31 de janeiro de 2017

Sermão para o 3º Domingo depois da Epifania – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Evangelho da cura do servo do centurião


 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Consideremos, caros católicos, a segunda parte do Evangelho de hoje: a cura do servo do centurião. Entrando Jesus em Cafarnaum, o centurião foi até ele, por si mesmo ou por emissários, fazendo uma súplica e dizendo: “Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico e sofre.” São João Crisóstomo destaca aqui a caridade fraterna do centurião. Reconhecendo a diferença hierárquica entre si mesmo e seu servo, reconhece também a igualdade de natureza e suplica a Jesus Cristo para que cure o seu servo.
A esse primeiro pedido do centurião, Jesus Cristo responde dizendo que irá e fará a cura. Em outras ocasiões, como no caso da cura do régulo de Caná não vai, embora realize a cura. Por que essa disparidade na ação de Nosso Senhor? Para melhor manifestar a fé das pessoas envolvidas ou para melhor favorecer a fé dessas pessoas. Não indo à casa do régulo de Caná, curando-o de longe, Nosso Senhor fortalece a fé do régulo e dos outros presentes, que tinham pedido ao Senhor para que fosse até o local realizar a cura. Ao dirigir-se à casa do centurião, Nosso Senhor dá ocasião para que o centurião manifeste a sua humildade e a sua fé profundas, ao insistir que o Senhor poderia curá-lo simplesmente por uma palavra.
Assim, quando Jesus diz que se dirigirá até lá e que vai curar o servo do centurião, esse pronuncia uma das mais belas orações do evangelho, junto com uma profissão de fé. Senhor, não sou digno de que entreis na minha casa, porém, dizei uma só palavra e meu servo será curado. Essa oração começa com um ato de respeito e mesmo de adoração: Senhor. Em seguida, vem um ato de humildade: não sou digno de que entreis em minha morada. O centurião, reconhecendo-se miserável diante de Cristo, sabe que nada merece, mas que tudo vem da bondade de Nosso Senhor. E, afirmando a onipotência de Cristo, pede novamente a cura de seu servo. Afirma a onipotência ao dizer que basta uma palavra de Cristo para curar o seu servo. E conclui a sua oração dando o seu próprio exemplo: se ele, que tem soldados sob suas ordens pode dizer vem, e o soldado vem, e vai, e o soldado vai, quanto mais Nosso Senhor Jesus Cristo que tem sob seu poder todas as coisas, sendo Ele o criador e o Senhor de todas elas. Tão sublime é a oração do centurião, tão verdadeira a sua humildade e tão firme a sua fé que a Igreja utiliza cotidianamente as palavras do centurião na Santa Missa, pouco antes da comunhão, para que nos disponhamos com humildade e fé para a sagrada comunhão.
É uma oração boa porque a humildade e a fé são os dois fundamentos da vida espiritual. Para construir um edifício é necessário, primeiramente, limpar o terreno dos obstáculos e, em seguida, lançar as fundações, sobre as quais todo o edifício se apoiará. A humildade remove os obstáculos, remove o orgulho, a presunção, a autossuficiência. Deus se revela aos humildes e resiste aos soberbos, aos orgulhosos. A fé lança as fundações sobre as quais todo o edifício da vida espiritual se ergue. Sem fé, não pode haver esperança. Não pode esperar em Deus quem não acredita nEle. Sem fé, não pode haver caridade. Não pode amar a Deus quem não acredita nEle. Sem fé, não pode haver caridade para com o próximo, pois a caridade para com o próximo se baseia no amor a Deus. Sem fé, não pode haver nenhuma virtude sobrenatural. É indispensável, então, que procuremos ser humildes e que tenhamos uma fé firme e que evitemos os perigos para a nossa fé. Quanto se arriscam, por exemplo, aqueles que leem autores cheios de erros dizendo que levam em consideração somente o que é bom. Mas nem critério têm para saber o que é bom. Certamente cairão, perderão a fé católica, se ainda realmente a tiverem.
Está dito no Evangelho que Nosso Senhor se admirou ao ouvir as palavras do centurião. Claro, Nosso Senhor, que conhece todas as coisas, mesmo os segredos dos corações, já conhecia a fé e a humildade do centurião. A sua admiração, então, não é por surpresa, mas é para que os outros compreendam o valor das palavras do centurião e procurem seguir o exemplo desse militar na humildade e na fé. E esse centurião nem judeu era. Era um pagão que já havia se convertido a Jesus Cristo, pois, bem disposto, compreendeu os seus milagres e aderiu inteiramente aos seus ensinamentos. E Nosso Senhor aproveita a fé desse homem para afirmar a futura conversão de numerosos pagãos à fé católica, enquanto muitos judeus preferirão permanecer cegos, sem reconhecer o Messias, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. Finalmente, Nosso Senhor opera o milagre: vai e seja-te feito, conforme creste. E naquela mesma hora ficou curado. Que possamos, antes da comunhão, dizer as palavras do centurião com toda a sinceridade e repitamos essas palavras no nosso cotidiano. Com humildade, com fé. E o Senhor nos ajudará.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

30 de janeiro de 2017

Missas Tridentinas - Padre Renato Coelho - IBP

Missas Tridentinas - Programação Janeiro/2017

28/01/17 - Sábado -    17:30h - Oração do Santo Terço
                                    18:00h - Santa Missa
                                    19:00h - Palestra Caracterologia - Estudo dos Temperamentos Humanos

29/01/17 - Domingo - 10:30h - Oração do Santo Terço
                                    11:00h - Santa Missa

30/01/17 - 2ª feira -     19:30h - Oração do Santo Terço
                                    20:00h - Santa Missa


Local:               Capela Nossa Sra. Aparecida - Assoc. da Vila Militar - Polícia Militar
Endereço:         Av. Mal. Floriano Peixoto, 2057 - Rebouças
Cidade/Estado: Rebouças - Curitiba - Paraná



Tesouro de Exemplos - Parte 269

A ESMOLA É UM BOM EXEMPLO

Santo Tomás de Vilanova via que seus país faziam muitas esmolas. Contam seus biógrafos que os pais do Santo gastavam a fortuna em socorrer os indigentes. Nisso empregavam o trigo de seus celeiros e o vinho de suas adegas. Para esse fim, todas as semanas mandavam ao moinho certa porção de trigo; e em proveito dos pobres utilizavam também seus rebanhos. Estes belos exemplos dos pais, aprendeu-os muito bem o menino.
Um dia, sendo ainda pequerrucho, achava-se sozinho em casa, quando se apresentaram de uma vez seis pobres pedindo esmola. Como não pode abrir a despensa do pão, e não tinha à mão outra coisa para dar-lhes, pegou os seis franguinhos, que tinha uma galinha, e repartiu-os entre os pobres. Quando a mãe voltou e pediu-lhe conta daquela proeza, respondeu: “Os pobres inspiravam tanta compaixão que reparti entre eles os pintinhos; e se tivesse aparecido mais um, teria de dar-lhe também a galinha”.

29 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

v

 É principalmente pela Virgem Maria que conseguiremos participar das graças que nos mereceu Jesus Cristo pela Sua vida oculta em Nazaré. Ninguém melhor do­ que a humilde Virgem conhece a sua fecundidade, porque ninguém foi mais cumulado de graças do que ela. Aqueles anos devem ter sido para a Mãe de Jesus uma fonte inexaurível de graças inestimáveis. Não se pode pensar neles sem se ficar extasiado; é impossível  exprimir as intuições que deles se podem ter.
 Reflitamos um instante sobre o que devem ter sido para Maria aqueles trinta anos em que tantos gestos, tantas palavras, tantas ações de Jesus eram para ela  revelações.
 Sem dúvida, devia haver, mesmo para a Virgem, algo de incompreensível na vida de Jesus; não se pode viver em contato continuo com o Infinito, como era o  caso dela, sem sentir e tocar por vezes o mistério. Mas que luz inundava então a alma da Virgem! Que incessante aumento de amor devia ter operado em seu coração imaculado aquela convivência inefável com um Deus que trabalhava debaixo do seu olhar e lhe obedecia!
 Maria vivia com Jesus numa união que ultrapassa tudo quanto se possa dizer. Eram verdadeiramente um; o espírito, o coração, a alma, toda a existência da Virgem estava em absoluta concordância com o espírito, o coração, a alma e a vida de seu Filho. A sua existência era, se assim me posso exprimir, uma vibração pura e perfeita, tranquila e cheia de amor, da própria vida de Jesus.
 E qual era, em Maria, a fonte dessa união e desse amor? - Era a fé. A fé é uma das virtudes mais características da Virgem. 
Que admirável e cheia de abandono a fé na palavra do Anjo! O mensageiro celeste anuncia-lhe um mistério inaudito, que espanta e confunde a natureza: a conceição dum Deus num seio virginal. E que diz Maria? <
 A fé de Maria na Divindade jamais vacilou; em seu filho Jesus verá sempre o Deus Infinito.
 E, no entanto, a que provações não teve de ser submetida esta fé! Seu filho é Deus; o Anjo anunciou-lhe que Ele ocuparia o trono de David, que salvaria o mundo,  que o Seu reino não teria fim. E eis que Simeão lhe prediz que Jesus será um sinal de contradição,  que será causa de ruína e de salvação. Maria vai ter de fugir para o Egito a fim de furtar o Filho aos furores tirânicos de Herodes. Durante trinta anos, o seu filho, que é Deus e vem resgatar o gênero humano, viverá, numa pobre oficina, uma vida obscura de trabalho e de submissão. Mais tarde, verá seu Filho perseguido pelo ódio dos fariseus, vê-lo-á abandonado pelos discípulos, nas mãos dos inimigos, suspenso numa cruz, acabrunhado de sarcasmos, abismado no sofrimento; ouvir-lhe-á o grito de abandono por parte do Pai. A sua fé, porém, permanecerá inabalável. E é precisamente aos pés da cruz que ela brilha com todo o esplendor. Maria reconhecerá sempre o seu Filho como seu Deus; por isso, a Igreja a proclama a <
 E é esta fé a fonte de todo o amor de Maria para com seu Filho; é esta fé que a faz permanecer unida a Jesus, mesmo nas dores da Paixão e da morte.
 Peçamos à Virgem que nos obtenha esta fé firme e prática que se consuma no amor e no cumprimento da vontade divina: <
Esta fé ardente, que era para a Mãe de Deus uma fonte de amor, era igualmente um princípio de alegria. O próprio Espírito Santo no-lo ensina quando, pelos lábios de Isabel, proclama a Virgem «bem-aventurada por causa da sua fé»: Beata quae credidisti.
 O mesmo acontecerá conosco. S. Lucas narra que, depois dum discurso de Jesus à multidão, uma mulher, levantando a voz, exclama: <
 Mas Jesus quer ensinar-nos que, assim como a Virgem mereceu as alegrias da Maternidade divina pela sua fé e pelo seu amor, assim também nós podemos participar, não evidentemente da glória de haver dado à luz Jesus Cristo, mas da alegria de O fazer nascer em nos­sas almas. E como obteremos esta alegria? «Ouvindo e guardando a palavra de Deus». Ouvi-mo-la pela fé, e guarda-mo-la cumprindo com amor o que ela prescreve.
Tal é para nós, como para Maria, a fonte da verdadeira alegria da alma; tal é para nós o caminho da felicidade. Se, depois de havermos inclinado o nosso coração aos ensinamentos de Jesus, obedecermos à Sua vontade e Lhe permanecermos unidos, seremos por Ele tão estimados - é Jesus ainda quem o proclama - como se fôssemos para Ele «uma mãe, um irmão, uma irmã»: Quicumque enim fecerit voluntatem Patris mei qui in caelis est, ipse meus frater, et soror et mater est. Que união mais íntima e mais fecunda do que esta poderia constituir o objecto dos nossos desejos? 

