31 de julho de 2010

O PERIGO DE CONVIVER COM HEREGES - S. TOMÁS DE AQUINO

O perigo de conviver com hereges

São Tomás de Aquino
Quaestiones quodlibetales, quodlibeto 10, q. 7, a. 1 (15), c.

“Por duas razões não se deve manter relações com os hereges. Primeiramente, por causa da excomunhão, pois, sendo excomungados, não se deve ter relações com eles, da mesma maneira que com os outros excomungados. A segunda razão é a heresia. – Em primeiro lugar, por causa do perigo, para que as relações com eles não venham a corromper os outros, segundo aquilo da primeira epístola aos Coríntios (15, 33): ‘As más conversações corrompem os costumes’. E em segundo lugar para que não pareça se prestar algum assentimento às suas doutrinas perversas. Daí dizer-se na segunda epístola canônica de S. João (v. 10): ‘Se alguém vier a vós e não trouxer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis, pois o que o saúda toma parte em suas más obras’. E aqui a Glosa comenta: ‘Já que para isso foi instituída, a palavra demonstra comunhão com esse tal: de outro modo não seria senão simulação, que não deve existir entre cristãos’. Em terceiro e último lugar, para que nossa familiaridade [com eles] não dê aos outros ocasião de errar. Por isso, outra Glosa comenta a respeito dessa passagem da Escritura: ‘E se acaso vós mesmos não vos deixais enganar, outros todavia, vendo vossa familiaridade [com os hereges], podem enganar-se, acreditando que esses tais vos são agradáveis, e assim crer neles. E uma terceira Glosa acrescenta: ‘Os Apóstolos e seus discípulos usavam de tanta cautela em matéria religiosa, que não sofriam sequer a troca de palavras com os que se haviam afastado da verdade’. Entende-se, porém: excetuado o caso de alguém que trata com outro a respeito da salvação, com intuito de salvá-lo”.

29 de julho de 2010

DO DESCANSO À OCIOSIDADE: A EVAGATIO MENTIS

Conta e Tempo

Deus pede estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta.
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta.
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta!

Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo..."

(Frei Antônio das Chagas, Séc. XVII)


Tradicionalmente, a filosofia atribui duas partes à natureza humana, o corpo e a alma, unidos substancialmente, de modo que o homem não é exatamente apenas um das partes, mas a realização da união de ambas.

Pelo corpo, o homem é um ser material. A matéria é definida como “pura potência”, porque sempre pode ser mudada e moldada, não possuindo determinabilidade própria, mas a recebendo extrinsecamente, que é a sua forma.

E justamente porque a matéria é uma “indeterminação determinável”, isto é, uma pura capacidade de receber moldagem, que a alma é a “forma do corpo”, pois é o princípio subsistente da vida, que, quando unida à matéria, dá-lhe a forma de homem, porque lhe determina e ordena para formar a unidade substancial da natureza humana. Em outras palavras, a matéria é a “parte fraca”, que está aberta a uma moldagem, enquanto que a alma é a “parte forte”, porque é o princípio determinador da vida, unindo-se à matéria e tornando-a um corpo ordenado, para assim formar a unidade substancial da natureza humana.

Entretanto, se a alma é um princípio vital, e por isso mesmo essencialmente imutável e imortal, o corpo, por sua vez, é passível de mudança, porque a matéria pode receber ou perder as suas determinações de forma. Deste modo, a morte é o fim inevitável dos seres corpóreos, pois a união entre corpo e alma irá se frustrar um dia, quando, da parte do corpo, este se desconfigurar de tal maneira que já não permitirá mais a vida.

Por esta razão, a fraqueza e passividade da matéria exige que o ser humano continuamente descanse. O homem possui muitas limitações físicas e psíquicas, de modo que precisa sempre se recompor, para evitar a exaustão. A matéria não é capaz de garantir uma atividade ilimitada ou ininterrupta, pois o desgaste conduzirá imediatamente à morte.

Assim Deus fez o homem para que, até mesmo em seu cansaço, algo da eternidade pudesse ser aprendido. Com efeito, o descanso – especialmente o sono – é figura da Vida Eterna, quando o homem terá posse do fruto de todos os seus trabalhos, e estará em completo repouso em Deus, mas um repouso ativo, porque o Céu consiste na união amorosa do homem com Deus.

Neste sentido, o descanso é parte essencial da vida humana, seja na terra, seja, de forma análoga, na eternidade.

Mas como qualquer ato humano, em tudo há uma justa medida, sem falta ou excesso. Afinal, quem descansa pouco, ainda não completou o seu repouso, mas quem descansa demais, prejudica a vida ativa e deturpa o fim do repouso. Este assunto, aparentemente banal, é a raiz da esterilidade da vida espiritual de muitos, pois o descanso, fora de sua justa medida, já não é repouso, mas ociosidade. Cabe agora perguntar: no que consiste o descanso?

O descanso é um momento de passividade, quando o homem deixa as suas atividades ordinárias, seja de qual natureza forem, e se aplica a restituir suas forças perdidas. Por conseguinte, o entretenimento pode ser uma maneira de descanso. Tendo o homem cansaços físicos e psíquicos, por muitos meios ele procurará readquirir o pleno uso de suas capacidades, desde atividades feitas em vigília até o próprio sono, realizando passeios, jogos, viagens, a leitura de um agradável livro, música, conversas, banhos, exercícios físicos, etc. Por algum destes meios cada um encontra uma forma particular de exercer um tempo de passividade, livre das preocupações diárias.

Neste sentido, o descanso é como um contratempo, um fôlego tomado em direção das atividades ordinárias. Não existe um descanso sem retorno, porque a natureza do descanso é existir para a execução plena e saudável das obrigações rotineiras. O descanso é um repouso em direção ao movimento. Esta é a sua justa medida e razão de existir.

Saindo de seus limites, o descanso deturpa-se e põe tudo a perder à sua volta. Aqui há de se notar o papel do pecado original. Com efeito, a natureza humana está decaída pelo pecado de Adão, de modo que a inteligência dificultosamente chega à verdade, e a vontade tende ao mal. Por conseguinte, o pecado original contribui como causa para a distorção do descanso e da sua finalidade, impondo ao homem uma tendência ao exagero.

A partir daí, o que devia ser um momento de passividade, um repouso em direção ao movimento, torna-se evagatio mentis—evagação da mente. O homem perde o interesse pela finalidade, fadiga-se com os objetivos e quer apenas “vagar” em divertimentos e entretenimentos que só desperdiçarão o seu tempo sem conduzi-lo a meta alguma.

A evagação da mente consiste em uma abstenção da vontade e da ação. Este vício está diretamente ligado à vã curiosidade, a um simples desejo de olhar tudo sem a nada se interessar. É uma apatia completa da alma, “cansada” ou desinteressada pelas suas atividades, inerte nos entretenimentos que a conduzem a uma passividade mórbida.

Segundo o psiquiatra Enrique Rojas em O homem moderno: A luta contra o vazio, este é exatamente o perfil psicológico contemporâneo. Com efeito, esta é uma época “cansada” sem jamais ter se fadigado, porque está entregue à passividade, a tudo o que é fácil e cômodo. A gênese desta atitude está no relativismo e no subjetivismo, que corrompem no homem a busca pelo Bem, reduzindo tudo uma questão pessoal. Deste modo, o homem, sem uma meta fixada e muito menos sem os meios para tal – todos corroídos pelo relativismo –, está inevitavelmente sem rumo, sem objetivos para a vida, entregue apenas ao bem estar, ao consumismo, à permissividade e ao hedonismo. Tal atitude mental contribui em muito para legitimar a evagatio mentis, tal qual um navio sem rumo, à deriva.

Por esta razão, um católico não pode se entregar à ociosidade sob o risco de fazer ruir a sua vida espiritual. Deus é o nosso fim último, e deu a cada um um tempo fixado para alcançá-Lo através da constante santificação. Quem se deixa dominar pela ociosidade perde o tempo que Deus lhe deu, deixa de fazer a única obrigação deixada para o homem sobre a terra, e consequentemente afasta-se do seu Sumo Bem. Não se trata, contudo, de um pecado mortal, mas de um enfastio pelo bem a ser feito em virtude da passividade a que a alma está entregue. Não sem razão Santo Tomás classifica a evagatio mentis como a primeira filha da acídia, a preguiça espiritual.

