[Sermão] Não desprezemos as graças de Deus
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, a parábola do Evangelho de hoje representa, em primeiro lugar, os judeus desprezando os convites de Deus, isto é, desprezando as suas graças até que deixam de ser chamados por Ele. Nos Atos dos Apóstolos, Santo Estêvão resume bem essa história dos judeus dizendo: “vós resistis sempre ao Espirito Santo; assim como (foram) vossos pais, assim (sois) vós também. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Mataram até os que prediziam a vinda do Justo, do qual agora fostes vós traidores e homicidas.” A história dos judeus começa com as rebeliões e murmurações contra Deus no deserto e se termina com o choro de NSJC sobre Jerusalém.
Todavia, caros católicos, devemos pensar bem se essa também não é a nossa própria história. Nosso Senhor tem chamado a cada um de nós mil vezes durante a nossa vida: “Eis que estou à porta (do teu coração) e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei nele, cearei com ele, e ele comigo.” Assim diz Nosso Senhor. Ele tem batido à porta de nossa alma e tem nos chamado: com pregações, com sermões, com leituras, com bons exemplos, com bons conselhos, mesmo com desgraças, com a morte repentina de alguém e com tantos outros meios análogos. Ele tem nos chamado também interiormente com a sua graça, inspirando-nos com bons pensamentos, fazendo-nos entender mais claramente alguma verdade da fé. Ele tem nos chamado com bons desejos, movendo a nossa vontade para o bem, ou nos movendo para o arrependimento de nossos pecados.
Deus chama, Deus bate à porta de nossa alma, mas não nos força a nada. Deus que nos criou sem nós não nos salvará sem nós, como diz Santo Agostinho. Deus quis a nossa cooperação com a graça. A santificação, de fato, caros católicos, é uma misteriosa união da graça de Deus com a livre cooperação do homem. Se não coopero com a graça, ela será desperdiçada. Quantas parábolas de Cristo mostram precisamente a necessidade dessa nossa cooperação. A parábola do semeador mostrando que é preciso um bom terreno para que a semente possa germinar e dar seus frutos. Esse bom terreno são as nossas disposições, a nossa cooperação. A parábola dos talentos que mostra que cada um deve fazer a sua parte, ajudado por Deus, para multiplicar os talentos. E aquele que não multiplica, tem o seu talento retirado e dado a outro. Essas parábolas mostram claramente a nossa parte, aquilo que devemos fazer, cooperando com a graça divina. A nossa religião católica não é como essas falsas religiões, esses esoterismos, evidentemente falsos, que empregam uma fórmula mágica, instantânea, para simplesmente nos salvar ou nos tornar deuses, o que é propriamente um absurdo.
Quantas graças desperdiçamos, caros católicos. Quantas graças desprezamos. Deus dirá àquele que despreza as suas graças o mesmo que disse aos judeus no livro dos Provérbios: “eu vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me, visto que estendi a minha mão, e não houve quem olhasse para mim, […] e não fizestes caso das minhas repreensões, também eu me rirei da vossa ruina, zombarei de vós; quando vos assaltar o terror, quando cair sobre vós, como furacão, o terror, quando vos colher a desgraça como um temporal, quando vierem sobre vós a tribulação e a angústia. Então me invocarão (os ímpios) e eu não os ouvirei, buscar-me-ão, e não me encontrarão, porque eles aborreceram a instrução, não abraçaram o temor do Senhor, não se submeteram ao meu conselho, e desprezaram todas as minhas repreensões. Comerão, pois, os frutos do seu (mau) proceder.” Palavras tremendas, caros católicos, para aqueles que não são fiéis à graça de Deus. Lembremo-nos de que aquele que não multiplicou seu talento teve até mesmo esse talento retirado, para que fosse dado a um outro. Se formos infiéis às graças, se desprezarmos as graças, essas graças serão dadas a um outro.
Cada graça de Deus que recusamos foi um motivo de sofrimento para Nosso Senhor Jesus Cristo em Sua vida, particularmente em Sua Paixão e morte na cruz. Cada graça recusada será motivo para sofrermos depois, expiando pelo nosso mal proceder. Cada graça é um elo de uma corrente. Desprezar uma graça é desprezar também tantas outras que estavam ligadas a essa graça recusada. Cada graça de Deus, caros católicos, é um degrau de uma escada que nos leva ao ápice da santidade. Cada graça desprezada pode ser, por outro lado, o princípio de uma queda que terminará no inferno. Os condenados no inferno conhecem bem a graça que desprezaram e que iniciou a sua ruína. Uma graça, talvez, que desprezaram, e que era dada para suportar um sofrimento, uma graça para vencer o orgulho, uma graça para vencer os pecados contra a castidade, ou tantas outras graças possíveis. Não conhecemos os planos da divina providência. A graça de hoje, a graça de agora pode ser a decisiva. Para Judas, por exemplo, pode ter sido a repreensão que recebeu do Salvador quando reclamou do gasto com o óleo usado por Maria Madalena para ungir o Senhor. Ou talvez, o beijo que recebeu do Senhor no Jardim das Oliveiras.
