24 de fevereiro de 2011

O pecador não quer obedecer a Deus

A saeculo confregisti iugum meum, rupisti vincula mea, et dixisti: non serviam ― «Quebraste desde o princípio o meu jugo, rompeste os meus laços, e disseste: não servirei» (Jer 2, 20).

Sumário. Grande Deus! Todas as criaturas obedecem a Deus, como a seu supremo Senhor; os céus, a terra, o mar, os elementos obedecem-lhe de pronto ao menor sinal. E o homem, mais amado e privilegiado de Deus do que todas essas criaturas, não quer obedecer-lhe, e cada vez que peca, diz por suas obras com inaudita temeridade a Deus: Senhor, não Vos quero servir ― Confregisti iugum meum, dixisti: non serviam. Irmão meu, é isso o que tu também fizeste, se tiveste a desgraça de pecar.

I. Grande Deus! Todas as criaturas obedecem a Deus como ao seu soberano Senhor; os céus, a terra, o mar, os elementos obedecem-lhe de pronto ao menor sinal. E o homem, mais amado e privilegiado de Deus do que todas essas criaturas, não lhe quer obedecer, e cada vez que peca, diz, por suas obras, com inaudita temeridade a Deus: Senhor, não Vos quero servir. Confregisti iugum meum, dixisti: non serviam ― «Quebraste o meu jugo e disseste: não servirei».

O Senhor lhe diz: não te vingues, e o homem responde: quero vingar-me; ― não te aposses dos bens alheios: quero apossar-me deles; ― abstém-te desse prazer desonesto: não quero abster-me. O pecador fala a Deus do mesmo modo que Faraó, quando Moisés lhe levou da parte de Deus a ordem de restituir o seu povo à liberdade. Aquele temerário respondeu: Quem é esse Senhor, para que eu ouça a sua voz? Não conheço o Senhor (Ex. 5, 2). O pecador diz a mesma coisa: Senhor, não Vos conheço, quero fazer o que me agrada. Numa palavra, ultraja-o face a face, e volta-lhe as costas. No dizer de Santo Tomás, é isso exatamente o pecado mortal: o voltar as costas a Deus, o Bem incomutável. É disso também de que o Senhor se queixa: Tu reliquiesti me, dicit Dominus; retrorsum abiisti (III Re 12, 28). Foste ingrato, assim fala Deus, porque me abandonaste ao passo que eu nunca te teria abandonado: retrorsum abiisti, voltaste-me as costas.

Deus declarou que odeia o pecado; portanto não pode deixar de odiar igualmente a quem o comete. E o homem, quando peca, ousa declarar-se inimigo de Deus e resiste-lhe na face: Contra Omnipotentem roboratus est ― «ele se fez forte contra o Todo-poderoso», diz Jó (Jó 15, 25). O mesmo santo varão acrescenta que levanta o colo: isto é o orgulho, e corre para insultar a Deus: arma-se com uma testa dura, isto é, com ignorância, e diz: Quid feci? Que é que fiz? Onde está o grande mal que fiz pecando? Deus é misericordioso; perdoa aos pecadores. Que injúria! que temeridade! que insensatez!

II. Irmão meu, se nós também no passado quebramos o jugo suave do Senhor, e recusando-lhe a obediência tornamo-nos escravos do demônio, peçamos agora, humilhados e contritos, o perdão de nossos pecados; esforcemo-nos, com o nosso arrependimento, e com os nossos obséquios, em reparar um pouco as muitas ofensas que, particularmente nestes dias de carnaval, são feitas a nosso Pai celestial.

Eis aqui a vossos pés, meu Deus, o rebelde, o temerário, que tantas vezes teve a audácia de Vos injuriar no rosto e de Vos voltar as costas, mas que agora Vos pede misericórdia. Vós dissestes: Clama ad me, et axaudiam te (Jer 33, 3) ― «Clama a mim e eu te atenderei». Um inferno ainda é pouco para mim: confesso-o; mas sabeis que tenho mais dor por Vos haver ofendido, ó Bondade infinita, do que se houvesse perdido todos os meus bens e a vida. Ah! meu Senhor; perdoai-me e não permitais que Vos torne a ofender. Vós por mim esperastes, afim de que bendiga para sempre a vossa misericórdia, e Vos ame. Sim, bendigo-Vos, amo-Vos e espero pelos merecimentos de Jesus Cristo, nunca mais separar-me do vosso amor. Foi o vosso amor que me livrou do inferno, esse mesmo amor deve livrar-me do pecado no futuro.

Agradeço-Vos, meu Senhor, estas luzes e o desejo que me inspirais de sempre Vos amar. Peço-Vos que tomeis plena posso de mim, de minha alma, de meu corpo, das minhas faculdades, dos meus sentidos, de minha vontade e da minha liberdade: Tuus sum ego, salvum me fac (Sl 118, 94) ― «Eu sou vosso; salvai-me». Vós que sois o único bem, o único amável, sede também o meu único amor. Dai-me fervor em Vos amar. Já Vos ofendi muito; portanto não me posso contentar com amar-Vos simplesmente; quero amar-Vos muito para compensar as injúrias que Vos fiz. De Vós espero esta graça porque sois todo-poderoso; espero-a também, ó Maria, das vossas orações, que são todo-poderosas para com Deus. (*II 68.)

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Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 252-254.

