Latina, peçamos a ela que nos ajude nesse nosso propósito.
Pelo sacramento da ordem, o batizado católico homem torna-se sacerdote do Altíssimo. O sacramento da ordem recebe esse nome em virtude da ordem que ele estabelece na Igreja, distinguindo o clero dos leigos, sendo que ao clero, isto é, à hierarquia da Igreja, Nosso Senhor confia a missão de governar, ensinar e santificar os fiéis. O sacramento da ordem recebe esse nome também porque o Padre deve estar completamente ordenado, voltado para Deus.
Pela imposição das mãos do Bispo e pelas palavras do sacramento da ordem, é impressa na alma daquele batizado uma marca espiritual indelével, quer dizer, que não pode se apagar. Essa marca é o caráter sacerdotal, que permite ao sacerdote administrar as coisas santas. Pelo batismo, nossa alma recebe uma marca espiritual indelével que faz de nós filhos adotivos de Deus e aptos a receber as coisas sagradas, em primeiro lugar, os sacramentos: é o caráter batismal. Pela Crisma, nossa alma recebe uma marca espiritual indelével que faz de nós soldados de Cristo, aptos a defender as coisas sagradas: é o caráter do sacramento da crisma. Pela ordem, a alma de um homem é marcada como sacerdote do Altíssimo: ele pode, agora, como instrumento de Cristo Sacerdote, transformar o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo, ele pode renovar o sacrifício de Cristo sobre os altares, ele pode perdoar os pecados. A alma do sacerdote está marcada para sempre com esse caráter sacerdotal. Existe, portanto, uma diferença na alma de um padre e na de um simples fiel, como existe uma diferença entre a alma de um batizado e a de um não batizado. O Padre continua sendo perfeitamente homem, mas é também sacerdote do Altíssimo.
Nosso Senhor instituiu o sacerdócio católico, o sacerdócio da nova e eterna aliança, na Última Ceia. Nela, Jesus Cristo celebrou a primeira Missa, antecipando o seu sacrifício na Cruz, que aconteceria no dia seguinte. Nela, após ter transformado o pão no seu Corpo e o vinho no seu Sangue, Nosso Senhor deu uma ordem clara aos apóstolos: fazei isso em memória de mim. Fazei isso, quer dizer, transformai o pão em meu Corpo e o vinho em meu Sangue, em memória do que fiz, em memória de meu sacrifício na Cruz.
Pela própria instituição do sacerdócio, vemos a união necessária que existe entre o sacerdócio e o sacrifício e entre o sacerdócio e a eucaristia. O Padre, caros católicos, é, antes de tudo, o homem do sacrifício, o homem da Missa, pela qual se renova o sacrifício de Cristo sobre os altares. O sacerdote é o homem da Missa, o sacrifício perfeito e único agradável a Deus.
Como dissemos, o Padre deve estar inteiramente voltado para Deus. O sacerdote faz isso, primeiramente, oferecendo a Deus o sacrifício. O sacrifício é o ato mais perfeito de culto a Deus, pelo qual se reconhece o seu soberano domínio sobre todas as coisas, pelo qual pedimos o arrependimento dos nossos pecados, pelo qual agradecemos a Deus pelos seus inúmeros benefícios, pelo qual pedimos a Deus as graças de que precisamos para a nossa salvação.
Centrado na Missa, centrado no sacrifício de Cristo na Cruz, o sacerdote exercerá bem todo o seu ministério sacerdotal. Ele saberá sacrificar seus próprios pensamentos para transmitir com fidelidade perfeita os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele saberá sacrificar seus gostos e sua comodidade para entregar-se à salvação das almas, para perdoar os pecados, para visitar os enfermos e suas ovelhas. Centrado na Missa, o sacerdote saberá se oferecer como vítima, em união com Cristo, para que Deus seja mais conhecido, amado e servido, para que as almas alcancem o céu. O sacerdote deve consumir a sua vida, em um martírio não sangrento, por Deus e pelas almas. São esses dois os seus únicos interesses. Não há outros, verdadeiramente.
Hoje, se constata uma grande e grave crise no sacerdócio. É uma crise de identidade. Muitos padres já não sabem o que é realmente um sacerdote ou não sabem como exercer o sacerdócio. Em grande parte, essa crise da identidade sacerdotal se deve ao fato de que se perdeu, mesmo entre o clero, a noção de sacrifício. Quando a Missa, que é o único e perfeito sacrifício do Novo Testamento, é considerada como uma simples refeição, uma festa, um simples memorial, a consequência para o sacerdócio é imensa. O padre não será mais o homem do sacrifício e que se sacrifica pelo bem das almas, mas será simplesmente o homem das reuniões, das pastorais sem fim, será um animador de comunidades, um funcionário… Para que o padre saiba quem ele é e como deve agir, a liturgia deve ser profundamente sacrificial. Assim, o padre poderá entender que sua finalidade é oferecer o sacrifício de Cristo a Deus e sacrificar-se pelas almas. Portanto, caro Padre, a Missa deve ser o centro de sua vida sacerdotal. A Missa na liturgia romana tradicional, que tão perfeitamente expressa seu caráter sacrificial e que você escolheu celebrar exclusivamente ao ingressar no Instituto Bom Pastor. Sem a Missa, o Padre nada pode fazer, praticamente. Com ela, pode fazer grandes coisas.
Quando o exercício do sacerdócio católico voltar a fundamentar-se realmente no sacrifício, ele poderá ser realmente renovado e, com a renovação do sacerdócio, todas as coisas poderão ser restauradas em Cristo. Tudo, na vida sacerdotal, deve ser uma preparação para a Missa ou frutos advindos da Santa Missa.
E quão grande é a dignidade do padre. Foi escolhido por Deus para renovar o sacrifício da Cruz, para perdoar os pecados, para transmitir os seus ensinamentos, para abençoar e santificar. Colocado como mediador entre Deus e os homens. Apresentando a Deus as súplicas dos homens e transmitindo aos homens as graças de Deus, principalmente pelos sacramentos. Verdadeiramente, é grande a dignidade do sacerdócio, que perpetua a obra da redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo. O sacerdote deve reconhecer a sua dignidade não para orgulhar-se, mas para exercer fielmente o seu ministério, para saber que grande também é a sua responsabilidade, devendo responder diante de Deus pelas almas que lhe foram confiadas. Deve reconhecer a sua dignidade para recorrer ao auxílio divino, a fim de corresponder a tão grande graça, sem presumir de suas próprias forças. Deve, para tanto, ter uma devoção realmente profunda a Nossa Senhora.
Grande é a dignidade daquele que pode oferecer o sacrifício de valor infinito a Deus e que pode perdoar os pecados. Grande é a sua responsabilidade. Peça a Nossa Senhora, caro Padre, e também nós, os outros padres, peçamos a ela a graça de permanecer fiel à vocação que recebemos de Deus. Recomendamo-nos, caros fiéis, às orações de vocês.

