IV
Sigamos agora os Magos até Belém: é ai, principalmente, que os veremos manifestar a mais profunda fé.
Guia-os a maravilhosa estrela ao lugar onde deviam finalmente encontrar Aquele que há tanto procuravam. E que encontraram eles? Um palácio, um berço real, um longo séquito de lacaios submissos? Não; apenas um humilde casal de operários. Buscam um rei, um Deus, e vêem apenas uma criancinha no colo da mãe; e nem ao menos uma criança transfigurada pelos raios divinos, como sucedeu mais tarde, diante dos Apóstolos, no monte Tabor, mas uma simples, uma pobre e débil criancinha.
Todavia, deste ser tão fraco na aparência fluía invisível um poder divino: Virtus de illo exibat. Aquele que fizera nascer a estrela para trazer os Magos ao Seu berço, agora iluminava-os: enchialhes interiormente o espírito de luz e o coração de amor. E, por isso, eles reconheceram o seu Deus naquela criança.
Nada nos relata o Evangelho acerca das suas palavras, mas dá-nos a conhecer o gesto sublime da mais perfeita fé: «E, prostrando-se, adoraram o Menino»: Et procidentes adoraverunt eum.
A Igreja quer que nos associemos a esta adoração dos Magos. Durante a santa Missa, quando nos dá a ler estas palavras da narração evangélica - «E prostrando-se O adoraram - , faz-nos dobrar o joelho a fim de significar que também nós acreditamos na Divindade do Menino de Belém.
Adoremo-Lo com fé profunda. Deus quer que, enquanto estivermos no mundo, toda a atividade da nossa vida interior tenha por fim a união com Ele na fé. A fé é a luz que nos faz ver Deus no Filho da Virgem, ouvir a voz de Deus nas palavas do Verbo Incarnado, seguir os exemplos dum Deus nas ações de Jesus, apropriar-nos dos merecimentos infinitos dum Deus pelas dores e pelas satisfações dum homem que sofre como nós.
Através do véu duma Humanidade humilde e passível, a alma, esclarecida por uma fé ardente, descobre sempre a Deus; em toda a parte onde encontra essa Humanidade - quer seja nos aniquilamentos de Belém, nas estradas da Judeia, no patíbulo do Calvário, quer sob as espécies eucarísticas, - a alma fiel inclina-se diante dela porque é a Humanidade dum Deus. Lança-se a Seus pés para a ouvir, para lhe obedecer e para a seguir, até que praza a Deus «revelar-lhe a Sua infinita majestade nos santos esplendores da visão beatífica»: Usque ad contemplandam speciem celsitudinis perducamur.
A atitude de adoração, nos Magos, traduz eloquentemente a solidez e intensidade da sua fé; os dons que Lhe oferecem são cheios de significado. Os Padres da Igreja insistem no simbolismo dos dons oferecidos a Jesus Cristo pelos Magos. Demoremo-nos, para terminar esta palestra, a considerar quão profundo é este simbolismo; será um gozo para as nossas almas e um alimento para a nossa piedade. Como sabeis, o Evangelho diz-nos que, «tendo aberto os seus cofres, os Magos ofereceram ao Menino ouro, incenso e mirra ». É evidente que, no pensamento dos Magos, esses dons deviam servir, não só para exprimir os sentimentos de seus corações, como também para honrar Aquele que os recebia.
Examinando a natureza dessas ofertas preparadas antes da partida dos Magos, vemos que a iluminação divina já lhes havia manifestado alguma coisa da eminente dignidade d'Aquele que desejavam contemplar e adorar. A natureza desses dons indica igualmente a qualidade dos deveres que queriam cumprir para com a pessoa do Rei dos judeus. O simbolismo atinge ao mesmo tempo Aquele a quem são oferecidas as dádivas e os que as apresentam.
O ouro, o mais precioso dos metais, é o símbolo da realeza; indica também o amor e a fidelidade que todos devem ao seu rei.
O incenso é universalmente conhecido como figurando o culto divino; só se oferece a Deus. Oferecendo esse presente, os Magos patenteavam que queriam proclamar a Divindade d' Aquele cujo nascimento lhes fora anunciado pela estrela e reconhecer essa Divindade pela adoração suprema que só a Deus se pode tributar.
Finalmente, tiveram a inspiração de Lhe oferecer a mirra. Que querem eles significar com essa mirra que serve para curar as feridas, para embalsamar os mortos? Simboliza este presente que Jesus Cristo era homem, mas um homem passível, que havia de morrer um dia; a mirra também representava o espírito de penitência e de imolação que deve caracterizar a vida dos discípulos dum crucificado. Assim a graça inspirava os Magos na escolha dos presentes destinados Àquele que buscavam. O mesmo se deve dar conosco. «Nós, que ouvimos a narração dos dons dos Magos, diz Santo Ambrósio, saibamos servir-nos dos nossos tesouros e apresentar ofertas semelhantes». Cada vez que nos aproximamos de Jesus Cristo, ofereçamos-Lhe presentes, mas presentes que sejam magníficos, que sejam como os deles, dignos d'Aquele a quem os oferecemos.
Dir-me-eis talvez: «Não temos ouro, nem incenso, nem mirra. É certo; temos, porém, muito melhor; temos tesouros muito mais preciosos, os únicos que Jesus Cristo, nosso Salvador e Rei, espera de nós. Não Lhe oferecemos ouro, quando proclamamos, por uma vida cheia de amor e fidelidade aos mandamentos, que Ele é o Rei dos nossos corações? Não Lhe apresentamos o incenso, quando cremos na Sua Divindade e O reconhecemos pelas nossas orações e adorações? Não Lhe oferecemos a mirra, quando unimos os nossos sofrimentos, as nossas humilhações, as nossas dores e lágrimas às Suas?
