III
Até que um dia se realize na sua plenitude a profecia de Simeão, Maria irá desde já participando do sacrifício.
Brevemente fugirá para o Egito, país desconhecido, para livrar o Filho da cólera do tirano Herodes.
Ali permanece até que o Anjo ordene a José que volte para a Palestina. A Sagrada Família vai então fixar-se em Nazaré. É ali que, durante trinta anos, decorrerá a existência de Jesus, pelo que mais tarde será chamado «Jesus de Nazaré».
O Evangelho conservou-nos apenas um traço deste período da vida de Jesus Cristo: Jesus perdido no Templo.
Conheceis as circunstâncias que levaram a Sagrada Família a Jerusalém. O Menino Jesus completara doze anos. Era a idade em que os jovens israelitas começavam a submeter-se às prescrições da lei mosaica, principalmente à de ir ao Templo três vezes por ano, pelas festas da Páscoa, do Pentecostes e dos Tabernáculos. O nosso divino Salvador, que quisera, pela Sua Circuncisão, submeter-se ao jugo da Lei, dirigiu-se com Maria e Seu Pai adotivo para a cidade santa. Era, sem dúvida, a primeira vez que fazia aquela peregrinação.
Quando entrou no Templo, ninguém supôs que aquele adolescente fosse o Deus que ali se adorava. Misturado com a turba dos israelitas, Jesus tomava parte nas cerimonias do culto, no canto dos salmos. A sua alma compreendia, como jamais criatura alguma, o significado dos ritos sagrados; saboreava a unção que se desprende do simbolismo dessa liturgia cujos pormenores foram regulados pelo próprio Deus; via a figura de tudo o que se devia cumprir em Sua pessoa; aproveitava a ocasião para oferecer ao Pai, em nome de todos os assistentes e de toda a humanidade, um louvor perfeito. Deus recebia ali homenagens infinitamente dignas d'Ele.
«No fim da festa, conta o Evangelista, que deve ter ouvido da própria Virgem a narração do fato, o Menino Jesus ficou na cidade, sem que Seus pais dessem por isso». Sabeis que, no tempo da Páscoa, a afluência de judeus era considerável; era uma barafunda de que se não pode fazer ideia. No regresso, as caravanas formavam-se com extrema dificuldade, e só muito mais tarde se estabelecia um pouco de ordem. Além disso, segundo o costume, os adolescentes podiam juntar-se a um ou outro grupo da caravana, como lhes agradasse. Pensava Maria que Jesus estivesse com José. Caminhava pois, entoando hinos sagrados, pensando principalmente no Filho e esperando encontrá-Lo em breve. Mas que dolorosa surpresa, quando, ao juntar-se ao grupo em que se achava José, não encontrou o Menino! «E Jesus »? Tais foram as primeiras palavras dos dois. Onde estava Jesus? Não sabiam. Deus, quando quer conduzir uma alma ao cume da perfeição e da contemplação, fá-la passar por grandes provações. Nosso Senhor o disse: < Quando uma vara unida a mim, que sou a videira, produz fruto, meu Pai a poda »: Ut fructum plus afferat. São duras provações, que consistem principalmente em trevas espirituais, em sentimentos de abandono da parte de Deus, provações pelas quais o Senhor depura a alma, tornando-a digna duma união mais intima e mais elevada.
É certo que a Virgem Maria não tinha necessidade destas provações. Que ramo foi mais fecundo visto ter dado ao mundo o fruto divino? Mas, ao perder Jesus conheceu os vivos sofrimentos que deviam aumentar a capacidade do seu amor e a extensão dos seus méritos. Dificilmente poderemos avaliar a grandeza daquela aflição; para a conhecer, seria necessário compreender o que era Jesus para Sua Mãe.
Jesus não tinha dito nada. Maria conhecia-O muito bem para supor que seu Filho se houvesse enganado no caminho. Se tinha abandonado Seus pais, fora propositadamente. Quando voltaria? Tornaria ela a vê-Lo? Em tantos anos que Maria vivera em Na.zaré, ao lado de Jesus, não pudera deixar de sentir que n"El.e havia um mistério inefável. E naquele momento era isso para ela uma fonte de indescritível angústia.
