21 de fevereiro de 2013

Padre Daniel Pinheiro - IBP

[Sermão] Primeiro Domingo da Quaresma

Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-
No Santo Evangelho de hoje, vemos o demônio tentando NSJC. São Tomás diz que NSJC quis ser tentadopor quatro razões. Primeiramente, para nos auxiliar contraas tentações, isto é, para vencer as nossas tentações pelas suas, assim como venceu a nossa morte pela sua morte.Em segundo lugar, Ele quis ser tentado para que ninguém pense que está imune das tentações, por mais santo que seja. Terceiro, para nos dar o exemplo de como vencer as tentações. Quarto, para que tenhamos confiança em sua misericórdia, pois temos um Salvador semelhante a nós em tudo, salvo no pecado. É preciso ter claro, porém, que a tentação de Cristo no deserto é bem diferente da nossa. Quando somos tentados, inclinamo-nos e somos, em maior ou menor medida, atraídos ao mal e temos que combater essa inclinação, às vezes com grande dificuldade. Em Cristo, não houve nada disso, não houve qualquer conflito interno nem qualquer inclinação ao mal, por menor que seja. Para Cristo, as tentações que lemos hoje no Evangelho, eram puramente exteriores, pois do contrário haveria o início de uma desordem moral em Cristo, o que não pode ser admitido sem blasfêmia.
Convém, então, conhecermos o processo da tentação, para não confundi-la com o pecado. A tentação não é, em si, um pecado.
Nós vemos hoje, então, o demônio em seu ofício próprio, que é o de tentar, como nos diz São Tomás. Todavia, nem todas as tentações vêm do demônio. São Tiago no diz expressamente que “cada um é tentado por suas próprias concupiscências, que atraem e seduzem.” (Tiago I, 14). E também é evidente que outros homens podem nos tentar, nos incitar ao pecado pelo mau exemplo, por mau conselho, mandando, louvando o pecado, participando, ou então, não nos avisando, não impedindo, não denunciando o pecado quando podem e devem fazê-lo. A tentação pode ocorrer de dois modos distintos. O primeiro modo por persuasão interna, ou seja, pela imaginação, pela provocação de sentimentosdesordenados ou de paixões desordenadas, a fim de obscurecer nosso entendimento e arrastar nossa vontade. O segundo modo é pela proposição externa do objeto desordenado que atrai nossas paixões, nosso entendimento ou nossa vontade.
Para evitar a confusão entre a tentação e o pecado, é preciso distinguir três fases na tentação.
A primeira fase da tentação é a sugestão. A sugestão é a representação do pecado na imaginação ou na inteligência. Portanto, o pecado aparece em nossa imaginação ou em nossa inteligência. Essa mera representação ou aparição involuntárias - por piores que sejam e por mais duradouras que sejam – não constituem ainda pecado, se nossa vontade não consente. Evidentemente, devemos rechaçar essa sugestão assim que percebemos a sua maldade. Se a vontade não trabalha para afastar essa sugestão, nos expomos ao subsequente consentimento. Portanto, a negligência em não afastar essa sugestão ou representação é um pecado venial, sobretudo se a tentação é forte. Se eu desejo pensar em algo ruim ou imaginar algo ruim, já temos aí, evidentemente, um pecado, pois se trata de um ato plenamente voluntário. Eis a primeira fase: a sugestão, a imaginação ou o pensamentoruim involuntários.
A segunda fase da tentação é a deleitação não deliberada ou o sentir involuntário. Com frequência, a simples sugestão involuntária de que falamos acima geracerta deleitação ou uma sensação. Também aqui não há pecado, se essa sensação não é querida, se ela não é desejada nem permitida pela vontade. Essa sensação espontânea não é um ato voluntário e não pode, então, ser um pecado. Sentir não é consentir. E o pecado está somente no consentir. Então, se, ao contrário, consentimos nessa deleitação, nessa sensação agradável que nos traz a sugestão do pecado, cometemos aí sim uma ofensa a Deus.
A Terceira fase do tentação é o consentimento da vontade. Se depois da sugestão e dessa deleitação ou sensação involuntárias, a vontade rechaça ambas as coisas, não há aí pecado algum. O pecado só existe quando admitimos ou aprovamos a má sugestão ou a deleitaçãodesordenada. O pecado só vem  com o consentimento da vontade. É preciso ter bem claras essas três fases e ter em mente que o pecado só vem com o consentimento.