Fonte: Blogue Mulher Católica

23 de fevereiro de 2011

São Cesário de Arles - Sermão 13 (para uma paróquia rural)

Sermão 13 (para uma paróquia rural)
São Cesário de Arles

I

Eu vos rogo, irmãos caríssimos, que reflitamos sobre o significado de sermos cristãos e sobre o sinal da cruz de Cristo que trazemos na fronte. Não nos basta - bem devemos saber - termos recebido o nome de cristãos se não agimos como cristãos, conforme disse o próprio Senhor no Evangelho: "De que adianta dizer: "Senhor, Senhor", se não fazeis o que eu digo?" (Lc 6,46). Se mil vezes te proclamas cristão e fazes o sinal da cruz, mas não dás esmola de acordo com tuas possibilidades e não queres ter amor, justiça e pureza, de nada te aproveitará o nome "cristão".


Sim, é uma grande coisa o sinal de Cristo e a cruz de Cristo, mas, precisamente por isso, grande e preciosa deve ser também a realidade assinalada por tão precioso sinal. De que adianta fazer um selo de ouro, se o que está por dentro é palha podre? De que adianta andar com o sinal de Cristo na fronte e na boca se o que ele encerra são nossos pecados e delitos? Pois, quem pensa mal, fala mal e age mal e, se não quiser corrigir-se, a cada sinal da cruz seu pecado não só não diminuirá como aumentará.

É o caso de muitos que, ao furtar, adulterar ou agredir a pontapés, fazem o sinal da cruz e nem por isso deixam de fazer o mal. Ignoram esses infelizes que, com isso, atraem mais demônios para dentro de si em vez de expulsá-los.

Já quem, com a ajuda de Deus, afasta de si os vícios e os pecados, lutando por pensar o bem e realizar o bem, este imprime de verdade o sinal da cruz sobre seus lábios: pois esse agir, sim, é digno de receber o sinal de Cristo. E já que está escrito: "O reino de Deus não consiste em palavras mas em virtudes" (ICor. 4,20) e também: "A fé sem obras é morta" (Tg 2,26), não usemos, pois, o nome de cristãos para nossa condenação, mas para nossa cura e dediquemo-nos às boas obras enquanto ainda podemos lançar mão dos remédios.

II

E para que, com o auxílio de Deus, possais seguir esse caminho, convivei em paz e chamai à concórdia os que estão em discórdia. Fugi da mentira e temei o perjúrio como a morte perpétua. Não digais falso testemunho e não furteis. E, sobretudo, como já dissemos, dai esmolas aos pobres de acordo com vossas possibilidades. Apresentai vossas oferendas ao altar: um homem abastado deveria ter vergonha de agregar-se à oferenda do outro, dispensando-se de sua própria oferenda. Os que podem ofereçam círios ou óleo para as lâmpadas. Memorizai o Símbolo e o Pai-Nosso, e ensinai-os a vossos filhos, pois não sei como pode alguém dizer-se cristão e não se empenhar sequer em saber os poucos artigos do Símbolo e o Pai-Nosso.

Sabei que sois responsáveis diante de Deus pelos filhos, que trouxestes ao Batismo: deveis ensinar e corrigir tanto os vossos próprios filhos como os afilhados para que vivam uma vida pura, justa e sóbria. E vós mesmos agi de tal maneira que, querendo vossos filhos imitar-vos, não acabem ardendo convosco no fogo eterno mas, a vosso lado, atinjam o prêmio da vida eterna.

Que os juízes julguem justamente e não aceitem presentes para decidir contra os inocentes, "pois os presentes cegam os corações dos sábios e corrompem as palavras dos justos" (Dt 16,19), e temam ganhar dinheiro à custa de perder a alma. Ninguém obtém um lucro injusto sem a justa perda: onde o lucro, aí a perda - lucro para os cofres, perda para a consciência...

Que ninguém se embebede ou induza outros, num repasto, a beber mais do que convém: não venha a perder sua alma pela bebedeira própria ou alheia.

III

Aos domingos, reuni-vos na igreja. Se os infelizes judeus celebram o sábado com tamanha devoção que nesse dia não realizam nenhum trabalho, quanto mais não deve o cristão dedicar o domingo somente a Deus e vir à igreja em benefício de sua alma? Quando vierdes às reuniões da igreja, orai por vossos pecados e não entreis em discussões nem provoqueis discórdias ou escândalos. Quem vem à igreja para tais coisas agrava a ferida de sua alma, precisamente onde, pela oração, poderia curá-la.

Na igreja, não fiqueis tagarelando, mas ouvi pacientemente as leituras da palavra de Deus. Quem fica conversando na igreja deverá prestar contas, não só do mal que causa a si mesmo, mas também do que causa aos outros: pois nem ele ouve a palavra de Deus nem deixa que os outros a ouçam.

Dai o dízimo de vossos proventos à Igreja. Aquele que foi soberbo seja humilde; o que era adúltero seja casto; o que costumava furtar ou apropriar-se das coisas alheias que comece a dar de seu próprio patrimônio aos pobres. Quem foi invejoso seja benevolente; seja paciente o iracundo, quem ofendeu apresse-se a pedir perdão e o ofendido apresse-se em ser misericordioso.

Toda vez que sobrevier uma doença, o que a sofre receba o corpo e o sangue de Cristo; peça humildemente e com fé ao sacerdote a unção com o óleo bento a fim de que se cumpra nele o que está escrito: "Algum de vós está doente? Chame os presbíteros para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo, e a oração da fé salvará o enfermo, elevando-o ao Senhor. Se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão remitidos" (Tg 5,14-15).

