31 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Meditações Festa da Circuncisão

OUTRA MEDITAÇÃO PARA A FESTA DA CIRCUNCISÃO.

I.
O Padre eterno, enviando seu Filho à terra para sofrer e morrer por nós, quer que Ele seja circuncidado e comece desde hoje a derramar o seu sangue divino para acabar de difundi-lo no dia de sua morte na cruz num oceano de desprezos e dores? Por que? a fim que essa Vítima inocente pague assim a pena que merecemos. À vista de tão grande benefício a Santa Igreja exclama com admiração: Ó adorável efeito de vossa misericórdia para conosco! ó inestimável dom de amor! para resgatardes o escravo, entregastes o vosso Filho!
Ó Deus eterno, quem nos teria podido jamais fazer esse dom infinito, senão vós que sois uma bondade infinita e um amor infinito? Ah! Senhor! se no vosso Filho me destes o que tendes de mais caro, é justo que eu, miserável, me dê inteira-mente a vós. Sim, meu Deus, dou-me todo a vós; aceitai-me e não permitais que me afaste mais de vós.

II.
De seu lado, o Filho de Deus, cheio de humildade e amor por nós, abraça a morte dolorosa que lhe é destinada, para livrar a nós pecadores da condenação eterna, e hoje começa voluntariamente a satisfazer por nós à justiça divina, derramando seu sangue precioso. Ele se humilhou, diz o Apóstolo, tornando-se obediente até a morte, e até a morte da cruz.
Vós, meu Jesus, aceitastes pois a morte por amor de mim; e eu, que farei? continuarei a afligir-vos com meus pecados? Não, meu Redentor, já não quero pagar-vos com ingratidão. Pesa-me de vos haver causado tantos desgostos no passado. Amo-vos, Bondade infinita, e não quero cessar jamais de amar-vos.

III.
O divino Salvador disse: Ninguém te maior amo do que aquele que dá sua vida por seus amigos. Mas vós, ó Jesus, diz S. Paulo, nos mostrastes uma caridade maior: destes a vossa vida por nós, que éramos inimigos vossos.
Eis a vossos pés, Senhor, um desses miseráveis. Quantas vezes renunciei a vossa amizade, e não vos obedeci! Reconheço hoje o mal que fiz; perdoai-me, meu Jesus, quisera mor-rer de dor. Agora amo-vos de toda a minha alma, e o meu único desejo é amar-vos e ser-vos agradável.
Maria, Mãe de Deus e minha Mãe, rogai a Jesus por mim.

Jesus cresce em idade e em sabedoria e em graça.

Et Iesus proficiebat sapientia et aetate et gratia apud Deum et homines — “E Jesus crescia em sabedoria, e em idade e em graça diante de Deus e dos homens” (Luc. 2, 52).

Sumário. Posto que Jesus, desde o primeiro instante de sua vida, estivesse enriquecido de todos os carismas celestiais; contudo, crescendo em idade, crescia também em sabedoria, isso é, manifestava-a mais e mais. No mesmo sentido se diz que crescia em graça diante de Deus e dos homens. Nós também, com o progredir dos anos, devíamos ter crescido no amor, mas talvez tenha aumentado a nossa tibieza e culpabilidade. Imploremos o perdão do Senhor com o propósito de sermos para o futuro mais fervorosos.

I. Falando da morada do Menino Jesus na casa de Nazaré, diz São Lucas: Et Iesus proficiebat — “E Jesus crescia”. Assim como ia crescendo em idade, crescia também em sabedoria. Não como se Jesus adquirisse conhecimento mais perfeito das coisas, como nós; porquanto, desde o primeiro instante da sua vida, foi enriquecido de toda a ciência e sabedoria divina: In quo sunt omnes thesauri sapientiae et scientiae absconditi (1) — “No qual (Jesus) estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência”. Mas diz-se que crescia, porque com o correr dos anos ia manifestando mais e mais a sua sublime sabedoria.

E neste sentido também se diz que Jesus crescia em graça diante de Deus e dos homens. Diante de Deus, porquanto todas as suas ações divinas, posto que não Lhe aumentassem a santidade nem os merecimentos (visto que desde o princípio foi Jesus repleto de santidade e de merecimentos, de modo que de sua plenitude nós recebemos todas as graças: De plenitudine eius accepimus omnes) (2), todavia as obras do Redentor, consideradas em si mesmas, eram suficientes para Lhe acrescentar graças e méritos. Jesus crescia também em graça diante dos homens, crescendo em beleza e amabilidade. Oh! Como Jesus se ia tornando sempre mais querido e amável em sua adolescência, dando sempre mais a conhecer as belas qualidades que o faziam tão amável! Com que alegria obedecia o santo Menino a Maria e José! Com que recolhimento de espírito trabalhava! Com que modéstia se alimentava! Com que moderação falava! Com que doçura e afabilidade conversava com todos! Com que devoção orava! Numa palavra, cada ação, cada palavra, cada movimento de Jesus Cristo abrasava e feria o coração de todos que o viam e em particular de Maria e José, que tinham a ventura de O ver sempre junto de si. Oh! Como estavam estes santos Esposos sempre atentos a contemplar e admirar todas as ações, palavras e movimentos do Homem-Deus!

II. Crescei, amável Jesus, crescei para mim. Crescei para me ensinar por vossos divinos exemplos as vossas belas virtudes. Crescei para consumar o sacrifício da cruz, do qual depende a minha salvação eterna. Oh meu Senhor, fazei com que eu também cresça cada vez mais no vosso amor e graça. No passado, ai! Cresci somente em ingratidão para convosco, que tanto me haveis amado. Fazei, ó meu Jesus, com que no futuro seja o contrário; Vós conheceis a minha fraqueza; Vós deveis dar-me luz e força. Fazei com que eu compreenda quanto mereceis ser amado. Vós sois um Deus de infinita beleza e de infinita majestade, que não recusastes descer do céu, para vos fazerdes homem e levardes por nosso amor uma vida desprezada e penosa, terminada por uma morte tão cruel. Onde poderíamos achar amigo mais amável e mais amante?

Insensato que sou! No passado não vos quis conhecer e por isso Vos perdi. Peço-Vos perdão, já que de toda a minha alma me arrependo e tomo a resolução de ser todo vosso. Mas, ó meu Jesus, ajudai-me; recordai-me sem cessar a vida penosa e a morte dolorosa que sofrestes por meu amor. Dai-me luz e dai-me força. Quando o demônio me apresentar algum fruto vedado, dai-me firmeza para desprezá-lo; não permitais, que por qualquer gozo vil e passageiro eu Vos perca, ó Bem infinito. Amo-Vos, ó meu Jesus, morto por mim; amo-Vos, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó amante da minha alma. — Ó Maria, sois vós a minha esperança; é pela vossa intercessão que espero obter a graça de amar a meu Deus de hoje em diante para sempre, e de nunca mais amar outra coisa que não seja Deus. (II 384.)

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1. Col. 2, 3.
2. Io. 1, 16.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 186 - 188)

30 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Meditações Novena de Natal - Meditação 9

MEDITAÇÃO IX.

DO NASCIMENTO DE JESUS NA GRUTA DE BELÉM.
Tendo o imperador romano ordenado por um edito que cada um de seus súditos se inscrevesse no lugar de sua origem, José pôs-se a caminho com Maria, sua Esposa, para ir inscrever-se em Belém. — Ó céu! quanto não teve de sofrer a santa Virgem nessa viagem, que era de quatro dias, por caminhos montanhosos e no coração do inverno, numa estação de frio, de ventos e chuvas!
Quando estiveram em Belém, chegou o momento em que devia nascer o Messias. José pôs-se logo a procurar na cidade um lugar conveniente em que Maria pudesse dar à luz a seu Filho. Mas como era pobres, foram repelidos em toda parte recusaram-lhes até a hospedagem nos hotéis em que eram aceitos os outros pobres. Tiveram por isso de sair da cidade durante a noite, e Maria entrou numa gruta que encontraram. Mas José disse-lhe: Cara Esposa, como podeis passar a noite em lugar tão úmido e frio e aí dar à luz o vosso divino Filho? não vêdes que é um estábulo? — Ah! meu caro José, respondeu Maria, é certo que este estábulo é o palácio em que o Filho de Deus quer nascer.
Logo depois, estando a Virgem de joelhos em oração, chegada a hora do nascimento do Salvador, a gruta foi imediatamente aclarada por uma grande luz. Maria abaixa os olhos e vê no solo o Filho de Deus já nascido, tenra criancinha que treme de frio e que chora. Adora-o logo como seu Deus; depois toma-o em seus braços e envolve-o nos pobres paninhos que levara consigo; e enfim depois de o enfaixar, deita-o num pre-sépio sobre a palha. — Assim quis nascer por amor de nós o Filho do Padre eterno.
S. Maria Madalena de Pazzi dizia que as almas que amam a Jesus Cristo devem fazer aos pés do santo Menino o ofício dos animais que no estábulo de Belém acalentavam com seu hálito a Jesus: devem também acalentá-lo com seus suspiros de amor.

Afetos e Súplicas.
Ó adorável Menino, não ousaria ficar aos vossos pés, se não soubesse que me convidais e aproximar-me de vós. Fui eu por meus pecados que vos fiz derramar tantas lágrimas no estábulo de Belém: mas, já que viestes à terra para perdoar aos pecadores penitentes, dignai-vos perdoar-me; arrependo-me sobremaneira de vos haver desprezado a vós meu Salvador e meu Deus, que sois tão bom e que me haveis amado tanto!
Nesta noite concedeis grandes graças a tantas almas; ah! consolai também a minha alma: a graça que desejo é a de vos amar doravante de todo o meu coração; inflamai-o todo de vosso santo amor. Amo-vos, ó meu Deus feito Menino por mim. Por favor não permitais que eu cesse jamais de vos amar.
Ó Maria, minha Mãe, podeis tudo com vossas preces; não vos peço outra coisa senão que rogueis a Jesus por mim.

Jesus na casa de Nazaré.

Descendit (Iesus) cum eis, et venit Nazareth, et erat subditus illis — “Desceu (Jesus) com eles, e veio para Nazaré e lhes estava sujeito” (Luc. 2, 51).

Sumário. De volta do Egito, São José foi para a Galiléia e fixou a sua morada na pobre casa de Nazaré. Foi portanto ali que o Filho de Deus passou na obscuridade e no desprezo o resto de sua infância e mocidade, até a idade de trinta anos, a fim de nos ensinar a vida humilde, recolhida e oculta. E apesar disso há tantos cristãos tão orgulhosos, que só ambicionam ser vistos e honrados!... Examinemo-nos, se por ventura somos do número desses ambiciosos.

I. Quando São José voltou para a Palestina, soube que Arquelau reinava na Judéia, no lugar de seu pai Herodes. Teve, pois, medo de ir para lá, e avisado em sonho, retirou-se para Nazaré, cidade da Galiléia, onde fixou sua morada numa pobre casa. Ó ditosa casa de Nazaré, eu te saúdo e te venero! Há de chegar um tempo em que serás visitada pelas primeiras grandezas da terra. Quando os romeiros se virem dentro de ti, não se saciarão de derramar lágrimas de ternura, lembrando-se que é dentro das tuas pobres paredes que o Rei do céu passou quase toda a sua vida.