A tendência ao exagero causada pelo pecado original distorce o fim do descanso, tornando-o ociosidade. Tal vício corrói no homem a vida de oração, que para muitos chega a se tornar uma indesejável obrigação, um verdadeiro fardo. E sem vida de oração e entregue a um entretenimento vazio e sem relação com a vida ativa – porque o exagero isola o descanso da sua dependência das obrigações ordinárias –, facilmente a imperfeição torna-se pecado, e para que a alma caia em pecado mortal muito pouco falta, tendo em vista a exposição irremediada ao pecado venial. Em resumo, a preguiça, a ociosidade e a evagação da mente minam a execução das atividades do homem, porque ele passa a administrar imprudentemente o seu tempo. E uma alma entregue à passividade tem dificuldade em manter a vida de oração, de modo que, caso não venha a corrigir radicalmente seu defeito, a indiferença com relação às coisas da Religião podem culminar em uma queda no pecado mortal. Pessoas que não corrigem a deficiente vida de oração que mantém facilmente caem, porque a alma está longe da fonte que a faz permanecer na graça e no amor a Deus.

Tais constatações tornam-se mais profundas quando se observa os preciosos ensinamentos do Abade Jean-Baptiste Chautard em A alma de todo o apostolado. Com efeito, D. Chautard explica que a vida ativa – a vida de apostolado – é resultado e expressão da vida contemplativa, isto é, da vida de oração. Só tem apostolado frutífero e eficaz aquele que o faz brotar de uma autêntica e profunda vida de oração. Deus é a causa primeira, e aquele que confia seu apostolado em Deus pela oração obtém toda o sucesso, porque não esperou o mero favorecimento das circunstâncias. A Sagrada Escritura ensina que Deus ouve a oração do humilde, mas abate a do orgulhoso. Deste modo, quem reconhece a sua absoluta e radical dependência de Deus, faz toda a sua vida ativa depender de uma abandonada entrega a Deus pela oração.

O católico é aquele que reconhece, tal qual a Salve Rainha, que este mundo é um desterro, porque estamos apenas conquistando a cada dia a posse da Vida Eterna, isto é, estamos de passagem. Por esta razão, um verdadeiro católico faz tudo em função de Deus e da salvação. A sua auto-disciplina, os seus sacrifícios, as suas renúncias – é porque tais práticas o levam a Deus que elas fazem sentido. Portanto, manter uma autêntica vida de oração é reconhecer que esta vida só merece ser vivida em razão da salvação eterna, e por isso mesmo não há tempo para divertimentos irresponsáveis, nem para entretenimentos vazios. Tudo fazemos por Deus, e não por nós mesmos. Mesmo quando o homem descansa ele quer recuperar forças e adquirir maior ânimo para as batalhas e lutas que tem de enfrentar. Assim como os três mancebos foram cantando para a fornalha que os iria consumir, do mesmo modo o católico vai alegremente enfrentar as provações, sofrimentos e contrariedades desta vida, que são os meios pelos quais ele se une a Jesus no Calvário, morre para a glória deste mundo, e ganha a verdadeira felicidade que não se pode encontrar na terra, mas que se acha em Deus. Que o Sagrado Coração de Jesus, de onde a lança fez jorrar Sangue e água, seja para nós um verdadeiro refúgio de todas as falsas consolações do mundo, e nos dê o repouso e o descanso que nossas almas procuram, aqui na terra em forma de graça, e na eternidade em forma de glória.


Brevíssimo exame de consciência


1. Quando desejo descansar e relaxar, qual atividade costumo empreender? Em qual entretenimento ou divertimento me ocupo usualmente? O que faço para adquirir um momento de passividade?

2. Agora que já pensastes a respeito, reflita se tens empregado tempo suficiente para descansar e readquirir as forças gastas, o ânimo perdido e a motivação necessária para continuar as atividades ordinárias. Este tempo é suficiente ou muito além do necessário?

3. Para colaborar na auto-disciplina, tem empregado um tempo determinado para os divertimentos? Escolhe um horário do dia, com começo e fim, para se aplicar em atividades de descanso, ou confia demasiadamente em seu próprio auto-controle, de modo que sempre achas que podes parar quando bem julgas?

4. Tens comprometido as suas obrigações – especialmente as orações do dia – por causa dos entretenimentos? Aplicas nele um tempo indeterminado, mas para a oração e para as outras atividades tens empregado o tempo que sobra? Tens procurado corrigir esta falha disciplinando a própria vida de oração com horários regulares para rezar, de modo que nenhuma outra atividade o prejudique?

5. Julgas que és facilmente vencido pela preguiça e pela ociosidade? Tens disciplinado as atividades, de modo que tenhas um horário para rezar e estudar e outro para descansar? Tens procurado utilizar prudentemente as diversões, ou elas se constituem como verdadeira perda de tempo, de modo que outros entretenimentos ser-te-iam mais saudáveis e produtivos?

6. Tens considerado de que Deus te dá o tempo para empregá-lo na tua santificação e salvação? Consideras que esta vida é passageira, e que aqui jamais terás um repouso permanente e completo? Consideras que este mundo é um desterro, porque estás aqui para conquistar a vida eterna? Tens administrado sábia e prudentemente o tempo, ou confias que sempre haverá tempo para corrigir os teus desperdícios?

22 de julho de 2010

Constituição Benedictus Deus - Papa Bento XII

CONSTITUIÇÃO BENEDICTUS DEUS

BENTO XII
BISPO, SERVO DOS SERVOS DE DEUS
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA DA MATÉRIA

Por esta constituição, que permanecerá perpetuamente em vigência, Nós, com apostólica autoridade, definimos:
Que, conforme a disposição geral de Deus, as almas de todos os santos que partiram deste mundo antes da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como as dos santos apóstolos, mártires, confessores, virgens e dos outros fiéis que morreram após o recebimento do santo batismo de Cristo – dado que não tinham necessidade de serem purificadas ao morreram, ou não há de ser quando no futuro morrerem, ou se, então, nelas tiver havido algo a purificar e tiverem sido purificadas após a morte – e as almas das crianças renascidas pelo mesmo batismo de Cristo e das que serão quando forem batizadas, e morreram antes do uso do livre-arbítrio, logo depois de sua morte e da purificação mencionada aos que precisavam de tal purificação, mesmo antes de reassumir os seus corpos e antes do juízo universal, após a ascensão ao céu de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, estiveram, estão e estarão no céu, no reino dos céus e no paraíso celeste, com Cristo, junto da companhia dos santos Anjos.
E que depois da paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo viram e vêem a essência divina com uma visão intuitiva e até face a face – sem a mediação de qualquer criatura como objeto de visão, mas a essência divina se revela a eles de forma imediata, desnuda, clara e manifesta –; e que aqueles que vêem assim, gozam plenamente da mesma essência divina, e, dessa forma, por essa visão e fruição, as almas daqueles que já morreram são verdadeiramente bem-aventuradas e possuem a vida e o descanço eterno, como também as dos que mais tarde hão de morrer verão a essência divina e gozarão dela antes do juízo universal; e que esta visão da essência divina a sua fruição fazem cessar nessas almas os atos de fé e de esperança, uma vez que a fé e a esperança são propriamente virtudes teologais; e, depois que esta visão intuitiva face a face e esta fruição teve e tiver nelas início, esta visão e fruição – sem qualquer interrupção ou privação desta visão e fruição –, permanecem ininterruptos e hão de assim continuar até o juízo final e, a partir dele, por toda a eternidade.
Definimos também que, de acordo com a geral disposição de Deus, as almas daqueles que morrem em pecado mortal atual, logo depois de sua morte descem ao inferno, onde com as penas infernais são atormentadas, e que, todavia, no dia do juízo, todos os homens hão de comparecer “diante do tribunal de Cristo” com os seus corpos para prestar contas de suas ações, “para que cada um receba o que lhe toca segundo o que fez quando estava no corpo, seja de bem ou de mal” (II Cor. V, 10).

