5/26 - O DESESPERO DE CONVERTER-SE
1. - Pela graça do salvador nenhuma doença da alma é incurável
Lendo no Santo Evangelho sobre um leproso que reza: "Senhor, se queres podes curar-me (Mt 8, 2), e tocado por Cristo imediatamente é limpo; sobre um Centurião que se achega dizendo: "Basta, senhor, uma só palavra para curar meu servo que está em casa paralítico" (Mt 8, 6); e de acordo com sua fé naquele mesmo momento o servo sara; os dois milagres me fizeram acreditar que não existe doença em nosso espírito nem incurável nem desesperada que um fácil e fiel recurso à
graça benigna do nosso Salvador não possa imediata e prodigiosamente curar.
Porém se não nos sai de cima a fétida lepra dos nossos vícios, nem ressuscita o nosso coração do mórbido leito dos seis terrenos prazeres, sobre o qual jaz apodrecendo por tantos anos abandonado por suas forças; a causa não é outra senão a nossa imbecilidade, preguiça ou desconfiança.
Ó quanto mais é deplorável ver tantos pecadores, que embora ressintam do seu mísero estado, todavia não resolvem eficazmente sair dele! Sua própria miséria em vez de levá-los a livrar-se deles, desespera-lhes seus ânimos, levando-os a agravarem-se sempre mais.
Introduzir a confiança nestes ânimos tão abatidos é na verdade muito difícil.
Eu gostaria de conseguir reaver ao menos um se aqui se encontrasse; mas se convém proceder bem diferente que com razões. Com a mente perturbada pelos prejuízos da sua grave apreensão ou o atingem a força dos argumentos, ou os julgam insuficientes para seu mal. Só a autoridade pode neste caso agir melhor. E
se esta falta a mim, virá no seu lugar a autoridade do S. Padre e Doutor, João Crisóstomo, do qual a minha palavra tira gravíssimos sentidos.
2. - A conversão da alma é fruto da confiança em Deus
Pecadores, meus irmãos, como podeis desesperar de ressurgir dos vossos pecados? Antes de subir ainda mais alto de onde haveis caído, de se tornarem perfeitos cristãos, mesmo santos? Não sabeis que a Deus nada é impossível, nada é difícil? "Ele levanta do pó o indigente, e tira o pobre do monturo, para, entre os príncipes, fazê-lo sentar, junto aos grandes de seu povo" (Sl 112, 7 -8).
Se o demônio pôde fazer-vos cair e precipitar-se em tanta miséria, não poderá Deus fazer-vos ressuscitar e reparar vossa ruína com maior ressarcimento?
Atendei ao que fazeis desconfiando. Porque fazeis maior ofensa a Ele desconfiando, que não fazeis pecando. De fato não é a multidão ou a gravidade dos pecados que leva o homem ao desespero, mas sim um ânimo já cheio de impiedade. E por isto já Salomão disse advertindo: "o ímpio quando atinge o fundo despreza" (Pr 18, 3).
Quem caiu mesmo em culpas muito torpes, e as multiplicou quanto queira, mas não chegou à impiedade de renegar a Deus, negando seus atributos de onipotência e misericórdia, jamais se desespera, antes tem voltado os olhos ao seu piedoso Senhor até que tenha misericórdia. "Olhai-me e tende piedade de mim - vai gritando com Davi - ó Senhor, porque estou só e na miséria. Mas nem por isso deixarei de voltar-me a ti" (Sl 24, 16), nem jamais deixarei de pedir, até que tenha
certeza de que tua bondade me ouviu.
Eis, irmãos, onde levam todas as artes do demônio: tolher esta feliz esperança do vosso ânimo, pois esta vos pode salvar por mais que estejais perdidos. "Porque fomos salvos pela esperança" (Rm 8, 24): é a sentença do Apóstolo. O demônio, porém vos coloca aqueles pensamentos de aviltação, de
desconfiança, de desespero para que deixeis escapar da mão esta âncora tão firme, para que agitados pela procela, afogueis no fosso da malícia.
3. - A conversão da nossa alma é querida por Deus
Nós cremos, dizeis, que Deus possa; mas o ponto está em que queira voltar para nós o seu rosto sereno e pacífico, já cheio de ira e inspirando vingança pelas nossas culpas.