É naquela casa que o Verbo Encarnado viveu o resto de sua infância e da sua mocidade. E como viveu? Viveu pobre e desprezado pelos homens, qual simples oficial e obedecendo a Maria e José: et erat subditus illis — “e lhes estava sujeito”. Ó Deus! Que ternura se experimenta em pensar que naquela pobre casa o Filho de Deus faz o ofício de criado! Ora vai buscar água, ora abre ou fecha a loja, ora varre a casa, ora ajunta as achas para o fogo, ora afadiga-se ajudando José em seus trabalhos. Ó assombro! Ver um Deus que varre a casa! Um Deus que faz o ofício de servente! Ó pensamento que devia abrasar a todos em santo amor para com um Redentor que tanto se abaixou para se fazer amar por nós!

Adoremos todas essas ações humildes de Jesus, porquanto foram todas divinas. Adoremos sobretudo a vida oculta e desprezada que Jesus Cristo levou na casa de Nazaré. Ó homens orgulhosos, como podeis ter a ambição de serdes vistos e honrados vendo o vosso Deus que passa trinta anos de sua vida em pobreza, oculto e ignorado, para vos ensinar o recolhimento e a vida humilde e oculta?

II. Ó Menino adorado! Eu Vos vejo, qual humilde operário, trabalhar e suar numa pobre oficina. Já entendo: é para mim que Vos abateis e fatigais de tal sorte. Assim como empregastes toda a vossa vida por amor de mim, fazei, ó meu amado Senhor, que eu empregue também por vosso amor o que ainda me resta de vida. Não considereis a minha vida passada, que tanto para mim como para Vós tem sido uma vida de dor e de lágrimas, uma vida desregrada, uma vida de pecados. Permiti, ó Jesus, que a Vós me associe nos dias que ainda me restam, deixai-me trabalhar e sofrer convosco na oficina de Nazaré e depois morrer convosco no Calvário, abraçando a morte que me destinastes.

Ó meu amadíssimo Jesus, meu amor, não permitais que eu Vos deixe e Vos abandone novamente, como fiz outrora. Vós, ó meu Deus, vivestes oculto, ignorado e desprezado, e sofrestes numa oficina em tão grande pobreza, e eu, verme desprezível, andei atrás das honras e prazeres, e por eles me separei de Vós, Bem supremo! Agora, porém, ó meu Jesus, eu Vos amo; e porque Vos amo, não quero mais viver longe de Vós. Renuncio a tudo o mais para unir-me a Vós, ó meu Redentor, oculto e humilhado por mim. Com a vossa graça me dais mais contentamento do que jamais me têm dado todas as vaidades e prazeres da terra, pelos quais tive a desgraça de Vos deixar.

Ó Virgem Santíssima, que ditosa sois por haverdes acompanhado vosso Filho na sua vida pobre e oculta, e vos terdes assim feito semelhante ao vosso Jesus. Minha Mãe, fazei que eu também, ao menos pelo pouco tempo de vida que me resta, me torne semelhante a vós e a meu Redentor. — “E Vós, ó Pai Eterno, que pelo mistério da Encarnação do Verbo consagrastes misericordiosamente a casa da Bem-aventurada Virgem Maria, e a colocastes maravilhosamente no seio da vossa Igreja, concedei-nos que, afastados dos tabernáculos dos pecadores, mereçamos habitar em vossa santa Casa, pelo mesmo nosso Senhor Jesus Cristo.” (1) (II 383.)

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1. Or. Eccl.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 183 - 186)

29 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Meditações Novena de Natal - Meditação 8

MEDITAÇÃO VIII.

DA ESTADA DE JESUS MENINO NO EGITO E EM NA-ZARÉ
Nosso divino Redentor passou no Egito os sete primeiros anos de sua infância, levando vida pobre e desprezada. José e Maria eram estranhos e desconhecidos, sem parentes e sem amigos, e o trabalho de suas mãos mal lhes fornecia o necessário para o sustento diário. A sua habitação era pobre, o seu leito pobre, o seu alimento pobre. Foi lá que Maria continuou a amamentar a Jesus e o desaleitou. Depois de o nutrir com seu leite, ela o sustentou com suas mãos: duma tigela tomava um pouco de pão embebido em água, e o levava à boca sagrada de seu Filho. Foi lá que lhe fez a primeira túnica, lhe tirou as faixas, e começou a vesti-lo. Foi lá que Jesus aprendeu a andar, dando os primeiros passos, vacilando e caindo várias vezes como sucede às outras crianças. Foi lá que Jesus proferiu suas primeiras palavras, balbuciando. — Ó prodígio! a que es-tado se reduziu um Deus por nosso amor! um Deus vacilar e cair ao andar! um Deus balbuciar ao falar!
A vida que Jesus levou após a volta do Egito, na casa de Nazaré, não foi menos pobre nem menos abjeta. Até a idade de trinta anos exerceu o ofício de simples operário numa oficina; obedecia a José e a Maria. Jesus ia buscar água; Jesus abria e fechava a oficina; Jesus varria a casa, recolhia a lenha para o fogo, e afatigava-se o dia inteiro para ajudar a José em seu trabalho. — Ó espetáculo assombroso! um Deus que trabalha como operário! um Deus que varre a casa! um Deus que se fatiga até suar para desbastar uma peça de madeira! quem é Jesus? um Deus todo-poderoso, que com um aceno criou o mundo, e que pode aniquilá-lo quando quiser! — Ah! um só desses pensamentos deveria consumir-nos de amor.
Quão doce era então observar a devoção com que Jesus fazia oração, a paciência com que trabalhava, a prontidão com que obedecia, a modéstia com que tomava as refeições, e a mansidão e afabilidade com que falava e conversava! Ah! certamente todas as palavras e todas as ações de Jesus eram tão santas que inflamavam de amor todos os corações, mas principalmente os de Maria e de José que o observavam continua-mente.

Afetos e Súplicas.
Ó Jesus, meu Salvador, quando penso que vós, meu Deus, permanecestes tantos anos desconhecido e desprezado numa pobre casa por amor de mim, como posso desejar os prazeres, as honras, as riquezas deste mundo? Renuncio a todos esses bens, e quero ser vosso companheiro sobre a terra, pobre como vós, mortificado como vós, e desprezado como vós: com isso espero gozar um dia a vossa companhia no paraíso. Que são os reinos, os tesouros deste mundo? Meu Jesus, vós sereis o meu único tesouro, o meu único bem. Sinto pro-funda dor de no passado haver tantas vezes desprezado a vossa amizade para satisfazer os meus caprichos; arrependo-me de todo o coração. Para o futuro estou resolvido a antes perder mil vezes a vida do que perder a vossa graça. Meu Deus, não quero mais ofender-vos, quero amar-vos sempre. Ajudai-me a ser-vos fiel até a morte.
Maria, sois o refúgio dos pecadores, sois a minha esperança.

O Diabo, Lutero e o Protestantismo - Pe. Júlio Maria - Capítulo 12

CAPÍTULO XII

A CONTRA-REFORMA
Lutero desceu à sepultura, depois de uma morte atribulada e cheia de remorsos. Dele, como de Judas, pode-se repetir a palavra de Jesus Cristo: "Bonum erat ei natus non fuisset" - Melhor fora, para ele, se não tivesse nascido (Mat. 26,24).
Sua vida, tão triste e tão baixa, foi como que a luta titânica do inferno contra o rochedo indestrutível de Pedro.
Lutero caiu... vencido... como Juliano, o apóstata... e, como ele, talvez murmurando: Pedro, venceste, como o imperador gritara: Venceste, Nazareno!
Sim, Roma, a indestrutível, venceu... como sempre ela tem saído vitoriosa... e, enquanto em Wittemberg confiavam à terra os restos mortais do reformador já em putrefação, o Papado, cheio
de vida e de glória, levantava a fronte, e com aquela mão que a morte não consegue abater, construiu o maior e o mais belo monumento da vida cristã: O GRANDE CONCÍLIO DE TRENTO.
Não podemos silenciar esta reação católica, em nome da fé e da verdade, a qual se pode denominar: contra-reforma.

1. O CONCÍLIO DE TRENTO
Conforme vimos no desenvolvimento das peripécias da ignóbil existência do monge revoltoso, desde o princípio levantaram-se vozes pedindo um CONCÍLIO GERAL, julgando deveras oportuno, para resolver as contendas e restabelecer a unidade da fé, que se tentava esfacelar.
Grandes dificuldades, porém, se opuseram à realização projetada.
O Papa Paulo III considerava reunião conciliar como a principal missão de seu Pontificado; mas os tempos agitados, a desunião entre as autoridades, as agitações e revoltas contínuas dos protestantes não lhe permitiram realizar tão justa aspiração.
As cidades de Mântua e Vicência haviam sido indicadas para centro de reunião, que ali não se efetuou; só em 1542 é que se tornou possível a escolha da cidade de Trento, também sem resultado; deste modo a convocação definitiva ficou para 1545, ano em que Lutero começou a sentir os primeiros abalos de saúde.
Foram celebradas as primeiras sessões no Advento deste mesmo ano, com um reduzido número de assistentes.
Tudo se empenhou para fazer desta assembléia uma das mais importantes da história da Igreja: cinco Papas dirigiram sucessivamente os trabalhos do Concílio em circunstâncias excepcionalmente graves.
Os assuntos tratados, as decisões tomadas, servem até hoje de norma à sociedade cristã.
O Concílio foi duas vezes interrompido, primeiramente devida à agitação dos tempos, e depois por causa das lutas entre a França e a Alemanha.
O Concílio constou de 25 sessões, a que assistiram mais de 200 cardeais, Arcebispos e Bispos, 7 Superiores Gerais de Ordens, e grande número de representante de Bispos ausentes por graves razões.
Os chefes protestantes, convidados à reunião, recusaram-se a comparecer.
Seis doutores da reforma falsificaram, mais tarde, os atos conciliares em sua chamadas centúrias de Magdeburgo.
Cantu escreve com razão, a respeito da reunião de Trento: “Nunca monumento mais majestoso foi construído por uma assembléia mais augusta, tendo por base o ensino tradicional e a disciplina antiga. Erro algum foi poupado nestes decretos de fé, formulados com tal clareza, que excluem qualquer equívoco e feitos com tanto rigor que não admitem subterfúgios”.
Não há melhoramento fecundo quer não tenha sido incluído neste cânones e decretais, tão bem concebidos que se dobram admiravelmente às necessidades do tempo, adaptando-se às transformações sociais.
O Concílio ocupou-se simultaneamente do dogma e da moral, ou da doutrina e da reforma, publicando deste modo decretos dogmáticos e decretos disciplinadores, preparados por comissões particulares, discutidos depois em reuniões públicas e logo votados individualmente.
O Concílio de Trento foi o tiro mortal ao protestantismo que, desde então, não passa de um defunto ambulante, forçado a agarrar-se, desesperadamente, às autoridades civis para não cair em putrefação imediata.
Em vez de refutar, um por um, os erros de Lutero, será o bastante citarmos as diversas decisões tridentinas, para conhecer as objeções protestante e a resposta clara e insofismável, ditada pelos padres e publicada no catecismo então organizado, que é talvez o código mais teológico, mais simples e mais claro até hoje publicado sobre os assunto em discussão.
Podem reduzir-se a nove os decretos daquela assembléia, restabelecendo a verdade atacada, contra os erros introduzidos pela deforma do apóstata de Wittemberg.