Vede, irmãos, como quem recorre à Igreja em sua doença obtém a saúde do corpo e a remissão dos pecados. Se é possível, pois, encontrar este duplo benefício na Igreja, por que há infelizes que se empenham em causar mal a si mesmos, procurando os mais variados sortilégios: recorrendo a encantadores, a feitiçarias em fontes e árvores, amuletos, charlatães, videntes e adivinhos?

IV

Como disse há pouco, exortai vossos filhos e parentes a viver uma vida pura, justa e sóbria. Não só com palavras mas também com a força do bom exemplo.

Antes de mais nada, onde quer que estejais, em casa, em viagem, comendo ou em reuniões, não profira vossa boca palavras torpes e obscenas, e exortai os vizinhos e vossos próximos a que falem sempre o que é bom e belo, e não palavras más ou maledicência. Evitai as danças organizadas nas festas religiosas, com suas canções torpes e obscenas: a língua, com a qual o homem deveria louvar a Deus, é então usada para ferir a si mesmo.

Esses infelizes e miseráveis que, sem vergonha e sem temor, promovem seus bailes e danças bem diante das próprias basílicas dos santos, tendo vindo à igreja como cristãos, dela saem como pagãos: pois tais bailes são restos de paganismo. E dizei-me que tipo de cristão é esse que veio à igreja para orar, mas se esquece da oração e não se envergonha de entoar cânticos sacrílegos pagãos. Considerai ainda, irmãos, se é justo que a boca cristã, que recebe o próprio corpo de Cristo, entoe cânticos obscenos, um veneno do diabo.

E, principalmente, fazei aos outros tudo o que quiserdes que os outros vos façam, e não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam. Se cumprirdes isto, podereis preservar vossas almas de todo o pecado. E todos, mesmo aqueles que são analfabetos, devem guardar estas duas sentenças na memória e, com a ajuda de Deus, podem e devem pô-las em prática.

V

E ainda que eu creia que, com a ajuda de Deus e graças a vossos esforços, erradicados estão daqui aqueles desgraçados costumes herdados do paganismo, no entanto, se ainda souberdes de alguém que pratique a torpeza sordidíssima das annicula ou do cervulus [2] , repreendei-o severamente para que se arrependa de ter cometido sacrilégio. E, se conhecerdes quem ainda lança clamores à lua nova, exortai-o e mostrai-lhe quão grande é este pecado de ousar confiar-se à proteção da lua - que, simplesmente, por ordem de Deus, esconde-se de tempos em tempos - por meio de seus gritos e imprecações sacrílegas.

E se virdes alguém dirigir votos junto a fontes ou a árvores e ir procurar, como já dissemos, charlatães, videntes e adivinhos, pendurar no próprio pescoço - ou no de outros - amuletos diabólicos, talismãs, ervas ou âmbar, repreendei-o duramente, dizendo que quem cometer estes males perderá a consagração do Batismo.

Ouvi dizer que ainda há certos homens e mulheres tão assolados pelo diabo que, às quintas-feiras, não fazem eles seus trabalhos nem elas fiam. Diante de Deus e de seus anjos, nós os admoestamos: todo aquele que persistir nessas observâncias, e não expiar por dura e longa penitência esse grave sacrilégio, será condenado ao fogo em que arde o demônio. Esses infelizes e miseráveis que não trabalham às quintas-feiras, em honra de Júpiter, são os mesmos, não duvido, que não temem nem se envergonham de trabalhar aos domingos. Se conhecerdes algum desses tais, repreendei-o duramente e, se ele não quiser se emendar, não o admitais em vossa mesa nem em vosso trato. Se são vossos escravos, castigai-os com o açoite: que temam a chaga do corpo, já que não se preocupam com a salvação de sua alma.

Nós, caríssimos irmãos, conscientes de nossa responsabilidade, advertimo-vos com solicitude paterna: se de bom grado nos ouvirdes, dar-nos-eis uma grande alegria e chegareis felizmente ao reino de Cristo. Que Ele se digne vo-lo conceder, Ele que, com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.

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[1] . O texto latino encontra-se em CCL 103, Sermones Sancti Caesarii Arelatensis - Pars Prima, studio D. Germani Morin O.S.B., ed. altera, Turnholti, Brepols, 1953.

[2] . Cervulus e annicula - facere ou exercere cervulum ou agniculas -eram práticas pagãs que envolviam fantasias (de cervo/cordeirinha). Em outro sermão - 129,2 - , Cesário investe duramente contra o hábito - próprio das calendas de janeiro - de fazer cervulum: os que assim procedem, querem não só se vestir de animal, mas transformar-se em animal ("Qui cervulum facientes in ferarum se uelini habitus commutari").

19 de fevereiro de 2011

Santa Catarina de Sena: "A sede de alma nos pastores"

SANTA CATARINA DE SENA - CARTA 16
A sede de almas nos pastores

Para um importante prelado

1. Saudação e objetivo
Em nome de Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, reverendo e caríssimo pai [1] no Cristo Jesus, eu Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo crucificado, vos escrevo no seu precioso sangue, desejosa de vos ver sedento da salvação das almas para a glória de Deus.