28 de janeiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 268

DEVO OBEDECER

Na Itália, um Padre Capuchinho tinha impressas as chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para vê-lo, um médico de Chicago empreendeu uma viagem de trinta horas de trem pela América, dez dias por mar e mais quarenta horas de trem. No fim de sua viagem, porém, não pode ver nada, porque o Padre recebera ordem de Roma de não deixar ver os estigmas, e tinha de usar continuamente luvas que só lhe deixavam livres as pontas dos dedos para poder celebrar a santa Missa, o que faz diariamente com grande edificação dos assistentes. O médico contava depois: “Não vi os estigmas. O Padre disse-me com toda a naturalidade: “Uma viagem tão longa, que pena! Mas o sr. compreende que eu, como religioso, devo obedecer”. E isso produziu em mim uma impressão mais profunda do que se tivesse visto as chagas”.

27 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.


IV 

Diz-nos o Evangelho que, depois de ter sido encontrado no Templo, Jesus voltou a Nazaré com Sua Mãe e S. José, e ali permaneceu até à idade de trinta anos. E o escritor sagrado resume todo este período nestas simples palavras: Et erat subditus illis. «E era-lhes submisso».
 Assim, numa existência de trinta e três anos. Aquele que é Sabedoria eterna quis passar trinta anos no silêncio e na obscuridade, na submissão e no trabalho.
 Há aqui um mistério e um ensinamento, cujo sentido nem mesmo muitas almas piedosas compreendem.
 Realmente, o que vinha a ser aquilo? O Verbo, que é Deus, faz-se carne; Aquele que é infinito e eterno, passados séculos de expectativa, abaixa-se um dia a revestir uma forma humana: Semetipsum exinanivit, formam servi accipiens... et habitu inventus ut homo. «Se bem que nascido duma Virgem imaculada, a Incarnação constitui para Ele uma incomensurável humilhação»: Non horruisti virginis uterum. E por que desce até estes abismos? Para salvar o mundo, trazendo-lhe a luz divina.
 Ora, salvo raros clarões que iluminam algumas almas privilegiadas - pastores, Magos, Simeão e Ana - esta luz esconde-se; fica voluntariamente, durante trinta anos, «sob o alqueire - sub modio - para, em seguida, se manifestar durante três anos apenas. 
Não é misterioso? Não é desconcertante para a nossa razão? Se tivéssemos conhecido a missão de Jesus, não Lhe teríamos dito, como muitos dos Seus parentes o fariam mais tarde: «Mostra-te ao mundo, pois ninguém faz uma coisa em segredo, quando deseja que ela apareça»: Manifesta teipsum mundo?
 Mas os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos, e os Seus caminhos ultrapassam os nossos. Aquele que vem resgatar o mundo, quer salvá-lo primeiramente por uma vida oculta aos olhos do mundo.
 Durante trinta anos, na oficina de Nazaré, o Salvador do gênero humano não fez outra coisa senão trabalhar e obedecer; toda a obra d' Aquele que vem instruir a humanidade para lhe restituir a herança eterna é viver no silêncio, obedecer a duas criaturas nos atos mais ordinários.
 Ó meu Salvador, na verdade sois um Deus escondido! Deus obsconditus, Israel Salvator. << Cresceis, sem dúvida, ó Jesus, em idade, sabedoria e graça diante do Vosso Pai e diante dos homens».  A Vossa alma possui, desde o primeiro momento da Vossa entrada no .mundo, a plenitude da graça, todos os tesouros da sabedoria e da ciência; sabedoria e ciência essas que só se declaram pouco a pouco, só se manifestam com medida; permaneceis aos olhos dos homens um Deus oculto, a Vossa Divindade vela-se sob as aparências dum operário. Ó Sabedoria eterna, que, para nos retirar do abismo em que nos precipitara a orgulhosa desobediência de Adão, quisestes viver numa humilde oficina e obedecer a criaturas, eu Vos adoro e Vos bendigo !
 Aos olhos dos Seus contemporâneos, a vida de Jesus Cristo, em Nazaré, aparece, pois, como a existência banal dum simples operário. E tanto assim que, mais tarde,  quando Jesus Cristo se revela na vida pública, os judeus da Sua pátria ficam tão atônitos com a sabedoria das Suas palavras, com a sublimidade da Sua doutrina e com a grandeza das Suas obras, que se interrogam: «Mas donde vem esta sabedoria e como pode operar tais milagres? Ele é o filho do carpinteiro que conhecemos e Sua Mãe chama-se Maria. Onde aprendeu todas estas coisas»? Unde huic sapientia haec et vírtutes ? Nonne hic est fabri filius ? Nonne mater ejus dícítur Maria ? Unde ergo huic omnia ista? Jesus Cristo era, para os judeus, uma pedra de escândalo, porque, até então, só haviam visto nEle um operário. Este mistério da vida oculta contém ensinamentos que a nossa fé deve avidamente aproveitar.
 Antes de tudo, só é grande aos olhos de Deus o que é feito para a Sua glória, com a graça de Jesus 
Cristo: não somos aceites a Deus senão na medida em que formos semelhantes a Seu Filho Jesus.
 A filiação divina de Jesus Cristo dá aos seus atos mais insignificantes um valor infinito. Jesus Cristo não é menos adorável nem menos agradável ao Pai quando maneja o martelo e a plaina do que quando morre na cruz. Em nós, a graça santificante, que nos faz filhos adotivos de Deus, diviniza, em sua raiz, toda a nossa atividade, e torna-nos dignos, como Jesus, posto que por título diferente, das complacências do Pai.
 Sabeis que os mais preciosos talentos, os mais sublimes pensamentos, as mais generosas e brilhantes ações, não possuem mérito algum para a vida eterna, se não forem vivificados pela graça. Pode admirá-las e aplaudi-las o mundo que passa; não as recebe nem as conta a eternidade, única que permanece. Para que serve, dizia Jesus, verdade infalível, para que serve conquistar o mundo pela força das armas, pelos encantos da eloquência ou pela autoridade do saber, se, não possuindo a minha graça, se é excluído do meu reino, o único que não tem fim?
 Vede, pelo contrário, esse pobre trabalhador que ganha penosamente a vida, essa criada humilde e ignorada do mundo, esse pobre desprezado por todos. A existência vulgar que levam não atrai nem fixa a atenção de ninguém. Mas anima-os a graça de Jesus Cristo; e eis que essas almas deslumbram os Anjos e são para o Pai Eterno, para Deus, para o Ser Infinito, único que subsiste, contínuo objeto de amor; essas almas trazem em si, pela graça, os próprios traços de Jesus Cristo.
 A graça santificante é a fonte primordial da nossa verdadeira grandeza; é ela que confere à nossa vida,  por mais banal e ordinária que pareça, verdadeira nobreza e imperecível esplendor. 
Este dom, porém, é oculto. 
É principalmente no silêncio que se edifica o reino de Deus; é, antes de tudo, interior e escondido no íntimo da alma; Vita vestra est abscondita cum Christo in Deo. A graça possui, é certo, uma virtude que se manifesta quase sempre exteriormente pela irradiação das obras de caridade; o segredo do seu poder é, no entanto, muito íntimo. A verdadeira intensidade da vida cristã reside no fundo do coração, onde habita Deus, adorado e servido na fé, no recolhimento, na humildade, na obediência, na simplicidade, no trabalho e no amor. 
A nossa atividade exterior só possui estabilidade e fecundidade sobrenatural na medida em que se prender a esta vida interior. Irradiaremos verdadeiramente com tanto mais fruto quanto mais ardente for o foco sobrenatural da nossa vida interior.
 Que poderemos fazer de maior na terra do que pro­mover o reino de Jesus Cristo nas almas? Que obra poderá ter o valor desta? Que obra poderá excedê-la? Nisto se resume toda a obra de Jesus e da Igreja.
 Nada conseguiremos, no entanto, se não nos servirmos dos meios empregados pelo nosso divino Chefe. Estejamos bem convencidos de que trabalharemos mais para o bem da Igreja, para a salvação das almas e glória do nosso Pai celeste, procurando antes de tudo permanecer unidos a Deus por uma vida cheia de fé e amor que tenha só a Ele por objeto, do que por uma atividade devoradora e febril, que não nos deixasse tempo nem vagar para encontrar a Deus na solidão, no recolhimento, na oração e no desprendimento de nós mesmos.
 Ora nada favorece tanto esta união intensa da  alma com Deus como a vida oculta. Eis porque as almas interiores, iluminadas por um raio de luz do alto, tanto se comprazem na contemplação da vida de Jesus em Nazaré; nela encontram, com particular encanto, abundantes graças de santidade.