2. SAGRADA ESCRITURA E TRADIÇÃO
O ponto central do protestantismo, o princípio que o levaria a todos os piores abusos, era o LIVRE EXAME da Sagrada Escritura.
Todo podem ser Papas, todos são inspirados pelo Espírito Santo, afora o Papa, tal era a grande regra de Lutero. Ora, com tal princípio não havia erro algum no mundo que não pudesse agasalhar-se nas páginas do livro Santo.
Urgia, pois, restabelecer a verdade e determinar claramente a única verdadeira maneira de interpretar a Bíblia.
O Concílio começou, pois, por fixar o cânon do catálogo dos livros inspirados, estabelecendo a Regra de interpretação.
Assim reza o primeiro decreto:“O Santo Concílio de Trento, ecumênico e geral, legitimamente reunido sob a direção do Espírito Santo, considerando que as verdade de fé e as regras de costumes estão contidas no livros escritos, ou quando não escritos, se acham nas tradições recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Jesus Cristo, ou transmitidas, pelo apóstolos, como o Espírito Santo as havia ditado, chegando de mão em mão até nós, recebe de acordo com o exemplo dos padres ortodoxos, todos os livros quer do Antigo, que do Novo Testamento, assim como as tradições que dizem respeito à fé e aos costumes conservados por uma sucessão ininterrupta, e os abraça com igual sentido de respeito e piedade”
Todos os livros da VULGATA foram depois proclamados autênticos, e aprovada a edição revista da Vulgata, como fazendo autoridade nas discussões e preleções públicas.
Condenando a LIVRO INTERPRETAÇÃO da Bíblia, o Concílio estatui expressamente, sob pena de anátema; “Ninguém, por confiança cega, tenha a ousadia de desviar a Escritura Sagrada para o seu sentido particular nem de achar um interpretação oposta à da Santa Igreja à qual assiste o direito exclusivo de interpretar a verdadeira significação das Escrituras, conforme ao sentimento unânime dos Padres” (Sessão IV).

3. O PECADO ORIGINAL
Na teoria protestante, o pecado original estragou completamente a nossa natureza; daí o duplo e monstruoso absurdo: “Não há mais em nós livre arbítrio e todas as nossas obras são más; inútil, portanto, esforçarmos-nos por praticar ações boas”.
O Concílio enuncia com clareza a verdade católica: “Transgredindo a lei de Deus, Adão perdeu a santidade e a justiça, em que fora criado; atraiu sobre si a ira de Deus, tornou-se escravo do demônio e sujeito à morte.
O primeiro homem, porém, não prejudicou somente a si próprio; transmitiu à sua posteridade o pecado, que é ruína da alma, e, com o pecado, a dor e a morte. Este pecado não pode ser apagado só pelas forças da natureza, mas pelos méritos de Jesus Cristo, o único Medianeiro, que nos reconciliou com Deus por seu sangue; estes méritos de Jesus Cristo são aplicados, tanto aos adultos como às crianças, pelo Sacramento do Batismo.
O Batismo é necessário a todos, segundo a palavra do Nosso Senhor. Pela graça do Batismo, a mácula do pecado original é verdadeiramente perdoada e apagada.
O Concílio reconhece, todavia, e confessa que a concupiscências permanece naqueles que foram batizados, neles ficando como um antagonista contra o qual tem de lutar, sem jamais saírem prejudicados os que lhe resistem valentemente com a fraca de N. S. Jesus Cristo” (Sessão V).
O Concílio exprimiu terminantemente não incluir neste decreto, de modo algum, a Virgem Maria, Mãe de Deus.

4. A JUSTIFICAÇÃO
A opinião de Lutero era que o homem é justificado unicamente PELA FÉ em Jesus Cristo;Calvino pretendia que o homem assim santificado se torna impecável e não pode mais perder a graça.
O Concílio nos descobriu a plena luz da verdade. Admitiu a fé como raiz, fonte e algo imprescindível para a justificação, mas não como CONDIÇÃO ÚNICA, pois é preciso ainda observar os mandamentos e praticar boas obras. Com a prática destes últimos, a graça cresce e, contrariamente à doutrina protestante, perde-se pelo pecado; longe, portanto, de termos essa confiança imperturbável da nossa salvação,não podemos, enquanto dura esta vida mortal, presumir da nossa predestinação para a salvação eterna, pois ninguém tem certeza de sua salvação final.
Verdade é, que perdida a graça santificante, pode o homem reavê-la pelo sacramento da penitência, que é a segunda tábua salvadora depois do naufrágio; mas para isso se necessita da contrição, da confissão sacramental, quando possível, e da satisfação.
Enfim, a justiça alcançada, ou recuperada, pode e deve ser aumentada pela oração, pela mortificação, pelo cumprimento da lei de Deus e dos preceito do Evangelho. Deus não nos pede o impossível, e seu socorro é certo para quem o implora humilde e confiadamente (Sessão VI).

5. SACRAMENTOS EM GERAL.
Anteriormente lha o Papa Eugênio IV exposto de maneira admirável a doutrina sobre os sacramentos, em seu Decreto aos Armênios.
Não julgou o Concílio necessário repetir esta explicação, limitando-se a indicar o número deles, sua instituição divina, sua virtude santificante e sua eficácia, independente da santidade do ministro.
A respeito do Batismo, os anabatistas exigiam a sua renovação para os adultos, sob pretexto de não será criança capaz de produzir um ato de fé; por outra parte, Lutero, franqueando as portas mais largas aos apóstatas que desertavam dos conventos, tinha declarado que apenas as promessas do batismo eram obrigatórias e anulavam todos os demais votos, mesmo ulteriores.
A confirmação ficou sendo, como sempre fora, verdadeiro sacramento da nova lei e os bispos seu ministro ordinário (Sessão VII).
Os outros sacramentos, combatidos mais violentamente pelas doutrinas protestantes, foram objeto de estudo mais apurado e de definições mais extensas.

6. A EUCARISTIA
A reforma apresentava uma balbúrdia inexplicável a respeito do Santíssimo Sacramento do Altar.
O Concílio com uma perspicácia e segurança, onde era sensível o sopro do Espírito Santo, firmou que precisão a verdade opugnada.
Em primeiro lutgar afirmou solenemente a PRESENÇA REAL: - “Depois da consagração do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, é contido, verdadeira, real e substancialmente, sob as aparências destas coisas sensíveis, segundo as próprias palavras de Jesus Cristo, referidas no Santo Evangelho.
Jesus Cristo está debaixo da espécie do pão, e, debaixo de cada uma das suas partes, não somente no momento da Comunhão, mas de modo permanente”.
Lutero acreditava na presença real, mas não na transformação das espécies.
O Concílio lhe opôs a fé católica: “Pela consagração faz-se uma conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Nosso Senhor; e de toda substância do vinho no seu sangue; e esta mudança é chamada pelo Igreja Católica: TRANSUBSTANCIAÇÃO.
Os Santos Padres declararam em seguida que é uso multo piedoso tributar à divina Eucaristia um culto solene, o cullo de adoração, pois Jesus Cristo é Deus, como o é o Pai. (Sessão XIII).
O Concílio manteve a doutrina que estatui não ser a Comunhão sob as duas espécies necessária para os simples fiéis; afirmou que tem traves e plausíveis motivos para dar a comunhão somente debaixo da espécie de pão, que o cristão recebe assim a Jesus Cristo inteiro, e as crianças, até a idade de díscreção, nenhuma obrigação tem de comungar, (sess. XXI).
Quanta ao santo sacrifício da Missa, o Concilio lembrou a sua instituição divina por Nosso Senhor, na véspera de sua morte.
A Missa é um verdadeiro sacrifício; é propiciatório, tanto para os vivos como para os mortos.
É oferecido unicamente a Deus, por ser o ato de adoração por excelência; mas se faz nele memória dos santos, para agradecer a Deus pelas graças que Ele lhes concedeu e assim merecer o valioso socorro da sua intercessão junto ao Todo-Poderoso.
As orações da Missa foram criteriosamente determinadas, para estimular a piedade dos fiéis. Todas as cerimónias foram estabelecidas para o mesmo fim.
Enfim, as missas particulares, em que só o sacerdote comunga, não são, como ensinava Lutero, uma superstição Inspirada pelo demónio; são um verdadeiro sacrifício agradável a Deus; o povo nelas comunga espiritualmente.
O uso antigo de não rezar a Missa em língua vulgar deve ser conservado, a fim de melhor simbolliar a unidade da fé, pela unidade da linguagem e de Culto, (sess. XXII)

7. PENITÊNCIA E EXTREMA-UNÇÃO
A Penitência ou Confissão é um dos sacramentos contra o qual Lutero investiu com maior furor.
Convinha, pois, que o Concilio legislasse com toda precisão neste particular tão visado pelas iras do reformador.
"Em todo tempo, diz o Concilio, a Penitência tem sido necessária para alcançar o perdão dos pecados.
Jesus Cristo instituiu o sacramento da penitência, quando disse aos seus apóstolos: Recebei o Espírito Santo, os pecados serão perdoados a quem os perdoardos...
Todavia, não é possível chegar-se ao perdão da penitência senão pelas obras penosas; por isso, é quese denomina este sacramento batismo laborioso.
A forma do sacramento consiste nas palavras da absolvição; os atos do pecador, a contrição, a confissão e a satisfação constituem como que a matéria.
A confissão é de instituição divina, pois o sacerdote, sendo, então, juiz, não pode perdoar os pecados sem os conhecer, para o que dee o culpado declará-los. Na confissão devem ser acusados todos os pecados mortais, com seu número, quando possível, e com as circunstâncias que mudam a espécie.
A confissão auricular e secreta, praticada na Igreja, funda-se sobre a instituição divina e não é invenção humana.
O Concilio de Latrão determinou apenas a sua obrigação anual. O padre, para dar validade à absolvição, deve ter recebido do bispo um poder judicial.
Quanto a satisfação, é esta indispensável para o perdão. Cumpre reparar a injúria feita a Deus; por isso, o sacerdote impõe uma penitência sacramental, à qual se devem acrescentar obras de penitência.
A Extrema-Unção foi considerada pelos Padres como o suplemento da penitência.
O Concílio manteve contra o protestantismo a instituição divina deste sacramento, promulgado por S. Tiago, e cujos resultados, para o alivio espiritual e corporal dos doentes, o apóstolo descreveu tão claramente.
Os fiéis não podem, portanto, menosprezar, sem cometer pecado, um auxilio tão valioso", (sess. XIV).

8. ORDEM E MATRIMÓNIO
Lutero e Calvino, principalmente, tinham rejeitado a Ordem como sacramento; consideravam-na como um rito que institui os ministros da palavra e dos sacramentos; para os protestantes não há hierarquia; todos os cristãos são igualmente sacerdotes, e, para o exercício de suas funções, basta tenham a eleição do magistrado e o beneplácito do povo. Os bispos não são superiores aos simples padres.
Contra todas estas negações o concilio levantou a voz e restabeleceu a verdade sempre vigente na Igreja.
"O sacrifício e o sacerdote são tão intimamente ligados que um não poderia existir sem o outro. Porquanto Nosso Senhor, que estabeleceu o sacrifício da Missa, fundou da mesma forma o sacerdócio católico; fez dele um sacramento verdadeiro para o qual o futuro padre vai se chegando pelas ordens, que são em número de sete: as inferiores de ostiário, leitor, exorcista, acólito, e as ordens maiores: subdiaconato, diaconato e presbiterato, que se encontram desde os primeiros tempos da Igreja".
Contra as negações de Lutero e a sua aversão ao Papa, o concílio afirmou a existência de uma hierarquia, constando de bispos, sacerdotes e ministros inferiores; a superioridade dos bispos sobre os padres o seu poder exclusivo de administrar a confirmação e a ordem, sem intervenção do povo.
A primazia do Papa fora solenemente proclamada no concílio de Florença; era um fato já definido que não pedia novo exame. (sess. XXIII).
* * *
Quanto ao Matrimónio, Lutero o reduzira a um simples compromisso civil; não trepidara perante a poligamia e o divórcio, chegando a escandalizar seus próprios discípulos.
O concilio restabeleceu a verdade, nestes termos: "A perpetuidade e a indissolubilidade do matrimónio, diz ele, nos são reveladas desde a origem do gênero humano. Nosso Senhor lembrou a sua unidade e indissolubilidade primitivas, não consentindo que o homem separasse o que Deus unira, e fez dele um sacramento, enriquecendo-o com sua graça".
Depois o Concilio publicou os anátemas que condenam a poligamia e o divórcio; vingou o celibato voluntário e a virgindade; conservou para a Igreja Católica o direito de apontar impedimentos, e o de conhecer as causas matrimoniais e julgá-las. (sess. XXIV).