2. A sede das almas em Jesus
O primeiro mestre neste assunto é Jesus Cristo, que por sua sede da nossa salvação morreu na cruz. Nisto, o Cordeiro imaculado parece insaciável. Saturado de dores, clamou na cruz: "Tenho sede" (Jo. 19,28). Sem dúvida ele estava com sede corporalmente, mas bem maior era sua sede da salvação das almas. Ó inestimável caridade! Embora sofrendo muito, até parece que não sofres o suficiente; parece que não esgotas o desejo que tens de padecer. E de tudo, o impulso vem do amor! Já não me maravilho disso, pois teu amor era infinito, ao passo que a dor era finita. Eis por que o desejo de sofrer superava o martírio do corpo.

3. Instruções de Jesus a Catarina
Recordo-me que certa vez o bom Jesus instruiu uma sua serva sobre esse assunto. [2] Vendo ela os sofrimentos físicos de Jesus e seu desejo de padecer, perguntou: "Bom Jesus, qual foi o teu sofrimento maior: a dor corporal ou a dor do desejo?" Jesus lhe respondeu: "Milha filha, digo-te e não duvides: é impossível comparar o finito com o infinito. Meu sofrimento físico foi finito, mas o desejo de sofrer não tinha limites. Carreguei também a cruz do desejo santo. Lembras-te de que um dia te fiz ver meu nascimento? Enxergavas uma criancinha, nascida com uma cruz no peito! Afirmo-te: logo que fui semeado no ventre de Maria como semente encarnada, iniciou-se meu desejo de cumprir a vontade do Pai para o bem da humanidade. Isto é: eu desejava que a humanidade recuperasse a graça divina e atingisse a finalidade para a qual fora criada. O sofrimento desse desejo era maior que todo outro que padeci durante a vida. Meu espírito alegrou-se, pois, quando me vi conduzido à paixão, especialmente na hora da Ceia na quinta-feira santa. Na ocasião eu disse: com desejo desejei fazer esta Páscoa (Lc. 22, 15), quer dizer: desejei muito oferecer ao Pai meu corpo em sacrifício. Senti uma grande alegria e grande consolação quando vi chegar o momento de tomar a cruz esperada. Quanto mais eu sentia aproximarem-se o flagelo e os tormentos físicos, mais diminuía minha pena. A dor corporal expulsava a dor do desejo, pois eu via realizado o que esperava".

A serva lhe perguntou: "Senhor, tu dizes que na cruz cessou o sofrimento do teu desejo. De que modo? Então, agora já não me queres?". O Senhor lhe respondeu: "Não, minha doce filha! Quando morri na cruz, terminou com a vida a dor do desejo; mas não cessaram o meu desejo e a minha sede da vossa salvação. Se houvesse acabado o amor que tive e tenho pela humanidade, vós nem existiríeis mais. Foi meu amor que vos tirou do seio do Pai, quando vos criou na sua sabedoria; esse mesmo amor vos conserva em vida; vós nada mais sois que fruto do amor. Se o Pai retirasse seu amor, dado no poder e na sabedoria, voltaríeis ao nada. Eu, Filho unigênito do Pai, sou um aqueduto que vos traz a agua da graça. Eu manifesto o amor do Pai. De fato, o que o Pai possui, eu também possuo, pois sou um com o Pai e o Pai um comigo. Por meio de mim o Pai se revela. Por isso afirmei: o que recebi do Pai, eu vos comuniquei. A razão de tudo é o amor".

Bem vedes, reverendo pai! Jesus, que é amor, morre de sede e fome da nossa salvação. Por amor a Cristo crucificado, peço que mediteis sobre tal sede do Cordeiro. Minha alma gostaria de vos ver morrendo de desejo santo, ou seja, tudo fazendo com amor pela glória de Deus e a salvação das almas, pela exaltação da santa Igreja.

Gostaria de vos ver crescendo em tal sede e por causa dela morrendo, como fez Jesus. Que morressem a vontade pessoal e o amor sensível. Que morrêsseis às honras, satisfações sociais e todo tipo de grandeza humana. Tenho certeza de que, se olhardes para o vosso íntimo, compreendereis que nada sois; entendereis que tudo vos foi dado por Deus numa grande chama de amor; vosso coração não oporia resistência ao ímpeto da caridade, mas eliminaria, todo amor próprio, não procuraria o que é útil à própria pessoa. Vós amaríeis a Deus por ele mesmo e também amaríeis o próximo, não por interesses pessoais, mas a fim de promover sua salvação eterna e a glória divina. Deus ama demais a humanidade. Também os servos de Deus devem amá-la, imitando o Criador. É condição da amizade que eu ame tudo aquilo que meu amigo ama. E os servos querem bem a Deus, não por interesse pessoal, mas porque Deus, bondade infinita, merece ser amado.

4. O exemplo de Paulo apóstolo
De fato, pai, os servos de Deus como que se esquecem da própria vida. Não pensam em si mesmos. Desejam sofrimentos, dificuldades, torturas, injúrias. Desprezam as dificuldades do mundo. A maior cruz e a maior dor, para eles, é ver Deus ofendido e as almas que se condenam. Por isso, deixam no esquecimento as preocupações pessoais. Não evitam as dificuldades, até as procuram e alegram-se com elas. Pensam no apóstolo Paulo, que se gloriava nos sofrimentos por amor a Cristo crucificado (Rm. 5, 3). Pois bem, quero que vós os imiteis.

