7 de julho de 2014

Pensamentos consoladores de São Francisco de Sales.

13/14 -  Sentimentos de São Francisco de Sales à vista da morte.

Depois de ter flutuado no mar do mundo e de ter experimentado tantos perigos que a tempestade e os escolhos da vaidade fazem surgir para o naufrágio apresento-me a vós, ó meu Deus, para vos dar conta do talento que a vossa bondade infinita me confiou. Agora vejo a terra que tenho compaixão de deixar e os acasos que correm os mortais.
Quanto são enganadores os encantos do mundo como são poderosos o seus atrativos! Como são falazes os seus engôdos! como parece doce o mel aos primeiros tragos, mas se converte em amargo fel! Prepara-te, ó! minha alma, para entrares na Jerusalém celeste. Eis o remate da vida; a sua obra é a morte e só uma devoção bem regulada produz a vida eterna. Eis o outono onde se recolherão os frutos da eternidade. Esta planta que recebe do céu o crescimento e será colhida brevemente; e os mortais só verão na terra a raiz, triste despojo da corrupção. A flor que o sol colorido com variadas cores murchará em breve. Considerai que a vida foge como a sombra, passa como um sonho, evapora-se como fumo: que a ambição humana nada pode abraçar que seja sólido. Tudo passa.
O sol que se ergue no nosso horizonte precipita a carreira e procura a noite e a noite busca o dia para fazer no nada as mais belas partes deste universo. Os rios correm em grossas levadas como se o mar que é o seu centro lhe devesse dar repouso. A lua brilha no céu, ora cheia, ora minguante, e parece que se alegra como se aí devesse terminar os seus trabalhos e o seu curso. O inverno despoja as árvores da sua folhagem, como para nos dar uma lição da morte. Não pertenço à vida por nenhuma relação ou afeto. Resignei em vossas mãos todas as minhas vontades. Ó meu Deus! ensinaste-me já há muito a morrer. Os sentimentos do mundo que em mim muitos já morreram, deram-me uma lição da morte.
As mortificações do espírito acabrunharam o meu corpo. Eu não vivia porque estava morto, por desígnio e regra; só estimava a vida que existe em vós, podia dizer que vivia, pois que toda a minha intenção era extinguir o fogo que forma a vida dos mundanos para a comparar a uma morte ou a um doce sono em que me esforçava para me unir à vós e me aproximar da vida eterna. Mas, ó Deus meu, quanto eram vãos e falazes os meus desígnios! Não julgava que era necessário morrer atualmente para me aproximar da vida eterna. Mas, ó! Deus meu, quanta bem aventurança. Agora, no aniquilamento, os raptos de espírito apresentam-me uma pequena amostra. Já não tenho mais fé nos meus êxtases, porque vejo; já não tenho esperança, porque começo a possuir; fica-me só a caridade para me unir a vós, que sois a própria caridade donde sai o fogo de amor, que abraça os corações das almas devotas. E como o fogo por sua natureza sobe sempre, assim meu coração que o possui, voa para vós; e quanto mais sinto enfraquecerem-se as forças do meu corpo, tanto se fortifica mais o meu espírito e se livra da prisão do corpo. E neste estado contemplo como em um espelho o que é a bem aventurança.
Como são indisiveis os contentamentos e delícias duma alma que esta na graça de Deus! Os prazeres sensuais trazem a saciedade, sinal da sua imperfeição; mas as alegrias da alma são infinitas, produzem sempre desejo e não cansam o gozo por não terem fim e não serem limitadas pelos sentidos e objetos.
Saiamos pois, deste mundo e subamos ao Céu auxiliados pela misericordia de Deus. E vós, almas devotas, não vos alegrais em me seguirdes? Temeis esta passagem? Não morrestes em Deus para ressuscitardes gloriosos? Posso acreditar que gozais da vida estando sem vontade e sem afeto, tendo renunciado a vós mesmos para abraçar a palavra e os mandamentos que o céu vos ditou?
Temeis a dissolução do vosso corpo; lembrai-vos que Nosso Senhor sofreu imensas penas por vós. Aflige-vos deixar esse mundo, onde reina vaidade e onde a avareza mancha as mais belas virtudes, onde a infidelidade reina com tirania, onde o vício suplanta a virtude e conquista o prêmio de honra, onde se bebem os pecados como água e onde os justos contemplam as visões do inferno e da abominação? Retirai-vos desses lagos; despi-vos desses sentimentos, para irdes onde se goza uma primavera eterna e onde se não vêem os tristes e horríveis fantasmas de privação.
Vamos, pois, almas queridas, não prestemos ouvido aos encantos da vaidade. No céu encontraremos um bem sólido que inebria as almas com uma ambrosia tão doce, que apenas se notam os seus gozos, pois tantos contentamentos possuem. Não estais cansados de ver correr os rios para o Oceano, e as estações do ano sucederem-se com uma ordem infalível? Não estais contentes por colherdes as flores da primavera e provardes os frutos do outono? Não basta ter pisado os lírios e as rosas e ter enchido o leito da vossa sensualidade e encantado o vosso amor com o odor dessas plantas? Não basta ter visto tantos sóis, tantos dias e tantas noites? Pensais que as árvores da floresta produzem outra folhagem e que há outra produção na natureza? As estrelas que brilham no céu não darão luzes diversas.
Deixai pois o mundo, almas devotas. Se atendeis à vontade de Deus, pelo menos preparai-vos para receber a este respeito as ordens do céu. Tende sempre em bom estado a consciência, para dardes conta das vossas ações; suponde que o juízo de Deus esta iminente sobre vós, que basta um suspiro para sofrer a sentença, que uma síncope pode abater-nos e colocar-nos em um estado em que nos não reconhecemos. A flor que desabrocha de manhã esta de tarde murcha e seca. Considerai que a morte pode saudar-vos de manhã e a noite fara coincidir o vosso declinar com o do sol; lembrai-vos que nos jardins do mundo, sob a rosa e o lírio, esta oculta a morte como uma serpente nos prados. Ó! meu Deus, não vos entrego a minha alma porque já há muito a comprastes com o preço do vosso sangue e a tirastes do cativeiro do pecado e da morte. Ela será ditosa se a receberdes, perdoando-lhe as suas faltas.
Ó! grande Deus, é agora que é preciso dar contas; a justiça dos vossos juízos faz-me temer; mas a vossa infinita misericórdia dá-me esperança. Lanço-me nos vossos braços para impetrar perdão; lançar-me-ei a vossos pés e banhá-los-ei com lágrimas; farei correr um rio, que será testemunho do meu arrependimento para poder por vossa bondade infinita receber os efeitos da vossa misericórdia. Amém.

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