Sermão para o Domingo da Quinquagésima
10 de fevereiro de 2013 - Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
“Se não tiver a caridade, nada sou.” (I Cor, 13)
Três dias somente nos separam do começo
da Quaresma. A Santa Igreja continua a nos preparar e a nos dispor, pela
Sagrada Liturgia, a uma Quaresma que possa o dar frutos eternos. Para
tanto, a Igreja nos apresenta o sublime elogio da caridade na Epístola
de São Paulo e nos apresenta, no Evangelho, o anúncio da paixão e a cura
de um cego. Mas como essas três coisas nos preparam de maneira perfeita
para a Quaresma, pois não parece haver muita relação entre elas?
Para compreender o que a Igreja quer nos
ensinar, devemos, antes de tudo, considerar bem a finalidade da
Quaresma. A quaresma são quarenta dias de conversão, quarenta dias para
que possamos morrer ao pecado com Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de
ressuscitar com Ele para a vida da graça. Para fazer isso, precisamos da
penitência, pela qual, com verdadeira dor e detestação de nossos
pecados, satisfazemos pela ofensa feita a Deus. Todavia, a penitência
sozinha não serve para nada, se ela não é inspirada pela caridade, quer
dizer, ela não serve para nada se ela não é feita em união com Deus ou
tendo em vista essa união com Deus, essa amizade com Deus. E isso porque
a melhor das ações não tem valor algum para a salvação, se ela não é
acompanhada da caridade ou se ela não tem por fim a caridade. Além
disso, como somos fracos e inconstantes e sem Deus nada podemos fazer,
devemos pedir a Deus, pela oração, que nossas penitências acompanhadas
da caridade sejam agradáveis aos seus olhos.
Dessa forma, podemos compreender porque a
Igreja escolheu estas passagens da Sagrada Escritura para o Domingo que
precede a quaresma. A Igreja anuncia a Cruz, para que satisfaçamos
pelos nossos inumeráveis pecados. Ela faz o elogio da caridade porque
sem a caridade nada tem valor, dado que só a caridade ordena tudo a
Deus. E, finalmente, ela nos apresenta a cura do cego, na qual
encontramos um modelo de oração: “Filho de David, tende piedade de mim.”
Assim, não podemos fazer uma penitência sincera sem ter por finalidade a
união com Deus. E, ao mesmo tempo, não podemos estar verdadeiramente
unidos a Deus se recusamos carregar a nossa própria cruz, quer dizer, se
recusamos fazer penitência. A cruz e a caridade são inseparáveis nessa
Terra. Todavia, nem a caridade nem a cruz podem existir sem a oração,
pois sem Deus nada podemos fazer. É preciso fazer penitência não para se
orgulhar, não para se mostrar aos outros, mas para recobrar ou aumentar
a nossa amizade com Deus, pedindo-lhe, pela oração, essa amizade.
Durante a Quaresma, a união da penitência, da oração e da caridade é
indispensável. Uma Quaresma sem um desses três elementos seria uma
Quaresma infrutífera, que não conduziria a uma união profunda e
duradoura com Deus, união que é, justamente, o objetivo da Quaresma. É
por isso que, tradicionalmente, recomendam-se esforços nesses três
frontes durante a Quaresma: penitência (privar-se de algo que gosta, por
exemplo), oração (determinar dias de visita ao Santíssimo, rezar um
terço a mais, ou outra devoção) e obras de caridade (como, por exemplo,
esmolas ou as obras de misericórdia corporais e espirituais).
Gostaria, porém, de dar um exemplo e uma
sugestão, caros católicos, de resolução para essa Quaresma. Exemplo e
sugestão de uma resolução que une muito bem esses três elementos de que
acabamos de falar. Trata-se do combate de cada um contra seu defeito
dominante.
O demônio, inimigo do homem, é como um
leão que ruge ao nosso redor, procurando nos devorar. Com muita
inteligência, ele busca, precisamente, nos atacar em nosso ponto fraco.
