1 de julho de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

10/14  -  Remédio contra o grande temor da morte.

Todo o que tiver um verdadeiro desejo de servir a Deus e de evitar o pecado não se deve por forma alguma aterrar com a ideia da morte e dos juízos divinos; porque embora se devam temer ambos, contudo o temor não deve ser terrível e aterrador por forma que abata e deprima o vigor e força de espírito; mas deve ser um temor por tal forma unido à confiança na bondade de Deus, que por este meio se torne doce.
Eis aqui os remédios eficazes para diminuir o grande temor da morte.
O primeiro é a perseverança no serviço de Deus. Afianço-vos que se perseverardes no exercício de devoção como vejo que praticais, encontrareis um grande alívio para o vosso tormento; porque a vossa alma, estando assim isenta dos afetos maus e unindo-se cada vez mais a Deus, se desligará desta vida mortal e dos gostos vãos que a ela se unem.
Continuai pois na vida devota como começastes e andai sempre cada vez melhor no caminho aonde estais e vereis que em breve tempo esses terrores se enfraquecerão, sem vos inquietarem mais.
Reflito muitas vezes que sois filhos da Igreja Católica e alegrai-vos com isso, porque os filhos desta Mãe, que desejam viver segundo as suas leis morrem sempre felizes, e como diz Santa Tereza, é uma grande consolação à hora da morte ser filha da Santa Igreja.
Terminai todas as vossas orações com confiança, como dizendo: "Senhor, vós sois a minha esperança; eu depositei em vós minha confiança. Ó! Deus, quem espera em vós foi algumas vezes enganado? Espero em vós Ó! Senhor; não serei confundido eternamente". Nas vossas orações jaculatórias, e na recepção do Santíssimo Sacramento, usai destas palavras de amor e esperança para com Nosso Senhor! "Vós sois meu Pai, oh Senhor! Oh Deus! vós sois o esposo da minha alma, sois o rei do meu amor e o amado de minha alma. Ó! doce Jesus, sois o meu querido Mestre, socorro e refúgio".
Não leias os livros ou as passagens dos livros em que se fala da morte, do juízo e do inferno; porque, graças a Deus, resolvestes viver cristãmente, e nenhuma necessidade tendes deserdes a isso impelido por motivos de temor ou espanto.
O segundo remédio é a lembrança frequente da grande doçura e misericórdia com que Deus nosso Salvador recebe as almas à sua morte, quando n'Ele confiaram durante a vida e se exercitaram em o servir e amar cada uma segundo a sua vocação.
O terceiro é o amor do Paraíso e da glória celestial; porque à medida que estimamos e amamos a felicidade eterna temos menos temor em deixar a vida mortal.
O quarto é uma certa privança e familiaridade com os bem aventurados! invocando-os e dirigindo-lhes muitas vezes palavras de louvor e amor; porque tendo um comércio familiar com os cidadãos da Jerusalém celeste, inquietar-nos-á menos deixarmos os da terrestre.
Tais considerações, bem meditadas, durante algum tempo, enfraquecem o excesso dos terrores dos juízos divinos e fazem-nos esperar que sendo filhos de um Pai tão rico em bondade para nos amar e salvar, tão sábio para conhecer os meios a isso conducentes, tão prudente, para os ordenar, tão poderoso para os executar, não nos quererá condenar se fizermos o que pudermos em seu serviço.
Adorai muitas vezes, louvai e bendizei a santa morte de Nosso Senhor crucificado e ponde toda a vossa confiança em seus méritos, pelos quais a vossa morte se tornará ditosa, e dizei muitas vezes: "Ó divina morte do meu doce Jesus, vós abençoareis a minha e ela será bendita; eu vos bendigo e vós me abençoais, ó morte mais amável do que a vida!" Assim São Carlos, na doença de que morreu, fez colocar diante de si um quadro da sepultura de Nosso Senhor e da adoração que fez no jardim das Oliveiras, para se consolar sobre a morte e sepultura do Salvador.
Depois da morte de Jesus Cristo ninguém devia deixar de amar a morte, e não se deviam lembrar dos juízos de Deus, sem se lembrarem da cruz do Salvador para que, depois, de se excitarem ao temor pela lembrança dos seus pecados, readquiram a paz pela confiança do Redentor, junta com a grande humildade.