10 de julho de 2018

Catecismo de Adultos – Aula 11 – A Ascensão, os juízos particular e final, e o Espírito Santo

Catecismo de Adultos – Aula 11 – A Ascensão, os juízos particular e final, e o Espírito Santo

Catecismo de Adultos – Aula 11 – A Ascensão, os juízos particular e final, e o Espírito Santo

9 de julho de 2018

Sermão para o 3º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pereira Pinheiro, IBP

[Sermão] Educar filhos convictos



Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…

O Evangelho de hoje nos fala da ovelha perdida e da dracma perdida. E Nosso Senhor mostra na parábola como Ele age em busca da salvação das almas. Gostaria, caros católicos, hoje de fazer algumas considerações para que evitemos, de nossa parte, que alguém se perca. Falo sobretudo aos pais com relação aos filhos. É importante considerarmos isso porque ocorre em muitos lugares do mundo vermos jovens que têm pouca convicção católica e pouca coerência na prática da religião católica, apesar de terem pais católicos sérios.
Antes de tudo, devemos compreender que a educação é obra, em primeiro lugar, dos pais. A educação ocorre principalmente na família. Sem a família, será quase impossível educar catolicamente alguém. Não bastariam uma excelente escola católica e uma excelente paróquia católica. Tudo isso, sem a família, adiantaria muito pouco na maioria esmagadora dos casos. Com a família, porém, é possível educar catolicamente, ainda que outros fatores não sejam tão favoráveis ou ainda que sejam mesmo contrários, como a falta de uma escola católica ou a falta de uma paróquia católica mais séria. Claro que o ideal deve ser buscado, e esse ideal é que haja a cooperação desses três fatores: família, Igreja e escola.
O que acontece é que vemos muitas vezes que há um problema de transmissão da fé para os filhos. Os filhos não apresentam convicção católica profunda. Isso apesar dos pais viverem uma vida católica correta e séria. Isso apesar dos pais levarem os filhos à catequese e a outras atividades. Os filhos vão assim seguindo, em linha geral as atitudes dos pais, mas não sabem explicar com profundidade o porquê das coisas. Sem essa convicção, não vão perseverar durante muito tempo. Aqui, caros católicos, em nossa Capela, no apostolado em Brasília estamos ainda no começo de nosso apostolado, que não chegou aos seus seis anos. Portanto, ainda podemos evitar esse mal quase universal, ou podemos lutar para evitar essa mal quase universal que é o problema da transmissão da fé e dessa convicção profunda na fé dos pais para os filhos.
As causas dessa falta de convicção dos filhos podem ser variadas. A primeira e mais óbvia pode ser uma falta de convicção mais profunda dos próprios pais. Às vezes, os próprios pais vão seguindo superficialmente, sem saber exatamente o que estão fazendo ou o porquê de estarem fazendo. Mas vão fazendo porque os conhecidos estão fazendo ou porque se sentem bem ou diferentes, ou porque se apegaram a alguma coisa de menor importância.
Essa falta de convicção dos filhos pode existir também em pais que têm uma convicção profunda, que se interessam mais seriamente pela doutrina da Igreja, que procuram praticá-la generosamente e que procuram entender as razões para isso. Como explicar então, a falta de convicção nos filhos em uma situação assim, em que os pais têm uma convicção mais profunda? Muitas vezes os pais não se dão conta que a convicção que eles têm não é ainda a convicção dos filhos. Não se dão conta que as lutas que enfrentaram são as suas lutas e não as dos filhos. Os pais têm convicção porque foram estudar, se interessaram, combateram para melhor servir a Deus, se opondo aos inimigos da alma. Então, os pais não se dão conta que essa convicção deles não é (ainda) a dos filhos.  Em alguns outros casos, os pais simplesmente se acomodam, dizendo: o ambiente familiar é bom, a Igreja que frequentamos é boa. E assim eles veem os filhos fazendo mais ou menos o que devem fazer e se contentam com isso. E esse comodismo tende a se agravar ainda mais quando há uma boa escola. Os pais tendem, então, a relaxar muito. Às vezes, vemos que as crianças fazem a primeira comunhão e a Crisma e depois praticamente não estudam mais nada da doutrina católica em casa e vão esquecendo aquele pouco que aprenderam. E pouco adiantaria acrescentarmos mais e mais anos de catequese, se os filhos não recebem esse estímulo em casa. Se não lêem o catecismo, se não lêem a vida dos santos e se não se interessam pelo que ensina a Igreja. Como se o catecismo preparatório para os sacramentos bastasse. De fato, não basta.  E assim os pais pensam que o filho já tem ou está formando uma convicção profunda. A tendência normal dos pais é sempre achar que seus filhos são diferentes e que com o próprio filho certas coisas não acontecem ou não acontecerão. Os filhos de cada um são exatamente iguais aos filhos de todo mundo. Não deve haver ilusão. Claro, tampouco deve haver pessimismo. Os pais muitas vezes acham que o filho está caminhando muito bem quando, na verdade, o filho segue, em linhas gerais, o que os pais estão fazendo porque não tem muita opção. Às vezes, os filhos não perguntam, não tiram dúvidas porque têm medo da reação dos pais. Às vezes, fazem coisas escondidas dos pais, sobretudo usando meios eletrônicos, e os pais nem imaginam. Às vezes, os filhos ainda não foram confrontados muito com o mundo e, portanto, ainda não tiveram como ceder ao mundo. E os pais acham que tudo está perfeito e, assim, não se dão ao trabalho de explicar as razões profundas das coisas aos filhos. E depois se espantam quando os filhos se entregam ao mundo quando são confrontados com ele, sobretudo quando saem de um ambiente mais controlado, indo, por exemplo, para a faculdade.
Caros católicos, se os pais não viverem profundamente a fé, se não explicarem as razões das coisas aos filhos, eles não serão bem educados e abandonarão logo a religião. A educação é dar os bons princípios, formar uma alma católica profundamente convicta para que a pessoa possa viver bem a sua liberdade, para que ela possa escolher viver bem como católica. Infelizmente, percebemos muitas vezes que isso não está acontecendo como deveria. Quando se pergunta a jovens de doze, treze anos, ou pouco mais ou pouco menos o que ele está fazendo aqui e a resposta não é muito clara ou é simplesmente um grande silêncio, nós temos um problema. E isso, de fato, tem acontecido. É preciso tomar tempo e explicar as coisas, ainda que os filhos não questionem. Mas os filhos são seres dotados de inteligência que precisam entender as razões das coisas. É preciso, então, explicá-las. Nós vamos à Missa Tridentina por causa disso e daquilo. Nosso pensamento com relação a tal coisa é esse por causa disso. Tais coisas são boas por esse motivo e outras aqui são ruins na vida por tal motivo. Nós nos vestimos assim por uma dada razão. Nós não nos divertimos com essas coisas aqui por causa disso e disso. Em tal situação, se ela ocorrer, você tem que se comportar de tal modo em função de tal princípio. Isso aqui devemos fazer por tal razão. Sem ir explicando cada vez mais as coisas conforme os filhos vão crescendo, eles nunca poderão se convencer verdadeiramente da verdade e vão abandoná-la.