Decretado no 29º dia de janeiro, do ano de Nosso Senhor de 1336, segundo de nosso pontificado.
Bento PP. XII

[Traduzido por Marcos Vinicius Mattke]

8 de julho de 2010

8 de julho: Santa Isabel de Aragão, Rainha e Viúva

Isabel, filha de Pedro III, Rei de Aragão, nasceu no ano de Cristo de 1271; como presságio da sua santa vida, seus pais, ao contrário do costume, fizeram batizá-la não pelo nome da sua mãe ou avó, mas pelo da tia da sua mãe, a santa D.ª Isabel da Turíngia. Tão logo ela nasceu, começou a manifestar-se seu destino de pacificadora entre reis e reinos, pois a alegria do seu nascimento pôs termo às ruinosas querelas entre seu pai e seu avô. Crescida, seu pai, admirado de sua índole, costumava afirmar que a sua Isabel, sozinha, excederia todas as filhas do reino de Aragão, e que a paz de sua casa e reino se devia unicamente aos méritos da sua filha, cuja vida celestial ele venerava, por sua indiferença às finezas carnais, sua abstinência de prazeres, seus muitos jejuns, sua instância na oração a Deus, e sua atividade em fazer obras de caridade. Essa ilustre donzela foi pedida em matrimônio por muitos príncipes, e, com doze anos de idade, foi casada, nos ritos cristãos, com D. Dinis, Rei de Portugal.
Como esposa, ela devotou-se toda à educação dos seus filhos, assim como ao seu próprio progresso nas virtudes, esforçando-se, por todos os meios, para, depois de Deus, agradar seu marido. Por quase meio ano subsistiu ela a pão e água, e certa vez, quando esteve doente, Deus mudou a água em vinho, que os médicos lhe haviam recomendado beber, mas que ela recusava. Outra vez, quando ela beijou uma ferida repugnante numa pobre mulher, ela foi curada imediatamente. Num inverno, enquanto ela dava dinheiro aos pobres, ocultando-o ao marido, as moedas tornaram-se rosas*. Deu a vista a uma jovem cega de nascença, e curou muitas outras pessoas de graves enfermidades pelo Sinal da Cruz. Os milagres que ela operou desse gênero foram muitos. Ela não apenas construiu, mas adornou ricamente conventos, escolas e igrejas. Tinha muita habilidade em fazer a paz entre reis, e labutou para aliviar todo sofrimento, seja público ou particular.
Morto D. Dinis, Isabel, que, na sua mocidade, havia sido um modelo para as virgens, e, no seu matrimônio, para as esposas, então, na sua viuvez foi um exemplo para as viúvas. Vestida com hábito das religiosas de Santa Clara, compareceu fielmente ao funeral do Rei, e logo em seguida foi a Compostela, onde doou muitos preciosos dons de seda, ouro e prata, e pedras preciosas, pelo bem da alma dele. Então, voltou para casa, e gastou em santas e piedosas obras tudo o que lhe sobrara que lhe fosse caro e precioso. Terminou o verdadeiramente régio convento de freiras de Coimbra. Alimentou os pobres, defendeu as viúvas, protegeu os órfãos; querendo aliviar as misérias de todos, vivia não para si, mas para Deus e para o bem de todos os mortais. Estourando uma guerra entre seu filho, Afonso IV, Rei de Portugal, e seu neto, Afonso XI, para reconciliá-los, for morar na famosa cidade de Estremoz, na fronteira dos dois reinos. Na viagem, contraiu uma febre severa, da qual, após uma visão da Virgem Mãe de Deus, morreu uma santa morte em 4 de julho de 1336. Tornou-se notável por milagres após a morte, especialmente pelo suavíssimo odor que exala o seu corpo já há mais de trezentos anos. E, no ano de nossa salvação de 1625, ano do jubileu, com o aplauso de todo o mundo cristão, Urbano VIII formalmente inscreveu-a entre os Santos.

* "Levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres(...) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,(...) ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas."
—Crônica dos Frades Menores, Frei Marcos de Lisboa, 1562

Citações de santos a respeito da vinda do Anticristo

Santo Ambrósio
“O Senhor não virá como juiz antes que o reino romano seja dissolvido, e que o Anticristo apareça. Este matará os santos e restituirá aos Romanos sua liberdade mas sob seu próprio nome”.

Santo Anselmo
“O Anticristo procurará passar-se por religioso, a fim de poder seduzir sob este exterior de piedade; e há mais, ele dirá que e Deus e se fará adorar e prometerá o céu”.
“Porque, que incrédulo se converterá à fé, que cristão não ficará abalado e quebrado em sua fé, quando o perseguidor da religião se tornar autor de grandes prodígios?”
“Mas, o Espírito Santo é bastante poderoso para sustentar o coração dos seus, mesmo no meio desses grandes prodígios; esses prodígios extraordinários seduzirão somentes aqueles que merecem ser seduzidos”.

Santo Antônio
“O Anticristo será designado como chefe dos hipócritas, porque este homem tão perverso recorrerá sobretudo à hipocrisia para seduzir”.

Santo Agostinho
“Quando o Anticristo, filho do demônio, autor o mais perverso de toda malícia, vir perturbado o mundo inteiro e tiver atormentado o povo de Deus por diversos suplícios; depois que tiver morto Enoch e Elias e tiver martirizado todos os que perseveraram na Fé, a cólera de Deus tombará enfim sobre ele e Nosso Senhor o fará perecer pelo sopro de sua boca”.

São Boaventura
“Marcas do advento do Anticristo:
Quando os velhos não tiverem nem bom senso nem prudência;
Quando os cristãos estiverem sem fé;
Quando o povo estiver sem amor;
Quando os ricos forem sem misericórdia;
Quando os jovens não tiverem respeito;
Quando os pobres forem sem humildade;
Quando as mulheres tiverem perdido o pudor;
Quando, no casamento, não houver mais continência;
Quando os clérigos forem sem honra e sem santidade;
Quando os religiosos não tiverem verdade nem austeridade;
Quando os prelados não se inquietarem de sua administração e não tiverem piedade;
Quando os mestres da terra não tiverem misericórdia nem liberdade.”

São Gregório Magno
“O Anticristo se levantará tão alto, reinará com tanto poder, aparentará uma tão grande santidade por prodígios e sinais extraordinários, que ninguém poderá contradizer suas obras porque somará ao poder do terror os sinais mais aparentes de sua santidade exterior”.
“É coisa diferente de uma testemunha de Anticristo aquele que, não mais considerando como sagrada a Fé que deu a Deus, dá testemunho do erro?”

São Jerônimo
“O Anticristo deverá sair do povo judeu e tais serão sua simplicidade e sua humildade que se não lhe prestarem as honras devidas a um rei, ele se tornará mestre do poder por suas falsidades e seus artifícios e ele forçará os exércitos do povo romano a se renderem e os quebrará”.
“O Anticristo fingirá ser casto para pegar de surpresa um grande número de pessoas”.

São Berlarmino
“O Anticristo estará em entendimento secreto com o demônio que ele servirá secretamente. Em desígnio cheio de fingimento, ele mostrar-se-á como Cristo para enganar os cristãos e, ao mesmo tempo, aprovará a circuncisão e o sábado para seduzir os judeus”.

Fonte: FLEICHMAN, Júlio. O itinerário espiritual da Igreja Católica. Rio de Janeiro: Permanência, 2004. Ps. 155-158.

As três vias e o ciclo litúrgico [1/4]

Leia: Parte 0/4
Advento, que significa vinda, é uma preparação para a vinda do Salvador, e, como tal, é um período de purificação e penitência.
1581. A Igreja nos convida a meditar sobre a tripla vinda de Cristo: o Seu advento sobre a terra pela Encarnação, a Sua entrada nas almas dos homens pela graça, e o Seu aparecimento no fim dos tempos para julgar toda a humanidade. É predominantemente sobre a primeira vinda que a Igreja concentra a nossa atenção: ela nos lembra os anseios dos Patriarcas e Profetas, para fazer-nos ansiar com eles pela vinda do prometido Redentor e o estabelecimento ou fortalecimento do Seu Reino nas nossas almas. Esse é, pois, um tempo de santos desejos e ardentes súplicas, um tempo em que pedimos que Deus derrame sobre nós o orvalho da graça, e, sobre tudo, o próprio Redentor: "Orvalhai, ó céus, de cima, e que as nuvens chovam o justo!". Essa oração toma o caráter de anseio ainda mais profundo nas grandes antífonas, O Emmanuel, Rei da Glória, etc... que, lembrando os gloriosos títulos dados pelos Profetas ao Pessoas e às características principais da Sua missão, fazem-nos suspirar pela vinda do único que pode aliviar nossa miséria.
1582. Mas o Advento também é um período de penitência. É então que a Igreja nos lembra do Último Juízo para o qual devemos preparar-nos pela expiação dos nossos pecados; a oração de São João Batista nos convida a fazer penitência e, assim, preparar o caminho para o Salvador: "Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas" (Lc III 4). Antigamente, os cristãos jejuavam três dias por semana, uma prática ainda mantida por algumas Ordens Religiosas, e, se a Igreja não mais obriga os seus filhos a esse jejum, ela os estimula a conformar-se a ele por outras práticas de mortificação. Para lembrar-nos do nosso dever de penitência, ela faz os seus sacerdotes celebrarem as Missas do Advento em vestes roxas, a cor do luto.
Esses santos desejos e práticas penitenciais evidentemente tendem a purificar a alma e, assim, prepará-la para o reino de Cristo.