Muitas vezes, é difícil discernir se houve ou não consentimento. Há algumas regras para nos ajudar a saberse houve ou não consentimento. Assim, se se trata de uma pessoa de consciência reta que não costuma cair com frequência em pecado, a presunção de que não houve consentimento ou de que o consentimento foi imperfeito está a seu favor. Se se trata, ao contrário, de pessoa que tem a consciência larga e que costuma ceder com frequência às tentações, a presunção é de que houve consentimento. Se a pessoa lutou durante todo o período da tentação, rechaçando-a repetidas vezes, é provável que não tenha consentido ou ao menos que não tenha consentido plenamente. Da mesma forma, em geral, se a pessoa podia cometer facilmente um pecado externo correspondente à tentação e não o cometeu, há indíciosfortes de que não houve pleno consentimento. Em caso de dúvida séria se consentimos ou não, devemos fazer um ato de contrição e nos acusar dessa falta como duvidosa na confissão.
Para vencer as tentações é preciso, igualmente, distinguir três fases. A primeira fase antecede a tentação. Ela consiste em vigiar e orar. Nosso Senhor mesmo o diz:“Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt XXVI, 41). É preciso, portanto, ter uma vida de oração sólida, com as orações da manhã e da noite, com o Santo Terço, com jaculatórias. Recorrer a Nossa Senhora e ao Anjo da Guarda. É preciso vigiar, fugindo das ocasiões de pecado, evitando a ociosidade, combatendo o defeito dominante, mortificando os sentidos, sobretudo os olhos. Nosso Senhor nos dá o exemplo: no deserto, ele passou 40 dias rezando, meditando e mortificando-se, sem ociosidade, sem colocar-se em ocasião de pecado, etc…
A segunda fase do combate à tentação é durante a própria tentação. É preciso resistir à tentação assim que ela surge, isto é, quando ela inda é fraca e fácil de ser vencida.Não agir logo contra a tentação, sobretudo em matéria de fé e pureza, é um pecado venial de negligência e de exposição ao pecado, pois se deixamos o a imaginação ou o pensamento permanecerem, passaremos à deleitação involuntária e dessa deleitação temos um grande risco de passar ao consentimento. Nosso Senhor nos dá o exemplo. Ao contrário de Adão e Eva que pararam para pensar no que estava dizendo o demônio e terminaram consentindo, Cristo reage imediatamente, citando a Revelação. É preciso, assim, resistir à tentação seja diretamente, seja indiretamente. Resistir diretamente à tentação é fazer ou pensar o contrário daquilo que é sugerido pela tentação. Se a tentação consiste em falar mal de alguém sem necessidade, devemos procurar falar bem daquela pessoa, de suas qualidades. Se a tentação é de suprimir uma oração ou encurtá-la, devemos prolongá-la. Se a tentação é de irar-se sem causa ou de forma desproporcional, devemos agir com muita medida, etc. Resistirindiretamente consiste em não enfrentar a tentação, mas afastar-se dela, aplicando nossa imaginação e nossa inteligência em algo bom, lícito, que possa absorver nossas faculdades. Em tentações contra a fé e a castidade, devemos aplicar sempre a resistência indireta, pois nesses casos, a luta direta pode aumentar a tentação, dado o perigo e a sinuosidade da questão. Em matéria de fé e castidade, em particular, devemos aplicar as nossas faculdades, sobretudo a memória e a imaginação, a uma atividade que as absorva e devemos fazer isso rápida eenergeticamente, mas também com grande serenidade e calma. Por exemlo, podemos considerar todos os Estados do país e suas capitais, como diz um autor espiritual.
A tentação pode persistir, apesar de a rechaçarmosempregando os devidos meios. Se a tentação persiste, não devemos desanimar, não devemos perder a coragem. Será necessário repetir mil vezes o repúdio à tentação com serenidade e paz, evitando cuidadosamente o nervosismo, a perturbação e certo desespero, que seriam já um início de vitória do inimigo. Nosso Senhor dá mais uma vez o exemplo: Ele reage imediatamente à tentação e com vigor, mas com serenidade e calma. Cada ato de repulsa à tentação será um mérito adquirido diante de Deus e um novo fortalecimento para a alma. A tentação contínua, quando é igualmente rechaçada continuamente, aproxima a alma de Deus. Quando as tentações são contínuas, convém manifestá-las ao confessor, pois uma tentação declarada ao confessor é uma tentação semi-vencida já. O confessor poderá também dar conselhos mais precisos para evitar as tentações e combatê-las melhor. Claro, podemos pedir a Deus que nos livre dessas tentações, como fez São Paulo, sabendo, porém, que Deus pode continuar a permiti-las, justamente, para que possamos continuar a progredir humildemente, como ele fez com o mesmo Apóstolo. No Pai Nosso, não pedimos a Deus que nos livre da tentação, pedimos a Deus que não nos deixe cair nas tentações e que nos livre do mal, que é, antes de tudo, o pecado.