Essas explicações, evidentemente, não precisam ser feitas em formato de aula. Deve-se aproveitar as situações da vida, deve-se também aproveitar as reuniões de família para isso. Inclusive, já falei isso em algumas outras ocasiões e gostaria de reiterar aqui mais claramente essa necessidade de que a família se reúna e que converse sobre assuntos sérios conjuntamente. É preciso que a família converse unida – pai, mãe e filhos – e que conversem sobre coisas relevantes. Separando mesmo, para isso, ao menos um momento na semana. Para falar de coisas importantes, para que sejam explicadas essas coisas para os filhos. Para que os pais falem de como foi a semana, para que possam mostrar aos filhos como lidar com as diversas situações. Para dar a eles um bom exemplo. Para ver também como foi a semana dos filhos, se querem falar sobre algo, se querem tirar alguma dúvida. Para ensiná-los a dominar as paixões e para ensiná-los a agir sempre com a razão iluminada pela fé. Para contar a eles, de modo adequado, a história da própria vida, como se formou a própria convicção católica, para que os filhos entendam os bons combates dos pais até que chegassem à vida católica.
Conheci uma família que mantinha uma reunião assim, de meia-hora, quarenta e cinco minutos no domingo. E nem era propriamente um contexto católico. Mas essa conversa ajudava a dar maturidade aos filhos, ajudava a mostrar o que era importante, ajudava a criar convicção, ajudava a mostrar o que os pais estavam fazendo pelos filhos, e tantas outras coisas. Essa reunião, essa conversa – pai, mãe e filhos – é uma coisa que se deve fazer, caros católicos. E que é plenamente possível. Não é uma coisa utópica. Se isso for impossível, será impossível viver catolicamente em família. Separem um tempo para isso. “Padre, eu faço isso, mas picado ao longo do dia e da semana.” Claro que se deve conversar em outros momentos e aproveitar ocasiões que surgem. E claro que será preciso conversar individualmente com cada filho também para tratar de suas situações mais particulares. Mas é muito bom separar esse período de conversa com a família inteira. Isso une a família e permite a transmissão da fé católica, para formar uma convicção profunda, para formar futuros homens e mulheres de caráter. Caros pais e mães, não se acomodem para criar a convicção católica nos filhos de vocês.
Essa é a parte dos pais. Claro que, em última instância, a decisão será do próprio filho, quando ele chegar em idade adulta. Cada um tem o seu livre arbítrio. Mas aos pais cabe dar os meios para que os filhos possam escolher bem, para que possam escolher Deus. E ainda que num primeiro momento o filho não escolha o que é bom, pode ser que toda a educação dada com todo o sacrifício dê frutos no momento oportuno. Mais adiante na vida, o filho pode parar e pensar: “de fato, meus pais tinham razão.”
Às vezes, o que falta também é os pais transmitirem aos filhos a grandeza de ser católico, a grandeza de combater o pecado, a grandeza e a heroicidade de lutar contra o mundo, entendido como aquilo que nos leva ao pecado. Falta transmitir aos filhos a grandeza que é servir a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora. A grandeza de sermos filhos fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana. Falta transmitir a grandeza do que é a missão do católico: restaurar todas as coisas em Cristo, na sua escala, claro. E isso é grandioso. Muitas vezes, os pais não transmitem isso porque eles mesmos não se dão conta da grandeza do papel que desempenham. Imersos nas atividades do dia-a-dia, já não conseguem se dar conta da grandeza que tem a vida de um católico. Da grandeza que tem em formar uma família católica, fazendo todos os esforços para isso, sem fugir da Cruz. Caros pais e mães tenham sempre presente a grandeza de uma alma católica, a grandeza de uma família católica e mostrem isso para os filhos.
Quanto aos jovens que não chegaram aqui por conta própria, por convicção própria, mas que vêm trazidos pela família, evidentemente, isso é algo bom. Mas vocês precisam ser dóceis aos ensinamentos da Igreja e dos pais. Vocês precisam ter grande amor à verdade. Vocês precisam se interessar pela doutrina da Igreja Católica. Jovens, não se acomodem ou serão devorados pelo mundo, pelo pecado. É evidente que a juventude – a adolescência – é uma fase de combates internos: o querer ser independente, o querer se afirmar diante de colegas que vivem no mundo e para o mundo, o querer ser como todos os outros, as emoções que tendem a se tornar mais intensas, o próprio amadurecimento do corpo. Tudo isso vai gerar combates. O jovem precisa saber que a boa independência virá na medida em que ele deixar formar-se bem. Que a afirmação diante do mundo – ele deve compreender – não é se conformar ao mundo, mas lutar contra ele. Deve compreender que o amadurecimento do corpo tem por objetivo a geração dos filhos dentro do matrimônio. Deve compreender que as emoções devem ser ordenadas ao bem. Agindo assim, esse jovem amadurecerá e terá mais rapidamente uma boa independência, para servir melhor a Deus, para formar a sua própria família ou então para se consagrar ao serviço divino.
Aos jovens que chegaram aqui sozinhos e por convicção própria, alimentem essa convicção. Façam isso pela vida de oração, pela frequência aos sacramentos, pelo estudo ordenado da doutrina católica, pelas boas leituras. Não fiquem na superficialidade. Alimentem a alma e amadureçam também cada vez mais.
O objetivo principal desse sermão é evitar, na medida em que nos cabe, que a segunda geração – os filhos – vá se perdendo pouco a pouco no mundo. Que não se torne uma ovelha perdida. Isso acontecerá, se não for formada nos filhos essa convicção católica profunda. O objetivo principal é fazer que os filhos daqueles que chegaram aqui por conta própria tenham consciência do que estão fazendo e se entreguem, por convicção própria, profundamente a Deus. Ao, menos devemos dar a essas crianças e aos jovens, os meios para escolher bem. Procurar criar essa convicção é o dever principal de todos os pais.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