26 de janeiro de 2017

Concerto de Música Sacra - Republicação

Prezados Leitores, Salve Maria!

O Blog São Pio V tem o prazer de disponibilizar, novamente, todos os vídeos gravados no IV Congresso São Pio V do Concerto de Música Sacra da Schola Cantorum - Seminário São Vicente de Paulo - Instituto do Bom Pastor - IBP. Da esquerda para a direita, apresentamos o Padre Pedro Henrique Gubitoso, Padre Tomás Parra e o Padre José Luis Zucchi.

Divulguem o quanto possível umas das riquezas da nossa Santa Igreja Católica Apostólica Romana.


Tesouro de Exemplos - Parte 267

HUMILDADE DE UMA ALUNA

Conta o P. Perardi que, num colégio, no mês de maio, as alunas porfiavam por ver quem oferecia a Nossa Senhora o mais belo ato de humildade. Uma menina, que, por ter recitado uma linda poesia, que todos julgavam ser dela, cheia de confusão, apresentou-se com o livro à professora para dizer-lhe diante de todas as colegas: “Devolvo o prêmio que recebi por engano. A poesia é de meu irmão, e eu a aprendi de cor”.
Não é preciso dizer que ela recebeu de novo o livro como prêmio de sua humildade.

25 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios

III

Até que um dia se realize na sua plenitude a profecia de Simeão, Maria irá desde já participando do sacrifício.
 Brevemente fugirá para o Egito, país desconhecido, para livrar o Filho da cólera do tirano Herodes. 
Ali permanece até que o Anjo ordene a José que volte para a Palestina. A Sagrada Família vai então fixar-se em Nazaré. É ali que, durante trinta anos, decorrerá a existência de Jesus, pelo que mais tarde será chamado «Jesus de Nazaré».
 O Evangelho conservou-nos apenas um traço deste período da vida de Jesus Cristo: Jesus perdido no Templo.
 Conheceis as circunstâncias que levaram a Sagrada Família a Jerusalém. O Menino Jesus completara doze anos. Era a idade em que os jovens israelitas começavam a submeter-se às prescrições da lei mosaica, principalmente à de ir ao Templo três vezes por ano, pelas festas da Páscoa, do Pentecostes e dos Tabernáculos. O nosso divino Salvador, que quisera, pela Sua Circuncisão, submeter-se ao jugo da Lei, dirigiu-se com Maria e Seu Pai adotivo para a cidade santa. Era, sem dúvida, a primeira vez que fazia aquela peregrinação.
 Quando entrou no Templo, ninguém supôs que aquele adolescente fosse o Deus que ali se adorava. Misturado com a turba dos israelitas, Jesus tomava parte nas cerimonias do culto, no canto dos salmos. A sua alma compreendia, como jamais criatura alguma, o significado dos ritos sagrados; saboreava a unção que se desprende do simbolismo dessa liturgia cujos pormenores foram regulados pelo próprio Deus; via a figura de tudo o que se devia cumprir em Sua pessoa; aproveitava a ocasião para oferecer ao Pai, em nome de todos os assistentes e de toda a humanidade, um louvor perfeito. Deus recebia ali homenagens infinitamente dignas d'Ele.
 «No fim da festa, conta o Evangelista, que deve ter ouvido da própria Virgem a narração do fato, o Menino Jesus ficou na cidade, sem que Seus pais dessem por isso». Sabeis que, no tempo da Páscoa, a afluência de judeus era considerável; era uma barafunda de que se não pode fazer ideia. No regresso, as caravanas formavam-se com extrema dificuldade, e só muito mais tarde se estabelecia um pouco de ordem. Além disso, segundo o costume, os adolescentes podiam juntar-se a um ou outro grupo da caravana, como lhes agradasse. Pensava Maria que Jesus estivesse com José. Caminhava pois, entoando hinos sagrados, pensando principalmente no Filho e esperando encontrá-Lo em breve. Mas que dolorosa surpresa, quando, ao juntar-se ao grupo em que se achava José, não encontrou o Menino! «E Jesus »? Tais foram as primeiras palavras dos dois. Onde estava Jesus? Não sabiam. Deus, quando quer conduzir uma alma ao cume da perfeição e da contemplação, fá-la passar por grandes provações. Nosso Senhor o disse: < Quando uma vara unida a mim, que sou a videira, produz fruto, meu Pai a poda »: Ut fructum plus afferat. São duras provações, que consistem principalmente em trevas espirituais, em sentimentos de abandono da parte de Deus, provações pelas quais o Senhor depura a alma, tornando-a digna duma união mais intima e mais elevada.
 É certo que a Virgem Maria não tinha necessidade destas provações. Que ramo foi mais fecundo visto ter dado ao mundo o fruto divino? Mas, ao perder Jesus conheceu os vivos sofrimentos que deviam aumentar a capacidade do seu amor e a extensão dos seus méritos. Dificilmente poderemos avaliar a grandeza daquela aflição; para a conhecer, seria necessário compreender o que era Jesus para Sua Mãe.
 Jesus não tinha dito nada. Maria conhecia-O muito bem para supor que seu Filho se houvesse enganado no caminho. Se tinha abandonado Seus pais, fora propositadamente. Quando voltaria? Tornaria ela a vê-Lo? Em tantos anos que Maria vivera em Na.zaré, ao lado de Jesus, não pudera deixar de sentir que n"El.e havia um mistério inefável. E naquele momento era isso para ela uma fonte de indescritível angústia. 
Urgia procurar o Menino. Que dias! Permitiu Deus que a Virgem permanecesse nas trevas durante aquelas horas de ansiedade. Não sabia onde estava Jesus; não compreendia que Ele a não houvesse prevenido; era imensa a dor que sentia por se ver assim privada d'Aquele que amava ao mesmo tempo como Filho e como Deus.
 Maria e José regressaram a Jerusalém com o cora­ção vivamente inquieto. Diz-nos o Evangelho que O procuraram por toda a parte, junto dos parentes e pessoas conhecidas; mas ninguém vira Jesus. Finalmente, sabeis como, passados três dias, O encontraram no Templo, sentado entre os doutores da Lei.
 Reuniam-se os doutores de Israel numa das salas do Templo para explicar as Sagradas Escrituras. Quem quisesse podia juntar-se ao grupo dos discípulos e ouvintes. Foi o que fez Jesus. Viera para o meio deles, não para ensinar - não soara ainda a hora de se apresentar a todos como o único Senhor que vem revelar os segredos do alto - viera, como outros jovens israelitas, «para ouvir e interrogar». É o próprio texto do Evangelho.
 E qual o fim do Menino Jesus, ao interrogar assim os doutores da Lei? Queria, sem dúvida alguma, esclarecê-los, levá-los, por Suas perguntas e respostas, pelas citações que fazia da Escritura, a falar da vida do Messias, a orientar os seus estudos para esse ponto, de modo que a sua atenção incidisse sobre as circunstâncias da aparição do Salvador prometido. Era, aparentemente, o que o Pai Eterno queria do Seu Filho, a missão que Lhe dava e para a qual O fazia interromper, por um momento, a Sua vida oculta, inteiramente silenciosa. E os doutores de Israel ficaram atônitos com a sabedoria das Suas respostas: Stupebant ... prudentia et responsis ejus .
 Maria e José, todos contentes por encontrar Jesus, aproximaram-se d'Ele, e diz-Lhe a Mãe: <<Ó Filho, por que procedeste assim connosco»? Não é uma censura - a humilde Virgem tinha bastante senso para ousar repreender Aquele que sabia ser o seu Deus. É, sim, o grito dum coração materno. «Eis que o teu pai e eu, cheios de dor - dolentes - andávamos à tua procura». E qual a resposta de Jesus? «Por que me procuráveis? Não sabeis que é meu dever ocupar-me dos negócios do meu Pai? » 
Tais são as primeiras palavras que o Evangelho nos conserva, saídas dos lábios do Verbo Incarnado. Nelas se resume toda a pessoa, toda a obra de Jesus. Traduzem a Sua filiação divina, assinalam a Sua missão sobrenatural; e toda a existência do Salvador lhes servirá de luminoso e magnífico comentário.
 Contêm também para as nossas almas precioso ensinamento. Tenho-vos dito repetidas vezes: há em Jesus Cristo duas gerações; é Filius Dei e Filius hominis.
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 Enquanto <
Pelas palavras que então pronunciou, quer Jesus Cristo mostrar-nos que, quando Deus nos pede o cumprimento da Sua vontade, nenhuma consideração humana nos deve deter. Nessas ocasiões é preciso .dizer: <
 S. Lucas, que, sem dúvida, recolhera da própria Virgem esta humilde confissão, diz-nos que Maria «não compreendeu a profundeza daquelas palavras». Bem sabia que seu divino Filho só podia proceder dum modo perfeito; porque não a prevenira então? Não percebia as relações entre a ação de Jesus e os interesses do Seu Pai. Como é que o procedimento de Jesus entrava no programa de salvação, cuja execução o Pai celeste Lhe havia confiado? Também isto lhe escapava.
 Se não atingiu, porém, desde logo, todo o alcance do ato do Salvador, não duvidava de que Jesus fosse o Filho de Deus. Eis porque se submetia em silêncio a essa vontade divina que reclamava do seu amor tal sacrifício. <

24 de janeiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 265 a 266


PARA SER SANTO É PRECISO SER HUMILDE

1. Os monges apresentaram ao Abade S. Pacômio um peregrino que era tido por. santo. O abade, depois da ceia, falou a toda a comunidade reunida sobre as vantagens e os inconvenientes da vida dos peregrinos e citou aquelas palavras: “Qui multum peregrinantur, raro sanctificantur”. E, observando o peregrino, notou-lhe no rosto e nos olhares iracundos, que lhe dirigia, o mau efeito que causavam ao suposto santo as suas palavras. Chamando-o de parte, disse-lhe: Meu amigo, donde lhe vem tanto aborrecimento? Antes, todos os monges o tinham por santo e, agora, se vê que o senhor está longe da santidade, pois falta-lhe a humildade para sofrer com paciência as injúrias”.