5. Triste situação na hierarquia
Ai de mim, ai de mim! Como é infeliz a minha alma! Olhai e vede a realidade que caiu sobre o mundo, especialmente sobre a hierarquia da Igreja. Ai de mim! Explodem nossos corações e nossas almas ao perceber tanta ofensa feita a Deus. Vede, pai, o lobo infernal leva consigo pessoas que vivem na hierarquia da santa Igreja, e ninguém procura libertá-las. Dormem os pastores, cuidando de si mesmos na ganância e na impureza. Dormem ébrios de orgulho, sem notar que o lobo infernal, o diabo, lhes retira a graça, bem como aos seus súditos. Dessas coisas, pouco se preocupam. Tudo lhes serve de ocasião para a maldade e o egoísmo. Como é prejudicial o egoísmo nos prelados e nos súditos! Nos prelados, porque não corrigem os defeitos dos súditos. De fato, quem vive no egoísmo ama a si mesmo e nada corrige nos outros. Mas quem ama a si mesmo em Deus, foge do amor interesseiro, denuncia corajosamente os defeitos nos súditos, nunca se cala ou finge não ver.

6. Maldito o pastor que se cala. Conclusão
De semelhante amor desejo vos ver livre, querido pai. Rogo-vos não vos comporteis assim, a fim de que, não se aplique a vós aquela dura palavra divina: "Maldito sejas, porque te calaste". Ai de mim! Calar, jamais! Gritai em cem mil línguas! Vejo que, por ter alguém calado, o mundo se arruinou e a santa Igreja encontra-se sem cor, sem sangue nas veias. Quero dizer: sem o sangue de Cristo, derramado por nós gratuitamente, sem mérito algum nosso. Devido ao orgulho, os pastores roubam a Deus a honra, atribuindo-a a si mesmos. Rouba-se por simonia com a venda de dons espirituais, a nós concedidos gratuitamente pelos méritos do sangue de Cristo. Ai de mim, morro e não consigo morrer! Não durmais por negligência. Aproveitai o tempo presente quanto possível. Outros tempos virão, acredito, em que podereis fazer outras coisas. Convido-vos ao tempo atual. Afastai da alma todo egoísmo, revesti-a com a sede de almas e com verdadeiras virtudes, para a glória divina e a salvação das almas. Fortalecei-vos no amor de Cristo. Logo veremos aparecer as flores. Esforçai-vos para que logo se erga o estandarte da Cruzada. [3] Que o vosso coração não se esfrie diante de nenhuma dificuldade emergente. Fortalecei-vos pensando que Jesus crucificado realizará os inflamados desejos dos seus servidores.

Nada mais digo. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Afogai-vos no sangue de Cristo, pregai-vos na cruz com ele, banhai-vos no seu sangue. Pai, perdoai minha presunção. Jesus doce, Jesus amor.

[1]: Pedro Cardeal d'Estaing, criado cardeal e nomeado legado pontifício pelo Papa Gregório XI (1370-1378), que residia em Avinhão, para governar o patrimônio de São Pedro na Itália.
[2]: A serva de que fala o texto e a própria Catarina, que conta ao prelado um diálogo com Jesus no tempo da sua juventude.
[3]: Em 1375 o papa Gregório XI (1370-1378) promulgou uma bula em favor de uma Cruzada para libertar os Lugares santos da Palestina. Catarina tornou-se grande estimuladora da idéia.

Santa Catarina de Sena. Cartas Completas. São Paulo: Paulus, 2005. Ps. 54-57.

17 de fevereiro de 2011

Conselho de Santa Catarina de Sena sobre a Santa Paciência

"Deveremos afirmar, então, que nenhum sofrimento é grande? De modo algum. E se a sensualidade se revoltar, lembremos-lhe: 'Atenção, pois o fruto da impaciência é o castigo eterno, que receberás no dia do juízo. É melhor para ti querer o que Deus quer, amar o que Ele ama, ao invés de querer o que preferes e amar o que agrada à sensualidade. Quero que suportes virilmente a dor, já que os sofrimentos desta vida não têm comparação com a glória futura, preparada por Deus aos que o temem (Rom. VIII, 18; ICor. II, 9) e cumprem sua vontade".

Santa Catarina de Sena. Carta 5. Para Francisco de Montalcino.

15 de fevereiro de 2011

Nosso Senhor Jesus Cristo a São Pio de Pietrelcina: "Minha casa tornou-se, para muitos, um teatro de divertimentos"

[282] Ouça, caro padre, os justos lamentos de nosso dulcíssimo Jesus: deixam-me sozinho de noite, sozinho de dia nas igrejas. Não cuidam mais do sacramento do altar; nunca se fala desse sacramento de amor; e mesmo os que falam, infelizmente, com que indiferença, com que frieza! (342)

[283] "O meu coração", diz Jesus, está esquecido. Já ninguém se preocupa com o meu amor. Estou sempre triste. Minha casa tornou-se, para muitos, um teatro de divertimentos; mesmo os meus ministros, que sempre considerei com predileção, que amei como a pupila de meus olhos, deveriam consolar o meu Coração cheio de amargura, deveriam ajudar-me na redenção das almas. Em vez disso, quem o acreditaria?, devo receber deles ingratidão e falta de reconhecimento. Vejo, meu filho, muitos desses que... (aí se calou, os soluços lhe apertaram a garganta, chorou em segredo), sob aparências hipócritas, me traem com comunhões sacrílegas, esmagando as luzes e as forças que continuamente lhes dou...". Jesus continuou ainda a lamentar-se. Padre, como me faz mal ver Jesus chorar! Também o senhor passou por isso? (342)