9. PURGATÓRIO E INDULGÊNCIAS
Já nos são bem conhecidos os ataques de Lutero contra as indulgências, o purgatório e a utilidade da oração pelos mortos.
Convinha que o Concílio confirmasse a doutrina católica e precisasse os pontos combatidos. É o que foi feito com esmero.
"A Igreja, instruída pelo Espírito Santo, reza o concílio, sempre ensinou, segundo as Sagradas Escrituras e a Tradição antiga dos Santos Padres, que há um purgatório, e as almas, nele detidas, podem receber alívio pelos sufrágios dos fiéis, e principalmente pelo Sacrifício do Altar”.
O Concílio insta que os bispos zelem pelo ensino desta doutrina, e encareçam diante dos fiéis as piedosas orações pelos mortos, o Sacrifício da Missa, as esmolas e mais obras pias. (sess. XXV).
Quanto às indulgências, o Concílio ensinou e preceituou "que se deve conservar, na Igreja, o uso das indulgências, muito proveitosas para o povo cristão, e aprovadas pela autoridade dos santos concílios".
Feriu com anátema todos aqueles que dizem serem elas inúteis, ou negam à Igreja o poder de concedê-las. (Ibid.)

10. O CULTO DOS SANTOS
Os reformadores, como os antigos iconoclastas, haviam combatido e rejeitado a invocação dos santos, o culto em honra da Mãe de Deus, a veneração das relíquias e imagens.
O Concílio rebateu as blasfêmias ímpias e restabeleceu a verdade e as práticas da tradição da Igreja.
"Os santos, que reinam com Jesus Cristo, apresentam a Deus suas orações pelos homens.
É bom e proveitoso invocá-los humildemente; e é uma impiedade acusar de idolatria um culto tão razoável, firmado nos costumes tradicionais, o qual não prejudica de modo algum a mediação do Salvador.
"Quanto às relíquias dos santos, os fiéis lhes devem respeito e veneração, porque são restos dos corpos que foram os membros vivos do Espírito Santo, e hão de resurgir um dia para a vida eterna.
Além disso, é preciso ter e conservar, especialmente nas igrejas, imagens de Jesus Cristo, da Virgem Mãe de Deus e dos outros santos, e tributar-lhes a honra e a veneração que lhes são devidas; não porque acreditemos nelas residir a divindade, ou uma virtude merecedora do nosso culto, ou porque lhes devamos pedir graças, ou pôr nelas a nossa confiança, conforme faziam os pagãos, cuja esperança estava nos ídolos, mas porque a honra que se lhes tribuía, refere-se aos protótipos que representam, segundo foi definido pelos concílios, e particularmente pelo segundo concilio de Nicéia, contra os iconoclastas, (sess. XXV).

11. DECRETOS DISCIPLINARES
O Concílio perseguia, de maneira clara e precisa, as diversas heresias de Lutero, assestando contra ela o golpe efe morte.
Os católicos hesitantes e os protestantes sinceros, enganados um instante pelas aparências do erro, podiam como que apalpar as heresias, os erros e as destruições acumuladas desde a primeira tentativa de rebeldia.
Nenhuma declaração nova partiu do conclave, mas foi ali repetido e popularizado o ensino sempre aceito no catolicismo.
A doutrina verdadeira, em consequência do choque contra as heresias, firmou-se mais; as expressões ficaram mais populares, e a fé inabalável da Igreja Católica reluziu com maior resplendor no meio da escuridão do protestantismo.
Enquanto Lutero havia engrossado as trevas, ao mesmo tempo que seus discípulos continuavam a semear a dúvida e a balbúrdia, a Igreja católica levantava-se bela e radiante, semeando ondas efe luz no mundo e nas almas, pela clareza e firmeza de sua doutrina imortal, que nunca mudou e não mudará, porque é a expressão da palavra divina.
Não parou aí, porém, a obra de reforma encetada pelo Concílio. Ao lado da exposição luminosa da doutrina, ocupou-se da disciplina da Igreja, estatuindo leis sábias e oportunas. Sem resumir as suas diretrizes, é suficiente lembrarmo-nos versarem especialmente sobre disciplina e costumes clericais, eleição de párocos, nomeação e escolha da bispos, disposições a respeito da simonia, pluralidade de benefícios e de sua hereditariedade.
Os sínodos provinciais entram novamente em vigor; as visitas episcopais recomeçam; as ordens religiosas de homens e as de mulheres têm de regressar à estrita observância de suas regras no tocante a clausura, à escolha dos superiores, às dispensas, â perfeição de seu estado, etc.
Para a santificação do povo católico, todos os abusos são apontados pelo conclave, pondo-se um freio à luxúria, a avareza e aos vícios dos príncipes e dos súditos.
Três providências admiráveis e eficazes foram tomadas para a direção geral da religião: a fundação de seminários para a formação do clero; a instituição do “Index” para o exame e condenação dos maus livros; e a redação do catecismo do concílio de Trento, modelo dos nossos catecismos atuais; enfim, a revisão e a unificação da liturgia romana: Missal e Breviário, a serem adotados em toda a Igreja.

12. CONCLUSÃO
Eis como do mal Deus sabe tirar o bem.
Permitiu Ele que Lutero, numa fúria que tornou evidente a obra do inferno, se batesse contra todos os dogmas e práticas da Igreja Católica, para que esta, como que por um instante abafada sob as ondas de poeira levantadas no mundo pela indiferença, pelo relaxamento dos costumes, pelo comodismo e a desunião, surgisse mais bela e fulgurante, dominando as paixões humanas.
Fato averiguado pela experiência é que a religião de Jesus Cristo progride mais nas perseguições, lutas, calúnias, e até no martírio cruento, do que na paz e no progresso material dos povos.
As paixões não dormem, como não descansa o demônio; por isso, quando o cristão quer cruzar os braços para descansar, depressa se torna um vencido.
Parece que a Igreja do século XVI estava adormecida... e, para acordá-la, o Altissimo não impediu a ação de Lutero, embora Ele não pudesse permitir fosse a Igreja derrotada.
Lutero passou pelo mundo como um meteoro de fogo, abatendo, destruindo tudo... e, no meio desta fúria iconoclasta, a morte o fez estacar, lançando-o na profundeza de um túmulo, desonrado pela sua vida e pela sua morte.
Simultaneamente Deus acendeu um farol poderoso para iluminar o mundo; foi o Concilio de Trento, e sob a sua irradiação fez surgir uma legião de santos para regenerar as almas e reconduzi-las ao único rebanho do Bom Pastor, de Pedro, de Jesus Cristo, como veremos pormenorizadamente, após examinarmos a vida dos santos desta época.
A pretensão de Lutero degenerou em deforma, pois desuniu e implantou nas almas a dúvida donde deveria nascer o ateísmo que hoje avassala a nossa época.
Mas a Igreja eterna de Cristo levantou-se também, para efetuar a contra-reforma, restabelecendo a verdade e ditando novas leis para a direção verdadeira do mundo.

XXIX de Janeiro. Festa de São Francisco de Sales.

Dilectus Deo et hominibus..., cuius memoria in benedictione est — “Amado de Deus e dos homens, cuja memória está em benção” (Eccli. 45, 1).

Sumário. Foi tão grande a deste Santo, que não se cansava de agradecer ao Senhor o tê-lo feito filho da Igreja Católica. Grande foi também a sua esperança, e por isso estava sempre com semblante sereno, mesmo entre os maiores perigos. Mas, sobretudo foi ardentíssima a sua caridade, vivendo sempre desprendido de todas as criaturas, a fim de ser todo de Deus. Alegremo-nos com o santo Doutor, demos graças a Deus pelo haver enriquecido de tantas virtudes e esforcemo-nos por imitá-lo.

I. Grande foi a de São Francisco de Sales. A beleza da Revelação arrebatava-o de tal modo, que não podia deixar de exclamar: “Ó Deus! A beleza de nossa santa Fé é tão encantadora, que quase me faz morrer de amor. Quer me parecer que devo encerrar este dom tão precioso de Deus dentro de um coração todo perfumado de devoção.” — Não se fartava de agradecer a Deus o tê-lo feito nascer na Igreja Católica. “Ó Deus de bondade”, dizia, “são grandes os benefícios que tenho que Vos agradecer; mas como Vos poderei render bastantes graças por me haverdes iluminado com a luz da santa Fé?” Declarou que, embora tivesse tratado constantemente com hereges, nunca duvidou da verdade da Fé católica. — Quem ama a Deus, não tem dúvidas sobre a fé; duvida somente aquele que não vive segundo os ensinamentos da Fé.

Grande foi também a esperança de São Francisco. Estava certo de que Deus sempre vela pelo nosso bem, e por isso tinha sempre o semblante sereno, até no meio dos perigos mais graves. Quaisquer que fossem os obstáculos que se lhe apresentavam para estorvar o que empreendia para glória de Deus, nunca vacilou em sua confiança. — Recomendava a mesma confiança aos outros. A uma alma tímida disse o Santo certo dia: “Desejas ser toda de Deus? Porque então temes por causa da tua fraqueza? Tens confiança em Deus? E quem ficou jamais confuso tendo confiado em Deus? Fora com os teus temores!” Quem ama muito a Deus, confia muito n'Ele. O amor expulsa o temor.

II. Grande foi o amor de São Francisco para com Deus. Só o temor, que o assaltou na sua mocidade, de não poder amar a Deus na eternidade, quase que lhe tirou a vida e lhe arruinou a saúde. O amor inspirou-lhe a coragem para se expor tantas vezes ao perigo de morte. Tinha tamanho cuidado em expulsar do coração todo o afeto que não fosse para Deus, que chegou a dizer: “Se eu soubesse que em meu coração havia um só afeto que não é de Deus e para Deus, arrancara-o logo.” O Santo sempre aspirava ao puro amor de Deus. Dizia: “Antes quisera não ser nada, do que não ser todo de Deus.” Escreveu a uma pessoa: “O meu coração está repleto de um desejo infinito de ser sacrificado para sempre ao puro amor do meu Salvador.”

Quão terno foi o seu afeto especialmente para com Jesus Cristo, bem o explicou quando escreveu: “Contemplemos o nosso divino Salvador estendido sobre a cruz, onde morre por nosso amor. Ah! Porque não nos lançamos sobre Ele, a fim de morrermos com Ele sobre a cruz, já que nela quis morrer por nosso amor? Segurá-Lo-ei e nunca mais O largarei. Morrerei com Ele, consumido nas chamas de seu amor. Um mesmo fogo consumirá o divino Criador e a sua criatura. Viverei e morrerei sobre o seu peito; nem a vida nem a morte poderá jamais separar-me d'Ele.”

Ó meu Santo, já que estais no céu amando a vosso Jesus face a face, impetrai-me a graça de O amar assim como vós O amastes na terra. — “E Vós, ó meu Deus, que para salvação das almas dispusestes que o Beato Francisco, vosso confessor e bispo, se fizesse tudo para todos; concedei-me, eu Vo-lo suplico, que, cheio da doçura de vosso amor, guiado pelos seus ensinamentos e ajudado pela sua intercessão, consiga a salvação eterna.” (1) Fazei-o pelo amor de Jesus e Maria. (*II 470.)