2. S. João de Deus, em outubro de 1537, após uma longa ausência, apareceu em Granada, onde era muito conhecido, com um feixe de lenha, que queria vender para matar a fome. Temeu, porém, que, ao vê-lo entrar com aquele traje e aquela carga, todos o tivessem por louco, como já acontecerá em outra ocasião. E sentiu respeito humano. Mas, quando se deu conta disso, dizia a si mesmo: “É assim, asno e cobarde, que a vergonha te impediu de entrar na cidade com esta lenha? Eu castigarei teu orgulho: Levarás o teu feixe até o meio da praça pública, à presença de todos aqueles que hão de reconhecer-te".
E assim o fez e repetiu durante vários dias. Vale o que diz S. Afonso: “Tem mais valor um ato de humildade que todas as riquezas do mundo”.

23 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I I 

Maria há-de compreender esta prece, pois se associou intimamente a Jesus na obra da nossa Redenção.
 Oito dias depois do nascimento do seu Filho, fá-Lo circuncidar, segundo a lei judaica; dá-Lhe então o nome indicado pelo Anjo, o nome de Jesus, que marca a Sua missão salvadora e a Sua obra de redenção.
 Passados quarenta dias, a Virgem associa-se mais direta e profundamente ainda à obra da nossa salvação, apresentando-O no Templo. Foi ela a primeira que ofereceu ao Pai Eterno o seu Divino Filho. Depois da oblação que Jesus, Pontífice supremo, fez de si mesmo logo na Incarnação, e que deverá acabar no Calvário, a oferta de Maria é a mais perfeita. Está fora de todos os atos sacerdotais dos homens: excede-os até, porque Maria é a Mãe de Jesus Cristo, ao passo que os homens são apenas Seus ministros.
 Contemplemos Maria neste ato solene da Apresentação do seu Filho no Templo de Jerusalém. Todo o magnífico e minucioso cerimonial do Antigo Testamento convergia para Jesus Cristo; tudo nele era um símbolo obscuro que devia encontrar a realidade perfeita na Nova Aliança.
 Sabeis que, entre as prescrições rituais a que estavam sujeitas as mulheres judias, ao ser mães, havia a de se apresentarem no Templo algumas semanas depois do parto. A mãe devia purificar-se da mancha legal que contraía pelo nascimento do filho, em consequência do pecado original; além disso, se o filho fosse primogênito e do sexo masculino, devia apresentá-lo ao Senhor para Lhe ser consagrado, como a Senhor Soberano de toda a criatura: Omne masculinum adaparíens vulvam sanctum Domino vocabitur. Contudo, podia ser resgatado mediante uma oferta mais ou menos considerável - cordeiro ou casal de rolas - segundo as posses da família.
 Claro está que estas prescrições nem eram obrigatórias para Maria nem para Jesus. Ele era o Supremo Legislador de todo o ritual judaico; miraculosa e virginal fora a Sua conceição; absolutamente puro o Seu nascimento: Quod nascetur ex te SANCTUM, vocabitur Filius Dei. Não era,  portanto, necessário consagrá-Lo ao Senhor, pois era o próprio Filho de Deus; não era de forma alguma requerido que Aquela que concebera do Espírito Santo e permanecera Virgem se sujeitasse à purificação.
 Maria, porém, guiada pelo próprio Espírito Santo, que é o Espírito de Jesus, estava em perfeita conformidade de sentimentos com a alma do seu Filho. <<Ó Pai, dissera Jesus ao entrar neste mundo, não queres mais oblações nem holocaustos; são insuficientes para satisfazer a Tua adorável justiça e resgatar o homem pecador; deste-me, porém, um corpo para Te ser imolado; eis-me aqui, quero em tudo cumprir a Tua vontade»: Ecce venio. E que disse a Virgem? «Eis aqui a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a vossa palavra»: Ecce ancílla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum. Eis porque Maria quis cumprir esta cerimônia, mostrando assim quão profunda era a sua submissão. Com José, seu esposo, vai então apresentar Jesus, seu primogênito - Primogenitum suum - que continuará a ser seu Filho único, mas que deve tornar-se «o primogênito duma multidão de irmãos», que pela graça Lhe serão semelhantes: Primpgenitus in multis fratribus .
 Ao meditar este mistério, somos forçados a dizer: «Vós sois um Deus oculto, ó Salvador do mundo»! Deus absconditus, Deus Israel Salvator. Jesus Cristo entrava nesse dia, pela primeira vez, no Templo, e era no Seu templo que entrava. Esse santuário maravilhoso, que causava a admiração das nações e o orgulho de Israel, no qual se realizavam todos os ritos religiosos e os sacrifícios cujo cerimonial tinha sido regulado pelo próprio Deus, esse santuário pertencia-Lhe: porque esse Menino, apresentado por uma jovem Virgem, era o Rei dos reis e o soberano Senhor: Veniet ad templum SUUM Dominator. E como vem Ele? No esplendor da Sua majestade? Como Aquele a quem são devidas todas as oferendas? Não; vem absolutamente oculto.
 Ouvi a narração do Evangelho. Nas imediações do edifício sagrado, devia estar uma multidão tumultuosa: negociantes, levitas, sacerdotes, doutores da Lei. Pelo meio da multidão passa despercebido um pequeno grupo; são pobres, pois não levam o cordeiro, oferta dos ricos; levam apenas duas pombas, sacrifício dos indigentes. Ninguém dá por eles, pois não levam nenhum séquito; os grandes, os soberbos de entre os judeus, nem sequer olham para eles, e é necessário que o Espírito Santo ilumine o velho Simeão e a profetiza Ana para que reconheçam o Messias. Aquele que é o «Salvador prometido ao mundo, a luz que deve brilhar diante de todas as nações» - Salutare tuum quod parasti ante faciem omnium populorum - vem ao Seu Templo como um Deus escondido: Vere Deus absconditus.
 De resto, nada exteriormente revelava os sentimentos da alma santa de Jesus; a luz da Sua Divindade permanecia oculta, velada; mas, aqui no Templo, renovava a oblação que fizera de Si mesmo ao Pai para ser «coisa Sua», pertencer-Lhe de pleno direito: Sanctum Domino vocabitur. Era como o ofertório do que se devia consumar no Calvário. 
Por isso, esse ato foi em extremo agradável  ao Pai. Aos olhos dos profanos, nada havia de particular nessa ação tão simples, que todas as mães judias cumpriam. Deus, porém, recebeu nesse dia glória maior do que todas as que recebera até então nesse Templo, por todos os sacrifícios e holocaustos da Antiga Lei. Por que assim? Porque nesse dia é o Seu Filho Jesus que Lhe é oferecido e Lhe oferece Ele próprio homenagens infinitas de adoração, de ação de graças, de expiação e de súplica. É um dom digno de Deus. O Pai celeste deve ter recebido com uma alegria incomensurável essa oferenda sagrada, e toda a corte celeste deve ter fixado os olhares extasiados nessa oblação única. Doravante já não são precisos holocaustos nem sacrifícios animais: acaba de ser oferecida a Deus a única vítima digna d Ele. 
E é pelas mãos da Virgem, da Virgem cheia de graça, que Lhe é apresentada essa oblação tão agradável. Iluminada pelo Espírito Santo, a alma de Maria compreendia o valor da oferenda que fazia a Deus naquele momento; a sua fé era perfeita; pelas Suas inspirações, o Espírito Santo harmonizava a alma da Mãe com as disposições interiores do Coração do seu divino Filho.
 Assim como, em nome da humanidade, dera o seu consentimento, quando o Anjo anunciara o mistério da Incarnação, assim também nesse dia oferecia Maria a Jesus em nome da raça humana. Sabe que o seu Filho é o «Rei de glória, a nova luz gerada antes da aurora, o Senhor da vida e da morte ». Eis porque O apresenta a Deus para nos alcançar todas as graças de salvação que o Seu Filho deve, segundo a promessa do Anjo, trazer ao mundo: lpsa enim portat Regem gloriae novi luminis; subsístít Virgo adducens maníbus Filium ante luciferum genitum. 
Não esqueçais igualmente que Aquele que Maria assim oferece é o Seu próprio  Filho, que trouxe em seu seio virginal e fecundo. Que sacerdote, que Santo pôde jamais apresentar a Deus a oblação eucarística em tão estreita união com a divina Vítima, como a da Virgem naquele instante? Não só ela estava unida a Jesus por sentimentos de fé e de amor como também nós podemos estar, posto que em grau infinitamente inferior, mas ainda o laço que a unia a Jesus era único: o Salvador era o próprio fruto das suas entranhas. Eis porque, desde o dia em que apresentou Jesus como as primícias do futuro sacrifício, Maria tem parte tão preponderante na obra de nossa Redenção.
 E vede como, desde aquele instante também, Jesus Cristo quer associar Sua divina Mãe à Sua qualidade de Vítima.
 Guiado pelo Espírito Santo, eis que se aproxima o velho Simeão: Et Spiritus sanctus erat in eo ... et venit in Spíritu in templum. Reconhece naquele Menino o Salvador do mundo; toma-O nos braços e entoa cânticos de alegria por ter visto enfim com os seus olhos o Messias prometido. Depois de haver exaltado «a luz que se deve manifestar um dia a todas as nações >>, entrega Jesus a sua Mãe e, dirigindo-se a ela, diz-lhe:« Este menino está predestinado para ruína e ressurreição de muitos em Israel. Será um sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma ». Era o anúncio velado do sacrifício sangrento do Calvário.
 Nada nos diz o Evangelho dos sentimentos que esta predição despertou no coração puríssimo da Virgem. Poderemos porventura supor que se tenha apagado da sua memória? S. Lucas vai  nos revelar mais tarde, a pro­pósito doutros acontecimentos, que Maria « conservava em seu coração todas estas coisas»: Mater ejus conservabat omnia verba haec in corde suo. Não se poderá dizer o mesmo daquela cena tão inesperada para ela? Sim, Maria guardava a lembrança daquelas palavras misteriosamente terríveis para o seu coração materno; desde então e para sempre lhe trespassaram a alma. A Virgem aceitou, porém, em perfeita harmonia com os sentimentos do coração de seu Filho, associar-se de perto e tão plenamente ao sacrifício divino. Vê-la-emos um dia, consumar, com Jesus, a sua oblação, na montanha do Gólgota; contemplá-la-emos de pé - Stabat mater ejus - a oferecer ainda o seu Filho, fruto das suas entranhas, para nossa salvação, como o fizera trinta e três anos antes no Templo de Jerusalém.
 Agradeçamos à Virgem Maria o ter apresentado por nós o seu divino Filho; tributemos fervorosas ações de graças ao próprio Jesus, por se ter oferecido ao Pai pela nossa salvação.
 Na Santa Missa, Jesus Cristo oferece-se novamente: apresentemo-Lo ao Pai; unamo-nos a Ele, com disposições de perfeita submissão à vontade do Pai celeste; unamo-nos à fé tão profunda da Virgem; é «por essa fé verdadeira e esse amor cheio de fidelidade » - Te veracitet agnoscamus et fideliter diligamus - que as nossas oferendas merecerão ser agradáveis a Deus»: Oculis tuae majestatis digna sint munera. 