[284] Sexta-feira de manhã (28-03-1913) eu ainda estava na cama quando me apareceu Jesus, totalmente maltratado e desfigurado. Mostrou-me um grande número de sacerdotes regulares e seculares, entre os quais diversos dignatários eclesiásticos; destes, alguns estavam celebrando, outros se paramentando, e outros retirando as sagradas vestes. Ver jesus angustiado causava0me grande sofrimento, por isso quis perguntar-lhe por que sofria tanto. Não obtive nenhuma resposta. Porém, o seu olhar voltou-se para aqueles sacerdotes. Mas, pouco depois, quase horrorizado e como se estivesse cansado de observar, desviou o olhar e quando o ergueu para mim, com grande temor, verifiquei que duas lágrimas lhe sulcavam as faces. Afastou-se daquela turba de sacerdotes, tendo no rosto, uma expressão de profundo pesar, gritando: Carniceiros! E voltando para mim disse: "Meu filho, não creias que a minha agonia tenha sido de três horas, não. Por causa das almas por mim mais beneficiadas, estarei em agonia até o fim do mundo. Durante o tempo da minha agonia, meu filho, não convém dormir. Minha alma vai a procura de algumas gotas de piedade humana; mas ai de mim! Deixam-me sozinho sob o peso da indiferença. A ingratidão e os meus ministros supremos tornam opressiva minha agonia. Ai de mim! Como correspondem mal ao meu amor! O que mais me aflige é que, à sua indiferença, esses homens acrescentam o desprezo, a incredulidade. Quantas vezes eu estive a ponto de fulminá-los, se não tivesse sido detido pelos anjos e pelas almas enamoradas de mim... Escreve ao teu padre narrando o que viste e ouviste de mim esta manhã. Diz a ele que mostre a tua carta ao padre provincial...". Jesus ainda continuou mas o que disse não poderei revelar a criatura alguma deste mundo. Essa aparição me causou tal dor no corpo, porém ainda mais na alma, que durante o dia todo fiquei prostrado e acreditaria estar morrendo, se o dulcíssimo Jesus já não me tivesse revelado... Infelizmente, Jesus tem razão de nossa ingratidão! (350)

Padre Pio. Florilégio do Epistolário. Ps. 182-184.

13 de fevereiro de 2011

SEXTO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA

A parábola do fermento e os efeitos da graça santificante

Simile est regnum coelorum fermento – “O reino dos céus é semelhante ao fermento” (Mat. 13, 33).

Sumário. Nesta parábola do fermento os santos Padres vêem uma figura da caridade, isto é, da graça santificante. Assim como a levedura penetra toda a massa, levanta-a e lhe dá sabor; assim a graça divina tira da alma a friúra do pecado e, excitando nela santos afetos, torna-a digna de amizade de Deus. Mais: faz com que a alma seja a morada do Espírito Santo, sua filha, sua esposa. Lancemos um olhar sobre nossas almas: estão elas ornadas da graça santificante?

I. Na parábola do fermento Santo Agostinho, o Bem-aventurado Alberto Magno e outros vêem uma figura da caridade, isto é, da graça santificante. Porquanto, como a levedura penetra toda a massa, levanta-a e lhe dá sabor, assim a graça santificante tira da alma a friúra áspera do pecado, e inflamando-a no amor celeste eleva-a a um estado sobrenatural, torna-a digna da amizade de Deus. – Por isso é que o Espírito Santo chama a graça um tesouro infinito: Infinitus enim thesaurus est hominbus (1) – “É um tesouro infinito para os homens”. Esse tesouro, porém, acrescenta o santo homem Job, é um tesouro oculto, pois, se os homens conhecessem o valor da graça divina, não a trocariam por uma fumaça, um punhado de terra, um vil prazer: Nescit homo pretium eius (2) – “O homem não conhece o seu preço”.

Privados da luz da fé, os pagãos julgavam impossível que uma criatura pudesse ser amiga de Deus. E seguindo unicamente a luz natural, tinham razão, pois a amizade, segundo observa São Jerônimo, torna os amigos iguais. Deus, contudo, em muitos lugares nos declarou que, em virtude da sua graça, nos tornamos seus amigos, observando a sua lei: Vos amici mei estis, si feceritis quae praccipio vobis (1) – “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando”. “Ó bondade de Deus”, exclama São Gregório, “não lhe merecemos o nome de servos, e digna-se chamar-nos seus amigos!” Como se julgaria feliz quem fosse honrado com a amizade de seu rei! Mas seria temeridade para um vassalo o pretender travar amizade com o seu príncipe. No entanto uma alma pode sem temeridade aspirar a amizade do seu Deus.

Conta Santo Agostinho que, estando dois validos do paço num convento, um deles pôs-se a ler a vida de Santo Antônio abade. A medida que ia lendo, o seu coração desprendia-se dos afetos mundanos. Voltando-se depois para o companheiro: Amigo, disse-lhe, que é que procuramos? Servindo o imperador, podemos esperar mais do que ser amigos? Chegando a isso, poremos em maior perigo a nossa salvação eterna. Além disso, com que dificuldade chegaremos a ser amigos do imperador! Ao contrário, assim conclui, desde já posso ser amigo de Deus, se o quiser.

