IX
INFÂNCIA E VIDA OCULTA
(Tempo depois da Epifania)
O MISTÉRIO da Incarnação pode resumir-se numa permuta, em tudo admirável, entre a Divindade e a nossa humanidade. Em troca da natureza humana, que toma de nós, faz-nos o Verbo Eterno participar da vida divina.
Deve notar-se, com efeito, que somos nós quem dá ao Verbo uma natureza humana. Deus poderia ter produzido, para a unir a Seu Filho, uma humanidade já de todo perfeita no seu organismo, como foi Adão no dia da sua criação. Jesus Cristo teria sido verdadeiramente homem, pois nada do que constitui a essência dum homem Lhe teria sido estranho; mas, não se prendendo a nós dum modo direto, por um nascimento humano, não teria sido propriamente da nossa raça.
Não quis Deus proceder assim. Qual foi o desígnio da infinita sabedoria? Que o Verbo tomasse de nós a humanidade que devia unir a si. Jesus Cristo será assim verdadeiramente o «Filho do Homem»; será membro da nossa raça: Factum ex muliere ... ex semine David. Ao celebrarmos no Natal o nascimento de Jesus Cristo, remontamos os séculos para neles lermos a lista dos seus antepassados; percorremos a Sua genealogia humana; e, recordando as gerações sucessivas, vemo-Lo nascer na tribo de David, da Virgem Maria: De qua natus est Jesus qui vocatur Chtistus.
Deus quis, para assim dizer, mendigar à nossa raça a natureza humana que destinava a Seu Filho, para nos fazer, em compensação, participar da Sua Divindade: O admitabile commercium!
Como sabeis, por Sua natureza, Deus é levado a uma infinita generosidade; é da essência do bem o difundir-se: Bonum est diffusivum sui. Se há uma bondade infinita, é forçosamente inclinada a dar-se infinitamente. Deus é essa bondade sem limites; ensina-nos a Revelação que há entre as pessoas divinas, do Pai para o Filho, do Pai e do Filho para o Espírito Santo, comunicações infinitas, que esgotam em Deus essa tendência natural do Seu ser para se expandir.
Mas, além desta comunicação natural da bondade infinita, há outra, que brota do Seu livre amor para com a criatura. A plenitude do Ser e do Bem, que é Deus, transbordou por amor. E como pôde isto realizar-se? Deus quis, antes de tudo, dar-se dum modo inteiramente particular a uma criatura, unindo-a ao Seu Verbo por uma união pessoal. Este dom divino a uma criatura é único: faz dessa criatura, eleita pela Santíssima Trindade, o próprio Filho de Deus: Filius meus es tu: ego hodie genui te. E Jesus Cristo é o Verbo unido pessoal e indissoluvelmente a uma Humanidade, em tudo semelhante à nossa, exceto no pecado.
É a nós que é pedida essa Humanidade: «Cedei-me para meu Filho a vossa natureza», parece dizer-nos o Pai Eterno, «e Eu, em troca, dar-vos-ei, primeiro a essa natureza e, por ela, a todos os homens de boa vontade, uma participação da minha Divindade».
É que Deus só se comunica assim a Jesus Cristo para se entregar por Ele a todos nós: o plano divino é que Jesus Cristo receba a Divindade na Sua plenitude e que nós, por nossa vez, tenhamos parte nessa plenitude: De plenitudíne ejus nos omnes accepimus .
Tal é a comunicação da bondade de Deus ao mundo: Sic Deus DILEXIT mundum, ut Filium suum Unigenitum DARET. Eis a ordem admirável que preside à não menos admirável permuta entre Deus e a humanidade.
Mas a quem, em particular, escolherá Deus para dar à luz essa Humanidade, a que se quer tão estreitamente unir para fazer dela o instrumento de Suas graças ao mundo?
Já nomeamos essa criatura que todas as gerações proclamarão bem aventurada; a genealogia humana de Jesus termina em Maria, Virgem de Nazaré. A ela, e por ela a nós, o Verbo pediu uma natureza humana, e Maria deu-Lha; eis porque, doravante, a veremos inseparável de Jesus Cristo e dos Seus mistérios; encontrá-la-e-mos sempre onde estiver Jesus; é tanto seu Filho como o é de Deus. Entretanto, se Jesus conserva sempre a Sua qualidade de Filho da Virgem, é principalmente nos mistérios da infância e da vida oculta que se revela sob este aspecto; se, em toda a parte, Maria ocupa um lugar único, é nestes mistérios que mais ativo se manifesta exteriormente o seu papel, e é sobretudo nestes momentos que devemos contemplá-la, porque é então que resplandece com mais brilho a maternidade divina; e vós sabeis que esta dignidade incomparável é a fonte de todos os outros privilégios da Virgem.
Os que a não conhecem, os que não têm pela Mãe de Jesus um verdadeiro amor arriscam-se a não compreender, com fruto, os mistérios da Humanidade de Jesus Cristo. Ele é Filho do homem, como é Filho de Deus; estes dois caracteres são-Lhe essenciais: se é Filho de Deus por inefável geração eterna, tornou-se Filho do homem nascendo da Virgem no tempo.
Contemplemos, pois, Maria ao lado de seu Filho; em paga, ela nos alcançará a mercê de penetrarmos ainda mais na compreensão desses mistérios de Jesus Cristo, a que está tão estreitamente unida.
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