17 de julho de 2014

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - 28ª Parte

CAPÍTULO XI

Pilatos mostra Jesus ao povo, dizendo: Ecce Homo!

“Pilatos saiu para fora e disse-lhes: Ecce homo” (Jo 19,5). Tendo sido Jesus novamente conduzido a Pilatos, depois de sua flagelação e coroação de espinhos, este, mirando-o e observando como estava dilacerado e desfigurado, persuadiu-se de que o povo se moveria à compaixão só com vê-lo. Por isso saiu para fora no terraço, levando consigo nosso aflito Salvador, e disse:“Ecce Homo”, como se dissesse: judeus, contentai-vos com o que já padeceu este pobre inocente, eis o homem que temíeis fazer-se vosso rei, ei-lo, contemplai a que estado está reduzido. Que temor podeis ainda ter agora que se acha num estado que não pode mais viver? Deixai-o morrer em sua casa, desde que pouco lhe resta de vida. “E Jesus saiu, tendo uma coroa de espinhos e uma veste purpúrea” (Jo 19,15). Olha também, minha alma, para aquele terraço e vê teu Senhor amarrado e conduzido por um carrasco: vê como está meio nu, ainda que coberto de chagas e de sangue, com as carnes dilaceradas, com aquele pedaço de púrpura que lhe serve unicamente de ludíbrio e com aquela horrenda coroa que o atormenta sem cessar. Contempla a que foi reduzido teu pastor para te encontrar a ti, ovelha desgarradas. Ah, meu Jesus, sob quantos aspectos os homens vos fazem aparecer, mas todos são de dor e vitupério. Ah, doce Redentor, vós causais compaixão até às feras, só entre os homens não encontrais piedade. Pois eis aqui o que responde essa gente: “Ao verem-no, os pontífices e ministros clamavam dizendo: Crucifica-o, crucifica-o” (Jo 19,6). Mas que dirão eles no dia do juízo final, quando vos virem glorioso, sentado como juiz num trono de luz? Ó meu Jesus, também eu durante muito tempo exclamei: crucifica-o, crucifica-o, quando com os meus pecados vos ofendi. Agora, porém, me arrependo de todo o meu coração e vos amo acima de todos os bens, ó Deus de minha alma. Perdoai-me pelos merecimentos de vossa paixão e fazei que naquele dia eu vos veja aplacado e não irritado contra mim.

Do terraço Pilatos mostra Jesus aos judeus e diz: “Ecce Homo”. Ao mesmo tempo o Padre eterno, do alto do céu, nos convida a contemplar Jesus Cristo naquele estado e diz também: “Ecce Homo”. Ó homens, este homem que vedes tão ferido e vilipendiado é meu Filho bem amado, que por vosso amor, e para pagar por vossos pecados sofre dessa maneira. Contemplai-o, agradecei-lhe e amai-o. Meu Deus e meu Pai, vós me dizeis que eu devo contemplar o vosso Filho; eu, porém, vos peço que vós o contempleis por mim; contemplai-o e por amor desse vosso Filho tende piedade de mim. Vendo os judeus que Pilados, apesar de seus clamores, procurava dar liberdade a Jesus (Jo 19,12), pensaram em obrigá-lo a condenar o Salvador, afirmando que, se não o fizesse, seria declarado inimigo de César: “Os judeus, porém, clamavam dizendo: se soltares a este, não és amigo de César: todo o que se faz rei contradiz a César” (Jo 19,12). E de fato acertaram, porque Pilatos, temendo perder as boas graças de César, toma consigo a Jesus Cristo, assenta-se para dar a sentença e condená-lo: “Pilatos, tendo ouvido estas palavras, trouxe Jesus para fora e assentou-se no seu tribunal” (Jo 19,13). Atormentado, entretanto, pelos remorsos de sua consciência, sabendo que ia condenar um inocente, volta-se novamente para os judeus: “E disse-lhes: Eis o vosso rei”. Pois então hei de condenar o vosso rei? “Eles, porém, clamavam:Tira-o, tira-o, crucifica-o” (Jo 1,14 e 15). Replicaram os judeus mais enfurecidos que na primeira vez: Depressa, Pilatos, que nosso rei, que rei, que rei esse? tira-o, tira-o, retira-o de nossos olhos e faze-o morrer crucificado. Ah, meu Senhor, Verbo encarnado, viestes do céu à terra para conversar com os homens e para salvá-los e estes não podem mais nem sequer ver-vos entre eles e tanto se esforçam para dar-vos a morte e não mais vos ver. Pilatos ainda lhes resiste e replica: “Hei então de crucificar vosso rei? Os pontífices responderam: Não temos outro rei senão César” (Jo 19,15). Ah, meu adorável Jesus, eles não querem reconhecer-vos por seu Senhor e afirmam não ter outro rei senão César. Eu vos confesso por meu rei e Deus e protesto que não quero outro rei para meu coração senão vós, meu Redentor. Infeliz de mim, houve um tempo em que me deixei também dominar por minhas paixões e vos expulsei de minha alma, meu rei divino. Agora quero que só vós reineis nele, ordenai e ela vos obedecerá. Dir-vos-ei com S.Teresa:“Ó amante Jesus, que me amais acima do que eu posso compreender, fazei que minha alma vos sirva mais segundo o vosso gosto que o dela. Morra, pois, o meu eu e em mim viva um outro que não eu. Ele viva e me dê vida. Ele reine e eu seja escravo, não querendo minha alma outra liberdade”. Oh, feliz a alma que pode dizer em verdade: Meu Jesus, vós sois o meu único rei, meu único bem, meu único amor.