8 de julho de 2018

Sermão para a Festa do Sagrado Coração de Jesus – Padre Daniel Pereira Pinheiro, IBP

[Sermão] O sofrimento de quem quer servir a Cristo

Nesse sermão, o padre discorre sobre o sofrimento para aqueles que buscam servir a Nosso Senhor jesus Cristo. E como, assim, Ele vai purificando a alma e unindo-a a Si. Claro que há consolações, ainda que não abundantes durante essa purificação. Deus sabe que purificação convém para cada um de nós e a sua duração.




Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, nós não queremos sofrer. A grande pedra de tropeço na vida cristã é o sofrimento. O sofrimento é ainda um escândalo para quase todos nós. Muitos podem perguntar: padre, por que temos tão poucos santos, principalmente nos dias atuais? Porque diante do sofrimento, recuamos. Diante do sofrimento, retrocedemos. Diante do sofrimento, podemos mesmo chegar a abandonar a Deus. Se não entendermos o que é o sofrimento e como Deus age em nossa alma por meio do sofrimento, ainda não entendemos praticamente nada do que é ser um cristão. Para um cristão, não há outro caminho a não ser o caminho de Cristo: quem quiser vir após mim, tome a sua cruz, negue-se a si mesmo e siga-me. Nós, sendo pecadores, queremos nos assemelhar a Cristo sem passar pelo sofrimento. Queremos chegar à glória celeste, à vida bem-aventurada no céu sem passar pelo sofrimento ou querendo escolher o sofrimento que queremos aceitar. No fundo, queremos ser santos à nossa maneira, com os sofrimentos que desejamos ou que acreditamos razoáveis. Queremos ser santos como queremos ser santos. Isso não é possível. É Deus quem nos mostra como Ele quer que sejamos santos. É Deus que, por meio de tantos meios, e pelo sofrimento em particular vai nos fazer santos. Devemos renunciar a nós mesmos, à nossa vontade própria para sermos santos, claro, sempre na Igreja Católica, sempre com a fé católica, cumprindo os mandamentos e os nossos deveres de estado.
Alguns querem ser santos como idealizaram: sofrendo as tribulações que são honrosas, que trazem reconhecimento. Carregando as cruzes que idealizaram. Isso não é amar a cruz, mas a honra, o reconhecimento, é amar a si mesmo. Outros estariam dispostos a suportar o mal, desde que não fossem incomodados em seus desígnios ou desde que não sofressem tal coisa em particular. Diante do mal, nos diz São Francisco de Sales, devemos opor os remédios que forem possíveis e conformes à vontade de Deus. Feito isto, devemos esperar com inteira resignação o que Deus achar melhor. Se Lhe agrada que os remédios afastem o mal, devemos agradecer-Lhe com humildade. Mas se Lhe agrada que a provação perdure, devemos agradecê-lO e louvá-lO com paciência.  Nossa cruz nunca é maior que as nossas forças sustentadas pela graça divina. ”Meu Deus, essa cruz eu não aguento”. Isso não existe e no fundo é uma blasfêmia contra a justiça de Deus e a Sua sabedoria e bondade. Se Deus nos dá uma cruz, nos dá também as graças para carregá-la.
O caminho para atingir a santidade vai sendo, então, traçado por Deus ao longo de nossa vida. Jamais seremos santos como queremos, ou segundo o modo que nos agrada de sermos santos. Para sermos santos, é preciso que renunciemos a nós mesmos, tomemos a nossa cruz e sigamos a Cristo.
O sofrimento tem, basicamente, caros católicos, dois sentidos: o primeiro e mais básico é a reparação pelos nossos pecados. Diante de um só pecado nosso, ainda que venial, mereceríamos uma pena que nem podemos imaginar. Muitas vezes ouvimos: “Meu Deus, o que eu fiz para merecer isso?” Alguém que compreende a maldade de um só pecado venial, nunca ousará fazer tal questionamento a Deus. Pelo pecado, ofendemos a Deus apegando-nos à nossa própria vontade e o ofendendo. Pelo sofrimento, ocorre algo contrário à nossa vontade para que possamos suportar bem, adquirir virtudes e dar, assim, maior glória a Deus, glória externa de Deus que retiramos pelos nossos pecados. O primeiro e mais básico sentido do sofrimento é, assim, o de ser uma reparação a Deus pelos nossos pecados. Se os sofrimentos fossem apenas isso, já seriam uma coisa excelente, justíssima, sábia, pois os sofrimentos restabelecem a ordem lesada pelos nossos pecados.
O sofrimento, porém, tem ainda um outro sentido: nos santificar. Sem sofrimento, não podemos ser santos. Sem sofrimento não podemos ser santos? O que dizemos? Sem muito sofrimento não podemos ser santos!  E isso é claro, caros católicos. Para sermos santos precisamos ser purificados de nossos pecados, de nossos defeitos, de nossas más inclinações, de nossas imperfeições. Devemos ser purificados de nossos apegos. Essa purificação tem por objetivo justamente fazer que nos apoiemos inteiramente em Deus. A purificação de todas essas inclinações desordenadas nos fará necessariamente sofrer. E ela nos levará, então, como dissemos, a nos fazer com que apoiemos inteiramente em Deus. Que amemos a Deus por Ele mesmo. Deus vai, então, purificar a nossa alma, dando aridezes, permitindo dificuldades que antes não tínhamos nas orações, na prática dos mandamentos. Parece quase que Deus no abandonou. Ele pode ir permitindo todo tipo de provação e, muitas vezes ao mesmo tempo, as mais variadas provações, os mais variados e tremendos sofrimentos: perseguições, zombarias, problemas no seio da família, enfermidades, problemas econômicos, incompreensões mesmo da parte dos bons, problemas nas amizades. Também tentações muito baixas e persistentes. Deus sabe o que convém para cada um de nós, a fim de nos purificar. E devemos aceitar isso. A pessoa, então, muitas vezes vê o seu mundo praticamente desmoronar diante dela. Parece realmente que estamos perdendo tudo. Mas podemos justamente, sofrendo em união com o Sagrado Coração de Jesus, ganhar tudo, amar a Deus perfeitamente. E é isso que Deus quer com esses sofrimentos, com qualquer sofrimento: que o amemos perfeitamente.
Diante de todo esse sofrimento, algumas almas não compreendem e dizem: “Antes, eu me sentia melhor e tinha um grande entusiasmo para servir a Deus. Eu tenho rezado, tenho procurado servir a Deus e meu sofrimento só está aumentando. Não está dando certo. Vou voltar ao meu sentimentalismo de antes, ao meu grupo de antes. Eu me sentia melhor.” Essa alma, coitada, desconhece a ação de Deus que vai purificando a alma. E ela vai procurar consolações cada vez mais indignas.