5 de julho de 2010

As três vias e o ciclo litúrgico [0/4]

1579. Após ter um panorama das Três Vias, ou três estágios, que conduzem à perfeição, não será sem proveito ver como, a cada ano, a Santa Madre Igreja nos convida, através da sua liturgia, a começar de novo e aperfeiçoar o trabalho da nossa santificação, com os seus três degraus de purificação, iluminação e união com Deus. A vida espiritual é, na verdade, uma série contínua de novos começos, e o ciclo litúrgico vem a cada ano inspirar-nos novos esforços.
Tudo na liturgia gira em torno do Verbo Encarnado, nosso Mediador e Redentor, apresentado a nós não apenas como modelo para imitação, mas também como a Cabeça de um corpo místico, Que vem viver em Seus membros de modo a capacitá-los a praticar as virtudes de que Ele lhes deu o exemplo. Cada festa, cada período litúrgico nos lembra uma ou outra das virtudes de Jesus, e traz-nos as graças que Ele mereceu e que nos capacitam, com a Sua cooperação, a reproduzir essas virtudes em nós mesmos.
1580. O ano litúrgico, que corresponde às quatro estações do ano, também simboliza as quatro principais fases da vida espiritual¹. O Advento corresponde à via purgativa; o Tempo do Natal e a Epifania, à via iluminativa, na qual seguimos Jesus pela imitação das Suas virtudes; o período da Septuagésima e a estação da Quarsema trazem uma segunda purificação da alma, mais profunda que a primeira; o Tempo da Páscoa tipifica a via unitiva, a união com o Cristo Ressuscitado, uma união aperfeiçoada pela Ascensão e a Descida do Espírito Santo. Ajuntamos uma breve explicação desse ano litúrgico.

* Dom Guéranger, The Liturgical Year; Pio XII, ecicl. "Mediator Dei", 20/11/1947; Bouyer, The Pascal Mystery; Marmion, Christ in his mysteries. Puis Pansch, The Church's year of grace; Sermons on the liturgy.
¹: Embora apenas três vias são distinguíveis na vida espiritual, há uma diferença tão grande entre a purificação passiva e a doce contemplação, que uma divisão da via unitiva em dois estágios é bem justificada.

TANQUEREY, Compêndio de Teologia Ascética e Mística.

4 de julho de 2010

A Única Verdadeira Igreja...

Fr. Arnold Damen S.J. (1815 - 1890)

Sobre este Artigo e seu Autor:

Padre Arnold Damen nasceu na província de North Brabant, Holanda, em 20 de março de 1815. Clique em "Leia Mais..."
Foi admitido na Companhia de Jesus em 21 de novembro de 1837, e esteve no grupo de jovens noviços trazidos para o seu país pelo Padre DeSmet, renomado missionário jesuíta para os índios americanos. Em sua ilustre carreira, que contou uns cinquenta anos de trabalho apostólico até a sua morte, em 1.º de janeiro de 1890, o Padre Damen e seus companheiros dirigiram missões em praticamente todas as principais cidades dos Estados Unidos. Diz-se que ele foi mais amplamente conhecido neste país, e que exerceu pessoalmente uma influência maior que qualquer bispo ou sacerdote na Igreja Católica.
Pequena maravilha, pois, pela sua majestosa presença e força de eloquência, o Padre Damen, como missionário, atingiu um sucesso que ultrapassou qualquer outro, antes --- ou desde então ---, que se saiba, na América. O inflamado zelo apostólico deste amado e piedoso sacerdote pode ser apenas estimado pelas vinte mil conversões ao catolicismo pelas quais ele foi responsável, amiúde recebendo sessenta ou setenta almas para a Igreja em um dia. É também digno de nota que, em meio ao seu notável trabalho, ele também conseguiu fundar e organizar as grandes instituições jesuítas de Chicago.
O que explica a realização inspiradora do Padre Damen? Como um escritor expressou: "Ele não se importou com aplausos ou críticas. Ele estava trabalhando para salvar almas". Em outras palavras, suas nobres realizações foram frutos de imensa caridade. Ou seja, a caridade no sentido mais verdadeiro: Ele amava a Deus e seus companheiros tanto que ele não poupava a energia ou o esforço que fossem necessários para arrancar uma alma do erro espiritual e da escuridão que trariam a sua perda eterna. E para este santo jesuíta, tal era o destino certo e sempre presente fora da verdadeira Igreja.
O Padre Damen pregou numa época relativamente recente, quando os católicos não apenas ainda universalmente acreditavam, mas viviam segundo o infalivelmente declarado, imutavelmente constante dogma de Fé: "Fora da Igreja não há salvação". Esse foi, de fato, todo o credo e ensido pelo qual ele efetivamente converteu tantos.
Com prazer reimprimimos o convincente sermão do Padre Damen "A Única Verdadeira Igreja", inédito, exatamente como foi publicado pela primeira vez, um pouco depois da sua morte, em 1890. Temos duas intenções ao fazê-lo: Uma é lembrar nossos companheiros católicos, de qualquer classe ou dignidade na Igreja, que a crença inequívoca na doutrina da salvação não é apenas essencial para a recuperação da Fé dos graves erros que hoje a corrompem, mas é a marca inseparável da Igreja Militante. A segunda e importantíssima intenção, certamente, é encorajar os católicos a pôr a sua mensagem imperativa nas mãos dos não-católicos. Fazenod isso, todos vocês que colaboram com esses empenhos apostólicos estarão dando seguimento ao abençoado trabalho do venerável sacerdote, Arnold Damen.
Nihil Obstat: T.L. Kinkead, Censor Deputatus. Imprimatur: Michael Augustine, Arcebispo de Nova Iorque. "A única Igreja que Cristo estabeleceu é a Igreja Católica." "Aquele que crer e for batizado será salvo, mas aquele que não crer será condenado." (Mc 16, 16)

I. Meus queridos e amados cristãos: Dessas palavras do Divino Salvador, já lhes foi provado que a fé é necessária para a salvação, e que sem a fé não há salvação; sem a fé há eterna condenação. Leiam na sua própria Bíblia protestante o versículo 16 de São Marcos, e lá os senhores as encontrarão mais enfáticas do que na Bíblia católica. No entanto, que tipo de fé um homem deve ter para ser salvo? Qualquer fé? Ora, se qualquer fé basta, o próprio demônio será salvo, porque a Bíblia diz que os demônios creem e tremem. Não é, portanto, matéria de indiferença qual religião um homem professa; ele deve professar a reta e verdadeira religião, e sem ela não há esperança de salvação, porque é uma questão de razão, meu querido povo, que se Deus revela algo ou ensina algo, Ele deseja ser crido. Não crer é insultar Deus. Duvidar da Sua palavra, ou mesmo crer, mas com dúvida e hesitação, é um insulto a Deus, porque é duvidar da Sua Sagrada Palavra. Devemos, portanto, crer sem duvidar, sem hesitar.
Eu disse que fora da Igreja Católica não há fé divina --- não pode haver fé divina fora dessa Igreja. Alguns amigos protestantes ficarão chocados com isto, ouvindo-me dizer que fora da Igreja Católica não pode haver fé divina, e que sem a fé não há salvação, mas condenação. Provarei tudo o que eu disse. Eu disse que fora da Igreja Católica não pode haver fé divina. O que é fé divina? É quando cremos em algo baseados na autoridade de Deus, e cremos sem duvidar, sem hesitar.
Ora, todos os nossos irmãos separados, fora da Igreja Católica, tomam a interpretação privada da Bíblia como guia; mas a interpretação privada da Bíblia jamais poderá dar-lhes a fé divina. Permitam-me supor, por um momento, que aqui estivesse um presbiteriano; ele lê a sua Bíblia; da leitura da sua Bíblia ele conclui que Jesus Cristo é Deus. Ora, os senhores sabem que isso é a mais essencial das doutrinas cristãs --- o fundamento de todo o cristianismo. Da leitura da Bíblia, ele chega à conclusão de que Jesus Cristo é Deus; e ele é um homem sensato, um homem inteligente, e não um homem presunçoso.
E ele diz: "Eis o meu próximo, unitariano, que é tão racional e inteligente quanto eu, tão honesto, tão entendido e tão piedoso quanto eu sou, e, da leitura da Bíblia, ele conclui que Cristo não é, de modo algum, Deus. "Ora", diz ele, "do melhor da minha opinião e julgamento, eu estou certo, e meu irmão unitariano está errado; mas, na verdade", diz ele, "eu posso estar errado! Talvez eu não tenha o verdadeiro significado do texto, e, se eu estou errado, talvez ele esteja certo; mas, do melhor da minha opinião e julgamento, eu estou certo e ele está errado." Em que ele acredita? Em que autoridade? Na sua opinião e julgamento. E o que são eles? Uma opinião humana --- testemunho humano, e, portanto, fé humana. Ele não pode dizer positivamente: "Eu tenho certeza, certeza positiva, tão certo quanto há um Deus no céu, que este é o significado do texto". Então, ele não tem outra autoridade senão a sua própria opinião e julgamento, e o que o seu pregador lhe diz. Mas o pregador é um homem esperto. Há também muitos pregadores unitarianos espertos, e isso não prova nada; é apenas autoridade humana, e nada mais, e, portanto, apenas fé humana. O que é a fé humana? Crer em algo baseado no testemunho humano. A fé divina é crer em algo baseado no testemunho de Deus.