CAPÍTULO XII

Jesus é condenado por Pilatos

“Então ele lho entregou para que fosse crucificado” (Jo 19,16). Pilatos, depois de tantas vezes ter declarado a inocência de Jesus, e então novamente lavando suas mãos e protestando que era inocente do sangue daquele justo, sendo os judeus responsáveis por sua morte: “Mandado vir água, lavou as mãos à vista do povo, dizendo: Eu sou inocente do sangue deste justo: vós lá vos avenhais” (Mt 27,24), assim mesmo dá a sentença e o condena à morte. Ó injustiça jamais vista no mundo! O juiz condena o acusado ao mesmo tempo que o declara inocente. S. Lucas escreve que Pilatos entregou Jesus nas mãos dos judeus para que fizessem com ele o que desejavam: “Entregou Jesus à sua vontade” (Lc 23,25). De fato, é o que acontece quando se condena um inocente: ele é abandonado nas mãos de seus inimigos, para que o façam morrer, e morrer da maneira que for do gosto deles. Infelizes judeus, vós dissestes: “Seu sangue caia sobre nós e nossos Filhos” (Mt 27,25), e assim chamastes sobre vós o castigo e este já vos alcançou: vossa nação já sofre e sofrerá o castigo desse sangue inocente até ao fim do mundo.

A injusta sentença de morte é lida diante do condenado. O Senhor a ouve e inteiramente resignado ao justo decreto de seu eterno Pai; que o condena à morte da cruz, não pelos delitos que lhe imputavam falsamente os judeus, mas por nossas culpas verdadeiras, pelas quais se oferecera a satisfazer com sua morte. Pilatos diz na terra: Morra Jesus, e o Padre eterno o confirma no céu, dizendo: Morra meu Filho. E o Filho diz também: Eis-me aqui; eu obedeço, aceito a morte e a morte da cruz. “Ele se humilhou, fazendo-se obediente até à morte e a morte de cruz” (Fl 2,8). Meu amado Redentor, aceitastes a morte que me era devida e com vossa morte me obtivestes a vida. Eu vos agradeço, meu amor, e espero poder louvar no céu as vossas
misericórdias para sempre: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”. Visto que vós, inocente, aceitastes a morte da cruz, eu, pecador, aceito-a com todas as penas que a devem acompanhar e desde já a ofereço a vosso eterno Pai, unindo-a à vossa santa morte. Pelos merecimentos de vossa morte tão dolorosa, concedei-me, ó meu Jesus, a sorte de morrer em vossa graça e ardendo em vosso santo amor.

CAPÍTULO XIII

Jesus leva a cruz ao Calvário

Publicada a sentença, o povo infeliz explode num grito de júbilo e diz: Alegremo-nos, alegremo-nos. Jesus já foi condenado; não se perca tempo, apreste-se a cruz e que morra hoje mesmo, pois que amanhã é páscoa. E imediatamente o tomam, tiram-lhe aquele farrapo de púrpura, restituem-lhe suas vestes, para que fosse reconhecido pelo povo, segundo S. Ambrósio, por aquele impostor (como o chamavam) que dias antes tinha sido acolhido como o Messias: “Tiraram-lhe a clâmide e o revestiram com suas vestes e o conduziram para ser crucificado”. (Mt 27,31). Em seguida tomam duas traves grosseiras, e formam com ela às pressas uma cruz e, com insolência, mandam-lhe que a ponha sobre os ombros e a carregue até ao lugar do suplício. Ó Deus, que barbaridade, sobrecarregar com um tal peso um homem tão atormentado e desprovido de forças! Jesus abraça a cruz com amor: “E, levando sua cruz às costas, saiu para aquele lugar que se chama Calvário” (Jo 19,17). A justiça sai com os condenados e entre esses vai também nosso Salvador, carregando o altar em que deve sacrificar a sua vida. Muito bem considera um piedoso autor que na paixão de Jesus Cristo foi tudo maravilhoso e excessivo como Moisés e Elias o afirmaram no Tabor: “E falavam de seu excesso, que iria realizar em Jerusalém” (Lc 9,31). Quem poderia jamais crer que a vista de Jesus, reduzido a uma só chaga da cabeça aos pés, irritasse ainda mais o furor dos judeus e o desejo de vê-lo crucificado? Que tirano obrigou jamais o próprio réu a levar sobre seus ombros o instrumento de seu tormento, vendo-o exausto e consumido já de dores? É horror considerar a multidão de tormentos e ludíbrios que fizeram Jesus sofrer no pequeno espaço de sua prisão até sua morte, sucedendo uns aos outros, sem intervalo, prisão, bofetadas, escarros, zombarias, flagelos, espinhos, cravos, agonia e morte.Todos se uniram, hebreus e gentios, sacerdotes e populares, para tornarem Jesus Cristo o homem dos desprezos e das dores, como havia predito o profeta Isaías. O juiz declara o Salvador inocente, mas uma tal declaração só serve para acarretar-lhe maiores sofrimentos e vitupérios, pois se logo no princípio tivesse Pilatos condenado Jesus à morte, não lhe teriam preferido Barrabás, nem teria sido tratado como louco, nem flagelado tão cruelmente, nem coroado de espinhos.