Ele vai com confiança o vosso coração para Jesus, com uma confiança unida a uma santa humildade, dizendo-lhe: "Eu sou miserável, Senhor, e vós recebereis a minha miséria no seio da vossa misericórdia e conduzir-me-eis com a vossa paternal mão ao gozo da vossa herança. Sou vil e desprezível; mas então vós me amareis, porque esperei em vós e desejei ser vosso".
É verdade que a morte é terrível; mas a vida que se lhe segue, e que nos concederá a misericórdia de Deus, será desejável. Convém não perder a esperança; porque embora sejamos pecadores, não o somos tanto quanto Deus é misericordioso para com os que se arrependem, têm vontade de se emendar, e põem a sua esperança em Jesus Cristo. A morte já não é ignominiosa, mas sim gloriosa depois que sofreu o Filho de Deus.
A santíssima Virgem e todos os santos estimavam morrer, a exemplo do Salvador, que consentia de bom grado em ser pregado na cruz; e a morte tornou-se para Jesus Cristo tão suave e desejável, que os anjos reputar-se-iam felizes em a poderem sofrer.
É preciso morrer! Estas palavras são duras, mas são seguidas duma grande doçura; é para possuirmos a Deus por esta morte.
Deveis saber que uma pessoa prudente não põe vinho novo em uma pipa velha; o licor do amor divino não pode entrar onde reina o velho Adão; convém destruí-lo necessariamente.
Considerai as pessoas que mais amais, e cuja separação vos incomodaria, como as pessoas com quem estareis eternamente no céu; por exemplo vosso marido, vosso filho, ou vosso Pai. Oh! Esta criancinha terá, com a ajuda de Deus, um dia feliz nesta vida eterna, na qual gozará da minha felicidade e se alegrará e eu gozarei da sua e me regozijarei, sem nunca nos separarmos! Isto pode-se dizer do marido, do pai e doutras pessoas.
Caminhemos pois com confiança, debaixo do estandarte da Providência de Deus, sem temermos nem nos perturbarmos; porque se pensarmos na morte sem inquietação, este pensamento nos trará mais dano do que proveito.
Pensemos nela com paz e tranquilidade de espírito, confiando na Providência de Deus e esperando em Deus sem nos impacientarmos para saber quando morreremos; onde, se será dum acidente ou não, subitamente ou duma moléstia prolongada, se estaremos ou não acompanhados. Não vemos que Deus cuida das aves do céu e que nem uma pena lhe cai sem a sua Providência? Ele sabe o número dos cabelos da nossa cabeça e nenhum cai sem Ele querer. Quero, devemos dizer, pertencer completamente a Deus, não só por dever mas também por afeto, e contanto que cumpra a sua santíssima vontade, que mais devo fazer senão entregar-me aos efeitos duma tão boa Providência, cheio de confiança em que cuidará em mim tanto na vida como na morte?
Santo Agostinho diz que para bem morrer é preciso viver bem, e tal será a nossa morte qual tiver sido a vida. Estas palavras são comuns e triviais, mas contém uma grande instrução.
Vivei bem, e não temereis a morte, e se a temerdes, será um temor doce e tranquilo, auxiliado com os meios da paixão de Nosso Senhor, sem a qual a morte com certeza seria terrível e espantosa para todos.
Deus nos ajudará, contanto que o invoquemos pois que nos deixou tantos meios para morrer bem, e em particular o da contrição, que é tão geral e eficaz para pagar os nossos pecados, e o dos sacramentos pelos quais voltamos à graça e nos lavamos do pecado; porque os sacramentos são como canais pelos quais correm para as nossas almas os méritos da paixão de Nosso Senhor.
Já que Nosso Senhor nos deu tantos meios para nos salvarmos e deseja a nossa salvação mais do que nós mesmos, que nos resta fazer senão nos entregarmos à guia da sua Divina Providência, nada pedindo e nada recusando? Oh! como são felizes os que vivem nesta santa indiferença, e esperando o que Deus deles ordenará, se preparam para morrer bem por uma vida boa.
O leito de uma boa morte deve ter por cobertor o amor de Deus; mas convém ter a cabeça recostada sobre dois travesseiros que são a humildade e a confiança na misericórdia divina.

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