Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-
No
Santo Evangelho de hoje, vemos o demônio tentando NSJC. São Tomás diz
que NSJC quis ser tentadopor quatro razões. Primeiramente, para nos
auxiliar contraas tentações, isto é, para vencer as nossas tentações
pelas suas, assim como venceu a nossa morte pela sua morte.Em segundo
lugar, Ele quis ser tentado para que ninguém pense que está imune das
tentações, por mais santo que seja. Terceiro, para nos dar o exemplo de
como vencer as tentações. Quarto, para que tenhamos confiança em sua
misericórdia, pois temos um Salvador semelhante a nós em tudo, salvo no
pecado. É preciso ter claro, porém, que a tentação de Cristo no deserto é
bem diferente da nossa. Quando somos tentados, inclinamo-nos e somos,
em maior ou menor medida, atraídos ao mal e temos que combater essa
inclinação, às vezes com grande dificuldade. Em Cristo, não houve nada
disso, não houve qualquer conflito interno nem qualquer inclinação ao
mal, por menor que seja. Para Cristo, as tentações que lemos hoje no
Evangelho, eram puramente exteriores, pois do contrário haveria o início
de uma desordem moral em Cristo, o que não pode ser admitido sem
blasfêmia.
Convém, então, conhecermos o processo da tentação, para não confundi-la com o pecado. A tentação não é, em si, um pecado.
Nós
vemos hoje, então, o demônio em seu ofício próprio, que é o de
tentar, como nos diz São Tomás. Todavia, nem todas as tentações vêm do
demônio. São Tiago no diz expressamente que “cada um é tentado por suas
próprias concupiscências, que atraem e seduzem.” (Tiago I, 14). E também
é evidente que outros homens podem nos tentar, nos incitar ao pecado
pelo mau exemplo, por mau conselho, mandando, louvando o pecado,
participando, ou então, não nos avisando, não impedindo, não denunciando
o pecado quando podem e devem fazê-lo. A tentação pode ocorrer de dois
modos distintos. O primeiro modo por persuasão interna, ou seja, pela
imaginação, pela provocação de sentimentosdesordenados
ou de paixões desordenadas, a fim de obscurecer nosso entendimento
e arrastar nossa vontade. O segundo modo é pela proposição externa do
objeto desordenado que atrai nossas paixões, nosso entendimento ou nossa
vontade.
Para evitar a confusão entre a tentação e o pecado, é preciso distinguir três fases na tentação.
A
primeira fase da tentação é a sugestão. A sugestão é a representação do
pecado na imaginação ou na inteligência. Portanto, o pecado aparece em
nossa imaginação ou em nossa inteligência. Essa mera representação ou
aparição involuntárias - por piores que sejam e por mais duradouras que
sejam – não constituem ainda pecado, se nossa vontade não consente.
Evidentemente, devemos rechaçar essa sugestão assim que percebemos a sua
maldade. Se a vontade não trabalha para afastar essa sugestão, nos
expomos ao subsequente consentimento. Portanto, a negligência em não
afastar essa sugestão ou representação é um pecado venial, sobretudo se a
tentação é forte. Se eu desejo pensar em algo ruim ou imaginar algo
ruim, já temos aí, evidentemente, um pecado, pois se trata de um ato
plenamente voluntário. Eis a primeira fase: a sugestão, a imaginação ou o
pensamentoruim involuntários.
A
segunda fase da tentação é a deleitação não deliberada ou o sentir
involuntário. Com frequência, a simples sugestão involuntária de que
falamos acima geracerta deleitação ou uma sensação. Também aqui não há
pecado, se essa sensação não é querida, se ela não é desejada
nem permitida pela vontade. Essa sensação espontânea não é um ato
voluntário e não pode, então, ser um pecado. Sentir não é consentir. E o
pecado está somente no consentir. Então, se, ao contrário, consentimos
nessa deleitação, nessa sensação agradável que nos traz a sugestão do
pecado, cometemos aí sim uma ofensa a Deus.
A
Terceira fase do tentação é o consentimento da vontade. Se depois da
sugestão e dessa deleitação ou sensação involuntárias, a vontade rechaça
ambas as coisas, não há aí pecado algum. O pecado só existe quando
admitimos ou aprovamos a má sugestão ou a deleitaçãodesordenada. O
pecado só vem com o consentimento da vontade. É preciso ter bem claras
essas três fases e ter em mente que o pecado só vem com o consentimento.