Mas voltemos a considerar o espetáculo admirável do Filho de Deus, que vai morrer por aqueles mesmos homens que o conduzem à morte. Eis realizada a profecia de Jeremias: “E eu sou semelhante ao manso cordeiro, que é levado para ser vitimado” (Jr 11,19). Ó cidade ingrata, assim expeles de ti com tão grande desprezo o teu Redentor, depois de receberes dele tantas graças? Ó Deus, é isso o que faz também uma alma que, depois de favorecida por Deus com tantos favores, ingrata, o expulsa pelo pecado.

A vista de Jesus nessa caminhada para o Calvário causava tal compaixão, que as mulheres ao vê-lo se punham a chorar e lamentar de tanta crueldade: “Seguia-o uma grande multidão de povo e de mulheres, que choravam e o lamentavam” (Lc 23,27). O Redentor, porém, voltando-se para elas, diz-lhes: “Não choreis sobre mim, mas sobre vossos filhos. Porque se assim fazem com o lenho verde, que farão com o seco?” (Lc 23,27). O Redentor, porém, voltando-se para elas, diz-lhes: “Não choreis sobre mim, mas sobre vossos filhos. Porque se assim fazem com o lenho verde, que farão com o seco?” (Lc 23,31). Com isso queria dar a entender o grande castigo que merecem os nossos pecados, pois se ele, inocente e Filho de Deus, era assim tratado por se ter oferecido a satisfazer por nós, como deveriam ser tratados os homens por seus próprios pecados? Contempla-o também tu, minha alma, vê como está todo dilacerado, coroado de espinhos, onerado com aquele pesado lenho e acompanhado por gente que lhe é contrária e que o segue injuriando-o e maldizendo-o. Ó Deus, seu corpo sagrado está todo retalhado, de tal maneira que a qualquer movimento que faz se renova a dor de todas as suas chagas. A cruz já agora o atormenta, pois ela comprime seus ombros chagados e vai encravando cada vez mais os espinhos daquela bárbara coroa! Que dores a cada passo! Jesus, porém, não a abandona. Sim, não a deixa porque por meio da cruz ele quer reinar nos corações dos homens. como predisse Isaías: “E foi posto o principado sobre o seu ombro” (Is 9,6). Ah, meu Jesus, com que sentimentos de amor para comigo vós caminháveis para o Calvário, onde devíeis consumar o grande sacrifício da vossa vida!

Minha alma, abraça também a tua cruz por amor de Jesus, que por teu amor padece tanto. Nota como ele vai adiante com sua cruz e te convida a segui-lo com a tua:“Quem quiser vir após mim, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). Sim, meu Jesus, não quero deixar-vos, quero seguir-vos até à morte. Vós, porém, pelos merecimentos de vossa subida tão dolorosa ao Calvário, dai-me a força de levar com paciência as cruzes que me enviardes. Oh! vós tornastes muito amáveis as dores e desprezos, abraçando-os com tanto amor por nós.

“Encontraram um homem de Cirene, chamado Simão; obrigaram-no a carregar a cruz de Jesus”. (Mt 27,32). “E puseram-lhe a cruz para que a carregasse atrás de Jesus” (Lc 23,26). Foi isso talvez motivado pela compaixão, desvencilhar Jesus da cruz e fazê-la carregar pelo Cirineu? Não, foi só iniqüidade e ódio.Vendo os judeus que o Senhor quase exalava sua alma a cada passo que dava, temeram que antes de chegar ao Calvário expirasse no caminho, e porque eles o queriam ver morto, mas morto crucificado, para que sua memória ficasse para sempre denegrida, obrigaram o Cirineu a carregar-lhe a cruz. Era essa sua intenção, pois, para eles, morrer crucificado era o mesmo que morrer amaldiçoado por todos: “Amaldiçoado é o que pende da cruz” (Dt 21,23), dizia sua lei. Por isso, quando buscavam a morte de Jesus, não só pediam a Pilatos que o fizesse morrer, mas sempre instavam, gritando: Crucifica-o, seja crucificado! para que seu nome ficasse desprestigiado na terra e nem sequer fosse mais lembrado, conforme a profecia de Jeremias; “Exterminemo-lo da terra dos viventes e não haja mais memória de seu nome” (Jr 11,19). E foi essa a razão por que lhe tiravam a cruz dos ombros, para que chegasse vivo ao Calvário e assim tivessem o gosto de vê-lo morrer crucificado. Ah, meu Jesus desprezado, vós sois a minha esperança e todo o meu amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.