II. O católico tem a fé divina, e por quê? Porque o católico diz: "Eu creio em tal e tal coisa". Por quê? "Porque a Igreja mo ensina." E por que você crê na Igreja? "Porque Deus ordenou-me crer no ensinamento da Igreja; e Deus ameaçou-me com a condenação se eu não crer na Igreja, e São Pedro nos ensina, na sua epístola, que não há profecia ou interpretação privada das Escrituras, porque os ignorantes e inconstantes distorcem as Escrituras, a Bíblia, para sua própria condenação." Isso é uma linguagem forte, meu querido povo, mas essa é a linguagem de São Pedro, o chefe dos Apóstolos.
Os ignorantes e inconstantes distorcem a Bíblia para sua própria condenação! E ainda, apesar de tudo, a Bíblia é o livro de Deus, a mensagem inspirada; ao menos quando se tem uma Bíblia verdadeira, como nós, católicos, temos, e vocês, protestantes, não. Mas, meus queridos e amados amigos protestantes, não se sintam ofendidos quando eu digo tais coisas. Seus próprios entendidíssimos pregadores e bispos lhes dizem, e alguns escreveram volumes inteiros para prová-lo, que a tradução inglesa, que vocês têm, é muito falha e uma tradução falsa. Ora, digo-lhes, portanto, que a verdadeira Bíblia é tal qual os católicos a têm, a Vulgata Latina; e os mais entendidos dentre os protestantes concordaram que a Bíblia Vulgata Latina, que a Igreja Católica usa sempre, é a melhor que existe; e, portanto, é, como vocês devem ter percebido, por isso que, quando eu prego, eu dou o texto em latim, porque o texto latino da Vulgata é o melhor que existe.

III. Agora, eles podem dizer que os católicos reconhecem a Palavra de Deus; que é a mensagem inspirada; e que, portanto, nós temos certeza de que temos a Palavra de Deus; mas, meu querido povo, a melhor coisa pode ser usada mal, mesmo a melhor coisa; e, portanto, nosso Divino Salvador deu-nos uma mestra viva, para dar-nos o verdadeiro significado da Bíblia. E ele proveu-nos uma mestra com infalibilidade; e isso era absolutamente necessário, porque, sem isso --- sem a infalibilidade, jamais poderíamos estar certos da nossa fé.
Precisa haver uma infalibilidade; e sabemos que em todo governo organizado, em todo governo --- na Inglaterra, nos Estados Unidos, e em todo país, império ou república, há uma Constituição e uma lei suprema. Mas vocês não têm liberdade para explicar aquela Constutuição e lei suprema como vocês julgam que deva ser, porque, então, não haveria mas lei, se a todo homem fosse permitido explicar a lei e a Constituição como ele julga certo. Portanto, em todos os governos há um supremo juiz e uma suprema corte, e ao supremo juiz são referidos todos os diferentes entendimentos da lei e da Constituição. Todos devem cumprir as decisões do supremo juiz, e, se não cumprirem essa decisão, meu querido povo, não haveria mais lei, mas anarquia, desordem e confusão.
Suponham, ainda, que o Bendito Salvador tivesse sido menos sábio que os governos humanos, e que Ele não tivesse provido, para o entendimento da Sua Constituição e da Sua Lei, a Igreja de Deus. Se Ele não o tivesse feito, meu querido povo, ela não se teria preservado, como o foi, pelos últimos mil e oitocentos e cinquenta e quatro anos. Então, Ele estabeleceu uma Suprema Corte, um Supremo Juiz na Igreja do Deus Vivo.

IV. É admitido por todos os lados, por protestantes e católicos igualmente notáveis, que Cristo estabeleceu uma Igreja; e, o que é estranho dizer, todos os nossos amigos protestantes reconhecem, também, que Ele estabeleceu apenas uma Igreja --- apenas uma Igreja --- porque, toda vez que Cristo fala da Sua Igreja, é sempre no singular. Os leitores da Bíblia, que lembrem isso; meus amigos protestantes, prestem atenção. Ele diz: "Ouvi a Igreja" --- não ouçais as igrejas ---, "Eu construí a Minha Igreja sobre uma pedra" --- não as Minhas igrejas. Toda vez que Ele fala, seja em figuras ou parábolas, da Sua Igreja, Ele sempre chama à mente uma singularidade, uma união, uma unidade.
Ele fala da Sua Igreja como um rebanho de ovelhas, no qual há apenas um pastor --- que é o chefe de todos, e as ovelhas devem seguir a sua voz; "Eu tenho outras ovelhas que não são deste rebanho". Um rebanho, como vocês podem ver. Ele fala da Igreja como de um reino, no qual há apenas um rei para governar; fala da Sua Igreja como uma família, na qual há apenas um pai como chefe; fala da Sua Igreja como de uma árvore, e todos os ramos dessa árvore estão conectados com o tronco, e o tronco com as raízes; e Cristo é a raiz, e o tronco é Pedro e os Papas, e os grandes ramos são os bispos, os ramos menores são os sacerdotes, e o fruto da árvore são os fieis do mundo inteiro; e o ramo, diz Ele, que é podado da árvore morrerá, não produzirá nenhum fruto, e só serve para ser lançado no fogo --- isto é, condenação.
Isso é para falar claro, meu querido povo; mas não há motivo para ocultar-lhes a verdade. Eu quero falar-lhes a verdade, como osApóstolos pregaram no seu tempo --- não há salvação fora da Igreja de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

