14 de julho de 2014

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - 25ª Parte

CAPÍTULO II

O conselho dos Juízes e a traição de Judas

“Reuniram-se os pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que faremos nós? porque este homem faz muitos milagres” (Jo 11,47). Eis como no mesmo tempo em que Jesus se empenhava em conceder graças e fazer milagres em benefício dos homens, as primeiras personagens da cidade se reúnem para maquinar a morte do autor da vida. Eis o que diz o ímpio pontífice Caifás: “Considerai que vos convém que um homem morra pelo povo e desta forma a nação toda não pereça” (Jo 11,50). E desde esse dia, ajunta o mesmo apóstolo S. João, os malvados pensaram em encontrar um modo de fazê-lo morrer. Ah, judeus, não temais, pois este vosso Redentor não vos fugirá, não, ele veio expressamente à terra a fim de morrer e por meio de sua morte vos libertar e a todos os homens da morte eterna. Mas eis que Judas se apresenta aos pontífices e diz-lhes: “Que me quereis dar e eu vo-lo entregarei?” (Mt 26,15). Que alegria sentiram então os judeus em conseqüência do ódio que tinham a Jesus, vendo que um de seus próprios discípulos queria traí-lo e entregá-lo nas suas mãos! Consideremos, a propósito, o júbilo que sente o inferno, por assim dizer, quando uma alma, que por anos serviu a Jesus Cristo, o trai por qualquer mísero bem ou vil satisfação.

Mas, ó Judas, se queres vender o teu Deus, exige pelos menos o preço que ele merece. Ele é um bem infinito e por isso é digno de um preço infinito. Deus do céu, tu fechas o negócio por apenas trinta dinheiros! Ó minha infeliz alma, deixa a Judas, e volve a ti teu pensamento. Diz-me, por que preço vendeste tantas vezes ao demônio a graça de Deus? Ah, meu Jesus, envergonho-me de comparecer em vossa presença, pensando nas injúrias que vos fiz. Quantas vezes vos voltei as costas evos pospus a um capricho, a um desejo, a um momentâneo e vil prazer? Já sabia que com tal pecado perdia vossa amizade e voluntariamente a quis trocar por nada. Oh! tivesse eu morrido antes de ter-vos assim ultrajado! Ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração e desejaria morrer de dor. Consideremos, entretanto, a benignidade de Jesus, que sabendo muito bem o contrato feito por Judas, contudo, vendo-o, não o repele de si, não o olha com maus olhos, antes o admite na sua companhia e até à sua mesa e o adverte da sua traição, para que entre em si, e, vendo-o obstinado, chega até a ajoelhar-se diante dele e a lavar-lhe os pés para enternecê-lo. Ah, meu Jesus, vejo que o mesmo fizestes comigo. Eu vos desprezei e vos traí e vós não me repelistes, mas me olhastes com amor e me admitistes também à vossa mesa na santa comunhão. Meu caro Salvador, se vos tivesse eu sempre amado! Já agora não posso mais separar-me de vossos pés e renunciar ao vosso amor.

CAPÍTULO III

Última ceia de Jesus Cristo com seus discípulos

“Sabendo Jesus que era chegada a sua hora para passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus amou-os até ao fim” (Jo 13,1). Sabendo Jesus que estava perto de sua morte, devendo abandonar este mundo, tendo até então amado demais os homens, quis então dar-lhes as últimas e maiores provas de seu amor. Sentado à mesa e todo inflamado em caridade, volta-se para seus discípulos e diz-lhes: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco” (Lc 22,15). Meus discípulos (e o mesmo dizia a cada um de nós), sabei que não desejei outra coisa durante minha vida inteira senão comer convosco esta última ceia, pois após ela terei de sacrificar minha vida por vossa salvação.

Desejais então tanto, ó meu Jesus, dar a vida por nós, vossas miseráveis criaturas? Ah, esse vosso desejo inflama os nossos corações a desejar padecer e morrer por vosso amor, desde que por nosso amor quisestes sofrer tanto e morrer. Ó amado Redentor, fazeinos compreender o que quereis de nós, que só desejamos comprazervos em tudo. Suspiramos por dar-vos prazer, para ao menos em parte corresponder ao grande amor que nos tendes. Aumentai sempre em nós esta bela chama, que nos faça esquecer o mundo e nós mesmos, para que doravante não pensemos senão em contentar o vosso amoroso coração. Põe-se à mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador. Assim como o cordeiro era comido todo naquela ceia, assim também no dia seguinte o mundo iria ver sobre o altar da cruz, devorado pelas dores, o cordeiro Jesus Cristo.

“Tendo-se um discípulo reclinado sobre o peito de Jesus” (Jo 13,25). Ó feliz S. João, percebestes então a ternura que alimenta no seu coração este amante Redentor para com as almas que o amam. Ah, meu doce Senhor, quantas vezes me favorecestes com tal graça, sim, também eu conheci a ternura do amor que me tendes, quando me consolastes com inspirações celestes e doçuras espirituais e apesar de tudo isso não me conservei fiel a vós. Ah, não me deixes mais viver assim tão ingrato para convosco. Eu quero ser todo vosso, aceitaime e socorrei-me.