Assim, ele faz a ronda para examinar todas as nossas virtudes teologais,
cardeais e morais, e é no ponto em que nos encontra mais fraco, é nesse
ponto, que é o mais perigoso para a nossa salvação, que ele nos ataca e
tenta nos abater. Como um bom chefe de guerra, ele sabe que uma vez
tomado o ponto mais fraco de nossa alma, o menos virtuoso, ele vai se
tornar o mestre de todo o resto de nossa alma. Esse ponto mais
desprovido de virtude, o mais arruinado pelas nossas más inclinações é
justamente o nosso defeito dominante, que é também a raiz, a causa de
muitos outros pecados. Esse defeito dominante pode ser muito diverso
segundo cada pessoa: o orgulho, a vaidade, a sensualidade, a impureza, a
falta de modéstia, o respeito humano, o apego aos bens desse mundo, o
apego às honras ou à glória desse mundo. Ele pode ser a preguiça,
sobretudo a preguiça espiritual, a falta de espírito sobrenatural, a
falta de esperança, a inconstância, o espírito mundano, a cólera, etc…
É fácil ver a importância de combater
nosso defeito dominante e isso por duas razões principais.
Primeiramente, porque é do defeito dominante que nos vêm os maiores
perigos para a nossa alma e as mais graves ocasiões de pecado. Como
dissemos, ele é a raiz para vários outros pecados. Segundo, podemos ver a
importância de combater o defeito dominante pelo fato de que, uma vez
vencido o inimigo mais terrível, os inimigos mais fracos serão
facilmente derrotados por nossa alma, que se tornou mais forte em razão
da primeira vitória. Devemos agir como o Rei da Síria na guerra contra
Israel. Esse Rei ordenou aos seus soldados que combatessem unicamente
contra o Rei de Israel, prometendo que a morte do Rei inimigo daria uma
vitória fácil sobre o resto do exército israelita. Foi exatamente o que
aconteceu: tendo morrido o rei de Israel, todo o exército cedeu e a
guerra terminou imediatamente. De maneira semelhante, caros católicos,
será muito mais fácil vencer nossos outros defeitos quando tivermos
vencido o nosso defeito dominante.
Para que sejamos vitoriosos nesse
combate, é preciso, todavia, seguir o conselho da Igreja. A vitória
sobre o nosso defeito dominante não ocorre sem os sofrimentos, sem as
cruzes, sem as privações. É impossível vencê-lo sem a mortificação, sem a
penitência. Do mesmo modo, sem a oração – sem muita oração – é
igualmente impossível vencê-lo e até mesmo começar a batalha, pois é
Deus que nos dá a força para combater e é Deus que nos dá, em última
instância, a vitória. Sem Ele, mais uma vez, nada podemos fazer.
Finalmente, é a caridade, a vontade de servir Deus, infinitamente bom e
amável, que deve nos animar e nos dispor ao combate. São a cruz e a
oração simples – mas eficaz – do cego que nos são lembradas pelo
Evangelho. É a caridade – absolutamente necessária – que nos lembra São
Paulo no sublime elogio da caridade. Mas para não se enganar a respeito
de seu próprio defeito dominante, é necessário pedir o auxílio de Deus,
para que Ele mostre qual é esse defeito e convém pedir conselho a um
padre bom que conheça sua alma.
Se, caros católicos, conseguirmos vencer
ou ao menos começar uma batalha séria contra nosso vício dominante –
porque às vezes é preciso muito tempo para vencê-lo, como foi o caso,
por exemplo de São Francisco de Sales com a ira – o caminho da santidade
estará bem traçado, pois dessa forma cortamos o mal pela raiz, cortamos
o mal em sua causa e evitamos todos os frutos ruins, que são os
pecados. Com essa má árvore cortada, poderemos praticar com facilidade e
alegria a virtude e o bem, avançando no caminho da perfeição.
Em todo caso, caros católicos, durante a
Quaresma, não esqueçam nem um só desses três elementos: a penitência, a
oração e a caridade. Com eles teremos uma Quaresma com frutos abundantes
e duradouros porque teremos avançado em direção à vida eterna,
satisfazendo por nossos pecados e nos dispondo à graça. Sem esses
elementos, nossa Quaresma até poderá produzir alguns frutos, mas eles
permanecerão superficiais e passageiros. Portanto: a cruz, a oração, a
caridade. Isso é o resumo do Evangelho, o resumo da vida de Nossa Senhor
Jesus Cristo. Deve ser também o resumo de nossas vidas.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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