V. Ora, qual é essa Igreja? Existem, hoje em dia, trezentas e cinquenta diferentes igrejas protestantes, e quase todo ano juntam-se uma ou duas; e, ao lado desse número, há a Igreja Católica. Então, qual dessas várias igrejas é a única Igreja de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo? Todas alegam ser a Igreja de Jesus. Mas, meu querido e amado povo, é evidente que nenhuma igreja pode ser a Igreja de Jesus a não ser a única que foi estabelecida por Jesus. E quando Jesus estabeleceu a Sua Igreja? Quando? Quando Ele estava sobre a terra. E há quanto tempo Cristo esteve sobre a terra? Os senhores sabem que a nossa era cristã data dele. Ele nasceu há muitos séculos. Isso é um fato histórico admitido por todos. Ele viveu sobre a terra por trinta e três anos. Isso foi há cerca de dezenove séculos antes da nossa época. Esse foi o tempo em que Cristo estabeleceu a Sua Igreja sobre a terra.
Qualquer Igreja, portanto, que não existiu durante todo esse tempo não é a Igreja de Jesus Cristo, mas é instituição ou invenção de um ou outro homem; não de Deus, não de Cristo, mas de homem.
Ora, onde está a Igreja, e qual é a Igreja que existiu por todo esse tempo? Toda a História informa-lhes que é a Igreja Católica; ela, e somente ela, dentre todas as denominações cristãs sobre a face da terra, existiu por todo esse tempo. Toda a História, pois, dá testemunho disso; não apenas a História catóilca, mas a História pagã, judaica e protestante, indiretamente. A História, pois, de todas as nações, de todos os povos, dá testemunho de que a Igreja Católica é a mais antiga, a primeira; é a única estabelecida por nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Se houver algum pregador protestante que possa provar que a Igreja Católica começou a existir depois daquele tempo, que ele venha a mim, e eu lhe darei mil dólares. Meus queridos pregadores, eis uma chance de fazer dinheiro --- mil dólares para vocês. Não apenas toda a História, mas todos os monumentos da antiguidade dão testemunho disso, e todas as nações da terra o proclamam. Chamem um dos seus pregadores e perguntem-lhe qual foi a primeira igreja --- a primeira Igreja Cristã. Foi a presbiteriana, a episcopal, a Igreja da Inglaterra, a metodista, a universalista ou a unitariana? E eles lhes responderão que foi a Igreja Católica. Mas, meus queridos amigos, se vocês admitem que a Igreja Católica é a primeira e a mais antiga --- a Igreja estabelecida por Cristo --- por que vocês não são católicos?
A isso, eles respondem que a Igreja Católica corrompeu-se; caiu em erro, e que, protanto, foi necessário estabelecer uma nova igreja. Uma nova igreja, uma nova religião. E a isso nós respondemos que, se a Igreja Católica já foi a verdadeira igreja, então ela ainda é verdadeira, e será a verdadeira Igreja de Deus até o fim dos tempos, ou Jesus Cristo enganou-nos. Ouvi-me, Jesus, ouvi o que eu digo! Eu digo que, se a Igreja Católica, hoje, no século XIX, não é a verdadeira Igreja de Deus como era há 1854 anos, então eu digo, ó Jesus, que Vós nos haveis enganado, e sois um importor! E se eu não falo a verdade, ó Jesus, fulminai-me com a morte neste púlpito --- deixai-me morrer no púlpito, porque eu não quero ser pregador de uma religião falsa!

VI. Provarei o que eu disse. Se a Igreja Católica já foi a verdadeira Igreja de Deus, como é admitido por todos, então ela ainda é a verdadeira Igreja, e será a verdadeira Igreja de Deus até o fim dos tempos, porque Cristo prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja. Ele disse que ela foi construída sobre uma pedra, e que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela.
Então, meu querido povo, se a Igreja Católica caiu em erro, então as portas do inferno prevaleceram contra ela; e, se as portas do inferno prevaleceram contra ela, então Cristo não cumpriu a Sua promessa, então Ele nos enganou, e, se Ele nos enganou, então Ele é um impostor! Se Ele é um impostor, então Ele não é Deus, e, se Ele não é Deus, então todo o cristianismo é uma fraude e uma impostura.
Mais uma vez, em São Mateus, capítulo 28, versículos 19 e 20, nosso Divino Salvador diz aos Seus Apóstolos: "Ide, pois, e ensinai todas as nações, batizando-as em nome de Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que Eu vos ordenei". "Eia", diz Ele, "Eu, Jesus, o Filho do Deus Vivo, Eu, a Sabedoria Infinita, a Eterna Verdade, estou convosco todos os dias, até o fim do mundo." Cristo, portanto, solenemente jura que Ele estará com a Sua Igreja todos os dias até o fim dos tempos, até a consumação do mundo.
Mas Cristo não pode permanecer com a Igreja que ensina o erro, ou a falsidade, ou a corrupção. Se, pois, a Igreja Católica caiu em erro e corrupção, como nossos amigos protestantes dizem que caiu, então Cristo deve tê-la abandonado; se assim é, Ele faltou com o Seu juramento; se Ele faltou com o Seu juramento, Ele é um perjuro, e não há absolutamente nenhum cristianismo.
Mais uma vez, nosso Divino Salvador (São João, capítulo 14) prometeu que Ele enviaria à Sua Igreja o Espírito da Verdade, para permanecer com ela para sempre. Se, portanto, o Espírito Santo, o Espírito da Verdade, ensina à Igreja toda a verdade, e lha ensina para sempre, então nunca houve e nunca pode haver um único erra na Igreja de Deus, porque, onde há toda a verdade, não há nem um erro que seja. Cristo prometeu solenemente que Ele enviaria à Igreja o Espírito da Verdade, que lhe ensinasse a verdade para sempre; portanto, nunca houve um único erro na Igreja de Deus, ou Cristo teria falhado nas Suas promessas se assim fosse.
Mais uma vez, Cristo nos ordena ouvir e crer nos ensinamentos da Igreja em todas as coisas; por todos os tempos e em todos os lugares. Ele não disse: ouçam a Igreja por mil anos ou por mil e quinhentos anos, mas: ouçam a Igreja, sem nenhuma limitação, sem nenhuma reserva, sem qualquer restrição de tempo. Isto é, por todos os tempos; em todas as coisas, até o fim dos tempos, e aquele que não ouvir a Igreja, que seja para ti, diz Cristo, como um pagão e como um publicano.
Portanto, Cristo diz que aqueles que se recusam a ouvir a Igreja devem ser vistos como pagãos; e o que é um pagão? Alguém que não louva o Deus verdadeiro; e um publicano é um pecador público. Essa é uma linguagem dura. Poderia Cristo ter-me ordenado crer na Igreja se a Igreja pudesse extraviar-me --- pudesse conduzir-me ao erro? Se o ensinamento da Igreja fosse corrompido, poderia Ele, o Deus da verdae, mandar-me, sem nenhuma restrição ou limitação, ouvir e crer nos ensinamentos da Igreja que Ele estabeleceu?
Novamente: Nosso Divino Salvador ordena-me ouvir e crer no ensinamento da Igreja como se Ele próprio estivesse falando-nos. "Quem vos ouve", diz Ele, na Sua ordem aos Apóstolos, "a Mim ouve, e quem vos despreza a Mim despreza." De modo que, quando eu creio no que a Igreja ensina, creio no que Deus ensina. Se eu rejeito o que a Igreja ensina, rejeito o que Deus ensina. Cristo, assim, fez da Igreja o órgão pelo qual Ele fala ao homem, e diz-nos positivamente que devemos acreditar no ensinamento da Igreja como se Ele mesmo estivesse falando-nos.
Portanto, diz São Paulo, na sua Epístola a Timóteo, "a Igreja é o fundamento" --- isto é, a forte fundação --- "e o pilar da verdade". Tire o fundamento deste edifício, e ele ruirá; assim é com estes pilares sobre os quais se assenta o pavimento; retire-os, e o pavimento cairá; assim, São Paulo diz: "A Igreja é o fundamento e o pilar da verdade", e, desde o momento em que se retira a autoridade da Igreja de Deus, induzem-se todos os tipos de erros e doutrinas blasfemas. Não é visto?

VII. No século XVI, o protestantismo tirou a autoridade da Igreja e constituiu cada homem como seu próprio juiz da Bíblia, e qual foi a consequência? Religião sobre religião, igreja sobre igreja, trazida à existência, e jamais cessou de surgir novas igrejas até hoje.
Quando preguei minha Missão em Flint, Michigan, convidei, como o fiz aqui, meus amigos protestantes para vir ver-me. Um homem bom e inteligente veio a mim e disse-me: "Aproveitarei esta oportunidade de conversar com o senhor". "A que Igreja o senhor pertence, meu amigo?", disse eu. "À Igreja dos Doze Apóstolos", disse ele. "Ah! ah!", disse eu, "Eu também pertenço a essa Igreja. Mas diga-me, meu amigo, onde começou a sua Igreja?" "Em Terre Haute, Indiana", disse ele. "Quem começou a Igreja, e quem foram os Doze Apóstolos, meu amigo?", disse eu. "Foram doze fazendeiros", disse ele; "todos pertencíamos à mesma Igreja --- a presbiteriana --- mas discutimos com nosso pregador, separamo-nos dele, e iniciamos nossa própria Igreja." "E isso", disse eu, "são os Doze Apóstolos a que o senhor pertence --- doze fazendeiros de Indiana! A Igreja começou a existir há cerca de trinta anos." Há alguns anos, quando estive em Terra Haute, pedi que me indicassem a Igreja dos Doze Apóstolos. Fui conduzido à janela e ma apontaram, "mas ela não existe mais", disse meu informante, "hoje é usada como loja de um fabricante de vagões".
Mais uma vez, São Paulo, em sua Epístola aos Gálatas, diz: "Ainda que nós, Apóstolos, ou mesmo um anjo do céu viesse a vós e pregasse um Evangelho diferente do que nós pregamos, seja anátema". Essa é a linguagem de São Paulo, porque, meu querido e amado povo, a religião precisa vir de Deus, não dos homens. Nenhum homem tem direito a estabelecer uma religião; nenhum hoemm tem direito a ditar para o seu próximo em que ele deve crer e o que ele deve fazer para salvar a sua alma. A religião precisa vir de Deus, e qualquer religião que não foi estabelecida por Deus é uma falsa religião, uma instituição humana, e não uma instituição de Deus; e, por isso, disse São Paulo na sua Epístola aos Gálatas: "Ainda que nós, Apóstolos, ou mesmo um anjo do céu viesse a vós e pregasse um Evangelho diferente do que nós pregamos, seja anátema".