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1. Or. Festi.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 436 - 438)

Quanto é cara a Deus a alma que se Lhe entrega toda.

Ego dilecto meo, et ad me conversio eius — “Eu sou para o meu amado e Ele para mim se volta” (Cant. 7, 10).

Sumário. Meu irmão, cuida em expulsar do teu coração tudo que não seja Deus, ou não conduza ao seu amor e consagra-te a Ele inteiramente e sem reserva. Não será justo por ventura que sejas todo daquele que se fez todo teu? Além disso lembra-te de que Jesus Cristo ama mais uma alma que inteiramente se Lhe consagra do que mil almas tíbias e imperfeitas. São as almas generosas e todas de Deus que estão destinadas a preencher o coro dos Serafins.

I. Deus ama todos aqueles que O amam (1). Muitos, porém, consagram-se a Deus, mas conservam ainda no coração alguma afeição às criaturas, a qual os impede de serem inteiramente de Deus. Ora, como é que Deus se quererá dar todo à alma que juntamente com Ele ama as criaturas? Com razão usará Deus de reserva para com a alma que se mostra reservada para com Ele. Ao contrário, Deus se dá todo às almas que expulsam do coração tudo que não seja Deus ou não conduza ao amor de Deus, e que, consagrando-se a Deus sem reserva, dizem com todas as veras: Deus meus et omniameu Deus e meu tudo.

Enquanto Santa Teresa nutria na alma um afeto desordenado, embora não pecaminoso, a certa pessoa, não lhe foi dado ouvir Jesus Cristo dizer-lhe, como depois lhe foi concedido, quando, tendo-se ela desprendido de qualquer afeto terrestre e entregue sem reserva ao amor divino, o Senhor lhe disse: “Já que és toda minha, eu sou todo teu.” Pelo amor que nos tem, o Filho de Deus se deu todo a nós: Dilexit nos et tradidit semetipsum pro nobis (2) – “Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós”. Se pois, diz São João Crisóstomo, se deu a ti sem reserva, é de justiça que também te dês inteiro a Deus e Lhe digas de hoje em diante: Dilectus meus mihi et ego illi (3) — “O meu amado é para mim e eu sou para Ele”.

Revelou Santa Teresa a uma sua religiosa, à qual apareceu depois da morte, que Deus ama com mais amor uma alma, sua esposa, que se Lhe dá toda inteira, do que mil outras tíbias e imperfeitas. Com almas generosas e todas de Deus é que se preenche o coro dos Serafins. Diz o mesmo Senhor que ama tanto uma alma que aspira à perfeição, como se amasse somente a ela: Una est columba mea, perfecta mea (4). Por isso, o Bem-aventurado Egídio fazia esta exortação: Una uniA única para o único. Com o que queria dizer que a única alma que nós temos, devemos dá-la, toda e não dividida, àquele que só merece o nosso amor, de quem depende todo o nosso bem e que mais do que ninguém nos ama. É o que repetia também São Bernardo: Sola esto, uto soli te serves. Ó alma, dizia, conserva-te só, não te dividas no afeto às criaturas, a fim de seres toda somente daquele que só merece um amor infinito e a quem somente deves amar.

II. Dilectus meus mihi, et ego illi — “O meu amado é para mim, e eu sou para Ele”. Ó meu Deus, já que Vós Vos destes todo a mim, eu seria demasiadamente ingrato se não me desse todo a Vós. Visto que me quereis todo para Vós, eis-me aqui, meu Senhor; eu me dou todo a Vós. Aceitai-me pela vossa misericórdia, não me desprezeis. Fazei com que o meu coração, que algum tempo amou as criaturas, agora se dê todo a amar a vossa bondade infinita. “Morra de uma vez este eu”, dizia Santa Teresa, “e viva em mim outro que não eu. Viva em mim Deus e me dê vida. Reine Ele, e seja eu escrava; a minha alma já não quer mais outra liberdade.” É muito pequeno o meu coração, ó Senhor meu amabilíssimo e pouco suficiente para Vos amar, porque Vós sois digno de um amor infinito. Muito grande injustiça, pois, Vos faria, se ainda quisesse dividi-lo e amar outra coisa que não a Vós.

Eu Vos amo, meu Deus, sobre todas as coisas, e só a Vós. Renuncio a todas as criaturas e me dou inteiramente a Vós, meu Jesus, meu Salvador, meu Amor, meu tudo. Digo e quero dizer sempre: Quid mihi est in coelo? Et a te quid volui super terram?... Deus cordis mei, et pars mea Deus in aeternum (5). Nada mais desejo, nesta vida nem na outra, senão possuir o tesouro do vosso amor. Ó Deus de meu coração, não quero que as criaturas ainda ocupem lugar em meu coração; só Vós sereis o meu Senhor, só a Vós quero pertencer para o futuro, só Vós sereis o meu bem, o meu repouso, o meu desejo, todo o meu amor. Com Santo Inácio, só uma coisa Vos peço e de Vós espero: Dai-me o vosso amor e a vossa graça, e serei bastante rico. — Santíssima Virgem Maria, fazei com que eu seja fiel a Deus e nunca mais revoque a doação de mim mesmo, que fiz ao meu Senhor. (IV 122.)

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1. Prov. 8, 17.
2. Eph. 5, 2.
3. Cant. 2, 16.
4. Cant. 6, 8.
5. Ps. 72, 25 – 26.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 181 - 183)

28 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Meditações Novena de Natal - Meditação 7

MEDITAÇÃO VII.

A VIAGEM DE JESUS MENINO AO EGITO.
O Filho de Deus desce do céu para salvar os homens; mas apenas nascido os homens o perseguem de morte. Herodes teme que esse Menino lhe roube o reino, e procura perdê-lo. S. José em sonho é avisado por um anjo, toma Jesus e sua Mãe e foge para o Egito. José obedece imediatamente: comunicada essa ordem do céu a Maria, ajunta as ferramentas de seu ofício para no exílio ganhar o pão para si e sua família. Maria, de seu lado, recolhe e toma consigo os paninhos que devem servir ao santo Menino; depois chegando-se ao berço em que dorme seu Filho, diz-lhe em prantos: Ó meu Filho e meu Deus, viestes do céu para salvar os homens; e apenas nascestes já vos procuram tirar a vida! — Proferindo essas palavras, toma-o em seus braços e, continuando a derramar lágrimas, põe-se a caminho com José naquela mesma noite.
Consideremos os sofrimentos, as dores e as privações dos nossos santos exilados em tão longa viagem. Como o divino Menino não podia ainda andar, Maria e José são obrigados a levá-lo alternadamente em seus braços. Na travessia do deserto, têm de passar as noites ao relento e sobre a terra nua. O santo Menino chora de frio; Maria e José choram de compaixão por ele. E quem não choraria vendo o Filho de Deus, pobre e perseguido e errante, constrangido a fugir da espada assassina de seus inimigos?

Afetos e Súplicas.
Ó doce Menino, chorais e tendes razão de chorar vendo-vos assim perseguido pelos homens, que tanto amais. Mas, ah! eu também vos persegui outrora com meus pecados! mas agora amo-vos mais do que a mim mesmo, e nenhuma pena me aflige tanto como a lembrança de haver desprezado a vós, meu bem supremo. Por favor, perdoai-me, meu Jesus, e permiti vos leve comigo, em meu coração, durante o resto da minha viagem neste mundo, para entrar convosco na eternidade. Inúmeras vezes vos bani de minha alma pelo pecado; mas hoje eu vos amo e me arrependo sobre todas as coisas de vos haver ofendido. Meu amado Senhor, estou resolvido a não mais deixar-vos; mas dai-me a força de vencer as tentações; não permitais me separe mais de vós; fazei-me antes morrer do que ter novamente a desgraça de perder a vossa amizade.
Ó Maria, minha esperança, fazei que eu sempre viva e que morra amando a Deus.

Vinda do divino Juiz e exame no Juízo final.

Videbunt Filium hominis venientem in nubibus coeli, cum virtute multa et maiestate — “Eles verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade”(Mt.  24, 30).

Sumário. Eis que se abrem os céus e os anjos vêm assistir ao juízo trazendo as insígnias da Paixão de Jesus Cristo, e especialmente a Cruz. Vêm depois os santos apóstolos e todos os seus imitadores; vem a Rainha dos Santos, Maria Santíssima, e por fim o eterno Juiz mesmo, que, sentado num trono de majestade e de luz, procederá ao exame. Reflitamos aqui: O que será de nós nesse dia? Que desculpas poderemos alegar, se por ventura formos condenados?

I. Considera como a divina Justiça julgará todos os povos no vale de Josafá, quando, no fim do mundo, ressuscitarem os corpos para receberem, juntamente com a alma, a recompensa ou o castigo, segundo as suas obras. Eis que já se abrem os céus, e os anjos vêm assistir ao juízo, trazendo as insígnias da Paixão de Jesus Cristo, segundo Santo Tomás. Aparecerá sobretudo a Cruz: E então aparecerá o sinal do Filho do homem, e todos os povos da terra se lastimarão em pranto (1). Diz Cornélio a Lapide: Ao verem a Cruz, como chorarão nesse dia os pecadores, que em vida não cuidaram da sua salvação eterna, que tanto custou ao filho de Deus! Assistirão também, na qualidade de assessores, os santos apóstolos e todos os seus imitadores, que juntamente com Jesus Cristo julgarão as nações. Fulgebunt iusti, indicabunt nationes (2) — “Os justos refulgirão e julgarão as nações”. Virá assistir igualmente a Rainha dos Santos e dos Anjos, Maria Santíssima.

Aparecerá enfim o eterno Juiz, num trono de majestade e de glória: Et videbunt Filium hominis venientem in nubibus coeli, cum virtute multa et maiestate — “Eles verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade.” A vista de Jesus regozijará os eleitos, mas para os réprobos será maior tormento que o inferno mesmo, diz São Jerônimo. Por isso exclamava Santa Teresa: Meu Jesus, infligi-me qualquer outro castigo, mas não me deixeis ver nesse dia a vossa face indignado contra mim. E São Basílio acrescenta: Superat omnem poenam confusio ista: esta vista será o mais horrível de todos os tormentos. Então cumprir-se-á a profecia de São João: os condenados rogarão às montanhas que caiam sobre eles e os livrem da vista do Juiz irritado. Abscondite nos a facie sedentis super thronum et ab ira Agni (3).

II. Principia o julgamento. Manuseiam-se os processos, isto é, põe-se a descoberto a consciência de cada um: Iudicium sedit et libri aperti sunt (4) — “Assentou-se o juízo e abriram-se os livros”. As primeiras testemunhas chamadas a depor contra os réprobos, serão os demônios, que (segundo Santo Agostinho) dirão: “Deus de justiça, mandai que seja nosso aquele que de nenhum modo quis ser vosso.” Testemunhas serão em segundo lugar as próprias consciências: dando-lhes testemunho a própria consciência (5). Outras testemunhas, a clamarem vingança, serão as paredes da casa onde Deus foi ofendido pelos pecadores: Lapis de pariete clamabit (6).

Virá afinal o testemunho do próprio Juiz, que esteve presente a todas as ofensas que lhe foram feitas. Diz São Paulo que então o Senhor manifestará o que se acha escondido nas trevas (7); isto é, descobrirá então aos olhos de todos os homens os mais recônditos e vergonhosos pecados dos réprobos, que eles em vida ocultaram aos próprios confessores: Revelabo pudenda tua in facie tua (8). Os pecados dos eleitos, segundo o Mestre das Sentenças e outros teólogos, não serão manifestados, mas ficarão encobertos, conforme estas palavras de Davi: Bem-aventurados aqueles cujas iniqüidades são perdoadas e cujos pecados são encobertos (9). Pelo contrário, os dos réprobos, diz São Basílio, serão vistos de todo o mundo num relance de olhos, como num quadro.