Diante desse sofrimento tremendo, outras almas abandonam tudo: “Meu Deus, eu tenho procurado Vos servir e só recebo sofrimentos em troca. Não tenho mais confiança em Vós. Pedi a graça de ser santo e recebi apenas sofrimentos. Deus é injusto.” Ainda que essa alma não pronuncie essa última palavra – Deus é injusto – é esse o fundo do seu pensamento. Essa alma torna-se, então, uma alma rancorosa para com Deus. Se não mudar rapidamente de atitude, a tendência é abandonar a religião. Também essa alma não entende a ação bondosa de Deus nela e como Ele quer que ela seja santa.
Diante desse sofrimento tremendo, algumas poucas almas saberão se portar como verdadeiras almas católicas. Elas compreendem o que Deus está procurando fazer… Compreendem, ainda que de modo obscuro, que o amor de Deus quer conduzi-las à santidade. Elas sabem que para isso é preciso que elas sejam purificadas e que essa purificação vem pelo sofrimento. Essas almas compreendem o amor de Deus nessas cruzes. Elas continuarão fazendo, diante desses mais terríveis tormentos e provações, diante desse aparente abandono completo de Deus, elas continuarão fazendo tudo o que têm feito. Elas continuarão rezando do mesmo jeito ou melhor. Elas continuarão servindo a Deus do mesmo jeito ou melhor, apesar de sentir um desgosto nisso. Elas continuarão a cumprir seus deveres de estado do mesmo jeito ou ainda melhor. Elas cumprirão a rotina do mesmo jeito ou melhor, sem procurar mudanças bruscas que poderiam supostamente confortá-la. Essa alma compreende, ainda que de modo obscuro, que as tentações, por piores que sejam e por mais persistentes que sejam, são apenas tentações e não um pecado. Ela combate essas tentações firmemente, mas serenamente, sem se perturbar, sem se agitar. Sabe que pode adquirir virtudes nesse combate. Tomemos o exemplo de Santa Joana de Chantal. Tendo se tornado viúva e depois conhecido São Francisco de Sales, fundou a Ordem da Visitação. Levava uma vida santa e tinha tormentos tremendos, tentações baixas, tentações de largar a vida religiosa e de voltar ao mundo. O que fez Santa Joana de Chantal? Continuou como estava, nas mesmas ações dentro do Convento. Então, essa alma sabe que nessas tentações mais tremendas pode adquirir virtudes. Essa alma católica não fica jogando a culpa de todos os problemas nos outros: meu marido isso, minha esposa aquilo, meus filhos não sei o quê, minhas amizades aquilo outro, meus superiores isso, o padre não seio o quê. Em vez de ficar murmurando, essa alma aproveita tudo isso para se santificar, para deixar que Deus a purifique. Compreendendo tudo isso, ela compreende o valor do sofrimento e como o sofrimento a assemelha mais a Jesus Cristo. Essa alma compreende que em meio a tudo isso Deus está mais presente do que nunca. Ela vai passando da mera resignação diante do sofrimento à alegria no sofrimento, por compreender o valor dele. Pouco a pouco. Nos meios desses sofrimentos tremendos, inúmeras vezes essa alma não compreenderá tão bem, ou quase nada do que Deus está fazendo ou daquilo que Deus quer exatamente dela. Mas ela continua servindo a Deus generosamente. Ela não olha voluntariamente para o mundo. Podem vir tentações de voltar a uma vida mundana, mas ela permanece firme, mesmo sem entender o que Deus quer exatamente. Essa alma confia em Deus. Ela sabe que o que não é de Deus leva à vaidade. Essa alma sabe que tudo é vaidade. Essa alma, então, não tropeça nos sofrimentos, se ela confia em Deus se ela pede a graça divina. Essa alma, não abandona o caminho da santidade. Essa alma não tem medo de sofrer por Deus, pois não se apoia em si mesma, mas em Deus e em Maria Santíssima.
Infelizmente, algumas almas até compreendem um pouco essa ação de Deus, mas preferem não sofrer e desistem da santidade e colocam a própria salvação em considerável perigo.
“Padre, que sofrimento tremendo esse que o senhor descreveu: sensação de abandono de Deus, aridez nas orações, perseguições, problemas na família, incompreensões mesmo dos bons, problemas nas amizades, problemas econômicos e de todo tipo. Que sofrimento tremendo. Ainda bem que é coisa rápida”. Depende muito. São Francisco de Assis, por exemplo, foi sendo assim purificado durante dez anos. Santa Teresa d’Ávila durante dezoito anos. Santa Clara de Montefalco durante quinze anos. Santa Maria Madalena de Pazzi durante cinco anos e depois mais dezesseis anos. Santa Catarina de Bolonha durante cinco anos. Quando lemos a vida dos santos, às vezes, tudo parece muito simples. Não nos damos conta dos sofrimentos tremendos pelos quais passaram. “São Francisco de Assis botou fora os tecidos de seu pai e depois viveu tranquilo para o resto da vida.” Não é bem assim. Dez anos para ele nessas tremendas purificações, unindo-se cada vez mais a Deus, compreendendo cada vez mais o valor do sofrimento e passando a se alegrar cada vez mais com eles. Parece muito bonito o sofrimento da vida dos santos. Mas quando Deus quer nos fazer santos com sofrimentos e purificações semelhantes, recusamos, não compreendemos. Porque somos orgulhosos, achando que não merecemos sofrer.  Desprezamos, assim, uma grande graça. Quem pede para ser santo – e deve ser o pedido principal e mesmo obrigatório de cada um de nós – pede para sofrer. Necessariamente.
A graça que devemos pedir ao amorosíssimo Coração de Jesus é essa graça de sofrer bem, de compreender a ação de Deus em nossa alma.
É preciso sofrer e todos têm de sofrer. E isso é excelente. Excelente. É uma glória sofrer por Deus. Vou repetir: é uma glória sofrer por Deus. Se não quisermos sofrer por Deus, vamos sofrer do mesmo jeito, sobretudo no inferno, para dar glória a Deus manifestando Sua justiça. Quem carrega a sua cruz com paciência se salva; quem a carrega com impaciência se perde. As mesmas cruzes, diz Santo Agostinho, levam alguns para o Céu, e outros para o inferno. Com a prova do sofrimento se distingue a palha do trigo na Igreja de Deus: quem se humilha nos sofrimentos e se submete à vontade de Deus é trigo destinado ao Céu; quem é soberbo e fica impaciente, ou até mesmo chega a se revoltar a ponto de voltar as costas para Deus, é palha que é destinada ao inferno.