VIII. Pode-se ver, meu querido e amado povo, pelo texto da Escritura que eu citei, que se a Igreja Católica já foi a verdadeira Igreja, então ela ainda o é. Os senhores também viram, pelo que eu disse, que a Igreja Católica é a instituição de Deus, e não dos homens, e isso é um fato --- um fato histórico, e nenhum fato histórico é tão suportado, tão bem provado quanto que a Igreja Católica é a primeira, a Igreja estabelecida por Jesus Cristo.
Então, do mesmo modo, é um fato histórico que todas as igrejas protestantes são instituições humanas --- todas elas. E eu lhes darei os seus dados, e os nomes dos seus fundadores ou instituidores. No ano de 1520 --- 368 anos atrás --- o primeiro protestante veio ao mundo. Antes dele não houve nenhum protestante no mundo, nenhum em toda a face da terra; e esse, como toda a história nos diz, foi Martinho Lutero, que era um sacerdote católico, que saiu da Igreja por orgulho, e casou-se com uma freira. Foi excomungado pela Igreja, podado, banido, e fez uma nova religião. Antes de Martinho Lutero, não houve nenhum protestante no mundo; ele foi o primeiro a levantar o estandarte da rebelião e da revolta contra a Igreja de Deus. Ele disse aos seus discípulos que eles deveriam tomar a Bíblia como seu guia, e eles o fizeram.
Mas, em pouco tempo, eles discutiram com ele; Zuinglius, e vários outros, e todos eles começaram uma nova religião. Depois dos discípulos de Martinho Lutero veio João Calvino, que, em Genebra, estabeleceu a religião presbiteriana, e, daí em diante, quase todas as religiões são chamadas pelo nome do seu fundador.
Pergunto ao protestante: "Por que você é luterano, meu amigo?" "Bem", diz ele, "porque eu creio na doutrina do bom Martinho Lutero." Portanto, não na de Cristo, mas na de um homem --- Martinho Lutero. E que tipo de home foi ele? Um homem que quebrou o juramento solene que fizera diante do altar de Deus, na sua ordenação, de sempre manter uma vida pura, célibe, virginal. Ele quebrou aquele solene juramento, e casou-se com uma Irmã Catarina, que também fizera o mesmo voto de castidade e virtude. E esse foi o primeirio fundador do protestantismo no mundo. O nome pelos quais eles se chamam diz que vieram de Martinho Lutero. Assim os presbiterianos são, algumas vezes, chamados calvinistas, porque vêm de João Calvino, ou professam que creem nele.

IX. Depois deles veio Henrique VIII. Ele era católico, e defendeu a religião católica; ele escreveu um livro contra Martinho Lutero, em defesa da doutrina católica. Eu mesmo vi esse libro na biblioteca do Vaticano em Roma, há alguns anos. Henrique VIII defendeu a religião, e, por isso, foi chamado pelo Papa "Defensor da Fé". Isso passou com os seus sucessores, e a Rainha Vitória é herdeira, hoje em dia.
Ele casou-se com Catarina de Aragão; mas havia na sua corte uma dama de honra da Rainha chamada Ana Bolena, que era uma bela mulher, e de aparência cativante. Henrique estava determinado a tê-la. Mas ele era um homem casado. Ele submeteu uma petição ao Papa para que lhe permitisse casar com ela --- e essa era uma petição tola, porque o Papa não tem poder para fazê-lo. O Papa e todos os bispos do mundo não podem ir contra a vontade de Deus.
Cristo diz: "Se um homem rejeitar a sua esposa e casar-se com outra, ele comete adultério, e aquele que se casa com aquela que foi rejeitada comete adultério também". Como o Papa indeferiria sua petição, ele tomou Ana Bolena de qualquer modo, e foi excomungado da Igreja. Após um tempo, havia outra dama de honra, mais bela que a primeira, mais bonita e charmosa aos olhos de Henrique, e ele disse que precisava tê-la também. Ele tomoui a terceira esposa, e uma quarta, quinta e sexta se seguiram.
Ora, esse é o fundador da Igreja Anglicana, a Igreja da Inglaterra; e, portanto, é isso que significa o nome da Igreja da Inglaterra. Nossos amigos episcopalianos têm feito grandes esforços para se chamar católicos, mas jamais o conseguirão. Eles reconhecem que o nome católico é um nome glorioso, e gostariam de possuí-lo.
Os Apóstolos disseram: "Eu creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica" --- eles nunca disseram: na Igreja Anglicana. Os anglicanos negam a sua religião, porque dizem que acreditam no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica. Pergunte-lhes se são católicos, e eles dirão: "Sim, mas não católicos romanos; nós somos católicos ingleses". Qual o significado da palavra católico? Vem da palavra grega "Catholicus" --- universal --- espalhado por toda a terra, e o mesmo por todo lugar. Ora, primeiro de tudo, a Igreja Anglicana, não é espalhada por toda a terra; só existe em uns poucos países, principalmente apenas onde a língua inglesa é falada. Em segundo lugar, eles não são o mesmo por toda a terra, porque existem agora quatro diferentes igrejas anglicanas: a Low Church, a High Church, a Igreja Ritualista e a Igreja Puseyita.
"Catholicus" significa mais do que isso, não apenas espalhado por toda a terra e o mesmo em todo lugar, mas significa, principalmente, o mesmo por todos os tempos, de Cristo até o presente dia. Ora, eles não existiram desde o tempo de Cristo. Nunca houve uma Igreja Episcopal ou uma Igreja Anglicana antes de Henrique VIII. A Igreja Católica já exsitia há mil e quinhentos anos antes que a Episcopal viesse ao mundo.
Depois do episcopalianismo, diferentes outras igrejas surgiram. Depois veio a metodista, certa de cento e cinquenta anos atrás. Foi iniciada por John Westley, que fora membro da Igreja Episcopal; subsequentemente, ele juntou-se aos Irmãos Moravianos, mas, não gostando deles, fez sua própria religião --- a Igreja Metodista. Após John Westley, várias outras surgiram; e, finalmente, vieram os campbellitas, cerca de sessenta anos atrás. Essa igreja foi estabelecida por Alexander Campbell, um escocês.