Considera agora, meu irmão: o que será de ti nesse dia?... quão grande será a tua confusão se por desgraça te perderes?... que desculpas poderás alegar? Eia pois, faze penitência, muda de vida, dá-te inteiramente a Deus e começa a amá-Lo devéras.

Sim, meu Jesus, já Vos ofendi bastante; não quero empregar a vida que ainda me resta, em dar-Vos novos desgostos. Não é isso o que Vós mereceis. Quero empregá-la somente em amar-Vos e em chorar os meus pecados, que agora detesto de todo o meu coração.

Ó dulcíssimo Jesus, não sejais meu juiz, senão meu Salvador (10). — E vós, ó minha Mãe Maria, rogai a vosso divino Filho por mim. (*II 115.)

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1. Matth. 24, 30.
2. Sap. 3, 7.
3. Apoc. 6, 16.
4. Dan. 7, 10.
5. Rom. 2, 15.
6. Habac. 2, 11.
7. 1 Cor. 4, 5.
8. Nah. 3, 5.
9. Ps. 31, 1.
10. Indul. de 50 dias de cada vez.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 178 - 180)

27 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Meditações Novena de Natal - Meditação 6

MEDITAÇÃO VI.

DA MISERICÓRDIA DE DEUS NA OBRA DE NOSSA SALVAÇÃO.
Manifestou-se a bondade e a caridade de Deus ao homem. Quando o Filho de Deus feito homem apareceu na terra, viu-se em toda a sua imensidade a bondade de Deus a nosso respeito. — Segundo a reflexão de S. Bernardo, Deus mostrou o seu poder criando o mundo, e a sua sabedoria governando-o; mas fez resplandecer a sua misericórdia sobretudo quando se revestiu da carne humana para salvar por seus sofrimentos e por sua morte a humanidade perdida. E com efeito, que maior misericórdia poderia o Filho de Deus fazer-nos do que tomando sobre si as penas que nos eram devidas.
Ei-lo, pois, nascido, feito menino, fraco, enfaixado, reclina-do num presépio; não pode mover-se nem alimentar-se por si mesmo; é preciso que Maria lhe apresente um pouco de leite para sustentar-lhe a vida. Ei-lo depois no pretório de Pilatos, atado com cordas a uma coluna, da qual pode livrar-se, e é flagelado da cabeça aos pés. Ei-lo pouco depois que caminha para o Calvário: exausto de forças e oprimido sob o peso da cruz, cai e torna a cair no caminho. Ei-lo enfim cravado no madeiro infame, no qual perde a vida pela violência das dores.
Com tanto amor Jesus tencionava ganhar todo o nosso amor e todos os corações; por isso não mandou um anjo para resgatar-nos, mas veio em pessoa salvar-nos por sua paixão. Se o homem tivesse sido resgatado por um anjo, ele deveria dividir o seu coração, e amar a Deus como seu Criador, e ao anjo como seu redentor; a fim pois de conquistar para si só o coração do homem, Deus quis ser o seu Redentor como já era o seu Criador.

Afetos e Súplicas.
Ah! meu caro Redentor, onde estaria eu agora, se, em vez de me suportardes com tanta paciência, me tivésseis feito mor-rer quando me achava em pecado mortal? Se me tendes esperado até esta hora, meu Jesus, apressai-vos a perdoar-me para que a morte me não surpreenda carregado de inumeráveis pecados. Ó meu soberano Bem, sinto ter-vos desprezado; quisera morrer de dor. Não abandonais uma alma que vos procura; se no passado me afastei de vós, agora procuro-vos e amo-vos. Sim, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas, amo-vos mais do que a mim mesmo. Senhor, ajudai-me a amar-vos constantemente o resto de minha vida, nada mais vos peço; eu vo-la peço e a espero.
Maria, minha esperança, rogai por mim: se pedirdes por mim, tenho a certeza de ser atendido.

Os bens do mundo não nos podem fazer felizes.

Vidi in omnibus vanitatem et afflictionem animi — “Vi em tudo vaidade e aflição do ânimo” (Eccles. 2, 11).

Sumário. Os irracionais que foram criados para a satisfação dos sentidos acham a felicidade nos bens da terra, e possuindo-os nada mais desejam. A alma humana, porém, criada para amar a Deus e estar-lhe unida, nunca achará a paz nos prazeres dos sentidos, como demasiadamente prova a experiência. Só Deus pode contentá-la plenamente. Qual não será, pois a nossa loucura, se, deixando o Senhor, corrermos atrás dos bens falazes do mundo!

I. Neste mundo todos os homens trabalham para alcançar a paz. Afadiga-se tal negociante, tal soldado, tal litigante, porque imaginam que realizando o negócio, obtendo a desejada promoção, ganhando a demanda, farão fortuna e acharão a paz. Pobres mundanos, que procuram a paz no mundo, que lha não pode dar! Só Deus pode dar-nos a paz: Da servis tuis, assim ora a Igreja, illam quam mundus dare non potest pacem — “dai aos vossos servos a paz que o mundo não pode dar”. Não, o mundo com todos os seus bens não pode contentar o coração do homem, porque o homem não foi criado para esses bens, mas somente para Deus, donde resulta que só Deus o pode satisfazer. Os animais, que foram criados para os bens materiais, acham a paz nos bens terrestres. Mas a alma, que foi criada tão somente para amar a Deus e viver com Ele unida, nunca poderá achar a paz nos gozos dos sentidos; só Deus a pode tornar plenamente contente.

São Lucas fala de um rico que, tendo obtido colheita abundante de seus campos, disse assim para consigo: “Minha alma, tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe, regala-te.” (1) Mas este desgraçado foi tratado como insensato. E com razão, diz São Basílio; ou não queria por ventura equiparar-se aos animais imundos, e pretendia contentar sua alma com a comida, com a bebida e com os deleites sensuais? Nunquid animam porcinam habes?

Numa palavra, assim conclui São Bernardo, o homem pode encher-se de bens do mundo, mas nunca saciar-se com eles. — Escrevendo o mesmo Santo a propósito desta passagem do Evangelho: Ecce nos reliquimus omnia — “Eis que nós deixamos tudo”, acrescenta que viu no mundo diversos doidos, que todos eram atormentados por uma grande fome. Para se fartar, uns comiam terra: imagem dos avarentos; outros aspiravam o ar; imagem dos ambiciosos; outros que estavam próximos de uma fornalha, recebiam na boca as centelhas que voavam: imagens dos coléricos; outros, enfim, à beira de uma lagoa paludosa, bebiam dessas águas corrompidas: imagens dos desonestos. Depois o Santo, dirigindo-se a eles, exclama: Ó insensatos, não vedes que estas coisas, longe de matar a fome, só podem atiçá-la? Haec potius famem provocant, quam extinguunt.

II. Os bens do mundo têm somente aparência de bens, é por isso que não podem saciar o coração do homem. Comedistis et non estis satiati (2) — “Comestes e não fostes saciados”. Assim o avarento, quanto mais adquire, e o dissoluto, quanto mais se revolve em seus deleites, tanto mais se mostra, a um tempo, desgostoso e ávido de novos prazeres. O mesmo acontece ao ambicioso, que quer saciar-se com uma fumaça. Se os bens da terra pudessem contentar o homem, os ricos, os monarcas seriam perfeitamente felizes, mas a experiência prova o contrário. É o que Salomão declara, afiançando-nos que nada tinha negado aos sentidos: Vanitas vanitatum et omnia vanitas (3) — “Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade”.

Que me resta, meu Deus, das ofensas que Vos fiz, senão penas, amarguras e títulos para o inferno? A dor que sofro agora não me desagrada; pelo contrário consola-me, porque é efeito de vossa graça, e já que Vós a excitais em mim, dai-me a confiança que me quereis perdoar. O que me aflige é a amargura de que Vos enchi, ó meu Redentor, que tanto me haveis amado. Merecia ser então abandonado, meu Senhor, mas, em lugar de me abandonardes, vejo que me ofereceis o perdão e que sois o primeiro a pedir a paz. Sim, meu Jesus, quero fazer as pazes e desejo a vossa graça mais do que qualquer outro bem.

Arrependo-me de Vos ter ofendido, Bondade infinita, e por isso quisera morrer de dor. Eu Vos suplico, pelo amor que me tendes tido, a ponto de por mim expirar na cruz: perdoai-me e recebei-me no vosso Coração. Mudai o meu coração de tal sorte, que Vos dê tanto gosto no futuro, como no passado Vos causei desgosto. Pelo vosso amor, renuncio a todos os gozos que o mundo me possa oferecer e tomo a resolução de antes querer perder a vida que a vossa graça. Dizei-me o que tenho a fazer para Vos ser agradável; estou pronto a tudo fazer. — Prazeres, honras, riquezas, a tudo renuncio; só a Vós quero, meu Deus, minha alegria, meu tesouro, minha vida, meu amor, meu tudo! Ajudai-me, ó Senhor, a Vos ser fiel. Fazei que Vos ame, e disponde de mim como Vos aprouver. — Maria, minha Mãe e minha Esperança depois de Jesus, recebei-me debaixo da vossa proteção e fazei com que eu seja todo de Deus. (II 94.)

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1. Luc. 12, 19.
2. Agg. 1, 6.
3. Eccles. 1, 2.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 175 - 178)

26 de janeiro de 2014

TERCEIRO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA.

O Deus conservador

Meditemos a bela página evangélica de hoje. Um sopro de suave confiança perpassa a cena exposta e nos convida ver em Deus, não somente o Criador, o Senhor Soberano, mas o Pai querido, que sustenta e dirige tudo.

Jesus exalta a fé do centurião e a confiança ilimitada que tem em seu poder.

Esta confiança é o produto imediato desta fé admirável que sabe ver em tudo a ação ou o dedo de Deus, ação que se chama: a Providência

De fato, Deus não pode abandonar a sua criatura, Ele tem que conservá-la, orientá-la, através das mil peripécias da existência, donde vem o Dogma consolador da Providência, ou Deus conservador.

Para excitar em nós esta mesma confiança do centurião, vejamos hoje:

1º. As provas da Providência divina.
2º. As conseqüências desta Providência.

Estas duas verdades bem compreendidas nos estimularão a aceitar com calma e resignação tudo o que Deus ordenar ou permitir a nosso respeito.

I. Provas da Providência divina

Deus conservador, ou Providência divina, são dois termos que têm a mesma significação.

A palavra “conservador”, aplicada a Deus, significa que Deus, depois de ter dado o ser às suas criaturas, toma cuidado delas com um desvelo paternal e as conduz ao fim para o qual as criou.

Conservar é continuar a existência, fazer perdurar o que existe.

Sem esta conservação a criatura não poderia subsistir e voltaria ao nada, como a pedra lançada no ar por uma força que não se sustenta, volta necessariamente para a terra.

As criaturas a respeito de Deus, são o que é a luz a respeito do sol, o rio, a respeito da nascente!... Se Deus cessasse de conservar o mundo, este deixaria de existir, de modo que a conservação do mundo é uma criação continuada.

Esta conservação tem um duplo objeto: os seres materiais e os seres racionais. Aos primeiros, Deus dá leis físicas; aos segundos, dá leis morais; aos primeiros, ele imprime a necessidade, aos segundos impõe a obrigação.

A existência da providência de Deus, sendo uma conseqüência imediata da própria existência de Deus, prova-se: pela razão e pela crença universal.