Entendi. Vós medis o desdém de Deus pelo dos homens. E assim fazeis um erro de grande dano a vós, e de suma injúria a Deus, se o enfado de Deus fosse paixão como o dos homens, teríeis motivo para desesperar de poder extinguir um incêndio de ira tão vasto excitado pela vossa iniqüidade. Mas como aquela bem aventurada Essência é vazia de toda perturbação, e embora puna, não o faz movido pela ira, mas sempre mantém um cuidado amoroso por nós; devemos criar ânimo e confiar no valor da Penitência.
Persuadamo-nos que Deus nos ama mesmo quando se mostra irado, e então mais nos quer atrair a si quando tendo nós saído fora, mais nos ameaça.
Ah! irmãos! Pensemos melhor de Deus depois de termos visto que ele não poupou nem mesmo seu Unigênito Filho por nosso amor; mas o entregou aos mais cruéis tormentos e a uma morte ignominiosa para redimir-nos de nossas iniqüidades.
E se por trinta e três anos o Verbo feito homem correu atrás dos pecadores fugitivos Dele; e se Ele continua ainda a mandar seus embaixadores e legados, chamando, exortando, oferecendo seu nome de misericórdia; como - agora que voltamos a Ele com o desejo embora fraco de convertermo-nos, - nos repelirá? Não, não é possível.
4. - A divina Benignidade jamais rejeita uma penitência sincera
Deus jamais rejeita uma penitência sincera, mesmo se o homem tenha caído no fundo de todos os males; mas o acolhe, o abraça, o ajuda a levantar-se, e a recuperar sua primeira dignidade. Antes - o que é indício de maior benignidade - os primeiros passos que dá no caminho da penitência, embora poucos, embora imperfeitos embora sós, nem mesmo estes recusa, mas os recompensa com ricos prêmios. Eis como Ele mesmo fala, pela boca de Isaías ao seu povo: "Pelo crime do meu povo me irritei um momento, feri-o dando-lhe as costas na minha indignação, enquanto o rebelde agia segundo sua fantasia. Vi sua conduta, diz o Senhor, e o curarei. Vou guiá-lo e consolá-lo" (Is 57, 17-18).
Acab havia chegado ao sumo da impiedade, e o sangue inocente de Nabot, traído enquanto subia para tomar posse de sua vinha, fumegava ainda sobre a terra. Deus, profundamente indignado, mandou seu Profeta ao encontro do pérfido rei, dizendo: "Mataste e agora usurpais. E depois disto estais para fazer ainda pior.
Agora te diz o Senhor: No mesmo lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabot, lamberão também o teu. Farei cair o mal sobre ti, varrer-te-ei, arruinarei tua casa e exterminarei todos os teus, porque me irritaste muito" (3º dos Reis 21, 19-20).
E acrescenta a Escritura que não houve quem ultrapassasse Acab na iniqüidade, tanto que "parecia vendido para fazer todo mal e era objeto de abominação de
Deus" (Id, 25-26). Porém tendo este ímpio ouvido as ameaças do Profeta, cheio de terror, deu alguns sinais de arrependimento e humilhação, e "caminha triste e com a cabeça baixa" (Id, 27- 28). Quereis mais? Deus não pôde conter seu coração, se não procura logo o Profeta, dizendo com afeto de compaixão: "Tu não viste Acab humilhado diante de mim? Porque, pois, se humilhou por minha causa, suspenderei em sua vida aqueles males com que o ameacei" (Id, 28-29). Ó piedosas vísceras de misericórdia!
5. - Urgência da conversão
Somente isto bastaria, ó pecadores, para mover-vos imediatamente à penitência, seguros da benignidade de Deus em vos acolher convertidos, e do seu poder para restabelecer-vos caídos. Porém para fazer-vos resolver de fato convém que eu bata em outro ponto de não menor necessidade.
O tempo passa, e logo desaparece a aparência deste mundo. Será preciso pois deixar aqueles prazeres que agora não abandonais por eleição. Não vistes tantos que viveram entre delícias, prazeres, satisfações mais apetecíveis dos seus apetites, que agora estão mortos? Onde está agora o seu prazer? Onde estão aqueles amigos? Onde aquelas riquezas? Onde está seu corpo tão acariciado?