O Verbo Eterno, caros católicos, desceu à terra para nos ensinar, com Seu exemplo, a carregar com paciência as cruzes que Deus nos manda. “Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os Seus passos”, nos diz São Pedro (1 Pd 2,21). Jesus Cristo quis sofrer para nos encorajar no sofrimento. Qual foi a vida de Cristo? Foi uma vida de humilhações e sofrimentos. Como diz o profeta Isaías: “Desprezado, último dos homens, homem das dores!” (Is 53,3). O Filho de Deus estava com a aparência de um verme.
Como Deus tratou seu Filho predileto, do mesmo modo trata a todos aqueles que Ele ama e recebe como filhos. Santa Teresa diz que sentiu na sua alma como se Deus lhe falasse: “Fica sabendo que as pessoas mais queridas de Meu Pai são as que são mais afligidas com os maiores sofrimentos.” Por esta razão, quando ela se via nos sofrimentos, dizia que não os trocaria por todos os tesouros do mundo. Santa Teresa compreendeu o valor do sofrimento.
São Vicente de Paulo afirmava que se deve considerar como grande desgraça nesta vida o não ter nada a sofrer; e acrescentava que uma congregação Religiosa ou uma pessoa que não sofre e a quem todos aplaudem, está próxima de uma queda. Quando São Francisco de Assis passava um dia sem nada sofrer por Deus, temia que Deus tivesse se esquecido dele. E nós, insensatos, achamos que Deus esqueceu de nós quando estamos sofrendo.
E São João Crisóstomo escrevia: “Quando o Senhor concede a alguém a graça de sofrer, faz-lhe um bem maior do que se lhe desse o poder de ressuscitar os mortos. Quem padece alguma coisa por Deus, se não tivesse outra graça senão a de poder sofrer por amor a Deus, já deveria considerar-se muito recompensado”. Por isso, São Paulo apreciava mais a graça de ser preso por Jesus Cristo do que a graça de ser arrebatado ao terceiro Céu.
“A paciência – nos diz o apóstolo São Tiago – produz uma obra perfeita.” (Tg 1,4). Isso quer dizer que não existe coisa mais agradável a Deus do que sofrer por amor a Ele, com paciência e paz, todas as cruzes por Ele enviadas.
São João viu todos os santos no Apocalipse, vestidos de branco, segurando palmas nas mãos. (Ap 7,9). A palma é o símbolo do martírio; mas nem todos os santos foram mártires. Mas todos seguram palmas, nos diz São Gregório porque todos os Santos foram mártires ou pela espada ou pela paciência. E acrescentava o santo: “Nós podemos ser mártires sem a espada, se guardamos a paciência”.
O mérito de uma pessoa que ama Jesus Cristo consiste em amar e sofrer. Eis o que Deus fez Santa Teresa entender: “Pensa, minha filha, que o mérito consiste nos prazeres? Não, o mérito consiste em sofrer e amar. Veja minha vida cheia de dores. Acredite, minha filha, aquele que é mais amado por meu Pai recebe dEle cruzes maiores; ao sofrimento corresponde o amor. Veja estas minhas chagas, as suas dores nunca chegarão a tanto. Pensar que Meu Pai admite alguém na sua amizade sem o sofrimento é um absurdo”. Mas com o sofrimento, Deus manda as graças para podermos suportá-lo com paciência e mérito. Devemos ser fiéis a essas graças.
São três as principais graças que Jesus faz às pessoas amadas por Ele: a primeira, não pecar; a segunda, que é maior ainda, fazer as boas obras; a terceira, que é a maior de todas, sofrer por Seu amor. Dizia Santa Teresa que quando alguém faz algum bem a Deus, o Senhor lhe paga com alguma Cruz. Eis porque os santos agradeciam a Deus ao receberem os sofrimentos.
São Luiz, Rei de França dizia: “Eu me alegro e fico muito agradecido a Deus mais pela paciência que me concedeu na minha prisão do que se tivesse conquistado a terra inteira”. Santa Isabel, rainha da Hungria, tendo perdido seu esposo, tendo sido expulsa do lugar onde morava com seu filho, sem abrigo, abandonada por todos, dirigiu-se a um convento dos franciscanos e mandou cantar o “Te Deum”, um hino de ação de graças a Deus pelo favor que Ele concedia a ela ao fazê-la sofrer por Seu amor.
Falando desta vida, é certo que quem padece com mais paciência vive com maior paz. Dizia São Felipe Neri que neste mundo, nesta terra, nesta vida não há Purgatório: ou é Paraíso ou é Inferno. Os que suportam com paciência os sofrimentos desta vida estão como que no Paraíso. Quem assim não suporta os sofrimentos dessa vida com paciência, faz da própria vida um inferno. Sim, porque, como escreve Santa Teresa, quem abraça as cruzes que Deus lhe manda não as sente ou as carrega pouco a pouco com suavidade e doçura, mesmo quando as cruzes são grandes. Não abraçar a cruz é fazer da própria vida um inferno. Quem foge da sua cruz aumenta a sua cruz enormemente.
Um missionário religioso, nas Índias, assistia uma vez à execução de um condenado. Este, antes de morrer, chamou o missionário e lhe disse: “Sabe Padre, eu fui da sua Congregação Religiosa. Enquanto observava o regulamento de vida, eu era muito feliz. Mas desde que comecei a relaxar, achei tudo difícil e passei a me aborrecer com tudo. Abandonei a vida religiosa – quer dizer, abandonei a minha cruz – para me entregar aos vícios; eles finalmente me trouxeram a este fim desgraçado que agora o senhor está vendo. Digo-lhe isto para que o meu exemplo possa servir a outros.” A recusa do sofrimento vai gerando a revolta, que gera o afastamento de Deus, que leva à perda da fé.
O Padre Luís da Ponte dizia: “Considere como amargas as coisas doces desta vida e como doces as amargas; e assim terá paz.”
Caros católicos, o catolicismo não é água com açúcar. O catolicismo não é dos pusilânimes, dos fracos, dos medíocres. O Reino dos Céus é dos violentos, diz Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, dos que sabem sofrer em união com o Sagrado Coração de Jesus. As coisas não serão simples. Mas é possível, perfeitamente possível com a graça de Deus. Essa é a verdadeira religião de Nosso Senhor Jesus Cristo. É necessário que compreendamos isso. O quanto antes. Sem entender isso, não daremos um passo sério no caminho da santidade. Sejamos homens e mulheres capazes de sofrer por Cristo, com o auxílio da graça dEle. Deixemos de murmurar, de reclamar, de nos revoltar. Vale a pena sofrer por Deus. É grande sinal da amizade e do amor do Sagrado Coração de Jesus para com a nossa alma, as cruzes. Peçamos a Nossa Senhora das Dores a graça de compreender a ação de Deus em nossa alma por meio dos sofrimentos. Peçamos a Nossa Senhora das Dores e ao Sagrado Coração de Jesus nessa Festa dEle.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

