I
Para que a permuta que Deus queria fazer com a humanidade fosse possível, era necessário que esta consentisse. É a condição posta pela Sabedoria infinita.
Transportemo-nos a Nazaré. Soou a plenitude dos tempos; Deus resolveu, diz S. Paulo, enviar Seu Filho ao mundo, fazendo-O nascer duma mulher. O Arcanjo Gabriel, mensageiro divino, apresenta à Virgem as propostas celestes. Inicia-se um diálogo sublime, em que vai decidir-se a libertação do gênero humano. O Anjo saúda Maria proclamando-a, da parte de Deus, «cheia de graça»: Ave, gratia plena. Com efeito, não só ela é imaculada, pois nódoa alguma lhe manchou a alma - a Igreja definiu que era a única entre as criaturas não atingida pela culpa original - , mas ainda, predestinada a ser a Mãe de Seu Filho, o Pai Eterno cumulou-a de dons. É cheia de graça, não, sem dúvida, como o será Jesus Cristo, - plenum gratiae. Ele é-o por direito e pela própria plenitude divina: Maria tudo recebe por participação, numa medida, porém, que se não pode fixar e que está em correlação com a sua eminente dignidade de Mãe de Deus. «Eis, diz o Anjo, que conceberás um Filho, dar-lhe-ás o nome de Jesus ... será chamado Filho do Altíssimo; reinará, e o Seu reino não terá fim». «Como poderá ser isso, replica Maria, se não conheço homem algum»? É que ela quer conservar a sua virgindade. - «0 Espírito Santo descerá sobre ti; cobrir-te-á com a virtude do Altíssimo; por isso, o fruto bendito que nascerá de ti será chamado o Filho de Deus». «Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra»; Ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum.
Neste instante solene conclui-se a permuta; quando a Virgem pronunciou o seu fiat, a humanidade inteira disse a Deus pelos seus lábios: «Sim, ó Deus, aceito; assim seja»! E imediatamente o Verbo se fez carne: Et Verbum caro factum est. Nesse momento, o Verbo incarna em Maria, por obra do Espírito Santo: o seio da Virgem torna-se a arca da nova aliança entre Deus e os homens.
A Igreja, ao cantar no Credo as palavras que recordam estes mistérios - Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine, et homo factus est, - obriga os seus ministros a dobrar os joelhos em sinal de adoração. Adoremos nós também esse Verbo divino, que se fez homem por nós no seio duma virgem; adoremo-Lo com um amor tanto maior quanto mais Ele se abate, como diz S. Paulo, tomando «a condição de criatura»: Farmam servi accipiens. Adoremo-Lo em união com 'Maria, que, iluminada pela luz do alto, se prostrou diante do seu Criador feito seu Filho; adoremo-Lo com os Anjos, admirados dessa condescendência infinita para com a humanidade.
Saudemos depois a Virgem Maria; agradeçamos-lhe haver-nos dado Jesus, pois O devemos ao seu consentimento: Per quam meruimus auctorem vitae. Juntemos a tudo isto as nossas felicitações. Vede como o próprio Espírito Santo, pela boca de Isabel - Et repleta est Spiritu sancto Elisabeth -, saudava a Virgem depois da Incarnação: «Bendita sejas entre todas as mulheres e bendito seja o fruto do teu ventre! Feliz de ti por teres acreditado no cumprimento das coisas que te foram ditas da parte do Senhor»! Feliz, porque essa fé na palavra de Deus fez da Virgem a Mãe de Jesus Cristo. Onde encontrar uma simples criatura que tenha recebido do Ser infinito louvores semelhantes?
Maria refere ao Senhor toda a glória das maravilhas que nela se operam. Desde o instante em que o Filho de Deus incarnou em seu seio, a Virgem entoa em seu coração um cântico de amor e de reconhecimento. Junto da sua prima Isabel, deixa transbordar os sentimentos íntimos da sua alma: canta o Magnificat que, através dos séculos, seus filhos repetirão, para louvar a Deus por a ter escolhido entre todas as mulheres: «Minha alma glorifica ao Senhor e meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador, porque Ele olhou para a pequenez da sua serva ... pois foi o Omnipotente quem operou .em mim tão grandes coisas»: Magnificat anima mea Dominum: quia fecit mihi magna qui potens est.
