IV
Diz-nos o Evangelho que, depois de ter sido encontrado no Templo, Jesus voltou a Nazaré com Sua Mãe e S. José, e ali permaneceu até à idade de trinta anos. E o escritor sagrado resume todo este período nestas simples palavras: Et erat subditus illis. «E era-lhes submisso».
Assim, numa existência de trinta e três anos. Aquele que é Sabedoria eterna quis passar trinta anos no silêncio e na obscuridade, na submissão e no trabalho.
Há aqui um mistério e um ensinamento, cujo sentido nem mesmo muitas almas piedosas compreendem.
Realmente, o que vinha a ser aquilo? O Verbo, que é Deus, faz-se carne; Aquele que é infinito e eterno, passados séculos de expectativa, abaixa-se um dia a revestir uma forma humana: Semetipsum exinanivit, formam servi accipiens... et habitu inventus ut homo. «Se bem que nascido duma Virgem imaculada, a Incarnação constitui para Ele uma incomensurável humilhação»: Non horruisti virginis uterum. E por que desce até estes abismos? Para salvar o mundo, trazendo-lhe a luz divina.
Ora, salvo raros clarões que iluminam algumas almas privilegiadas - pastores, Magos, Simeão e Ana - esta luz esconde-se; fica voluntariamente, durante trinta anos, «sob o alqueire - sub modio - para, em seguida, se manifestar durante três anos apenas.
Não é misterioso? Não é desconcertante para a nossa razão? Se tivéssemos conhecido a missão de Jesus, não Lhe teríamos dito, como muitos dos Seus parentes o fariam mais tarde: «Mostra-te ao mundo, pois ninguém faz uma coisa em segredo, quando deseja que ela apareça»: Manifesta teipsum mundo?
Mas os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos, e os Seus caminhos ultrapassam os nossos. Aquele que vem resgatar o mundo, quer salvá-lo primeiramente por uma vida oculta aos olhos do mundo.
Durante trinta anos, na oficina de Nazaré, o Salvador do gênero humano não fez outra coisa senão trabalhar e obedecer; toda a obra d' Aquele que vem instruir a humanidade para lhe restituir a herança eterna é viver no silêncio, obedecer a duas criaturas nos atos mais ordinários.
Ó meu Salvador, na verdade sois um Deus escondido! Deus obsconditus, Israel Salvator. << Cresceis, sem dúvida, ó Jesus, em idade, sabedoria e graça diante do Vosso Pai e diante dos homens». A Vossa alma possui, desde o primeiro momento da Vossa entrada no .mundo, a plenitude da graça, todos os tesouros da sabedoria e da ciência; sabedoria e ciência essas que só se declaram pouco a pouco, só se manifestam com medida; permaneceis aos olhos dos homens um Deus oculto, a Vossa Divindade vela-se sob as aparências dum operário. Ó Sabedoria eterna, que, para nos retirar do abismo em que nos precipitara a orgulhosa desobediência de Adão, quisestes viver numa humilde oficina e obedecer a criaturas, eu Vos adoro e Vos bendigo !
Aos olhos dos Seus contemporâneos, a vida de Jesus Cristo, em Nazaré, aparece, pois, como a existência banal dum simples operário. E tanto assim que, mais tarde, quando Jesus Cristo se revela na vida pública, os judeus da Sua pátria ficam tão atônitos com a sabedoria das Suas palavras, com a sublimidade da Sua doutrina e com a grandeza das Suas obras, que se interrogam: «Mas donde vem esta sabedoria e como pode operar tais milagres? Ele é o filho do carpinteiro que conhecemos e Sua Mãe chama-se Maria. Onde aprendeu todas estas coisas»? Unde huic sapientia haec et vírtutes ? Nonne hic est fabri filius ? Nonne mater ejus dícítur Maria ? Unde ergo huic omnia ista? Jesus Cristo era, para os judeus, uma pedra de escândalo, porque, até então, só haviam visto nEle um operário. Este mistério da vida oculta contém ensinamentos que a nossa fé deve avidamente aproveitar.