7 de julho de 2018

Sermão para o 2º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP


[Sermão] Não desprezemos as graças de Deus





Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, a parábola do Evangelho de hoje representa, em primeiro lugar, os judeus desprezando os convites de Deus, isto é, desprezando as suas graças até que deixam de ser chamados por Ele. Nos Atos dos Apóstolos, Santo Estêvão resume bem essa história dos judeus dizendo: “vós resistis sempre ao Espirito Santo; assim como (foram) vossos pais, assim (sois) vós também. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Mataram até os que prediziam a vinda do Justo, do qual agora fostes vós traidores e homicidas.” A história dos judeus começa com as rebeliões e murmurações contra Deus no deserto e se termina com o choro de NSJC sobre Jerusalém.
Todavia, caros católicos, devemos pensar bem se essa também não é a nossa própria história. Nosso Senhor tem chamado a cada um de nós mil vezes durante a nossa vida: “Eis que estou à porta (do teu coração) e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei nele, cearei com ele, e ele comigo.” Assim diz Nosso Senhor. Ele tem batido à porta de nossa alma e tem nos chamado: com pregações, com sermões, com leituras, com bons exemplos, com bons conselhos, mesmo com desgraças, com a morte repentina de alguém e com tantos outros meios análogos. Ele tem nos chamado também interiormente com a sua graça, inspirando-nos com bons pensamentos, fazendo-nos entender mais claramente alguma verdade da fé. Ele tem nos chamado com bons desejos, movendo a nossa vontade para o bem, ou nos movendo para o arrependimento de nossos pecados.
Deus chama, Deus bate à porta de nossa alma, mas não nos força a nada. Deus que nos criou sem nós não nos salvará sem nós, como diz Santo Agostinho. Deus quis a nossa cooperação com a graça. A santificação, de fato, caros católicos, é uma misteriosa união da graça de Deus com a livre cooperação do homem. Se não coopero com a graça, ela será desperdiçada. Quantas parábolas de Cristo mostram precisamente a necessidade dessa nossa cooperação. A parábola do semeador mostrando que é preciso um bom terreno para que a semente possa germinar e dar seus frutos. Esse bom terreno são as nossas disposições, a nossa cooperação.  A parábola dos talentos que mostra que cada um deve fazer a sua parte, ajudado por Deus, para multiplicar os talentos. E aquele que não multiplica, tem o seu talento retirado e dado a outro. Essas parábolas mostram claramente a nossa parte, aquilo que devemos fazer, cooperando com a graça divina. A nossa religião católica não é como essas falsas religiões, esses esoterismos, evidentemente falsos, que empregam uma fórmula mágica, instantânea, para simplesmente nos salvar ou nos tornar deuses, o que é propriamente um absurdo.
Quantas graças desperdiçamos, caros católicos. Quantas graças desprezamos. Deus dirá àquele que despreza as suas graças o mesmo que disse aos judeus no livro dos Provérbios: “eu vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me, visto que estendi a minha mão, e não houve quem olhasse para mim, […] e não fizestes caso das minhas repreensões, também eu me rirei da vossa ruina, zombarei de vós; quando vos assaltar o terror, quando cair sobre vós, como furacão, o terror, quando vos colher a desgraça como um temporal, quando vierem sobre vós a tribulação e a angústia. Então me invocarão (os ímpios) e eu não os ouvirei, buscar-me-ão, e não me encontrarão, porque eles aborreceram a instrução, não abraçaram o temor do Senhor, não se submeteram ao meu conselho, e desprezaram todas as minhas repreensões. Comerão, pois, os frutos do seu (mau) proceder.” Palavras tremendas, caros católicos, para aqueles que não são fiéis à graça de Deus. Lembremo-nos de que aquele que não multiplicou seu talento teve até mesmo esse talento retirado, para que fosse dado a um outro. Se formos infiéis às graças, se desprezarmos as graças, essas graças serão dadas a um outro.
Cada graça de Deus que recusamos foi um motivo de sofrimento para Nosso Senhor Jesus Cristo em Sua vida, particularmente em Sua Paixão e morte na cruz. Cada graça recusada será motivo para sofrermos depois, expiando pelo nosso mal proceder. Cada graça é um elo de uma corrente. Desprezar uma graça é desprezar também tantas outras que estavam ligadas a essa graça recusada. Cada graça de Deus, caros católicos, é um degrau de uma escada que nos leva ao ápice da santidade. Cada graça desprezada pode ser, por outro lado, o princípio de uma queda que terminará no inferno. Os condenados no inferno conhecem bem a graça que desprezaram e que iniciou a sua ruína. Uma graça, talvez, que desprezaram, e que era dada para suportar um sofrimento, uma graça para vencer o orgulho, uma graça para vencer os pecados contra a castidade, ou tantas outras graças possíveis. Não conhecemos os planos da divina providência. A graça de hoje, a graça de agora pode ser a decisiva. Para Judas, por exemplo, pode ter sido a repreensão que recebeu do Salvador quando reclamou do gasto com o óleo usado por Maria Madalena para ungir o Senhor. Ou talvez, o beijo que recebeu do Senhor no Jardim das Oliveiras.