Achava-se Maria em Belém para o recenseamento ordenado por César, quando, diz S. Lucas, «soou para ela o momento de dar à luz. E deu à luz o seu Filho primogênito. Envolveu-O em panos e deitou-O num presépio, porque não havia lugar na estalagem». Quem é esse menino? É o Filho de Maria, pois é dela que acaba de nascer: Primogenitum suum.
A Virgem, porém, vê nesse Menino, em tudo semelhante aos outros, o próprio Filho de Deus. A alma de Maria estava possuída duma fé imensa que encerrava em si e ultrapassava toda a fé dos justos do Antigo Testamento. Por isso, reconhece em seu Filho o seu Deus.
Esta fé traduz-se exteriormente por um ato de adoração. Logo que olhou pela primeira vez para Jesus, a Virgem prostrou-se interiormente numa adoração cuja profundidade nos não é dado sondar.
A tão viva fé e a tão profundas adorações vinham juntar-se transportes de amor incomensurável.
Em primeiro lugar, o amor humano. Deus é amor; e para podermos fazer dele uma ideia, concede às mães uma participação desse amor. O coração materno, com a sua incansável ternura, constância das suas solicitudes, inesgotáveis delicadezas da sua afeição, são uma criação verdadeiramente divina, embora Deus nela haja acendido apenas uma centelha do Seu amor por nós. Contudo, por mais imperfeitamente que um coração de mãe reverbere o amor divino para conosco, Deus dá-nos as nossas mães para O substituir, para assim dizer, junto de nós; coloca-as ao nosso lado, desde o berço, para nos guiarem, para nos guardarem, principalmente nesses primeiros anos em que tanta necessidade temos de ternura.
Imaginai, pois, com que predileção a Santíssima Trindade moldou o coração da Virgem, eleita para ser a Mãe do Verbo Incarnado. Deus derramou em abundância o amor no coração de Maria, formando-o expressamente para amar um Homem Deus.
No coração da Virgem reunia-se, em perfeita harmonia, a adoração de criatura para com o seu Deus e o amor de mãe para com o seu Filho único.
O amor sobrenatural de Maria não é menos admirável. Sabeis que o amor de uma alma para com Deus se avalia pelo grau da graça. O que impede em nós o desenvolvimento da graça e do amor? São os nossos pecados, as nossas faltas deliberadas, as nossas infidelidades voluntárias e o nosso apego às criaturas. Cada culpa voluntária comprime o coração, firma o egoísmo. A alma da Virgem é, porém, perfeitamente pura; pecado algum a maculou, nem uma sombra do erro a tocou; é cheia de graça- Gratia plena. Em vez de encontrar nela o menor obstáculo ao desenvolvimento da graça, o Espírito Santo achou sempre no coração de Maria a mais admirável docilidade às Suas inspirações. Eis porque esse coração é inteiramente dilatado pelo amor.
Qual não devia ter sido a alegria da alma de Jesus ao sentir-se tão amado por Sua Mãe! Depois da alegria incompreensível que Lhe vinha da visão beatífica e do olhar de infinita complacência com que O contemplava o Pai celeste, nada O deve ter alegrado tanto como o amor de Maria. Nele encontrava Jesus uma compensação superabundante à indiferença dos que O não queriam receber; no coração da Virgem achava um foco de amor sempre aceso, que Ele próprio avivava com os Seus divinos olhares e com a graça interior do Seu Espírito.
Produziam-se entre essas duas almas permutas incessantes, que fomentavam a sua união; de Jesus para Maria havia doações tais, de Maria para Jesus tal correspondência, que, depois da união das pessoas divinas na Santíssima Trindade e da união hipostática da Incarnação, nada maior nem mais profundo se pode conceber.
Aproximemo-nos de Maria com uma confiança humilde, absoluta. Se seu Filho é o Salvador do mundo, ela toma grande parte na Sua missão e, por isso, partilha do seu amor pelos pecadores. Ó Mãe de Jesus, cantaremos com a Igreja, «vós que concebestes o vosso Criador, permanecendo Virgem, socorrei esta raça decaída que vosso Filho vem levantar assumindo a nossa natureza humana»: Alma Redemptoris mater ... succurre cadenti surgere qui curat populo: «tende piedade dos pecadores» que vosso Filho vem resgatar: Peccatorum miserere; porque é por amor de nós, ó Maria, para nos salvar, que o Verbo se dignou descer dos esplendores eternos ao vosso seio virginal.
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