X. Bem, agora, meu querido e amado povo, os senhores devem estar pensando que o ato dos doze apóstolos de Indiana foi ridículo, mas eles tinham tanto direito de estabelecer uma igreja quanto Henrique VIII, Martinho Lutero ou João Calvino. Eles não tinham nenhum direito, nem o tinha Henrique VIII, nem o resto deles.
Cristo estabelecera a Sua Igreja e dera o Seu solene juramente de que a Sua Igreja permaneceria até o fim dos tempos; prometeu que a construíra sobre a pedra, e que as portas do inferno não prevalereciam contra ela --- então, meu querido povo, todas aquelas diferentes denominações de religião são invenção de homens; e eu lhes pergunto: pode um homem salvar os seus próximos por meio de uma instituição que ele possa fazer? A religião não precisa vir de Deus?
E, portanto, meus queridos e amados irmãos separados, pensem seriamente nisso. Os senhores têm uma alma a salvar, e essa alma será salva ou condenada; uma coisa ou outra: ou terá com Deus no céu, com com o diabo no inferno; portanto, meditem seriamente nisso.
Quando preguei minha Missão em Brooklyn, vários protestantes se tornaram católicos. Entre eles havia um muito bem educado e inteligente virginiano. Ele era presbiteriano. Após escutar minha lição, ele foi falar com o seu ministro, e pediu-lhe que fosse gentil o bastante para explicar-lhe um texto da Bíblia. O ministro deu-lhe o significado. "Bem, então", disse o gentil-homem, "o senhor está seguro e certo de que esse é o significado do texto, pois vários outros protestantes o explicam diferentemente?" "Ora, meu querido jovem", disse o pregador, "nós jamais podemos estar certos da nossa fé." "Bem, então", disse o jovem, "adeus: Se eu não posso estar certo da minha fé na Igreja Protestante, eu vou para onde o possa", e tornou-se católico. Na Igreja Católica, estamos seguros da nossa fé, e, se a nossa fé não é verdadeira, Cristo nos enganou. Imploro-lhes, pois, meus irmãos separados, que procurem livros católicos. Os senhores já leram muito contra a Igreja Católica, leiam agora, então, algo a favor dela.
Nunca se pode dar uma sentença imparcial sem ouvir ambos os lados da questão. O que vocês pensariam de um juiz diante do qual um policial traz um pobre infrator, e que, por causa do policial, sem ouvir o infrator, condena-o ao enforcamento? "Deixe-me falar", diz o pobre homem, "e eu provarei a minha inocência. Eu não sou culpado", diz ele. O policial diz que ele é culpado. "Bem, enforquem-no, mesmo assim", diz o juiz. O que os senhores diriam do juiz? Juiz criminoso! Homem injusto; você é culpado do sangue do inocente! Não é isso que os senhores diriam? Com certeza. Bem, meus queridos e amados amigos protestantes, isso é o que os senhores têm feito até agora; os senhores têm ouvido um lado da questão e condenado a nós, católicos, como um punhado de gente supersticiosa, pobres pessoas ignorantes, povo idólatra, pessoas sem juízo, indo e contando os seus pecados para o sacerdote; e, afinal de contas, o que é o sacerdote senão um outro homem qualquer?
Meus queridos amigos, os senhores examinaram o outro lado da questão? Não, os senhorse acham que não vale a pena; mas foi assim que os judeus fizeram com nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo; e foi assim que os pagãos e judeus trataram os Apóstolos, os ministros da Igreja, e os cristãos primitivos.
Permitam-me dizer-lhes, meus amigos, que os senhores nos têm tratado precisamente do mesmo modo que os judeus e pagãos trataram Jesus Cristo e Seus Apóstolos. Nesta tarde eu disse coisas duras, mas, se São Pedro estivesse aqui nesta noite, neste púlpito, ele teria dito coisas mais duras ainda. Disse-as, porém, não com espírito de inimizade, mas com espírito de amor, e um espírito de caridade, na esperança de abrir os seus olhos, de modo que as suas almas possam ser salvas. É amor pela sua salvação, meus queridos e amados irmãos protestantes --- pela qual eu de bom grado daria o sangue do meu coração --- meu amor pela sua salvação que me fez pregar-lhes como o fiz.

XI. "Bem", dizem os meus amigos protestantes, "se um homem pensa estar certo, ele não está certo?" Suponhamos, então, que um homem em Ottawa quer ir para Chicago, mas toma um carro para Nova Iorque; o condutor pede a sua passagem, e, imediatamente, diz: “Você está no carro errado; a sua passagem é para Chicago, mas o senhor está indo para Nova Iorque”. “Ora, o que é isso?”, diz o passageiro. “A minha intenção era certa.” “A sua intenção não o levará para o seu destino”, diz o condutor, “pois o senhor irá para Nova Iorque ao invés de Chicago.”
Os senhores dizem ter boa intenção, meus queridos amigos; sua intenção não os levará para o céu; os senhores precisam, também, agir corretamente. “Apenas aquele que faz a vontade do Meu Pai”, diz Jesus, “será salvo.” Há milhões de bem-intencionados no inferno. Os senhores precisam agir bem, e ter certeza de estar agindo bem, para serem salvos. Eu agradeço aos meus irmãos separados pela sua gentileza em vir para essas lições controversas. Eu espero não ter dito nada para ofendê-los. Na verdade, não faria sentido se eu não pregasse doutrinas católicas.

Tradução minha.

SEXTO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES.

As turbas famintas e a vaidade dos bens terrestres.

Misereor super turban: quia ecce iam triduo sustinent me, nec habent quod manducent
–“Tenho compaixão da multidão; porque desde três dias já me acompanham e não têm o que comer” (Marc. 8, 2).


Sumário. A fome das turbas de que fala o Evangelho, nos pode ensinar que a felicidade das riquezas, das dignidades e dos prazeres, jamais pode saciar o nosso coração. Persuadamo-nos bem de que o que possui todos os tesouros da terra, mas não possui a graça de Deus, é o homem mais pobre do mundo... Se em tempos passados tivemos a insensatez de apegar o nosso coração às vaidades, sejamos agora mais prudentes; unamo-nos à Jesus Cristo, que nos saciará espiritualmente, assim como com sete pães apenas saciou corporalmente mais de quatro mil pessoas.

I. Eram tais os atrativos do nosso divino Salvador, e tal a doçura com que acolhia todos, que se viu um dia cercado de uma multidão de cerca de quatro mil pessoas, que tendo-o seguido três dias não tinham o que comer. Movido de compaixão, disse aos discípulos: Tenho compaixão da multidão que me vem acompanhando três dias e não tem o que comer. E, sabendo que ali havia sete pães e uns poucos peixes, fez o grande milagre da multiplicação dos pães e alimentou abundantemente toda a multidão faminta.

É este o sentido literal do Evangelho de hoje; porém, o sentido místico significa que não há nenhum manjar neste mundo que possa saciar nossas almas. Todos os bens da terra, as riquezas, as honras, os prazeres, deleitam somente os sentidos do corpo; mas para o espírito são vaidade e aflição: Universa vanitas et afflictio spiritus (1), Se os bens deste mundo contentassem o homem, seriam inteiramente felizes os poderosos e os ricos; não obstante, a experiência demonstra inteiramente o contrário; ela nos faz ver que eles são os mais desgraçados, porque vivem sempre sob a opressão do temor, da inveja, da tristeza e da cobiça de possuírem mais.

Eis, diz o Espírito Santo, o justo castigo daqueles que, em vez de servirem a Deus com alegria, por causa da abundância de todos os bens que nele se encontram, querem servir ao inimigo de Deus, isto é, ao mundo, que os faz sofrer fome, sede, nudeza e miséria (2). - Tenhamos nós também, à imitação de Jesus Cristo; compaixão da multidão de mundanos, que, por lhes faltar o pão substancial, comem sem jamais se saciarem. Se nos tempos passados nós também nos deixamos enganar pelas falsas aparências, lamentemos a nossa cegueira e proponhamos ser mais prudentes para o futuro.

II. Et manducaverunt, et saturati sunt (3) - “Todos comeram e ficaram fartos. Com estas palavras o Evangelista termina a narração do milagre. As quatro mil pessoas que acompanhavam o Senhor, comeram dos sete pães e dos poucos peixes bentos por ele, e ficaram fartas; mais ainda, encheram sete cestos de pedaços que sobraram.— Com isso quer o Senhor dar-nos a entender que, como Ele criou para si o coração do homem, assim Ele só o pode saciar. Por isso, Santo Agostinho, ensinado pela própria experiência, teve razão de exclamar: Ó mundanos insensatos! Ó homens desgraçados! aonde ides para achar a felicidade? Vinde a Jesus; só ele vos pode dar a felicidade que estais buscando: Bonum quod quaeritis, ab ipso est.

Ó meu amabilíssimo Redentor! Graças Vos dou pelas luzes que me dais agora para compreender tão importante verdade, e peço-Vos que a graveis sempre mais fundo em meu espírito, afim de que me sirva de regra em minhas ações. É verdade, Senhor, quem possui todos os bens, mas não Vos possui a Vós, é o mais pobre do mundo; mas o pobre que Vos possui, ainda que não possua nenhum dos bens terrestres, é o mais rico e possui tudo. Por isso, ó meu Jesus, quero possuir-Vos a todo o custo. Peza-me que no passado corri atrás das vaidades, e por elas Vos deixei, ó bondade infinita. Peza-me, quisera morrer de dor e quero reparar o passado, amando-Vos com tanto mais ardor para o futuro.

Ó Deus, autor das virtudes e de tudo que é bom e ótimo, fortalecei-me com a vossa graça. “Suplico-Vos, pelos merecimentos do vosso preciosíssimo sangue, que instileis em minha alma o amor do vosso nome e aumenteis em mim o espírito de religião, fomentando em mim o que é bom, e conservando esse bem por um vivo amor da piedade” (4). - Peço esta graça também a vós, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria. (*III 500.)

1. Ecles. 1, 14.

2. Deut. 28, 47.
3. Mar. 8, 8.
4. Or. Dom. curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 232-235.)