Muitas
vezes, é difícil discernir se houve ou não consentimento. Há algumas
regras para nos ajudar a saberse houve ou não consentimento. Assim, se
se trata de uma pessoa de consciência reta que não costuma cair com
frequência em pecado, a presunção de que não houve consentimento ou de
que o consentimento foi imperfeito está a seu favor. Se se trata, ao
contrário, de pessoa que tem a consciência larga e que costuma ceder com
frequência às tentações, a presunção é de que houve consentimento. Se a
pessoa lutou durante todo o período da tentação, rechaçando-a repetidas
vezes, é provável que não tenha consentido ou ao menos que não tenha
consentido plenamente. Da mesma forma, em geral, se a pessoa podia
cometer facilmente um pecado externo correspondente à tentação e não o
cometeu, há indíciosfortes de que não houve pleno consentimento. Em caso
de dúvida séria se consentimos ou não, devemos fazer um ato de
contrição e nos acusar dessa falta como duvidosa na confissão.
Para
vencer as tentações é preciso, igualmente, distinguir três fases. A
primeira fase antecede a tentação. Ela consiste em vigiar e orar. Nosso
Senhor mesmo o diz:“Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O
espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt XXVI, 41). É preciso,
portanto, ter uma vida de oração sólida, com as orações da manhã e da
noite, com o Santo Terço, com jaculatórias. Recorrer a Nossa Senhora e
ao Anjo da Guarda. É preciso vigiar, fugindo das ocasiões de pecado,
evitando a ociosidade, combatendo o defeito dominante, mortificando os
sentidos, sobretudo os olhos. Nosso Senhor nos dá o exemplo: no deserto,
ele passou 40 dias rezando, meditando e mortificando-se, sem
ociosidade, sem colocar-se em ocasião de pecado, etc…
A
segunda fase do combate à tentação é durante a própria tentação. É
preciso resistir à tentação assim que ela surge, isto é, quando ela inda
é fraca e fácil de ser vencida.Não agir logo contra a tentação,
sobretudo em matéria de fé e pureza, é um pecado venial de negligência e
de exposição ao pecado, pois se deixamos o a imaginação ou o pensamento
permanecerem, passaremos à deleitação involuntária e dessa
deleitação temos um grande risco de passar ao consentimento. Nosso
Senhor nos dá o exemplo. Ao contrário de Adão e Eva que pararam para
pensar no que estava dizendo o demônio e terminaram consentindo, Cristo
reage imediatamente, citando a Revelação. É preciso, assim, resistir à
tentação seja diretamente, seja indiretamente. Resistir diretamente à
tentação é fazer ou pensar o contrário daquilo que é sugerido pela
tentação. Se a tentação consiste em falar mal de alguém sem necessidade,
devemos procurar falar bem daquela pessoa, de suas qualidades. Se a
tentação é de suprimir uma oração ou encurtá-la, devemos prolongá-la. Se
a tentação é de irar-se sem causa ou de forma desproporcional, devemos
agir com muita medida, etc. Resistirindiretamente consiste em não
enfrentar a tentação, mas afastar-se dela, aplicando nossa imaginação e
nossa inteligência em algo bom, lícito, que possa absorver nossas
faculdades. Em tentações contra a fé e a castidade, devemos aplicar
sempre a resistência indireta, pois nesses casos, a luta direta pode
aumentar a tentação, dado o perigo e a sinuosidade da questão. Em
matéria de fé e castidade, em particular, devemos aplicar as nossas
faculdades, sobretudo a memória e a imaginação, a uma atividade que as
absorva e devemos fazer isso rápida eenergeticamente, mas também com
grande serenidade e calma. Por exemlo, podemos considerar todos os
Estados do país e suas capitais, como diz um autor espiritual.
A
tentação pode persistir, apesar de a rechaçarmosempregando os devidos
meios. Se a tentação persiste, não devemos desanimar, não devemos perder
a coragem. Será necessário repetir mil vezes o repúdio à tentação com
serenidade e paz, evitando cuidadosamente o nervosismo, a perturbação
e certo desespero, que seriam já um início de vitória do inimigo. Nosso
Senhor dá mais uma vez o exemplo: Ele reage imediatamente à tentação e
com vigor, mas com serenidade e calma. Cada ato de repulsa à
tentação será um mérito adquirido diante de Deus e um novo
fortalecimento para a alma. A tentação contínua, quando é
igualmente rechaçada continuamente, aproxima a alma de Deus. Quando as
tentações são contínuas, convém manifestá-las ao confessor, pois uma
tentação declarada ao confessor é uma tentação semi-vencida já. O
confessor poderá também dar conselhos mais precisos para evitar as
tentações e combatê-las melhor. Claro, podemos pedir a Deus que nos
livre dessas tentações, como fez São Paulo, sabendo, porém, que Deus
pode continuar a permiti-las, justamente, para que possamos continuar a
progredir humildemente, como ele fez com o mesmo Apóstolo. No Pai Nosso,
não pedimos a Deus que nos livre da tentação, pedimos a Deus que não
nos deixe cair nas tentações e que nos livre do mal, que é, antes de
tudo, o pecado.