II. Quem está na graça de Deus, torna-se, pois, amigo de Deus. Mais ainda, torna-se seu filho: Dii estis, et filii Excelsi omnes (2) – “Sois deuses, e todos filhos do Excelso”. É esta a grande prerrogativa que o amor divino nos alcançou por meio de Jesus Cristo. Além disso, a alma em estado de graça torna-se esposa de Deus: Sponsabo te mihi in fide (3) – “Desposar-me-ei contigo com fidelidade”. Por isso o pai do filho pródigo, ao restituir-lhe as boas graças, ordenou que lhe dessem o anel, sinal dos esponsais. – Finalmente, como diz São Paulo, quem está na graça de Deus, torna-se templo do Espírito Santo: Templum Dei estis, et Spiritus Dei habitat in vobis (4) – “Sois o templo de Deus e o Espírito de Deus habita em vós”. Soror Maria de Oignies viu um dia o demônio sair do corpo de uma criança que estavam batizando, e o Espírito Santo entrar com um cortejo de anjos.

Ó meu Deus, eis que minha alma, quando estava em vossa graça, era vossa amiga, vossa filha, vossa esposa e vosso templo. Mas depois perdeu tudo pelo pecado, e tornou-se vossa inimiga e escrava do inferno. Graças Vos dou por me haverdes ainda dado o tempo para reparar o mal que fiz, para reentrar em vossa graça e aumentá-la mais e mais. Ó Bondade infinita, arrependo-me sobre todos os males de Vos ter ofendido, e amo-Vos sobre todas as coisas. Dignai-Vos receber-me de novo em vossa amizade. Por piedade, não me desprezeis. Bem sei que merecia ser repelido de Vós; mas Jesus Cristo merece por mim que me aceiteis de novo, visto estar arrependido, em consideração do sacrifício que de si mesmo fez no Calvário. – Adveniat regnum tuum - “Venha o vosso reino”. Meu Pai (é assim que vosso Filho me ensinou a chamar-Vos), meu Pai, vinde reinar no meu coração pela vossa graça, fazei com que só Vos sirva, que viva só para Vós e que só Vos ame. Numa palavra, “fazei com que ocupando-me sempre com pensamentos santos e racionáveis, eu execute com palavras e obras o que é de vosso agrado divino” (5). Peço esta graça também a vós, ó grande Mãe de Deus, e minha Mãe Maria. (*II 6)

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1. Io. 15, 14.
2. Sal 81, 6
3. Os. 2, 20.
4. 1Cor. 3, 16
5. Or. Dom. curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 227 - 229.)

12 de fevereiro de 2011

As sagradas imagens nas Escrituras

As sagradas imagens não são ídolos

 
À esquerda, as imagens dos Querubins sobre a Arca da Aliança, conforme Êxodo 25,18.

- Diante da Arca com as imagens, o Santo Rei Davi se rejubila e salmodia. (2 Sm. 6, 5-6)

- Era do meio dessas imagens que Deus falava a Moisés. (Êxodo 25,22)

À direita, Jesus suspenso em sua Cruz dando cumprimento a mais uma “figura bíblica” que diz respeito a Ele: a da imagem da serpente de bronze do deserto. (Num. 21, 8; Jo. 3, 14)

Daí afirmar São Paulo: “Cumpre que nos gloriemos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”. (Gal. 6, 14)

A Bíblia manda fazer imagens


1 – Que são imagens?
São, em geral, representações esculturais de pessoas de qualquer natureza, ou de conceitos morais. Por exemplo, as imagens dos Querubins, de Moisés, da Liberdade, etc.

2 – E as imagens sagradas, o que são?
São representações de Santos, Anjos, da Virgem Maria, de Jesus, etc.

3 – Quem mandou fazer imagens?
Foi o próprio Deus. É o que ensina a Bíblia. Deus mandou fazer imagens de querubins (Anjos) para a Arca da Aliança. (Êxodo 25,18)
A Arca da Aliança com os querubins ficava no lugar mais sagrado do Templo, o “Santo dos Santos”, que, uma vez por ano o Pontífice aspergia com o sangue das vítimas imoladas a Deus (Heb. 9,1 a 7) – Também Salomão encheu de imagens o Templo. (1 Reis 6,23 a 29) E Deus aprovou. (1 Reis 8,6 a 11)

Logo, quem é contra as imagens e diz que segue a Bíblia, ou não a entende, ou mente.

4 – Para que servem as imagens?
Para lembrar os Anjos, os Santos e o próprio Deus. É o que também ensina a Bíblia.
Está no Livro de Números, 21,8. Aí Deus mandou Moisés fazer e levantar num poste de madeira uma serpente de bronze, e disse que quem a fitasse, ficaria curado das mordeduras das serpentes.

E Jesus se referiu a esse fato como sendo uma “figura” de sua crucifixão. (Jo. 3,14) (Cf 1ª pág. deste Folheto) Mas, os falsos crentes detestam a Cruz. Também Satã a detesta. Escutemos, porém, a Bíblia: “Nós, porém, pregamos a Cristo crucificado”. (1 Cor. 1,23)

5 – Então era a serpente que curava?
Não. Era Deus. Mas, a imagem da serpente serviu para lembrar a ofensa feita a Deus, serviu para lembrar a Deus.

6 – E a imagem de Cristo na Cruz?
Ela lembra, muitíssimo mais: lembra o pecado, a Redenção pela Cruz, o amor de Cristo por nós…

Logo, as imagens são muito úteis. Elas nos ajudam a pensar em Deus, a ir a Deus.