Nós temos, caros católicos, a salvação em nossas mãos. Deus nos dá graças em imensa abundância, pois Ele é infinitamente bom. Devemos, então, considerar tudo isso. Não para ficarmos desesperados nem receosos nem angustiados, mas para ficarmos atentos às graças de Deus, para não fazermos ouvidos surdos a essas graças como os judeus no deserto, para que não endureçamos o nosso coração. Não desprezemos as graças de Deus.
A parábola de hoje no evangelho nos mostra alguns motivos que nos fazem desprezar as graças de Deus. Em geral, desprezamos as graças de Deus inventando desculpas. Às vezes até dizendo: “Eu gostaria muito, mas eu não consigo”. “Eu gostaria muito” parece um ato de boa vontade, mesmo de humildade, “mas eu não consigo” é um ato de orgulho. Por maior que seja a nossa fraqueza, a graça, a bondade e o poder de Deus são maiores que a nossa miséria.
“Comprei uma quinta e tenho de ir vê-la.” Essa é a primeira desculpa da parábola e que utilizamos muitas vezes para desprezar as graças de Deus. Muitos padres da Igreja identificam aqui o orgulho, pois ter a quinta significa, como diz Santo Agostinho, o espírito de dominação, de não ter superior sobre nós. Significa o desejo de dominar e de não ter ninguém acima de nós. Quantos desprezam as graças de Deus porque não suportam as humilhações, quantos se perdem porque acham que são muito bons para sofrer. Quantos se perdem porque buscam simplesmente o reconhecimento dos homens com as suas honras. Temos grande dificuldade, de fato, em ver as graças de Deus nos sofrimentos, nas humilhações. E, no entanto, são as graças mais fecundas. Cheios de orgulho, dizemos “Comprei uma quinta e tenho de ir vê-la”. Cheios de orgulho desprezamos as graças de Deus.
“Comprei cinco juntas de boi e vou experimentá-los.” É a segunda desculpa da parábola para não atender ao chamado para a ceia. A junta de bois significa o apego aos bens desse mundo e uma vida superficial. Quantas vezes desprezamos as graças de Deus porque estamos apegados a um pecado, ou porque estamos apegados desordenadamente a algo ou a alguém. Preferimos os bens dessa vida passageira à vida eterna e à santidade. Quantas vezes desprezamos as graças de Deus porque nos deixamos absorver demais pelas coisas do quotidiano, não as fazendo com espírito sobrenatural, esquecendo as orações, esquecendo que devemos tudo fazer por Deus. Preferimos as coisas que perecem, que passam, preferimos essas coisas à própria eternidade. E assim vamos desprezando as graças de Deus.
“Acabo de me casar e por isso não posso ir.” Claro, o casamento não é uma desculpa para recusar os convites de Deus. O casamento, ao contrário, é um meio de salvação muito abundante, se ele é bem vivido. Essa desculpa significa, segundo Santo Agostinho, a sensualidade da carne. Quantos desprezam as graças de Deus porque não querem abandonar as suas impurezas. Quantos desprezam a graça de Deus preferindo uma satisfação instantânea e tão irracional no lugar da eternidade no céu. Quantos se deixam levar por essas baixezas e se esquecem das coisas de Deus pouco a pouco. Quantos pensam ser incapazes de vencer esse pecado enquanto na verdade podem vencê-lo tranquilamente se combatem firmemente e se perseveram nesse combate pedindo, implorando com humildade o auxílio da graça. Por mais baixo, por mais prolongado que seja um pecado contra a castidade (ou qualquer outro), é possível vencê-lo com o auxílio da graça e fazendo a nossa parte, cooperando com a graça.
De fato, caros católicos, o orgulho, o apego aos bens desse mundo ou a superficialidade e os pecados contra a pureza são os principais defeitos ou desculpas pelos quais os homens recusam a graça de Deus. Essas desculpas de nada servirão. Se assim procedemos, seremos rejeitados por Deus e a graça será dada a outras pessoas. Como aqueles que recusaram o convite para a ceia não puderam participar dela. Com a diferença que ainda podemos nos arrepender. Deus nos dá agora a graça para esse arrependimento sincero e profundo.
Não desprezemos as graças de Deus, caros católicos. Sejamos fiéis a elas. Saibamos que tudo coopera para a salvação do justo. Tudo coopera para a salvação daqueles que querem servir a Deus, tudo servirá para que purifiquem a sua alma de seus pecados e defeitos, para que sobre o amor a Deus. Sejamos fiéis às graças que nos são dadas nas nossas cruzes, nos nossos sofrimentos. Sejamos fiéis às graças que nos são dadas em um sermão, em uma formação, na leitura de um bom livro católico. Sejamos fiéis às graças que nos são dadas em bons conselhos. Sejamos fiéis também às graças interiores. Desprezar as graças, caros católicos, é desprezar a salvação eterna, é desprezar o próprio Deus. Que a Santíssima Virgem, medianeira de todas as graças, nos alcance essa fidelidade perfeita às graças divinas. Graças divinas que nos levam sempre à conformidade cada vez mais perfeita com a vontade de Deus, nas alegrias e nas tristezas, nas prosperidades e nas adversidades.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
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