A
terceira fase do combate às tentações é depoisdelas. A alma deve
agradecer a Deus humildemente, se saiu vitoriosa do combate. Deve
arrepender-se imediatamente, se teve a desventura de sucumbir, e
procurar a confissão, se se trata de pecado grave. A alma deve
aproveitar a lição da queda para os combates futuros.
Devemos
nos lembrar, caros católicos, que as tentações sempre existirão. Elas
só cessarão no céu. Diz a Sagrada Escritura: “Filho, vindo para servir
ao Senhor, (…) prepara a tua alma para a tentação.” Em geral, quando
tomamos a decisão de servir bem a Deus, somos mais tentados. E isso é
bem normal. Quando estamos distantes de Deus, caminhamos sozinhos para o
mal, não precisamos ser induzidos por alguém nem provocados ao erro.
Quando a pessoa está distante de Deus já são tantos os perigos e as
ocasiões de queda a que ela se expõe que o demônio nem precisa tentá-la,
praticamente.
Eis, então, o combate contra a tentação, tentação que não é, em si, um pecado.
Aproveito
também para tratar dos chamados pecados internos, para os quais
muitas pessoas dão pouca importância ou automaticamente consideram como
pecado venial, desde que não haja nenhum ato externo. Ora, o pecado é
essencialmente algo interno, que está na vontade. Portanto, para que
haja pecado não é necessário passar ao ato externo. Basta considerarmos o
nono e o déicmo mandamentos: não cobiçar a mulher do próximo e não
cobiçar as coisas alheias são pecados puramente internos. Assim, um
pecado puramente interno tem a mesma gravidade essencial que o ato
externo. Claro, o ato externo aumenta a malícia do ato interno em
virtude da maior intensidade da vontade requerida para passar ao ato
exterior, pela maior duração do ato interno, que se prolonga durante
toda a execução exterior e pela eventualmultiplicação dos atos
interiores quando da execução exterior. Além disso, os atos externos
podem ter outras consequências: o escândalo, a destruição dos bens do
próximo e a consequente obrigação de restituir, por exemplo.
Mas, essencialmente, o pecado interno tem a mesma gravidade que o ato
externo, pois o ato externo é simples prolongamento do pecado interno.
Por isso, Nosso Senhor diz: “todo aquele que lançar um olhar de cobiça
para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração.” (Mt V, 28).
Portanto, se o ato externo é pecado mortal, o pecado puramente interno
também será, se há a plena advertência e o pleno consentimento
necessários para que haja pecado grave. Os pecados internos podem ser de
três tipos. O primeiro tipo de pecado interno chama-sedeleitação
morosa, que é regozijar-se na representação do pecado, como se ele
estivesse sendo realizado, mas sem a intenção de
realizá-lo exteriormente. Se alguém se regozija, com plena advertência e
consentimento, nopensamento de assassinar outra pessoa, por exemplo,
comete homícidio em seu coração, um pecado gravíssimo, por mais que não
tenha a intenção de passar ao ato externo. O segundo tipo de pecado
interno é o mau desejo,que ocorre quando a pessoa tem a intenção de
executar o pecado quando for possível. Ainda que não consiga executá-lo,
o pecado interno já está cometido com a mesma gravidade essencial do
pecado externo. Com o mesmo exemplo, alguém que tem a intenção de matar
outra pessoa, mas não consegue fazê-lo por que a polícia passou na hora,
cometeu homicídio em seu coração. O terceiro e último tipo de pecado
interno é a alegriapecaminosa, isto é, a alegria ou
deleitação voluntárias com uma ação pecaminosa passada feita pela
própria pessoa ou por outra. Aquele que, depois de ter matado alguém
injustamente, se alegra de tê-lo matado, comete novamente homícidio em
seu coração com a mesma gravidade essencial do homícidio propriamente
dito. Portanto, os pecados internos não são sem importância, eles não
são automaticamente veniais. Os pecados internostêm a mesma gravidade
essencial do ato externo.
Sigamos o exemplo de NSJC, caros católicos: Adoremos ao Senhor e sirvamos a Ele somente, combatendo as tentações e evitando todo pecado.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.