Abramos um sepulcro; eis cinzas, ossos descamados, vermes, horror, mau cheiro. E a alma onde está? Sepultada no Inferno, em um fogo inextinguível, em trevas eternas, em aflição, em angústias perpétuas. Que adianta gozar um pouco aqui, divertir-se, enriquecer, e depois sofrer, chorar, angustiar-se eternamente do outro lado?
A vossa vida presente é semelhante a um belo sonho que dormindo se alegra de ter muitas riquezas e de encontrar-se entre delícias. Passa depressa a noite, e de manhã dolorosamente se encontra com as mãos vazias. E quisesse Deus que vos encontrásseis somente com as mãos vazias. O pior é que vos encontrareis entre tormentos inexplicáveis, sem esperança de sair jamais.
Ora, quanto tempo quereis para gozar vossos prazeres? Quantos anos quereis que vos sobrem ainda de vida? Trinta, quarenta, cinqüenta? Antes como podeis prometer-vos, se não podeis assegurar nem mesmo chegar até a tarde? E antes ainda que terminem estes anos pode terminar o vosso prazer por aquela grande mudança que ocorre nas coisas humanas, pela qual os acontecimentos mais agradáveis e mais queridos são também os mais rápidos em chegar ao fim e
extraviar-se totalmente.
Mas dado que consigais gozar todos estes anos que vos prometeis, que são trinta, quarenta, cinqüenta anos diante da Eternidade? Aqui o bem e mal termina logo; lá tanto o tempo como o mal é eterno. E nesta vida gozamos quase em imagem e em sonho, e lá penaremos de fato e de verdade. É tendo podido nesse brevíssimo tempo e com pouquíssimas fadigas fugir daquelas penas acerbas acima de todo pensamento e irremediáveis, e ganha um Paraíso de eternas e verdadeiras
delícias; o outro lado será para nós um tormento pior que o fogo.
Pensai um pouco, ó pecadores, naquela bem-aventurada felicidade que Deus tem preparado também para vós; e como o amoroso e bom Senhor espera com ansiedade que vos convertais, para poder dá-la em perpétua posse. Lá não haverá mais dor, nem gemidos, nem tristezas, nem pobreza, nem doenças. Tudo paz, alegria e prazer; tudo tranqüilo, tudo sereno. Um dia perpétuo. Uma vida sem fim.
Uma doce conversa com os Anjos. Uma suave concórdia com todo o coro dos Santos. Uma alegre convivência com Cristo, uma feliz visão e fruição do nosso Primeiro Princípio e Último fim que é Deus.
6. - Facilidade da conversão e suas vantagens
Ah! irmãos! Se S. Paulo julgava de pouca importância toda tribulação que ele sofria, em confronto com o peso imenso da glória (Cor 4, 17), como não será coisa muito mais fácil acalmar as nossas paixões? Nós não vos exortamos àqueles perigos, àquelas mortes diárias, àquelas pancadas, àquelas prisões, àquelas dificuldades; mas somente para libertar-vos da escravidão do pecado, e para voltar-vos ao primeiro estado.
Porque quereis vós abater o ânimo e desconfiar? Aqueles mercadores que procurem do outro lado do oceano suas riquezas muitas vezes sofrem naufrágios; porém recomeçam animados desde o início e continuam sua viagem incerta e perigosa. Nós, certos de um êxito feliz, porque não retomaremos o curso?
Permaneceremos deitados de costas com as mãos juntas a considerar inutilmente
nossas perdas sem repará-las com toda solicitude?
Caíram também muitos santos; e caíram também muito grave. Caiu Davi, caiu S. Pedro e tantos outros. Permaneceram eles abatidos e prostrados? Não; antes levantaram com maior fôlego e se tornaram também mais santos do que eram antes.