22 de janeiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 262 a 264

A FORTALEZA, VIRTUDE DOS MÁRTIRES

1. O P. De Tena, velho e doente, só podia andar com o auxílio de uma bengala, por causa do reumatismo. Foi levado pelos vermelhos a Madrid, em 1936. Estando diante do tribunal, quiseram faze-lo apostatar. Dizem-lhe:
— Jure que Deus não existe.
— Existe, sim e as provas são estas. — E começou a aduzir provas da existência de Deus.
Com modos ainda piores urgem com ele para que apostate.
— Como hei de negar a Deus, que neste momento nos está vendo?
Um deles, o chefe, levanta-se bruscamente, encosta-lhe o revólver ao peito e grita:
— Negue que Deus existe, ou eu mato-o.
O Padre, com dificuldade, pôs-se em pé, e meio apoiado à mesa, disse com voz firme: “Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra!”
O verdugo, desarmado diante de tanta coragem, larga o revólver na mesa, na qual dá um murro, dizendo:
— Não posso matar este homem.

2. O governador de uma cidade do Japão, não longe de Omura, fizera comparecer à sua presença um "grande número de cristãos. Ameaçava-os com os mais espantosos suplícios se persistissem em desobedecer aos editos do imperador. O mais jovem do grupo tomou a palavra e deu a entender ao governador que eles, os cristãos, desprezavam todas as ameaças. O juiz, indignado com a coragem daquele jovem, mandou vir um braseiro aceso, e, dirigindo-se a ele, disse:
— Vou confundir a tua presunção. Serás capaz de conservar a extremidade de um dedo metida neste braseiro durante um pequeno espaço de tempo? E se não fores, como poderás deixar-te queimar vivo ao fogo lento?
O jovem, sem dizer palavra, adiantou-se imediatamente e introduziu um dedo no braseiro, deixando-o queimar com a mesma naturalidade como se o tivesse mergulhado em água morna. O governador, fora de si pelo assombro, não conseguía proferir nem urna palavra. Levantou-se e, abraçando o generoso cristão, deixou-os todos em liberdade para continuarem professando a religião que quisessem.

3. Pedro Riu era menino de treze anos, filho do mártir Agostinho Riu, da Coréia. Desejoso de imitar a fortaleza do pai, apareceu diante do tribunal e disse:
— Eu também sou cristão.
Levado a juízo, confessou sua fé com animo tranquilo, tanto que um dos verdugos, admirado de sua imperturbalidade, enterrou-lhe na carne seu cachimbo de metal feito brasa, arrancando-lhe um pedaço de carne.
— Continuarás sendo cristão? — perguntou-lhe.
— Certamente — respondeu. — Pensas que por isto vou renunciar a Jesus Cristo?
O pagão, cheio de ira, tomou com umas tenazes uma brasa e com voz ameaçadora, disse-lhe:
— Abre a boca!
— Está aberta — replicou o mártir, abrindo-a quanto podia.
O verdugo ficou um momento atônito, mas logo reagiu e introduziu-lhe na boca o carvão incandescente, retirando-o depois quase apagado.
Catorze vezes foi o menino submetido a essa tortura, recebeu seiscentos açoites; aplicada a parte inferior de seu corpo a uma máquina torturadora, foram-lhe arrancados, as pernas e coxas, pedaços de carne, que o pequeno mártir, tomava nas próprias mãos e atirava-os com desprezo ao mandarim. Afinal, morreu estrangulado. Isto aconteceu na perseguição dos Bóxeres em 1900.

21 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.