A terceira fase do combate às tentações é depoisdelas. A alma deve agradecer a Deus humildemente, se saiu vitoriosa do combate. Deve arrepender-se imediatamente, se teve a desventura de sucumbir, e procurar a confissão, se se trata de pecado grave. A alma deve aproveitar a lição da queda para os combates futuros.
Devemos nos lembrar, caros católicos, que as tentações sempre existirão. Elas só cessarão no céu. Diz a Sagrada Escritura: “Filho, vindo para servir ao Senhor, (…) prepara a tua alma para a tentação.” Em geral, quando tomamos a decisão de servir bem a Deus, somos mais tentados. E isso é bem normal. Quando estamos distantes de Deus, caminhamos sozinhos para o mal, não precisamos ser induzidos por alguém nem provocados ao erro. Quando a pessoa está distante de Deus já são tantos os perigos e as ocasiões de queda a que ela se expõe que o demônio nem precisa tentá-la, praticamente.
Eis, então, o combate contra a tentação, tentação que não é, em si, um pecado.
Aproveito também para tratar dos chamados pecados internos, para os quais muitas pessoas dão pouca importância ou automaticamente consideram como pecado venial, desde que não haja nenhum ato externo. Ora, o pecado é essencialmente algo interno, que está na vontade. Portanto, para que haja pecado não é necessário passar ao ato externo. Basta considerarmos o nono e o déicmo mandamentos: não cobiçar a mulher do próximo e não cobiçar as coisas alheias são pecados puramente internos. Assim, um pecado puramente interno tem a mesma gravidade essencial que o ato externo. Claro, o ato externo aumenta a malícia do ato interno em virtude da maior intensidade da vontade requerida para passar ao ato exterior, pela maior duração do ato interno, que se prolonga durante toda a execução exterior e pela eventualmultiplicação dos atos interiores quando da execução exterior. Além disso, os atos externos podem ter outras consequências: o escândalo, a destruição dos bens do próximo e a consequente obrigação de restituir, por exemplo. Mas, essencialmente, o pecado interno tem a mesma gravidade que o ato externo, pois o ato externo é simples prolongamento do pecado interno. Por isso, Nosso Senhor diz: “todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração.” (Mt V, 28). Portanto, se o ato externo é pecado mortal, o pecado puramente interno também será, se há a plena advertência e o pleno consentimento necessários para que haja pecado grave. Os pecados internos podem ser de três tipos. O primeiro tipo de pecado interno chama-sedeleitação morosa, que é regozijar-se na representação do pecado, como se ele estivesse sendo realizado, mas sem a intenção de realizá-lo exteriormente. Se alguém se regozija, com plena advertência e consentimento, nopensamento de assassinar outra pessoa, por exemplo, comete homícidio em seu coração, um pecado gravíssimo, por mais que não tenha a intenção de passar ao ato externo. O segundo tipo de pecado interno é o mau desejo,que ocorre quando a pessoa tem a intenção de executar o pecado quando for possível. Ainda que não consiga executá-lo, o pecado interno já está cometido com a mesma gravidade essencial do pecado externo. Com o mesmo exemplo, alguém que tem a intenção de matar outra pessoa, mas não consegue fazê-lo por que a polícia passou na hora, cometeu homicídio em seu coração. O terceiro e último tipo de pecado interno é a alegriapecaminosa, isto é, a alegria ou deleitação voluntárias com uma ação pecaminosa passada feita pela própria pessoa ou por outra. Aquele que, depois de ter matado alguém injustamente, se alegra de tê-lo matado, comete novamente homícidio em seu coração com a mesma gravidade essencial do homícidio propriamente dito. Portanto, os pecados internos não são sem importância, eles não são automaticamente veniais. Os pecados internostêm a mesma gravidade essencial do ato externo.
Sigamos o exemplo de NSJC, caros católicos: Adoremos ao Senhor e sirvamos a Ele somente, combatendo as tentações e evitando todo pecado.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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