Nós temos, caros católicos, a salvação em nossas mãos. Deus nos dá graças em imensa abundância, pois Ele é infinitamente bom. Devemos, então, considerar tudo isso. Não para ficarmos desesperados nem receosos nem angustiados, mas para ficarmos atentos às graças de Deus, para não fazermos ouvidos surdos a essas graças como os judeus no deserto, para que não endureçamos o nosso coração. Não desprezemos as graças de Deus.
A parábola de hoje no evangelho nos mostra alguns motivos que nos fazem desprezar as graças de Deus. Em geral, desprezamos as graças de Deus inventando desculpas. Às vezes até dizendo: “Eu gostaria muito, mas eu não consigo”. “Eu gostaria muito” parece um ato de boa vontade, mesmo de humildade, “mas eu não consigo” é um ato de orgulho. Por maior que seja a nossa fraqueza, a graça, a bondade e o poder de Deus são maiores que a nossa miséria.
“Comprei uma quinta e tenho de ir vê-la.” Essa é a primeira desculpa da parábola e que utilizamos muitas vezes para desprezar as graças de Deus. Muitos padres da Igreja identificam aqui o orgulho, pois ter a quinta significa, como diz Santo Agostinho, o espírito de dominação, de não ter superior sobre nós. Significa o desejo de dominar e de não ter ninguém acima de nós. Quantos desprezam as graças de Deus porque não suportam as humilhações, quantos se perdem porque acham que são muito bons para sofrer. Quantos se perdem porque buscam simplesmente o reconhecimento dos homens com as suas honras. Temos grande dificuldade, de fato, em ver as graças de Deus nos sofrimentos, nas humilhações. E, no entanto, são as graças mais fecundas. Cheios de orgulho, dizemos “Comprei uma quinta e tenho de ir vê-la”. Cheios de orgulho desprezamos as graças de Deus.
“Comprei cinco juntas de boi e vou experimentá-los.” É a segunda desculpa da parábola para não atender ao chamado para a ceia. A junta de bois significa o apego aos bens desse mundo e uma vida superficial. Quantas vezes desprezamos as graças de Deus porque estamos apegados a um pecado, ou porque estamos apegados desordenadamente a algo ou a alguém. Preferimos os bens dessa vida passageira à vida eterna e à santidade. Quantas vezes desprezamos as graças de Deus porque nos deixamos absorver demais pelas coisas do quotidiano, não as fazendo com espírito sobrenatural, esquecendo as orações, esquecendo que devemos tudo fazer por Deus. Preferimos as coisas que perecem, que passam, preferimos essas coisas à própria eternidade. E assim vamos desprezando as graças de Deus.
“Acabo de me casar e por isso não posso ir.” Claro, o casamento não é uma desculpa para recusar os convites de Deus. O casamento, ao contrário, é um meio de salvação muito abundante, se ele é bem vivido. Essa desculpa significa, segundo Santo Agostinho, a sensualidade da carne. Quantos desprezam as graças de Deus porque não querem abandonar as suas impurezas. Quantos desprezam a graça de Deus preferindo uma satisfação instantânea e tão irracional no lugar da eternidade no céu. Quantos se deixam levar por essas baixezas e se esquecem das coisas de Deus pouco a pouco. Quantos pensam ser incapazes de vencer esse pecado enquanto na verdade podem vencê-lo tranquilamente se combatem firmemente e se perseveram nesse combate pedindo, implorando com humildade o auxílio da graça. Por mais baixo, por mais prolongado que seja um pecado contra a castidade (ou qualquer outro), é possível vencê-lo com o auxílio da graça e fazendo a nossa parte, cooperando com a graça.
De fato, caros católicos, o orgulho, o apego aos bens desse mundo ou a superficialidade e os pecados contra a pureza são os principais defeitos ou desculpas pelos quais os homens recusam a graça de Deus. Essas desculpas de nada servirão. Se assim procedemos, seremos rejeitados por Deus e a graça será dada a outras pessoas. Como aqueles que recusaram o convite para a ceia não puderam participar dela. Com a diferença que ainda podemos nos arrepender. Deus nos dá agora a graça para esse arrependimento sincero e profundo.
Não desprezemos as graças de Deus, caros católicos. Sejamos fiéis a elas. Saibamos que tudo coopera para a salvação do justo. Tudo coopera para a salvação daqueles que querem servir a Deus, tudo servirá para que purifiquem a sua alma de seus pecados e defeitos, para que sobre o amor a Deus. Sejamos fiéis às graças que nos são dadas nas nossas cruzes, nos nossos sofrimentos. Sejamos fiéis às graças que nos são dadas em um sermão, em uma formação, na leitura de um bom livro católico. Sejamos fiéis às graças que nos são dadas em bons conselhos. Sejamos fiéis também às graças interiores. Desprezar as graças, caros católicos, é desprezar a salvação eterna, é desprezar o próprio Deus. Que a Santíssima Virgem, medianeira de todas as graças, nos alcance essa fidelidade perfeita às graças divinas. Graças divinas que nos levam sempre à conformidade cada vez mais perfeita com a vontade de Deus, nas alegrias e nas tristezas, nas prosperidades e nas adversidades.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.