“Levantou-se da mesa, depôs suas vestes e tomando uma toalha cingiu-se com ela. Em seguida deitou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a tolha com que estava cingido” (Jo 13,4-5). Minha alma, contempla o teu Jesus, como se levante da mesa e pratica esse ato de humildade. O rei do universo, pois, o Unigênito de Deus se rebaixa a lavar os pés de suas criaturas. Ó Anjos, que dizeis? Seria já um grande favor se Jesus lhes permitisse lavar com suas lágrimas seus pés divinos, como o fez com a Madalena. Mas não, ele quis lançar-se aos pés de seus servos para deixar-nos no fim de sua vida este grande exemplo de humildade e sinal do grande amor que consagrava aos homens. E nós, Senhor, continuaremos a ser sempre tão soberbos que não podemos suportar uma palavra de desprezo, uma pequenina desatenção sem nos ressentirmos subitamente, sem que vos venha o pensamento de vingança, quando pelos nossos pecados merecíamos ser calcados pelo demônio no inferno. Ah, meu Jesus, o vosso exemplo nos tornou mui amáveis as humilhações e os desprezos. Eu vos prometo de hoje em diante querer sofrer por vosso amor qualquer injúria ou afronta que me for dirigida.

CAPÍTULO IV

Da instituição do santíssimo Sacramento

“Enquanto estavam ceando, tomou Jesus o pão, benzeu-o e partiu-o e deu-o a seus discípulos, dizendo: Recebei e comei: isto é o meu corpo” (Mt 26,26). Depois do lavapés, ato de tão grande humildade, cuja prática Jesus recomendou aos discípulos, retomou as suas vestes e sentando-se novamente à mesa quer então dar aos homens a última prova da ternura que nutria por eles: e esta foi a instituição do santíssimo Sacramento do altar. Para tal fim, tom um pão, consagra-o e, distribuindo-o a seus discípulos, disse-lhes:Tomai e comei, isto é o meu corpo. Recomendou-lhes, em seguida, que todas as vezes que comungassem se recordassem de sua morte por amor deles (1Cor 11,26). Jesus procedeu então como um príncipe que amasse muito sua esposa e estivesse para morrer: escolhe entre suas jóias a mais bela, e chamando a esposa, diz-lhe: Vou em breve morrer, minha esposa; para que não te esqueças de mim, deixo-te esta jóia em recordação: quando a olhares, recorda-te de mim e do amor que te dediquei. São Pedro de Alcântara escreve em suas meditações: “Nenhuma língua é suficiente para declarar a grandeza do amor que Jesus consagra a cada alma e por isso, querendo este esposo partir deste mundo, para que sua ausência não a fizesse esquecer-se dele, dei-xou-lhe em recordação este santíssimo sacramento, no qual ele permanece em pessoa, para que não houvesse entre os dois outro penhor para avivar-lhe a memória do que ele mesmo”. Aprendamos daqui quanto agrada a Jesus a recordação de sua missão: instituiu propositalmente o sacramento do altar, para que nos recordemos continuamente do amor imenso que nos demonstrou na sua morte. Ó meu Jesus, ó Deus enamorado das almas, até onde vos arrastou o amor que tendes aos homens? Até vos fazerdes seu alimento! Dizei-me o que mais podeis fazer para obrigá-los a vos amar? Vós vos dais todo a nós na santa comunhão, sem nada vos reservar; é, pois, justo que nos demos também a vós sem reserva. Procurem os outros o que quiserem: riquezas, honras e o mundo; eu quero ser todo vosso, não quero amar coisa alguma afora de vós, meu Deus. Vós dissestes que quem se alimentar de vós, viverá só por vós:“Aquele que me comer, viverá também por mim” (Jo 6,58). Visto que tantas vezes me admitistes a alimentar-me de vossa carne, fazei-me morrer a mim mesmo, para que eu viva só para vós, só para vos servir e dar-vos prazer. Ó meu Jesus, eu quero colocar em vós todos os meus afetos, ajudai-me e ser-vos fiel.

S. Paulo nota o tempo em que Jesus instituiu este grande sacramento e diz: “Jesus, na noite em que ia ser traído, tomou o pão e disse: Tomai e comei, isto é o meu corpo” (1Cor 11,23). Ó Deus, naquela mesma noite em que os homens se preparavam para dar a morte a Jesus, o amante Redentor nos preparava este pão de vida e de amor para nos unir todos a si, como ele o declarou:“Quem come a minha carne permanece em mim e eu nele” (Jo 6,57). Ó amor de minha alma, digno de um infinito amor, vós não podeis dar-me maiores provas para me fazer compreender o afeto e a ternura que me consagrais. Pois bem, atraí-me todo a vós: se eu não sei dar-vos meu coração inteiro, arrancai-mo vós mesmo. Ah, meu Jesus, quando serei todo vosso, como vós vos fazeis todo meu, quando vos receberei nesse sacramento de amor? Iluminai-me e descobri-me sempre mais as vossas belas qualidades, que vos fazem tão merecedor de afetos, para que eu me abrase sempre mais em amor por vós e me esforce em comprazer-vos. Eu vos amo, meu sumo bem, minha alegria, meu amor, meu tudo.

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