[Sermão] Mudar o nosso caminho, como os Reis Magos
 + Ave Maria.
“Se retiraram a seu país por outro caminho”.
Depois de adorarem Nosso Senhor, os Reis magos pretendiam voltar para
 Jerusalém, a fim de informarem Herodes do que tinham visto, conforme o 
pedido que este mesmo rei lhes havia feito. É provável que os Reis magos
 tenham concebido alguma suspeita contra Herodes e que tenham 
interrogado Deus a respeito deste rei, recebendo depois uma resposta de 
Deus num sonho. É provável também que Deus tenha tomado a iniciativa, 
vindo em auxílio à boa vontade deles. Como comenta São Jerônimo, “os que
 haviam oferecido dons ao Senhor bem mereciam receber esta resposta” e, 
para protegê-los da astúcia de Herodes, Deus faz com que eles voltem por outro caminho.
A narração do retorno dos Reis magos ao seu país por outro caminho
 não é algo sem mistério. Já em outra passagem da Sagrada Escritura, 
onde é narrado o encontro entre Esaú e Jacó (Livro do Gênesis, capítulo 
XXXIII), Deus nos mostra que, ao final deste encontro, Esaú volta para o
 lugar em que vivia pelo mesmo caminho que tinha percorrido antes, mas 
Jacó se retira por outro caminho. Ora, Esaú sempre foi visto como
 imagem dos condenados, mas Jacó sempre foi visto como imagem dos 
predestinados, daqueles que servem a Deus e que andam pelos seus 
caminhos. Também na passagem do Evangelho de hoje, sem dúvida alguma 
podemos ver Herodes como imagem dos condenados, dos que não querem 
servir a Deus, e podemos ver nos Reis magos a imagem daqueles que querem
 ser fiéis a Deus e que querem andar pelo caminho dos seus mandamentos. 
Também aqui os Reis magos, de modo semelhante a Jacó, voltaram por outro caminho.
A lição que Deus nos dá neste Evangelho e em outras passagens da 
Sagrada Escritura é que depois de termos visto Deus por suas ações, pela
 sua Providência, depois de termos conhecido a doutrina católica, 
estamos proibidos de voltar pelo mesmo caminho que vínhamos percorrendo,
 de ter a mesma conduta que tínhamos antes. Quem veio de Herodes a 
Cristo não pode voltar de Cristo para Herodes.
Esta mudança de caminho foi possível porque os Reis magos tinham a 
alma cheia de boa vontade, de generosidade para com Deus. Deus sabe de 
quanta boa vontade estavam cheios os corações dos Reis magos, que 
empreenderam uma longa viagem a pé desde a Pérsia até a Palestina, 
viagem cheia de dificuldades e perigos, para adorarem Nosso Senhor, um 
pequeno menininho. Esta boa vontade e essa generosidade tornam a alma 
bem disposta para receber as graças de Deus que, uma vez recebidas, nos 
fazem passar do caminho do orgulho, do apego às coisas materiais e da 
sensualidade ao caminho da humildade, do desapego, da castidade e da 
modéstia. Em resumo, passamos a estar animados não mais do espírito do 
mundo, mas do espírito de Nosso Senhor.
Depois de terem visto Nosso Senhor, Nossa Senhora e São José, os Reis
 magos não permaneceram mais os mesmos que eram antes de entrar na 
intimidade da Sagrada Família. Agora que Cristo tinha nascido, eles 
também tinham nascido com Nosso Senhor e buscavam as coisas do alto, não
 mais as coisas da terra, e Deus quis que esta mudança interior fosse 
muito bem simbolizada na mudança do caminho exterior.
A Igreja, como Mãe sábia e zelosa pela salvação dos seus filhos, como
 Mestra que sabe interpretar bem o ensinamento que Deus nos dá na 
Sagrada Escritura, quer dispor bem as nossas almas para nos aproximarmos
 de Nosso Senhor na Eucaristia e recebê-lo de tal modo que nossas almas 
já não sejam as mesmas que eram no começo da Santa Missa. Ela o faz por 
meio dos ritos da Santa Missa.