A razão nos diz que Deus é infinitamente bom e poderoso.

Ora, se Deus depois de ter criado os homens os abandonasse, não os guiando, nem sustentando, Ele deixaria de ser bom, se não o quisesse fazer; e deixaria de ser poderoso, se não o pudesse fazer.

Logo, a Providência divina deve dirigir tudo o que há neste mundo e de modo especial a sua criatura predileta: o homem.

Tal tem sido e sempre será a crença de todos os povos que acreditam que Deus dirige todas as criaturas: eis porque todos os povos recorrem a Ele em suas aflições e lhe agradecem os benefícios recebidos.

Ora, toda crença universal, independente de climas, costumes e educação, vem de Deus.

II. As conseqüências desta providência

As conseqüências se medem pela extensão da Providência divina.

Ora, ela se estende sobre todos os acontecimentos do mundo, organizando tudo com número, peso e medida (Sap. VIII. 1) e sobre todas as criaturas, grandes e pequenas, tomando conta de cada uma em particular, como se fosse o único objeto da sua solicitude.

Notemos bem que esta Providência de Deus não tira a liberdade do homem: ele fica o que é pela sua natureza, completamente livre em sua vontade.

Deus lhe faz compreender o que é o bem e o mal: atrai-o ao bem pelas promessas, e o afasta do mal pelas ameaças, mas não o força.

Deus, tão pouco, é a causa do mal que prevê, que poderia impedir e que, no entanto, deixa fazer-se.

Se ele impedisse o mal e obrigasse a fazer o bem, o homem deixaria de ser homem, pois não teria mais liberdade: seria uma máquina automática, não seria mais um ser racional.

Deus permite, pois, o pecado para não retirar a liberdade do homem. Ele respeita esta liberdade para dar ao homem ocasião de merecer; e exige este mérito para aumentar a felicidade do homem.

Há pessoas que se queixam da Providência divina, apontando as desgraças que esmagam a humanidade, as injustiças, o pecado, etc.

São queixas injustas, pois nunca devemos perder de vista que a vida presente é uma vida de expiação, resultado do pecado, de provações e de méritos. A provação fortifica a virtude, o mérito é a semente da glória.

III. Conclusão

A importância da fé na Providência divina é de grande alcance em nossa vida.

A convicção sólida de que tudo depende de Deus, que nada acontece sem a sua ordem e permissão é um fator preponderante da atividade espiritual.

a) Preserva de toda solicitude inquieta e exagerada para o futuro, como para o presente;
b) Preserva do desânimo nos empreendimentos;
c) Preserva da impaciência nas contrariedades;
d) Preserva da presunção nas obras da salvação.

O pensamento da Providência paternal de Deus inspira confiança nas lutas, dá resignação nas provações, força na ação, paz ao espírito e consolação nas tristezas.

É a contemplação desta doce Providência que ditou a Santa Terezinha as belas e tocantes páginas do caminho da santa infância... cuja prática fez dela uma das mais fulgurantes santas dos tempos modernos.

EXEMPLOS

1. Os três Hebreus na fornalha

Inchado de orgulho por causa de suas grandes vitórias, o rei Nabucodonosor fez se erigisse uma estátua de ouro e mandou que todos os seus súditos a adorassem.

Invejosos dos companheiros de Daniel, os grandes da corte acusaram Ananias, Misael e Azarias de desprezarem a ordem do rei e os três jovens Hebreus foram lançados numa fornalha ardente.

Um anjo do Senhor desceu sobre eles, afastou as labaredas e os preservou de todo o perigo, de sorte que andavam no meio das chamas, cantando e louvando a Deus.

Nabucodonosor quis ser testemunho do prodígio: veio perto da fornalha e viu com os três Hebreus uma quarta personagem de aspecto majestoso que os conduzia no meio das chamas.

Tendo-os feito retirar do fogo, o rei averiguou que nem um cabelo de suas cabeças havia sido queimado e que suas vestimentas não tinham a mínima queimadura.

O rei publicou então um edito, em que proibiu sob pena de morte, blasfemar o nome de Deus e elevou os jovens Israelitas às mais altas dignidades.

No meio dos maiores perigos, lembremo-nos de que há uma Providência divina que vela sobre nós.

2. São Paulo, o eremita

São Paulo vivia no deserto e havia 60 anos que diariamente um corvo lhe trazia meio pão para a sua refeição.

Santo Antônio tendo vindo visitá-lo, os dois santos passaram o dia em conversar sobre as coisas de Deus, quando apareceu o corvo, trazendo neste dia um pão inteiro.

Oh! Como Deus é bom, exclamou São Paulo; Ele duplicou hoje a ração acostumada, para podermos louvá-lo mais tempo e com maior fervor!

A Providência divina cuidava até da refeição dos dois santos solitários.

3. O funil às avessas

Muitas vezes nós somos os causadores dos nossos sofrimentos e atribuímos tudo a Deus.

Um dia vi um homem querendo encher uma garrafa com vinho: serviu-se de um funil. Inexperiente e nunca tendo visto um tal instrumento de transfusão, colocou o funil às avessas, aplicando a grande abertura sobre o colo da garrafa e derramando o líquido no orifício pequeno.

Naturalmente o vinho espalhou-se em redor da garrafa e nada penetrava nela.

Então o homem encolerizou-se, xingando funil e funileiros.

O funil, no entanto, estava bem feito: bastava saber usá-lo

Deus organizou bem este mundo e o dirige por meio de seus mandamentos; porém os homens não se servem das coisas de Deus, como Ele indica, nem cumprem os seus mandamentos. E acham que tudo vai mal... e atribuem o mal a Deus.

De quem a falta?

Não sabem servir-se do funil...

(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 81 - 87)

TERCEIRO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA.

O Centurião e os homens de meia fé.

Amen dico vobis: non inveni tantam fidem in Israel — “Em verdade vos digo: não achei tamanha fé em Israel” (Mat. 8, 10).

Sumário. Prouvera a Deus que todos os cristão imitassem a fé do Centurião! Então o Senhor não terá de dirigir-lhes também a eles a queixa: “Não achei tamanha fé em Israel.” Mas infelizmente é demasiadamente grande o número dos homens de meia fé, dos que crêem nos dogmas do Evangelho sem se importar com a observância das suas máximas. Os infelizes! Tal fé repartida servir-lhes-á de maior condenação perante o tribunal de Jesus Cristo.

I. Tendo Jesus Cristo entrado em Cafarnaum, saiu-lhe ao encontro um centurião, para lhe suplicar que restituísse a saúde a um seu criado paralítico. Respondeu-lhe o Redentor: Eu mesmo irei e o curarei. — Não, Senhor, replicou o Centurião; eu não sou digno de que entreis em minha casa; basta que digais uma só palavra, e o meu criado estará salvo. — Jesus Cristo, ao ouvir tal palavra, admirou-se; consolou o Centurião dando no mesmo momento saúde ao criado, e voltando-se para os seus discípulos disse-lhes: Em verdade vos digo que não achei tamanha fé em Israel.

Ah! Prouvera a Deus que todos os cristãos imitassem a fé daquele centurião; então o Senhor não teria de dirigir-lhes também a eles a queixa: Non inveni tantam fidem in Israel — “Não achei tamanha fé em Israel”. Mas é excessivamente grande o número de cristãos de meia fé somente. Quero dizer que há católicos que crêem nas verdades especulativas da fé, que dizem respeito à inteligência, e não crêem, ou ao menos não mostram que crêem, também nas verdades práticas, que dizem respeito à vontade e aos costumes.

Com efeito, como se pode dizer que crêem no Evangelho aqueles que julgam deshonrar-se quando perdoam, que não pensam senão em ter vida de delícias, que julgam infeliz o que se abstém dos prazeres terrestres e mortifica a sua carne? Como se pode dizer que crêem no Evangelho aqueles que por humano respeito e para não se exporem aos escárnios dos outros, deixam as suas devoções, deixam a freqüência dos sacramentos, deixam o recolhimento de espírito, e se dissipam em confabulações, em banquetes, quiçá em coisas piores? Ah! Desses tais deve dizer-se, ou que não têm mais fé, ou que crêem somente em parte: Non inveni tantam fidem in Israel — “Não achei tamanha fé em Isael”.

II. Irmão meu, suplico-te pela salvação de tua alma, examina com diligência qual é a vida que levas. Se por desgraça não a achares de todo conforme à religião que professas, faze um firme propósito de emendá-la, a principiar de hoje mesmo. Reflete que essa meia fé, esse crer nos dogmas do Evangelho sem a observância das suas máximas, não te será de nenhum proveito perante o tribunal do juiz eterno; ou antes, servir-te-á para tua maior condenação.

Eis aí exatamente o que Jesus Cristo diz no Evangelho de hoje: “Eu vos digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente e se sentarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó, no reino dos céus. Os filhos do reino, porém, serão lançados nas trevas, onde haverá pranto e ranger de dentes.” — Com estas palavras, nos quis dizer que muitos dos que nasceram entre os infiéis se salvarão com os santos, ao passo que muitos nascidos no grêmio da Igreja irão ao inferno, onde o verme roedor da consciência, com os seus remorsos, os fará chorar amargamente por toda a eternidade, lembrando-lhes sempre que, se é insensato quem não crê no Evangelho, muito mais insensatos foram os que nele creram somente pela metade.

Ó meu amabilíssimo Jesus, eu também há muito tempo mereci ser contado no número daqueles insensatos, porque não tomei sempre a vossa Lei por norma das minhas ações, e Vos ofendi, ó bondade infinita. Senhor, não me atreveria a recorrer a Vós para obter misericórdia; mas: Ad quem ibimus: A quem iremos? Assim Vos direi com São Pedro: Verba vitae aeternae habes (1) — Vós tendes as palavras da vida eterna. Dizei portanto uma destas palavras e a minha alma será salva de todas as enfermidades espirituais, que lhe causei com os meus pecados. — Quanto ao futuro, renovo agora a minha fé em todas as verdades reveladas no Evangelho, nas somente nas especulativas, senão também nas práticas, e protesto que antes quero morrer do que tornar a transgredi-las. — E Vós, “Deus onipotente e eterno, olhai propício para a minha fraqueza e estendei em minha defesa a mão poderosa da vossa majestade” (2); fortalecei-me com a vossa graça a fim de que não Vos torne a trair. Peço-o também a vós, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria. (*VIII 523.)

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1. Io. 6, 69.
2. Or. Dom. curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 173 - 175.)

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Meditações Novena de Natal - Meditação 5

MEDITAÇÃO V.

DA VIDA AFLITA QUE JESUS LEVOU DESDE O SEU NASCIMENTO.
Jesus Cristo podia salvar o homem sem sofrer e sem mor-rer; mas não: para melhor mostrar-nos o seu amor, escolheu uma vida cheia de aflições. Já o profeta o chamara Homem de dores, devendo sua vida ser repleta de penas. A paixão de nosso Salvador não começou no tempo da sua morte, mas desde o seu nascimento.
Ao nascer encontra-se num estábulo, onde tudo o faz sofrer. Sofre na vista que não encontra nessa gruta senão pedras brutas e negras. Sofre no olfato pelo cheio fétido das dejeções dos animais que a habitam. Sofre no tato pelas picaduras da palha que lhe serve de leito. — Pouco depois de seu nascimento, é constrangido a fugir para o Egito, onde passa vários anos de sua infância na pobreza e no desprezo. — A vida que de-pois leva em Nazaré pouco difere da do seu exílio. — Enfim termina sua carreira em Jerusalém expirando na cruz pela violência dos tormentos.
A vida de Jesus Cristo foi, pois, um martírio contínuo, e mesmo um duplo martírio, porque teve sempre diante dos o-lhos todas as penas que o deviam afligir até a morte. A Irmã Maria Madalena Orsini, queixando-se um dia a Jesus crucifica-do, disse-lhe: “Mas Senhor, vós estivestes só três horas na cruz, enquanto que eu suporto esta pena há vários anos”. Je-sus respondeu-lhe: “Ah! ignorante que dizes? Desde o seio de minha Mãe sofri todas as penas da minha vida e da minha mor-te”. Entretanto, o que mais afligiu o coração de Jesus não foram tanto esses sofrimentos, que aceitara voluntariamente; foi a vista dos nossos pecados e da nossa ingratidão após tantas provas de seu amor. S. Margarida de Cortona não cessava de 
chorar as ofensas que fizera a Deus; o seu confessor disse-lhe um dia: “Margarida, sossega e não chores mais; Deus já te perdoou”. Mas ela respondeu: “Ah! meu pai, como posso cessar de chorar os meus pecados, sabendo que eles afligiam meu Salvador durante toda a sua vida”.