Para que a permuta que Deus queria fazer com a humanidade fosse possível, era necessário que esta consentisse. É a condição posta pela Sabedoria infinita.
 Transportemo-nos a Nazaré. Soou a plenitude dos tempos; Deus resolveu, diz S. Paulo, enviar Seu Filho ao mundo, fazendo-O nascer duma mulher. O Arcanjo Gabriel, mensageiro divino, apresenta à Virgem as propostas celestes. Inicia-se um diálogo sublime, em que vai decidir-se a libertação do gênero humano. O Anjo saúda Maria proclamando-a, da parte de Deus, «cheia de graça»: Ave, gratia plena. Com efeito, não só ela é imaculada, pois nódoa alguma lhe manchou a alma - a Igreja definiu que era a única entre as criaturas não atingida pela culpa original - , mas ainda, predestinada a ser a Mãe de Seu Filho, o Pai Eterno cumulou-a de dons. É cheia de graça, não, sem dúvida, como o será Jesus Cristo, - plenum gratiae. Ele é-o por direito e pela própria plenitude divina: Maria tudo recebe por participação, numa medida, porém, que se não pode fixar e que está em correlação com a sua eminente dignidade de Mãe de Deus. «Eis, diz o Anjo, que conceberás um Filho, dar-lhe-ás o nome de Jesus ... será chamado Filho do Altíssimo; reinará, e o Seu reino não terá fim». «Como poderá ser isso, replica Maria, se não conheço homem algum»? É que ela quer conservar a sua virgindade. - «0 Espírito Santo descerá sobre ti; cobrir-te-á com a virtude do Altíssimo; por isso, o fruto bendito que nascerá de ti será chamado o Filho de Deus». «Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra»; Ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum.
 Neste instante solene conclui-se a permuta; quando a Virgem pronunciou o seu fiat, a humanidade inteira disse a Deus pelos seus lábios: «Sim, ó Deus, aceito; assim seja»! E imediatamente o Verbo se fez carne: Et Verbum caro factum est. Nesse momento, o Verbo incarna em Maria, por obra do Espírito Santo: o seio da Virgem torna-se a arca da nova aliança entre Deus e os homens.
 A Igreja, ao cantar no Credo as palavras que recordam estes mistérios - Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine, et homo factus est, - obriga os seus ministros a dobrar os joelhos em sinal de adoração. Adoremos nós também esse Verbo divino, que se fez homem por nós no seio duma virgem; adoremo-Lo com um amor tanto maior quanto mais Ele se abate, como diz S. Paulo, tomando «a condição de criatura»: Farmam servi accipiens. Adoremo-Lo em união com 'Maria, que, iluminada pela luz do alto, se prostrou diante do seu Criador feito seu Filho; adoremo-Lo com os Anjos, admirados dessa condescendência infinita para com a humanidade.
 Saudemos depois a Virgem Maria; agradeçamos-lhe haver-nos dado Jesus, pois O devemos ao seu consentimento: Per quam meruimus auctorem vitae.  Juntemos a tudo isto as nossas felicitações. Vede como o próprio Espírito Santo, pela boca de Isabel - Et repleta est Spiritu sancto Elisabeth -, saudava a Virgem depois da Incarnação: «Bendita sejas entre todas as mulheres e bendito seja o fruto do teu ventre! Feliz de ti por teres acreditado no cumprimento das coisas que te foram ditas da parte do Senhor»!  Feliz, porque essa fé na palavra de Deus fez da Virgem a Mãe de Jesus Cristo. Onde encontrar uma simples criatura que tenha recebido do Ser infinito louvores semelhantes?
 Maria refere ao Senhor toda a glória das maravilhas que nela se operam. Desde o instante em que o Filho de Deus incarnou em seu seio, a Virgem entoa em seu coração um cântico de amor e de reconhecimento. Junto da sua prima Isabel, deixa transbordar os sentimentos íntimos da sua alma: canta o Magnificat que, através dos séculos, seus filhos repetirão, para louvar a Deus por a ter escolhido entre todas as mulheres: «Minha alma glorifica ao Senhor e meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador, porque Ele olhou para a pequenez da sua serva ... pois foi o Omnipotente quem operou .em mim tão grandes coisas»: Magnificat anima mea Dominum: quia fecit mihi magna qui potens est.
 Achava-se Maria em Belém para o recenseamento ordenado por César, quando, diz S. Lucas, «soou para ela o momento de dar à luz. E deu à luz o seu Filho primogênito. Envolveu-O em panos e deitou-O num presépio, porque não havia lugar na estalagem». Quem é esse menino? É o Filho de Maria, pois é dela que acaba de nascer: Primogenitum suum.
 A Virgem, porém, vê nesse Menino, em tudo semelhante aos outros, o próprio Filho de Deus. A alma de Maria estava possuída duma fé imensa que encerrava em si e ultrapassava toda a fé dos justos do Antigo Testamento. Por isso, reconhece em seu Filho o seu Deus.
 Esta fé traduz-se exteriormente por um ato de adoração. Logo que olhou pela primeira vez para Jesus, a Virgem prostrou-se interiormente numa adoração cuja profundidade nos não é dado sondar.
 A tão viva fé e a tão profundas adorações vinham juntar-se transportes de amor incomensurável.
 Em primeiro lugar, o amor humano. Deus é amor; e para podermos fazer dele uma ideia, concede às mães uma participação desse amor. O coração materno, com a sua incansável ternura, constância das suas solicitudes, inesgotáveis delicadezas da sua afeição, são uma criação verdadeiramente divina, embora Deus nela haja acendido apenas uma centelha do Seu amor por nós. Contudo, por mais imperfeitamente que um coração de mãe reverbere o amor divino para conosco, Deus dá-nos as nossas mães para O substituir, para assim dizer, junto de nós; coloca-as ao nosso lado, desde o berço, para nos guiarem, para nos guardarem, principalmente nesses primeiros anos em que tanta necessidade temos de ternura.
 Imaginai, pois, com que predileção a Santíssima Trindade moldou o coração da Virgem, eleita para ser a Mãe do Verbo Incarnado. Deus derramou em abundância o amor no coração de Maria, formando-o  expressamente para amar um Homem Deus.
 No coração da Virgem reunia-se, em perfeita harmonia, a adoração de criatura para com o seu Deus e o amor de mãe para com o seu Filho único.
 O amor sobrenatural de Maria não é menos admirável. Sabeis que o amor de uma alma para com Deus se avalia pelo grau da graça. O que impede em nós o desenvolvimento da graça e do amor? São os nossos pecados, as nossas faltas deliberadas, as nossas infidelidades voluntárias e o nosso apego às criaturas. Cada culpa voluntária comprime o coração, firma o egoísmo. A alma da Virgem é, porém, perfeitamente pura; pecado algum a maculou, nem uma sombra do erro a tocou; é cheia de graça- Gratia plena. Em vez de encontrar nela o menor obstáculo ao desenvolvimento da graça, o Espírito Santo achou sempre no coração de Maria a mais admirável docilidade às Suas inspirações. Eis porque esse coração é inteiramente dilatado pelo amor.
 Qual não devia ter sido a alegria da alma de Jesus ao sentir-se tão amado por Sua Mãe! Depois da alegria incompreensível que Lhe vinha da visão beatífica e do olhar de infinita complacência com que O contemplava o Pai celeste, nada O deve ter alegrado tanto como o amor de Maria. Nele encontrava Jesus uma compensação superabundante à indiferença dos que O não queriam receber; no coração da Virgem achava um foco de amor sempre aceso, que Ele próprio avivava com os Seus divinos olhares e com a graça interior do Seu Espírito.
 Produziam-se entre essas duas almas permutas incessantes, que fomentavam a sua união; de Jesus para Maria havia doações tais, de Maria para Jesus tal correspondência, que, depois da união das pessoas divinas na Santíssima Trindade e da união hipostática da Incarnação, nada maior nem mais profundo se pode conceber.
 Aproximemo-nos de Maria com uma confiança humilde, absoluta. Se seu Filho é o Salvador do mundo, ela toma grande parte na Sua missão e, por isso, partilha do seu amor pelos pecadores. Ó Mãe de Jesus, cantaremos com a Igreja, «vós que concebestes o vosso Criador, permanecendo Virgem, socorrei esta raça decaída que vosso Filho vem levantar assumindo a nossa natureza humana»: Alma Redemptoris mater ... succurre cadenti surgere qui curat populo: «tende piedade dos pecadores» que vosso Filho vem resgatar: Peccatorum miserere; porque é por amor de nós, ó Maria, para nos salvar, que o Verbo se dignou descer dos esplendores eternos ao vosso seio virginal. 

20 de janeiro de 2017

Sermão para a Solenidade Externa da Epifania – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Os bens do matrimônio e os três presentes dos reis magos


 Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
A Festa da Epifania é Festa importantíssima. Na Epifania, pouco depois do nascimento do Salvador, nós vemos esses três reis pagãos, irem até Belém para adorar o Menino Deus. Eles significam a vocação dos pagãos, são as primícias dos pagãos que se converterão a Jesus Cristo. Esses três reis reconheciam o Menino Jesus como rei, como Deus e como homem. Assim, levaram ouro, que é o presente dado aos reis. Ouro que é o metal mais precioso e que não se corrompe. Levaram incenso que é oferecido somente a Deus. Na antiguidade, quando queriam que os cristãos negassem o Deus único e verdadeiro, uno e trino, tentavam fazer que eles oferecessem ao menos um grão de incenso aos deuses pagãos, falsos deuses. Oferecer o incenso é um ato de latria, quer dizer, de adoração, o que se pode fazer somente a Deus. Levaram mirra, que serve para embalsamar o corpo e que tem um gosto amargo. Significa o sofrimento e a morte, quer dizer, significa que Jesus Cristo vai sofrer e morrer, que Ele é homem, portanto. Já temos uma bela confissão de fé feita por esses três reis pagãos e logo no início do Evangelho: Cristo é Rei, Deus e homem. A Epifania era a festa mais expressiva da Realeza de Cristo, antes de ser criada a Festa de Cristo Rei. Na Epifania e nos acontecimentos que a circundam, vemos como todos reconhecem que o Menino que nasceu é Rei. Os magos perguntam a Herodes onde está o rei dos judeus, que nasceu. Herodes não contesta isso. Ao contrário, tanto acredita que vai procurar matar o Menino Jesus depois, com medo de perder o seu reinado terrestre, já que não entendeu que o reinado de Cristo é espiritual em primeiro lugar. E toda a cidade se perturbou junto com Herodes diante de tal pergunta, mas ninguém parece ter negado a realeza de Cristo. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo também não questionam. Ao contrário, dizem que ele deve nascer em Belém. Todos afirmam a realeza de Cristo. Os três reis magos vêm para adorar o rei dos judeus. Como dissemos, o ouro significa a realeza de Cristo. Mas os outros dois presentes indicam também a realeza de Cristo, pois mostram a causa dessa realeza: Cristo é rei porque é Deus e Cristo é rei porque adquiriu domínio sobre nós com sua morte na cruz.
Hoje, esse primeiro domingo depois da Epifania (Festa da Epifania que é no dia 6), é dedicado à Sagrada Família. Nós podemos fazer um paralelo entre os dons dos reis magos e os bens do matrimônio. Os reis magos oferecem ouro, incenso, mirra, três bens que receberam de Deus e que oferecem de volta a Deus. No matrimônio, os esposos recebem de Deus três bens: a fidelidade conjugal, a indissolubilidade e os filhos. A fidelidade conjugal é como o ouro, pois permite que a união conjugal persevere intacta ao longo dos anos, das décadas. Como o ouro verdadeiro brilha de modo claro, a fidelidade conjugal faz resplandecer a beleza do matrimônio. A fidelidade é um tesouro preciosíssimo, que deve ser guardado e incrementado com todo o zelo. O ouro serve como base e medida para outras riquezas. Assim, a fidelidade conjugal é muitas vezes a base para a felicidade no lar, pois é ela que gera e favorece a confiança, é ela que permite o desenvolvimento da estima e o aperfeiçoamento do amor conjugal. O ouro para conservar sua beleza e esplendor deve ser puro. A fidelidade conjugal para dar todos os seus frutos deve ser inteira, em tudo, nos pensamentos, nos olhares… Em tudo se deve guardar a mais pura fidelidade no matrimônio. Esse é um bem que os esposos receberam no matrimônio e que devem oferecer a Jesus.
O segundo bem do matrimônio é a indissolubilidade, significada pelo incenso. A indissolubilidade permite que os cônjuges realmente se apoiem um no outro, com a certeza de que não serão abandonados nas dificuldades. E ela permite a devida educação dos filhos, com um pai e uma mãe, cada uma fazendo a parte que lhe cabe na educação da criança e do jovem. A indissolubilidade no matrimônio deve ser reflexo da união indissolúvel entre Cristo e a Igreja. Cristo tem uma só Igreja e isso até o fim do mundo. A marido tem uma só esposa e a esposa um só marido e isso até que a morte os separe. Mas por que razão a indissolubilidade pode ser associada ao incenso? Precisamente porque ela é reflexo da união entre Cristo e a Igreja. A indissolubilidade mais claramente expressa o caráter sobrenatural da união matrimonial e o seu caráter sacramental junto com as graças associadas ao sacramento. O incenso significa a divindade de Cristo. A indissolubilidade lembra que a união estre os esposos é reflexo da união entre Cristo e a Igreja, lembra que se trata de um sacramento, de algo instituído por Deus, e lembra aos esposos o dever de fidelidade à graça e de pedir a Deus as graças necessárias para o matrimônio.
O terceiro bem do matrimônio é a prole, os filhos. A mirra como dissemos, por seu relativo amargor, representa o sofrimento, o sacrifício de Cristo. A obra de gerar e de educar os filhos envolve sofrimento e sacrifícios. Na geração dos filhos, os esposos se associam a Deus criador. Na educação dos filhos, eles se associam a Deus redentor. E a redenção se faz com sacrifício. Todavia, além do amargor, a mirra tem um cheiro agradável e serve para preservar o corpo dos mortos da corrupção. Gerar e educar os filhos exige sacrifícios, mas é também uma grande alegria. Nosso Senhor sofreu e morreu para ressuscitar. Pelos sacrifícios na geração e educação dos filhos, os pais preparam, para os filhos e para si mesmos, a felicidade eterna no céu e a felicidade possível já aqui nesse mundo.
Enumeramos aqui esses três bens do matrimônio sem pretender colocá-los em ordem, mas seguindo a ordem mais comum dos presentes trazidos pelos reis magos: ouro, incenso e mirra. A ordem dos bens do matrimônio é: filhos, fidelidade e indissolubilidade.
Que três bens esplêndidos esses do matrimônio – filhos, fidelidade, indissolubilidade – que Deus deu aos esposos e que os esposos devem oferecer de volta a Deus.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