Urgia procurar o Menino. Que dias! Permitiu Deus que a Virgem permanecesse nas trevas durante aquelas horas de ansiedade. Não sabia onde estava Jesus; não compreendia que Ele a não houvesse prevenido; era imensa a dor que sentia por se ver assim privada d'Aquele que amava ao mesmo tempo como Filho e como Deus.
Maria e José regressaram a Jerusalém com o coração vivamente inquieto. Diz-nos o Evangelho que O procuraram por toda a parte, junto dos parentes e pessoas conhecidas; mas ninguém vira Jesus. Finalmente, sabeis como, passados três dias, O encontraram no Templo, sentado entre os doutores da Lei.
Reuniam-se os doutores de Israel numa das salas do Templo para explicar as Sagradas Escrituras. Quem quisesse podia juntar-se ao grupo dos discípulos e ouvintes. Foi o que fez Jesus. Viera para o meio deles, não para ensinar - não soara ainda a hora de se apresentar a todos como o único Senhor que vem revelar os segredos do alto - viera, como outros jovens israelitas, «para ouvir e interrogar». É o próprio texto do Evangelho.
E qual o fim do Menino Jesus, ao interrogar assim os doutores da Lei? Queria, sem dúvida alguma, esclarecê-los, levá-los, por Suas perguntas e respostas, pelas citações que fazia da Escritura, a falar da vida do Messias, a orientar os seus estudos para esse ponto, de modo que a sua atenção incidisse sobre as circunstâncias da aparição do Salvador prometido. Era, aparentemente, o que o Pai Eterno queria do Seu Filho, a missão que Lhe dava e para a qual O fazia interromper, por um momento, a Sua vida oculta, inteiramente silenciosa. E os doutores de Israel ficaram atônitos com a sabedoria das Suas respostas: Stupebant ... prudentia et responsis ejus .
Maria e José, todos contentes por encontrar Jesus, aproximaram-se d'Ele, e diz-Lhe a Mãe: <<Ó Filho, por que procedeste assim connosco»? Não é uma censura - a humilde Virgem tinha bastante senso para ousar repreender Aquele que sabia ser o seu Deus. É, sim, o grito dum coração materno. «Eis que o teu pai e eu, cheios de dor - dolentes - andávamos à tua procura». E qual a resposta de Jesus? «Por que me procuráveis? Não sabeis que é meu dever ocupar-me dos negócios do meu Pai? »
Tais são as primeiras palavras que o Evangelho nos conserva, saídas dos lábios do Verbo Incarnado. Nelas se resume toda a pessoa, toda a obra de Jesus. Traduzem a Sua filiação divina, assinalam a Sua missão sobrenatural; e toda a existência do Salvador lhes servirá de luminoso e magnífico comentário.
Contêm também para as nossas almas precioso ensinamento. Tenho-vos dito repetidas vezes: há em Jesus Cristo duas gerações; é Filius Dei e Filius hominis.
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Pelas palavras que então pronunciou, quer Jesus Cristo mostrar-nos que, quando Deus nos pede o cumprimento da Sua vontade, nenhuma consideração humana nos deve deter. Nessas ocasiões é preciso .dizer: <
S. Lucas, que, sem dúvida, recolhera da própria Virgem esta humilde confissão, diz-nos que Maria «não compreendeu a profundeza daquelas palavras». Bem sabia que seu divino Filho só podia proceder dum modo perfeito; porque não a prevenira então? Não percebia as relações entre a ação de Jesus e os interesses do Seu Pai. Como é que o procedimento de Jesus entrava no programa de salvação, cuja execução o Pai celeste Lhe havia confiado? Também isto lhe escapava.
Se não atingiu, porém, desde logo, todo o alcance do ato do Salvador, não duvidava de que Jesus fosse o Filho de Deus. Eis porque se submetia em silêncio a essa vontade divina que reclamava do seu amor tal sacrifício. <
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