7 – Para que mais servem as imagens?
Elas contribuem para dar aos lugares de culto um aspecto sagrado, e convidam ao recolhimento e à oração. (Ex. 25,22; 1 Reis 6,23 a 28)
Por isso, os  querubins da Arca da Aliança não eram simples adorno. Lembravam ainda  a mediação secundária dos Anjos (Hebr. 1,14), e integravam os objetos do culto.
Além desses casos, a Bíblia está cheia de “imagens” e “quadros” que o Artista Divino “pintou” com letras divinas. Esses quadros inspiraram os artistas humanos e escultores em seus lindos painéis, esculturas ou imagens.
Ainda a respeito da serpente de bronze: para que ela continue a ser símbolo da Paixão de Cristo, não importa o fato de o rei Ezequias tê-la destruído, cerca de cinco séculos depois. (2 Re.18,4) O ato de Moisés, levantado-a em um poste por ordem de Deus, foi aprovado por Jesus, dois mil anos depois. Ela conserva, pois, todo o seu valor simbólico, apesar de ter sido destruída. Ela não tinha mais que um valor simbólico transitório, o contrário dos Querubins.

8 – Nós, católicos, adoramos as imagens?
Não. Quem o afirma, ou não entende nada de catolicismo, ou está mentindo e agindo contra a Bíblia.

9 – Nós veneramos as imagens. Por quê?
Porque são representações de pessoas santas e amigas de Deus, ou do próprio Deus. E porque inspiram amor às virtudes e levam à imitação das pessoas santas que representam. Por isso, as imagens sagradas são muito úteis. Nada, pois, de idolatria nisso.

É essa também a razão pela qual respeitamos e veneramos a Bandeira Nacional: simboliza a Pátria e inspira patriotismo.

Logo, quem julga ser a imagem um pedaço de pau ou pedra, deve achar que a Bandeira do País é um pedaço de pano qualquer.

10 – Quem pensa assim?Os hereges de todos os tempos, por ignorância ou má fé.

A Bíblia condena os falsos deuses e seus ídolos


11 – Que é, então, que a Bíblia condena como “deuses mudos”, Sal. 134, 15 a 17, e “imagens e esculturas de coisas do céu, da terra, e das águas” (Êx. 20, 3-5)?

São os ídolos que os pagãos faziam para representar os seus falsos deuses. (Rom. 1,23)

De fato, os gentios antigos adoravam como “deuses do céu” a certos astros (Júpiter, Vênus, etc.); e “da terra” a certas aves e quadrúpedes; e “das águas” a certos anfíbios.  (Êx. 32, 1-6; Rom. 1,23) Para os egípcios, por exemplo, o crocodilo era um animal sagrado.

Até para os atuais hindus pagãos, a vaca é animal sagrado que veneram. E enquanto passam fome, alimentam com trigo as suas vacas.

Quem confunde as abominações dos gentios com as sagradas imagens, mente e injuria a Bíblia, pois fazem-na contraditória afirmando uma coisa num lugar e negando essa mesma coisa em outro lugar.

12 – Quem é contra as imagens que a Santa Igreja venera, não é só contra a Bíblia. É também contra o bom senso.Pois, não podemos sequer pensar sem formar imagens em nossa mente. O uso de imagens é, pois, também conatural à natureza humana.

Quem é contra as imagens deve também jogar fora os retratos dos pais, parentes e amigos.

Coleção "Folhetos Católicos". Dom Licínio Rangel. União Sacerdotal São João Maria Vianney. 

3 de fevereiro de 2011

Do poder sacerdotal



Quando se pensa que nem a Santíssima Virgem pode fazer o que faz um sacerdote;

Quando se pensa que nem os anjos, nem os arcanjos, nem São Miguel, nem São Gabriel, nem São Rafael, nem um dos principais daqueles que venceram Lúcifer pode fazer o que faz um sacerdote;

Quando se pensa que Nosso Senhor Jesus Cristo, na Última Ceia, realizou um milagre maior que a Criação do universo com todos os seus esplendores, ou seja, o de converter o pão e o vinho em Seu Corpo e Seu Sangue para alimentar o mundo, e que este portento, diante do qual se ajoelham os anjos e os homens, pode repeti-lo cada dia o sacerdote;

Quando se pensa em outro milagre que somente um sacerdote pode realizar: perdoar os pecados, e o que liga no fundo de seu humilde confessionário, Deus, obrigado por sua própria palavra, o liga no Céu, e o que ele desliga, no mesmo instante desliga Deus;

Quando se pensa que um sacerdote faz mais falta que um rei, mais que um militar, um banqueiro, um médico, que um professor, porque ele pode substituir a todos e nenhum deles pode substituí-lo;

Quando se pensa que um sacerdote, quando celebra no altar tem uma dignidade infinitamente maior que um rei; e não é nem um símbolo, nem sequer um embaixador de Cristo, mas o próprio Cristo que está ali repetindo o maior milagre de Deus;

Quando se pensa tudo isto…

Compreende-se o afã que, em tempos antigos, cada família ansiava para que de seu seio brotasse, como uma vara de nardo, uma vocação sacerdotal;

Compreende-se o imenso respeito que os povos tinham pelos sacerdotes, o que se refletia nas suas leis;

Compreende-se que se um pai ou uma mãe obstruem a vocação sacerdotal de um filho é como se renunciassem a um título de nobreza incomparável;

Compreende-se que um seminário ou um noviciado é mais que uma igreja, uma escola e um hospital;

Compreende-se que dar para custear os estudos dum jovem seminarista ou noviço é aplanar o caminho pelo qual chegará ao altar um homem que durante meia hora cada dia será muito mais que todas as dignidades da terra e que todos os santos do céu, pois será o próprio Cristo, sacrificando Seu Corpo e Seu Sangue, para alimentar o mundo.

(Sim Sim Não Não, no. 64 – abril de 1998)