Afetos e Súplicas.
Ó meu Amor, por meus pecados enchi de amargura toda a vossa vida. Meu doce Jesus, dizei-me o que devo fazer para obter o perdão, estou pronto a tudo. Arrependo-me de todas as ofensas que vos fiz, ó meu soberano Bem; arrependo-me e amo-vos mais do que a mim mesmo. Sinto grande desejo de amar-vos, e é de vós que me vem esse desejo; dai-me, pois, a força de amar-vos muito. É justo que vos ame muito quem mui-to vos ofendeu. Ah! lembrai-me sempre o amor que me tivestes, a fim de que minha alma arda sempre de amor por vós, pense sempre em vós, não deseja senão a vós, e não procure agradar senão a vós. Ó Deus de amor, eu, outrora escravo do inferno, dou-me hoje todo a vós. Aceitai-me por piedade, e prendei-me ao vosso amor. Meu Jesus, de hoje em diante que-ro viver amando-vos, e amando-vos quero morrer.
Ó Maria, minha Mãe e minha esperança, ajudai-me a amar o vosso e o meu Deus; só vos peço essa graça; de vós a espero.

25 de janeiro de 2014

XXV de Janeiro. Necessidade da fé para contemplar com fruto o mistério da Encarnação.

Invenietis infantem pannis involutum, et positum in praesepio — “Achareis um menino envolto em panos, e posto em uma manjedoura” (Luc. 2, 12).

Sumário. Quem entra sem fé na Gruta de Belém, terá apenas sentimentos de piedade ao ver um menino tão tenro em tamanha pobreza; mas, quem entra com fé, não poderá deixar de amar a Jesus reduzido por nosso amor a tal estado. Avivemos, pois, a nossa fé e consideremos o excesso de amor de um Deus em se mostrar a nós feito criança, envolta em panos, tiritando de frio, necessitado de todas as coisas. E para que? Para ganhar o amor dos homens, suas criaturas.

I. Quando a Igreja contempla o mistério prodigioso de um Deus nascido numa gruta, exclama cheia de pasmo: O Magnum mysterium! O admirabile sacramentum! (1) — Ó grande mistério! Ó sacramento admirável! Os animais vêem o seu Senhor nascido e posto numa manjedoura! — Para contemplar com amor e ternura o nascimento de Jesus Cristo, devemos pedir ao Senhor o dom de uma fé viva. Se entramos sem fé na Gruta de Belém, teremos apenas sentimentos de piedade, ao vermos um menino reduzido a tal extrema pobreza, que, nascendo no rigor do inverno, seja posto numa manjedoura de animais, sem fogo numa gruta fria.

Mas, se entramos com fé e consideramos o excesso de bondade e amor da parte de um Deus que quis aparecer entre os homens como menino pequenino, envolto em panos, posto sobre a palha, chorando e tremendo de frio, incapaz de se mover, necessitado de um pouco de leite para viver, como será possível que alguém não se sinta atraído e docemente constrangido a dar todo o seu amor ao Deus-Menino, que se reduziu a tal extremo para se fazer amar?

Diz São Lucas que os pastores, depois de terem visitado Jesus Cristo na gruta, voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto: reversi sunt glorificantes et laudantes Deum (2). E todavia que é que eles tinham visto? Nada, senão uma criancinha pobre, tiritando de frio, sobre um pouco de palha. Mas, porque eram iluminados pela luz da fé, reconheceram naquele Menino o excesso do amor divino, e abrasados neste amor, louvavam e glorificavam a Deus por terem tido a sorte ditosa de ver um Deus aniquilado (semetipsum exinanivit (3)) e humilhado por amor dos homens.

II. Terno e amável Menino, embora eu Vos veja tão pobre nesta palha, reconheço-Vos e adoro-Vos como meu Senhor e meu Criador. Compreendo o que Vos reduziu a tão miserável estado: o vosso amor para comigo. Ó meu Jesus, quando, após isto, penso no modo pelo qual Vos tratei no passado, nas injúrias que Vos fiz, espanto-me de que tenhais podido suportar-me. Ah! Malditos pecados, que tendes feito? Enchestes de amargura o Coração tão amante do meu Senhor.

Por piedade, caro Salvador meu, pelos padecimentos que sofrestes e pelas lágrimas que derramastes na gruta de Belém, dai-me lágrimas, dai-me uma grande dor, que me faça chorar toda a minha vida os desgostos que Vos causei. Abrasai-me de amor para convosco; mas, de amor tal que compense todos os meus crimes contra Vós. Amo-Vos, meu pequenino Salvador, amo-Vos, ó Deus feito menino, amo-Vos, meu amor, minha vida, meu tudo. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e prometo-Vos não amar d´ora em diante senão a Vós. Ajudai-me com a vossa graça, sem a qual nada posso. — Ó Maria, minha esperança, alcançais de vosso divino Filho o que quereis: rogai-lhe que me conceda o seu santo amor. Minha Mãe, atendei-me. (II 340.)

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1. Off. Nativ. Resp II.
2. Luc. 2, 20.
3. Phil. 2, 7.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 467 - 469)

Santo Afonso, modelo de devoção à Maria Santíssima.

Hanc amavi et exquisivi a iuventute mea, et quaesivi sponsam mihi eam assumere — “A esta eu amei e requestei desde a minha mocidade, e procurei tomá-la para mim por esposa” (Sap.8, 2).

Sumário. Foi indizível a devoção que Santo Afonso nutria para com a Santíssima Virgem. Durante a sua vida toda deu disso contínuas e variadas provas nos diversos obséquios praticados em honra dela. E a divina Mãe, que nunca se deixa vencer em amor, como soube, tanto na vida como na morte, retribuir o afeto desse seu dileto filho! Se queremos que também para nós a santa Virgem seja verdadeira Mãe, imitemos Santo Afonso e mostremo-nos em nossas obras seus dignos filhos.

I. A grande Mãe de Deus é a mais excelsa criatura do universo e o Senhor decretou que todas as graças que quer dispensar aos homens passem pelas mãos de Maria. Na convicção desta verdade, Santo Affonso começou desde criança a amar a santa Virgem e a honrá-la com obséquios especiais. Quando, porém, já desenganado do mundo e em sinal de que o abandonava para sempre, se declarou cavalheiro da Rainha do céu, depositando a espada sobre seu altar, então o seu amor à Virgem não teve mais limites e foi aumentando cada vez mais durante toda a sua vida.

De manhã e à noite, com o rosto em terra, punha toda a sua pessoa, e particularmente a sua pureza, sob proteção de Maria, beijava-lhe humildemente a mão e pedia-lhe a benção como um filho à sua mãe, ao toque do Angelus, ajoelhava-se logo, onde quer que se achasse, para saudar afetuosamente a sua Senhora; repetia a saudação angélica cada vez que ouvia o relógio dar horas, e fizera promessa de nunca negar coisa alguma que lhe fosse pedida por amor de Maria. — No seu quarto quis sempre ter diante dos olhos uma imagem da Mãe do Bom Conselho, à qual recorria logo em todas as necessidades, dando-lhe os títulos mais afetuosos. Ao pescoço trazia sempre o escapulário e ao lado trazia o Rosário, mesmo quando bispo; e nunca deixou de rezá-lo, mesmo mais de uma vez por dia. Além disso, preparava-se para as festas da Virgem com devotas Novenas, jejuava na véspera, bem como todos os sábados, e desejava ser, depois de Deus, o primeiro no amor a Maria, tanto na terra como no céu.

Finalmente, desejando ver os outros também amarem à Virgem, mandou a seus missionários pregassem sempre sobre a misericórdia de Maria. Ele mesmo escreveu o importante livro das Glórias de Maria, com o único intuito de continuar sempre, ainda depois de morto, a promover a glória desta grande Rainha e a fazer que todos a amem. — Já que te glorias de ser filho e devoto de Santo Afonso, examina-te acerca da tua devoção a Maria Santíssima, compara-a com a de teu santo Pai, e lembra-te de que o caráter distintivo dos filhos verdadeiros do grande Doutor é exatamente a devoção especial à Mãe de Deus.

II. Maria Santíssima não pode deixar de amar a quem a ama. Mais, no dizer de um devoto escritor, ela nunca se deixa vencer em amor pelos seus devotos: Semper cum amantibus est amantior. Por isso, a grande Rainha retribuiu e venceu o afeto de seu amado filho Afonso, impetrando-lhe graças inumeráveis. — Em primeiro lugar, tomou a Congregação por ele fundada sob a sua proteção especial, defendeu-a contra os ataques infernais, e, ainda em vida de Santo Afonso, deu-lhe um insigne propagador na pessoa de São Clemente Maria (1). — Além disso, sempre abençoou e continua a abençoar os trabalhos apostólicos do Santo e de seus filhos, e obteve-lhe da Sabedoria incriada, ciência tão perfeita, que a Igreja o declarou o seu Doutor universal.

Finalmente, para não falar do mais, a divina Mãe consolou e animou Afonso em todas as dificuldades que lhe ocorreram em toda a sua longa vida. Assim como piamente se crê, apareceu-lhe e consolou-o na suprema agonia, e ainda depois da morte do Santo, uniu a devoção para com este à que os fiéis lhe dedicam a ela, de tal modo que, onde se fala, em qualquer parte do mundo, sobre Maria debaixo do título de Mãe do Perpétuo Socorro, se fala igualmente de Afonso.

Oh! Quantas graças a grande Rainha nos teria também preparado se nós nos mostrássemos seus dignos filhos! Seja, pois, o fruto desta meditação imitar a devoção de Afonso para com a Mãe de Deus, e para este fim imploremos o auxílio do Santo mesmo.

Ó fidelíssimo servo de Maria, Santo Afonso, vós que sabeis quanto Maria é digna de ser honrada, servida e amada, alcançai-me que eu também compreenda um pouco a sublimidade das suas virtudes para as imitar e seus eminentes privilégios para os admirar, louvar e amar. Meu santo protetor, eu também quisera honrá-la como vós a honrastes, amá-la como vós a amastes, louvá-la como vós a louvastes, para ser por ela amado como vós o fostes. Mas estes meus desejos são superiores às minhas forças; meu coração está demasiadamente apegado às criaturas para se elevar tão alto. Por isso a vós recorro, ó Protetor poderoso; alcançai-me a graça de honrar, servir e amar a Maria com todas as minhas forças e de invocá-la sempre com o título consolador de Mãe do Perpétuo Socorro.

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1. O leitor que deseja saber quem é este filho predileto de Santo Afonso, leia na 2ª Parte deste tomo a meditação para o dia 15 de março, dia da festa do Santo.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 170 - 172)