Antes de tudo, só é grande aos olhos de Deus o que é feito para a Sua glória, com a graça de Jesus
Cristo: não somos aceites a Deus senão na medida em que formos semelhantes a Seu Filho Jesus.
A filiação divina de Jesus Cristo dá aos seus atos mais insignificantes um valor infinito. Jesus Cristo não é menos adorável nem menos agradável ao Pai quando maneja o martelo e a plaina do que quando morre na cruz. Em nós, a graça santificante, que nos faz filhos adotivos de Deus, diviniza, em sua raiz, toda a nossa atividade, e torna-nos dignos, como Jesus, posto que por título diferente, das complacências do Pai.
Sabeis que os mais preciosos talentos, os mais sublimes pensamentos, as mais generosas e brilhantes ações, não possuem mérito algum para a vida eterna, se não forem vivificados pela graça. Pode admirá-las e aplaudi-las o mundo que passa; não as recebe nem as conta a eternidade, única que permanece. Para que serve, dizia Jesus, verdade infalível, para que serve conquistar o mundo pela força das armas, pelos encantos da eloquência ou pela autoridade do saber, se, não possuindo a minha graça, se é excluído do meu reino, o único que não tem fim?
Vede, pelo contrário, esse pobre trabalhador que ganha penosamente a vida, essa criada humilde e ignorada do mundo, esse pobre desprezado por todos. A existência vulgar que levam não atrai nem fixa a atenção de ninguém. Mas anima-os a graça de Jesus Cristo; e eis que essas almas deslumbram os Anjos e são para o Pai Eterno, para Deus, para o Ser Infinito, único que subsiste, contínuo objeto de amor; essas almas trazem em si, pela graça, os próprios traços de Jesus Cristo.
A graça santificante é a fonte primordial da nossa verdadeira grandeza; é ela que confere à nossa vida, por mais banal e ordinária que pareça, verdadeira nobreza e imperecível esplendor.
Este dom, porém, é oculto.
É principalmente no silêncio que se edifica o reino de Deus; é, antes de tudo, interior e escondido no íntimo da alma; Vita vestra est abscondita cum Christo in Deo. A graça possui, é certo, uma virtude que se manifesta quase sempre exteriormente pela irradiação das obras de caridade; o segredo do seu poder é, no entanto, muito íntimo. A verdadeira intensidade da vida cristã reside no fundo do coração, onde habita Deus, adorado e servido na fé, no recolhimento, na humildade, na obediência, na simplicidade, no trabalho e no amor.
A nossa atividade exterior só possui estabilidade e fecundidade sobrenatural na medida em que se prender a esta vida interior. Irradiaremos verdadeiramente com tanto mais fruto quanto mais ardente for o foco sobrenatural da nossa vida interior.
Que poderemos fazer de maior na terra do que promover o reino de Jesus Cristo nas almas? Que obra poderá ter o valor desta? Que obra poderá excedê-la? Nisto se resume toda a obra de Jesus e da Igreja.
Nada conseguiremos, no entanto, se não nos servirmos dos meios empregados pelo nosso divino Chefe. Estejamos bem convencidos de que trabalharemos mais para o bem da Igreja, para a salvação das almas e glória do nosso Pai celeste, procurando antes de tudo permanecer unidos a Deus por uma vida cheia de fé e amor que tenha só a Ele por objeto, do que por uma atividade devoradora e febril, que não nos deixasse tempo nem vagar para encontrar a Deus na solidão, no recolhimento, na oração e no desprendimento de nós mesmos.
Ora nada favorece tanto esta união intensa da alma com Deus como a vida oculta. Eis porque as almas interiores, iluminadas por um raio de luz do alto, tanto se comprazem na contemplação da vida de Jesus em Nazaré; nela encontram, com particular encanto, abundantes graças de santidade.
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