19 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IX 

INFÂNCIA E VIDA OCULTA
(Tempo depois da Epifania) 

 O MISTÉRIO da Incarnação pode resumir-se numa permuta, em tudo admirável, entre a Divindade e a nossa humanidade. Em troca da natureza humana, que toma de nós, faz-nos o Verbo Eterno participar da vida divina. 
Deve notar-se, com efeito, que somos nós quem dá ao Verbo uma natureza humana. Deus poderia ter produzido, para a unir a Seu Filho, uma humanidade já de todo perfeita no seu organismo, como foi Adão no dia da sua criação. Jesus Cristo teria sido verdadeiramente homem, pois nada do que constitui a essência dum homem Lhe teria sido estranho;  mas, não se prendendo a nós dum modo direto, por um nascimento humano, não teria sido propriamente da nossa raça.
 Não quis Deus proceder assim. Qual foi o desígnio da infinita sabedoria? Que o Verbo tomasse de nós a humanidade que devia unir a si. Jesus Cristo será assim verdadeiramente o «Filho do Homem»; será membro da nossa raça: Factum ex muliere ... ex semine David. Ao celebrarmos no Natal o nascimento de Jesus Cristo, remontamos os séculos para neles lermos a lista dos seus antepassados; percorremos a Sua genealogia humana; e, recordando as gerações sucessivas, vemo-Lo nascer na tribo de David, da Virgem Maria: De qua natus est Jesus qui vocatur Chtistus.
 Deus quis, para assim dizer, mendigar à nossa raça a natureza humana que destinava a Seu Filho, para nos fazer, em compensação, participar da Sua Divindade: O admitabile commercium!
 Como sabeis, por Sua natureza, Deus é levado a uma infinita generosidade; é da essência do bem o difundir-se: Bonum est diffusivum sui. Se há uma bondade infinita, é forçosamente inclinada a dar-se infinitamente. Deus é essa bondade sem limites;  ensina-nos a Revelação que há entre as pessoas divinas, do Pai para o Filho, do Pai e do Filho para o Espírito Santo, comunicações infinitas, que esgotam em Deus essa tendência natural do Seu ser para se expandir.
 Mas, além desta comunicação natural da bondade infinita, há outra, que brota do Seu livre amor para com a criatura. A plenitude do Ser e do Bem, que é Deus, transbordou por amor. E como pôde isto realizar-se? Deus quis, antes de tudo, dar-se dum modo inteiramente particular a uma criatura, unindo-a ao Seu Verbo por uma união pessoal. Este dom divino a uma criatura é único: faz dessa criatura, eleita pela Santíssima Trindade, o próprio Filho de Deus: Filius meus es tu: ego hodie genui te. E Jesus Cristo é o Verbo unido pessoal e indissoluvelmente a uma Humanidade, em tudo semelhante à nossa, exceto no pecado. 
É a nós que é pedida essa Humanidade: «Cedei-me para meu Filho a vossa natureza», parece dizer-nos o Pai Eterno, «e Eu, em troca, dar-vos-ei, primeiro a essa natureza e, por ela, a todos os homens de boa vontade, uma participação da minha Divindade».
 É que Deus só se comunica assim a Jesus Cristo para se entregar por Ele a todos nós: o plano divino é que Jesus Cristo receba a Divindade na Sua plenitude e que nós, por nossa vez, tenhamos parte nessa plenitude: De plenitudíne ejus nos omnes accepimus . 
Tal é a comunicação da bondade de Deus ao mundo: Sic Deus DILEXIT mundum, ut Filium suum Unigenitum DARET. Eis a ordem admirável que preside à não menos admirável permuta entre Deus e a humanidade. 
Mas a quem, em particular, escolherá Deus para dar à luz essa Humanidade, a que se quer tão estreitamente unir para fazer dela o instrumento de Suas graças ao mundo? 
Já nomeamos essa criatura que todas as gerações proclamarão bem aventurada; a genealogia humana de Jesus termina em Maria, Virgem de Nazaré. A ela, e por ela a nós, o Verbo pediu uma natureza humana, e Maria deu-Lha; eis porque, doravante, a veremos inseparável de Jesus Cristo e dos Seus mistérios; encontrá-la-e-mos sempre onde estiver Jesus; é tanto seu Filho como o é de Deus. Entretanto, se Jesus conserva sempre a Sua qualidade de Filho da Virgem, é principalmente nos mistérios da infância e da vida oculta que se revela sob este aspecto; se, em toda a parte, Maria ocupa um lugar único, é nestes mistérios que mais ativo se manifesta exteriormente o seu papel, e é sobretudo nestes momentos que devemos contemplá-la, porque é então que resplandece com mais brilho a maternidade divina; e vós sabeis que esta dignidade incomparável é a fonte de todos os outros privilégios da Virgem.
 Os que a não conhecem, os que não têm pela Mãe de Jesus um verdadeiro amor arriscam-se a não compreender, com fruto, os mistérios da Humanidade de Jesus Cristo. Ele é Filho do homem, como é Filho de Deus; estes dois caracteres são-Lhe essenciais: se é Filho de Deus por inefável geração eterna, tornou-se Filho do homem nascendo da Virgem no tempo.
 Contemplemos, pois, Maria ao lado de seu Filho; em paga, ela nos alcançará a mercê de penetrarmos ainda mais na compreensão desses mistérios de Jesus Cristo, a que está tão estreitamente unida. 

18 de janeiro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 261

AS PEQUENAS VIRTUDES

O famoso artista Miguel Angelo não se cansava de retocar suas obras. Tinha um amigo que o visitava com freqüência, mas, em certa ocasião, por várias semanas, deixou de o fazer. Quando voltou à oficina, disse ao mestre:
— Como? não fizeste nada desde que estive aqui?
— Sim, por certo, — respondeu o pintor.; — trabalhei todos os dias; fiz os lábios e a boca mais expressivos, o rosto mais suave, melhorei o trabalho das veias e o contorno da espádua, e outros muitos pormenores que seria longo enumerar.
— Tudo isso não passa de pequenezas.
— Certamente — respondeu Miguel Angelo; — mas nessas pequenezas está a perfeição da imagem.
O mesmo se pode dizer da virtude. S. Agostinho dizia: “Se queres conseguir as coisas grandes, começa pelas pequenas”.
Alguém escreveu: “As virtudes mais importantes e mais sólidas são as de microscópio, imperceptíveis para os olhos do mundo e fundamento da vida espiritual, como as células são o fundamento da vida do organismo”

