12 de janeiro de 2014

PRIMEIRO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA.

A liberdade da alma

O Evangelho do domingo passado nos deu ocasião de falar da imortalidade da alma; o de hoje vai mostrar-nos a liberdade desta alma.

A narração evangélica nos mostra a vida suave e escondida de Nazaré, deixando apenas entrever a vida submissa de Jesus.

Um raio de luz vem, entretanto, iluminar esta vida calma e mostrar-nos a liberdade com que Jesus agia: É a sua ida a Jerusalém com Maria e José, o seu desaparecimento, o seu encontro no meio dos doutores, a sua veneração para com seus pais e, enfim, o seu crescimento em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens.

Vimos Jesus agir, inspirado pela vontade de seu Pai, sem paixão que o perturbe, sem medo que o faça parar, seguindo em tudo a voz de seu Pai a qual lhe ditava a sua consciência.

Nós também somos livres, temos diante de nós o bem e o mal: o primeiro para fazê-lo, o segundo para fugir dele.

Tal liberdade é muitas vezes mal compreendida, por isso vamos meditar hoje:

1°. As provas da liberdade da alma.
2°. Em que consiste tal liberdade.

São noções simples, mas que nos darão uma idéia clara das exigências da liberdade e da necessidade de aproveitá-la para a virtude.

I. Provas da Liberdade

Entende-se por liberdade ou livre-arbítrio a faculdade que o homem tem de fazer ou não fazer um ato, ou de escolher uma coisa em preferência a outra.

Toda vontade que pode determinar-se em sua escolha, produzir um ato ou abster-se dele, é livre.

Existe a liberdade física ou exterior, e a liberdade moral ou liceidade.

O homem é livre, antes de agir, pela escolha do ato que pretende fazer.

É livre enquanto age, podendo continuar, interromper ou deixar o ato começado.

É livre também depois de agir, conservando a consciência de ter agido livremente; felicitando-se ou censurando-se do ato feito.

Os adversários desta grande verdade chamam-se fatalistas ou deterministas.

Os fatalistas atribuem tudo ao destino ou acaso.

Os deterministas pretendem que o homem se determine pelas leis da natureza em geral e as da sua natureza em particular.

Tais aberrações dissipam-se diante da dupla prova da liberdade humana, que é o nosso sentimento íntimo e a conduta do gênero humano.

Nós sentimos perfeitamente que somos livres.

Sentimos em nós um desejo irresistível da felicidade: este desejo é da natureza, e não é livre, mas sentindo um desejo de dar um passeio, de ler, de escrever, sentimos que podemos fazer isto ou não fazê-lo, conforme a nossa vontade.

O gênero humano, por sua vez, prova tal liberdade, pois todas as nações, mesmo as selvagens, são regidas por certas leis, e uma sanção é imposta aos transgressores destas leis.

Ora, se o homem não é livre de fazer e não fazer, para que impor-lhe leis? Para que recompensar a fidelidade à lei e castigar a transgressão?

Não se dão leis, nem se recompensa, nem se ameaça de castigar uma máquina, pois esta faz necessariamente o serviço para o qual foi construída.

Os maiores criminosos sabem muito bem que são responsáveis porque eram livres... e a qualquer um deles, se ele alegar a cólera, o ódio ou outro vício, podemos responder: Era preciso resistir, pois eras livre!

II. Em que consiste a liberdade

O homem, no estado atual, pode fazer o bem ou o mal. Digo que pode, isto é: tem a liberdade, porém, não tem o direito de fazer o mal e tem o dever de fazer o bem.

Isto é tão claro que, quando faz o mal, ele sente em si o remorso e quando faz o bem, experimenta uma satisfação íntima.

A essência da liberdade consiste inteiramente na potência ativa de escolher entre duas coisas boas e não em escolher entre o bem e o mal.

O homem tem o poder de fazer o mal, mas não tem o direito de fazê-lo.

Jesus Cristo possui a plenitude da liberdade, mas não pode fazer o mal.

Maria Santíssima gozava desta mesma plenitude, embora fosse confirmada em graça e não pudesse fazer o mal.

Deus é soberanamente livre em tudo o que faz, entretanto a sua perfeição infinita esbarra diante da impotência absoluta de escolher o mal.

Temos pois a distinguir a verdadeira liberdade que se exerce na esfera da honestidade e do bem, supondo sempre a ordem e a lei, em outros termos: é o direito de cumprir o seu dever.

A falsa liberdade é aquela que se exerce sob o império das paixões, na independência e na desordem. – Pode-se defini-la: o pretenso poder de fazer o mal.

É o estado atual em que nós nos encontramos neste mundo: temos a triste liberdade de fazer o mal, mas não temos o direito de usar desta liberdade.

III. Conclusão

Temos, pois, diante de nós, o bem e o mal; isto quer dizer que há ações boas e ações más.

Distinguimos estas ações por meio de uma voz interior que está em nós e que chamamos de consciência. Tal voz está encarregada por Deus, de dizer-nos: isto é bem, isto é mal.

Às vezes as paixões e preconceitos falsificam a consciência ao ponto que em um caso particular, ela tome o mal pelo bem, entretanto nunca podem fazer desaparecer a distinção que separa as ações boas das más.

Podemos distinguir tais ações pela conformidade ou oposição de um ato com as leis de Deus: umas gravadas no fundo do nosso coração, que chamamos lei natural; e cuja voz é a consciência; outras promulgadas exteriormente por Deus, e chamadas: lei escrita. É o Decálogo ou dez mandamentos da lei de Deus.

EXEMPLOS

I. Uma palavra de Napoleão

Os fatalistas negam a liberdade ou livre-arbítrio do homem, sob pretexto de que o porvir está regulado com precisão, nas previsões divinas e que o que “está escrito escrito está”.

Um dia falaram diante de Napoleão deste fatalismo dos muçulmanos.

O imperador respondeu: Os próprios turcos nem acreditam nisso, senão como teriam médicos entre eles, ou pelo menos curandeiros?

Quanto aos que habitam no terceiro andar de uma casa, tendo de sair, não se dariam ao trabalho de descer pela escada: lançar-se-iam logo pela janela abaixo: é mais curto e se o que deve acontecer, acontece fatalmente, a janela não é mais perigosa do que a escada.

II. Um dissabor de Lombroso

O fatalista Lombroso, tornou-se conhecido pela sua teoria do criminoso nato.

Conforme esta opinião, um criminoso está ferreteado para o crime desde o seu nascimento por particularidades físicas da sua natureza.

E Lombroso acreditava nisso, como até nossos dias há gente que nisso acredita.

O pobre Lombroso passou um dia por um dissabor apertado.

A opinião pública ficou indignada pelo crime de um assassino famoso.

Fotografias de mãos humanas foram publicadas pelos jornais como sendo do criminoso.

Lombroso quis estudar o caso e demonstrou doutoralmente, pelo afastamento dos dedos, pela forma das unhas e falanges, por certas diferenças entre as duas mãos, que o assassino estava predestinado ao crime e não tinha liberdade de afastar este destino: havia de ser assassino.

Pouco depois foi demonstrado que tais fotografias eram das mãos de um bom e honesto operário, estimado por todos...

Foi um aplauso de gargalhadas em honra de Lombroso.

(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 67 - 72)

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