E se, por nós mesmos, nada possuímos de tudo isto, peçamos a Nosso Senhor que nos enriqueça com os tesouros que Lhe são agradáveis; porque Ele tem esses tesouros para no-los dar.
É o que Jesus fazia ouvir a Santa Matilde, depois da comunhão, no dia da Epifania: «Eis, dizia, que te dou o ouro, isto é, o meu divino amor, o incenso, quer dizer, toda a minha santidade e devoção e, enfim, a mirra, que é a amargura de toda a minha Paixão. Eu te dou em propriedade, de tal maneira que me poderás oferecer de presente, como um bem que te pertence».
Esta verdade é tão consoladora, que nunca a devemos esquecer. A graça da adoção divina, que nos torna irmãos de Jesus e membros vivos do Seu corpo místico, dá-nos o direito de nos apropriarmos dos Seus tesouros para os fazer valer junto d'Ele e do Seu Pai. «Acaso ignorais, dizia S. Paulo, o poder e a grandeza da graça de Jesus Cristo, que por nós se fez pobre, de rico que era, a fim de nos enriquecer por Sua pobreza».
Nosso Senhor é a nossa riqueza, a nossa ação de graças; encerra em Si, dum modo eminente, o que significam os presentes dos Magos; em Sua pessoa realiza perfeitamente esse profundo simbolismo. Por isso, nada melhor podemos oferecer ao Pai celeste do que o Seu próprio Filho para Lhe agradecer o dom inestimável da fé cristã. Deus deu-nos o Seu Filho; segundo a palavra de Jesus, o Ser infinito não podia manifestar-nos o Seu amor de modo mais eloquente: Sic Deus dilexit mundum, ut Filium suum Unigenitum DARET; porque, ao dar-nos Jesus, acrescenta S. Paulo, deu-nos todos os bens: Quomodo non etiam cum illo omnia nobis donavit?
Mas devemos a Deus insignes ações de graças por este dom inefável. Que Lhe daremos, pois, que seja digno d'Ele? O Seu Filho Jesus. «Oferecendo-Lhe o Seu Filho, restituímos-Lhe o que nos dá»: Offerímus praeclarae majestati tuae de tuis donis ac datis; e não há dom que Lhe seja mais agradável. Bem o sabe a Igreja que, como ninguém, conhece o segredo de Deus! Neste dia, em que se iniciam os seus místicos esponsais com Jesus Cristo, ela oferece a Deus, «não já o ouro, o incenso, a mirra, mas Aquele que esses presentes simbolizam, imolado sobre o altar e recebido no coração dos Seus discípulos»: Ecclesiae tuae, quaesumus Domine, dona propitius intuere, quibus non jam aurum, thus et myrra profertur sed quod eisdem muneribus declaratur, immolatur et sumitur, Jesus Christus Fílius tuus, Dominur noster.
Ofereçamos, pois, com o sacerdote, o santo Sacrifício; ofereçamos ao Eterno Pai o Seu divino Filho depois de O termos recebido na sagrada Mesa; mas ofereçamo-nos com Ele, por amor, para cumprir em todas as coisas o que a vontade divina nos manifesta; é o dom mais perfeito que podemos apresentar a Deus.
A Epifania continua; prolonga-se através dos séculos. «Também nós, dizia S. Leão, devemos saborear as alegrias dos Magos, porque o mistério que naquele dia se realizou não deve limitar-se a ele. Graças à magnificência de Deus e ao poder da Sua bondade, o nosso tempo goza da realidade de que os Magos tiveram as primícias».
Efetivamente, a Epifania renova-se quando Deus faz brilhar a luz do Evangelho aos olhos dos pagãos; todas as vezes que a verdade resplandece diante dos olhos dos que vivem no erro, é um raio da estrela dos Magos que desponta.
A Epifania prolonga-se também na alma fiel, quando o seu amor se torna mais fervoroso e mais estável. A fidelidade às inspirações da graça (é Nosso Senhor quem no-lo diz) torna-se a fonte duma iluminação mais viva e mais brilhante: Qui diligit me ... manifestabo ei meipsum. Feliz da alma que vive de fé e de amor!
Produzir-se-á nela uma manifestação sempre nova e sempre mais profunda de Jesus Cristo: Jesus fa-la-á entrar numa compreensão cada vez mais íntima dos Seus mistérios.
A Sagrada Escritura compara a vida do justo a uma «senda luminosa que sobe de claridade em claridade», até ao dia em que todos os véus caem, em que todas as sombras se evaporam, em que aparecem na luz da glória os eternos esplendores da Divindade. Ai, diz S. João no seu livro tão misterioso do Apocalipse, em que nos descreve as magnificências da Jerusalém celeste, ai não é necessária a luz, porque o próprio Cordeiro, isto é, Jesus Cristo, é a luz que alegra e ilumina as almas de todos os justos.
Será a Epifania do Céu.
«Ó Deus que, neste dia, por meio duma estrela, guiastes as nações pagãs ao conhecimento do Vosso Filho único, concedei-nos que, conhecendo-Vos já pela fé, cheguemos à contemplação da face da Vossa suprema majestade»: Deus, qui hodierna die Unigenitum tuum gentibus stella duce revelasti: concede propitius ut qui jam te ex fide cognovimus, usque ad contemplandam speciem tuae celsitudinis perducamur.