17 de janeiro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV 

Sigamos agora os Magos até Belém: é ai, principalmente, que os veremos manifestar a mais profunda fé.
 Guia-os a maravilhosa estrela ao lugar onde deviam finalmente encontrar Aquele que há tanto procuravam. E que encontraram eles? Um palácio, um berço real,  um longo séquito de lacaios submissos? Não; apenas um humilde casal de operários. Buscam um rei, um Deus, e vêem apenas uma criancinha no colo da mãe; e nem ao menos uma criança transfigurada pelos raios divinos, como sucedeu mais tarde, diante dos Apóstolos, no monte Tabor, mas uma simples, uma pobre e débil criancinha.
Todavia, deste ser tão fraco na aparência fluía invisível um poder divino: Virtus de illo exibat. Aquele que fizera nascer a estrela para trazer os Magos ao Seu berço, agora iluminava-os: enchialhes interiormente o espírito de luz e o coração de amor. E, por isso, eles reconheceram o seu Deus naquela criança.
Nada nos relata o Evangelho acerca das suas palavras, mas dá-nos a conhecer o gesto sublime da mais perfeita fé: «E, prostrando-se, adoraram o Menino»: Et procidentes adoraverunt eum. 
A Igreja quer que nos associemos a esta adoração dos Magos. Durante a santa Missa, quando nos dá a ler estas palavras da narração evangélica - «E prostrando-se O adoraram - , faz-nos dobrar o joelho a fim de significar que também nós acreditamos na Divindade do Menino de Belém.
 Adoremo-Lo com fé profunda. Deus quer que, enquanto estivermos no mundo, toda a atividade da nossa vida interior tenha por fim a união com Ele na fé. A fé é a luz que nos faz ver Deus no Filho da Virgem, ouvir a voz de Deus nas palavas do Verbo Incarnado, seguir os exemplos dum Deus nas ações de Jesus, apropriar-nos dos merecimentos infinitos dum Deus pelas dores e pelas satisfações dum homem que sofre como nós.
 Através do véu duma Humanidade humilde e passível, a alma, esclarecida por uma fé ardente, descobre sempre a Deus; em toda a parte onde encontra essa Humanidade - quer seja nos aniquilamentos de Belém, nas estradas da Judeia, no patíbulo do Calvário, quer sob as espécies eucarísticas, -  a alma fiel inclina-se diante dela porque é a Humanidade dum Deus. Lança-se a Seus pés para a ouvir, para lhe obedecer e para a seguir, até que praza a Deus «revelar-lhe a Sua infinita majestade nos santos esplendores da visão beatífica»: Usque ad contemplandam speciem celsitudinis perducamur. 
A atitude de adoração, nos Magos, traduz eloquentemente a solidez e intensidade da sua fé; os dons que Lhe oferecem são cheios de significado. Os Padres da Igreja insistem no simbolismo dos dons oferecidos a Jesus Cristo pelos Magos. Demoremo-nos, para terminar esta palestra, a considerar quão profundo é este simbolismo; será um gozo para as nossas almas e um alimento para a nossa piedade. Como sabeis, o Evangelho diz-nos que, «tendo aberto os seus cofres, os Magos ofereceram ao Menino ouro, incenso e mirra ». É evidente que, no pensamento dos Magos, esses dons deviam servir, não só para exprimir os sentimentos de seus corações, como também para honrar Aquele que os recebia.
 Examinando a natureza dessas ofertas preparadas antes da partida dos Magos, vemos que a iluminação divina já lhes havia manifestado alguma coisa da eminente dignidade d'Aquele que desejavam contemplar e adorar. A natureza desses dons indica igualmente a qualidade dos deveres que queriam cumprir para com a pessoa do Rei dos judeus. O simbolismo atinge ao mesmo tempo Aquele a quem são oferecidas as dádivas e os que as apresentam.
 O ouro, o mais precioso dos metais, é o símbolo da realeza; indica também o amor e a fidelidade que todos devem ao seu rei.
 O incenso é universalmente conhecido como figurando o culto divino; só se oferece a Deus. Oferecendo esse presente, os Magos patenteavam que queriam proclamar a Divindade d' Aquele cujo nascimento lhes fora anunciado pela estrela e reconhecer essa Divindade pela adoração suprema que só a Deus se pode tributar. 
Finalmente, tiveram a inspiração de Lhe oferecer a mirra. Que querem eles significar com essa mirra que serve para curar as feridas, para embalsamar os mortos? Simboliza este presente que Jesus Cristo era homem, mas um homem passível, que havia de morrer um dia; a mirra também representava o espírito de penitência e de imolação que deve caracterizar a vida dos discípulos dum crucificado. Assim a graça inspirava os Magos na escolha dos presentes destinados Àquele que buscavam. O mesmo se deve dar conosco. «Nós, que ouvimos a narração dos dons dos Magos, diz Santo Ambrósio, saibamos servir-nos dos nossos tesouros e apresentar ofertas semelhantes». Cada vez que nos aproximamos de  Jesus Cristo, ofereçamos-Lhe presentes, mas presentes que sejam magníficos, que sejam como os deles, dignos d'Aquele a quem os oferecemos.
 Dir-me-eis talvez: «Não temos ouro, nem incenso, nem mirra. É certo; temos, porém, muito melhor; temos tesouros muito mais preciosos, os únicos que Jesus Cristo, nosso Salvador e Rei, espera de nós. Não Lhe oferecemos ouro, quando proclamamos, por uma vida cheia de amor e fidelidade aos mandamentos, que Ele é o Rei dos nossos corações? Não Lhe apresentamos o incenso, quando cremos na Sua Divindade e O reconhecemos pelas nossas orações e adorações? Não Lhe oferecemos a mirra, quando unimos os nossos sofrimentos, as nossas humilhações, as nossas dores e lágrimas às Suas?
 E se, por nós mesmos, nada possuímos de tudo isto, peçamos a Nosso Senhor que nos enriqueça com os tesouros que Lhe são agradáveis; porque Ele tem esses tesouros para no-los dar.
 É o que Jesus fazia ouvir a Santa Matilde, depois da comunhão, no dia da Epifania: «Eis, dizia, que te dou o ouro, isto é, o meu divino amor, o incenso, quer dizer, toda a minha santidade e devoção e, enfim, a mirra, que é a amargura de toda a minha Paixão. Eu te dou em propriedade, de tal maneira que me poderás oferecer de presente, como um bem que te pertence».
 Esta verdade é tão consoladora, que nunca a devemos esquecer. A graça da adoção divina, que nos torna irmãos de Jesus e membros vivos do Seu corpo místico, dá-nos o direito de nos apropriarmos dos Seus tesouros para os fazer valer junto d'Ele e do Seu Pai. «Acaso ignorais, dizia S. Paulo, o poder e a grandeza da graça de Jesus Cristo, que por nós se fez pobre, de rico que era, a fim de nos enriquecer por Sua pobreza».
 Nosso Senhor é a nossa riqueza, a nossa ação de graças; encerra em Si, dum modo eminente, o que significam os presentes dos Magos; em Sua pessoa realiza perfeitamente esse profundo simbolismo. Por isso, nada melhor podemos oferecer ao Pai celeste do que o Seu próprio Filho para Lhe agradecer o dom inestimável da fé cristã. Deus deu-nos o Seu Filho; segundo a palavra de Jesus, o Ser infinito não podia manifestar-nos o Seu amor de modo mais eloquente: Sic Deus dilexit mundum, ut Filium suum Unigenitum DARET; porque, ao dar-nos Jesus, acrescenta S. Paulo, deu-nos todos os bens: Quomodo non etiam cum illo omnia nobis donavit?
 Mas devemos a Deus insignes ações de graças por este dom inefável. Que Lhe daremos, pois, que seja digno d'Ele? O Seu Filho Jesus. «Oferecendo-Lhe o Seu Filho, restituímos-Lhe o que nos dá»: Offerímus praeclarae majestati tuae de tuis donis ac datis; e não há dom que Lhe seja mais agradável. Bem o sabe a Igreja que, como ninguém, conhece o segredo de Deus! Neste dia, em que se iniciam os seus místicos esponsais com Jesus Cristo, ela oferece a Deus, «não já o ouro, o incenso, a mirra, mas Aquele que esses presentes simbolizam, imolado sobre o altar e recebido no coração dos Seus discípulos»: Ecclesiae tuae, quaesumus Domine, dona propitius intuere, quibus non jam aurum, thus et myrra profertur sed quod eisdem muneribus declaratur, immolatur et sumitur, Jesus Christus Fílius tuus, Dominur noster.
 Ofereçamos, pois, com o sacerdote, o santo Sacrifício; ofereçamos ao Eterno Pai o Seu divino Filho depois de O termos recebido na sagrada Mesa; mas ofereçamo-nos com Ele, por amor, para cumprir em todas as coisas o que a vontade divina nos manifesta; é o dom mais perfeito que podemos apresentar a Deus. 
A Epifania continua; prolonga-se através dos séculos. «Também nós, dizia S. Leão, devemos saborear as alegrias dos Magos, porque o mistério que naquele dia se realizou não deve limitar-se a ele. Graças à magnificência de Deus e ao poder da Sua bondade, o nosso tempo goza da realidade de que os Magos tiveram as primícias».
 Efetivamente, a Epifania renova-se quando Deus faz brilhar a luz do Evangelho aos olhos dos pagãos; todas as vezes que a verdade resplandece diante dos olhos dos que vivem no erro, é um raio da estrela dos Magos que desponta.
 A Epifania prolonga-se também na alma fiel, quando o seu amor se torna mais fervoroso e mais estável. A fidelidade às inspirações da graça (é Nosso Senhor quem no-lo diz) torna-se a fonte duma iluminação mais viva e mais brilhante: Qui diligit me ... manifestabo ei meipsum. Feliz da alma que vive de fé e de amor!
Produzir-se-á nela uma manifestação sempre nova e sempre mais profunda de Jesus Cristo: Jesus fa-la-á entrar numa compreensão cada vez mais íntima dos Seus mistérios.
 A Sagrada Escritura compara a vida do justo a uma «senda luminosa que sobe de claridade em claridade», até ao dia em que todos os véus caem, em que todas as sombras se evaporam, em que aparecem na luz da glória os eternos esplendores da Divindade. Ai, diz S. João no seu livro tão misterioso do Apocalipse, em que nos descreve as magnificências da Jerusalém celeste, ai não é necessária a luz, porque o próprio Cordeiro, isto é, Jesus Cristo, é a luz que alegra e ilumina as almas de todos os justos.
 Será a Epifania do Céu. 
«Ó Deus que, neste dia, por meio duma estrela, guiastes as nações pagãs ao conhecimento do Vosso Filho único, concedei-nos que, conhecendo-Vos já pela fé, cheguemos à contemplação da face da Vossa suprema majestade»: Deus, qui hodierna die Unigenitum tuum gentibus stella duce revelasti: concede propitius ut qui jam te ex fide cognovimus, usque ad contemplandam speciem tuae celsitudinis perducamur.