No domingo passado festejamos o Santíssimo Nome de Jesus. Se devemos 
mostrar respeito ao usar o santo nome de Deus, com maior razão este 
respeito deve ser mostrado por nós quando se trata da Santíssima 
Eucaristia, na qual Nosso Senhor, Deus e homem verdadeiro, está 
realmente, substancialmente presente. Já não estamos diante do nome de 
Jesus, mas de Jesus em pessoa. Após a consagração do pão e do vinho é 
Deus realmente que está sobre o altar, apesar de nossos olhos, de nosso 
tato, de nosso paladar continuarem a nos dizer que é somente pão e 
vinho. Jesus Cristo mesmo disse que após a consagração a hóstia já não é
 mais pão, que o que está contido no cálice já não é mais vinho, mas que
 agora é Ele que está realmente presente sob as aparências de pão e de 
vinho. Nossos sentidos, aqui, nos mostram ainda presentes os aspectos de
 pão e de vinho, mas nós cremos naquilo que disse Nosso Senhor porque o 
falar de Nosso Senhor é sim, sim; não, não. Ele não precisa jurar para 
garantir a veracidade do que Ele afirma. Deus não pode se enganar, nem 
nos enganar.
Mas como na Eucaristia Deus, que fez os céus e a terra, está 
realmente presente sob as aparências de pão e vinho comuns, a Igreja 
sabe que, se ela não rodear a Eucaristia de toda a veneração e de todo o
 respeito que ela pode lhe dar, aos poucos os homens começarão a 
esquecer que Deus Nosso Senhor está realmente presente nela. Os Reis 
magos ainda puderam ver Nosso Senhor na sua humanidade. Na Comunhão nem a
 humanidade de Nosso Senhor nós podemos ver. É para ajudar a nossa fé na
 presença real de Nosso Senhor na Eucaristia que a Igreja veste o padre 
com todos os paramentos que ele usa na missa, pedindo que eles sejam, 
tanto quanto possível, muito belos; que ela pede que os fiéis recebam 
Nosso Senhor de joelhos e na língua – afinal de contas, se ao nome de 
Jesus todo joelho deve se dobrar, quanto mais diante de Nosso Senhor em 
pessoa; que o padre faça repetidas genuflexões durante a missa, após a 
consagração; que ele toque na hóstia com todo cuidado, só com o polegar e
 o indicador, e não use estes dedos para tocar mais nada depois da 
consagração até o fim da missa, quando ele os purifica com vinho e água.
 Da parte dos fiéis, a Igreja pede que eles se aproximem da comunhão não
 tendo pecados graves na alma (o que seria um sacrilégio), e vestidos 
conforme a modéstia católica, o que inclui ter os ombros e joelhos 
cobertos pela roupa que usa – o véu não basta – e tudo o que está entre 
os ombros e joelhos. Ao determinar um modo de se vestir para receber a 
comunhão, a Igreja quer ensinar seus fiéis com que reverência eles devem
 se aproximar da Sagrada Comunhão, na qual recebemos Deus, mostrando 
isso também na roupa que usam.
Deste modo, nossa boa disposição interior fica muito bem expressa na 
nossa aparência exterior. Mais que isso: auxiliados pelo rito da Santa 
Missa podemos voltar não mais pelo caminho que viemos, mas com novas 
disposições de servirmos a Deus, vivificados pelo Seu Espírito. Algumas 
igrejas eram construídas levando em consideração esta verdade e buscando
 simbolizá-la. O padre e os acólitos saíam da sacristia e se dirigiam ao
 altar, no começo da Santa Missa, por um caminho; ao final da Santa 
Missa, voltavam à sacristia por outro.
Depois de assistirmos à Santa Missa, ou de rezá-la, deveríamos voltar
 para casa com um coração todo abrasado do amor divino, a ponto de 
sermos um objeto de terror para o inferno. Mas não é isso que se vê. 
Observa-se que muitos voltam sempre mais tíbios, mais impacientes, mais 
soberbos, mais apegados às honras, ao interesse e aos prazeres terrenos.
 É por falta de preparação para receber bem Nosso Senhor.
Daqui a pouco nós receberemos Deus Nosso Senhor na comunhão, 
exatamente o mesmo Jesus Cristo que foi visitado pelos Reis magos nos 
braços de Nossa Senhora. Entrando na intimidade do Seu Sagrado Coração, 
aproveitemos para Lhe pedir que não caminhemos mais pelo mesmo caminho 
interior que estamos habituados a seguir até agora, mas que ao sair 
desta Santa Missa tomemos outro caminho interior, indicado a cada um de 
nós por sua Providência e aceito por nós com docilidade, Providência que
 não pode nos conduzir por caminhos de mentira e de morte, como o que 
Herodes seguiu, querendo enganar os Reis magos e matando as crianças de 
Belém. “Eu, disse Nosso Senhor, sou o caminho, a verdade e a vida”.
 
 
 
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