Nas doenças do corpo nós jamais perdemos a esperança, como então a perderemos nas da alma que sempre têm remédio, o que nem sempre acontece om as do corpo? Se não fosse assim, que quem pecou gravemente não pudesse pés no Paraíso. Mas ao contrário se vê que os Santos mais ilustres foram aqueles que antes caíram, como, além de S. Pedro, foi Madalena, foi São Paulo. Porque aquele ardor que antes os levaram a fazer o mal depois os levaram a fazer o bem. E por isso o Demônio põe todo o esforço para impedir-lhes as conversões; pois sabe que se iniciam a empresa e a penitência, não podem mais ser contidos, e se empenham com tanto fervor a servir Cristo, conscientes das suas dívidas, que se tornam eles mesmos inocentes e imaculados. "E os últimos serão os primeiros (Mt 19, 30)".
7. - Não é difícil perseverar na penitência
Não, não, meus queridos, não é difícil perseverar na penitência como quem no momento de deliberar a conversão gostaria o demônio de o fazer temer. Toda a dificuldade está somente em iniciar e em vencer a primeira vez o inimigo que com todo ardor e esforço se opõe. Pois ele também se enfraquece logo, primeiro porque foi superado uma vez, segundo porque foi batido naquela parte na qual mais forte. E tão glorioso.
Eis pois, saí a campo. Não temas vossos inimigos; não olheis vossa fraqueza. Deus combaterá convosco. Ele vem em vossa defesa atraído pelo amor que vos consagra. Vem comovido pela causa tão honesta e tão interessante da virtude, da vossa salvação, da sua glória. Vem impelido pelo ódio que tem essencialmente ao pecado, para destruí-lo.
Vem obrigado pela sua própria palavra, pela qual prometeu circundar com o auxílio de sua misericórdia o pecador que a Ele volta suas esperanças; "Quem espera no Senhor, sua misericórdia o envolve" (Sl 31, 10). Esse Deus combate convosco e por vós, de que temeis? A Ele é fácil vencer tanto a poucos como a muitos inimigos. Tanto aos velhos e astutos como os novos e inexperientes. Tantoos fortes como os fracos. Caminhai pois com ânimo, combatei com energia, desde já
seguros do triunfo.
Eis que, ao odor das vossas resoluções, a trepidação, se espalha no peito dos vossos infernais adversários, que temem não só perder para sempre a posse de vossa alma, por tantos anos usurpada, mas temem ainda de vós aquelas derrotas que tiveram tantas vezes de outros penitentes tão generosos.
Eis que o Céu começa a se engalanar, e afinam os Anjos suas cítaras de ouro para celebrar com alegria vossa desejada vitória. Todos nós temos os olhos voltados para vós para sermos espectadores da vossa coragem, e para congratularmo-nos e exultar ao mesmo tempo no desejo que temos de ver-vos livres da escravidão, sair cheios de honra e de espólios inimigos, restituídos ao vosso posto de altivez e de glória, que convém a filhos de Deus, a irmãos de Jesus Cristo,
a cidadãos do céu.
Levantai os olhos. Vede quanto é belo o Paraíso. Se hoje vos resolverdes, vós o reconquistareis, vos recuperareis o direito perdido. Olhai lá o Cristo que vos mostra a nobre coroa que ele mesmo vos quer colocar sobre a cabeça.
Inclinai o olhar para baixo de vós. Vede o inferno aberto e debaixo de vossos pés, que já esperava um só instante para engolir-vos em uma noite eterna.
Considerai de que lugar vos convém absolutamente fugir. Qualquer penitência que empreendais, será sempre menor, e muito, que o inferno que merecestes e no qual infalivelmente teríeis caídos para lá permanecer por toda a eternidade; se agora não tivésseis proposto converter-vos.
Eu me lanço aos vossos pés, e abraçando-vos com afeto, não me soltarei mais, nem pararei de chorar, nem desistirei de implorar-vos até que não tenhais misericórdia de vossa alma deliberando salvá-la a todo custo; até que não tenhais piedade de tantas almas que escandalizastes com os vossos maus costumes, reformando-os logo para edificação; até que não tenhais satisfeito o amor de Deus que deseja o vosso bem como a filhos; para glória de Cristo que derramou todo o seu Sangue para merecer-vos esta vitória; e aos nossos anseios que desejam ardentemente serem satisfeitos.