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Maria há-de compreender esta prece, pois se associou intimamente a Jesus na obra da nossa Redenção.
Oito dias depois do nascimento do seu Filho, fá-Lo circuncidar, segundo a lei judaica; dá-Lhe então o nome indicado pelo Anjo, o nome de Jesus, que marca a Sua missão salvadora e a Sua obra de redenção.
Passados quarenta dias, a Virgem associa-se mais direta e profundamente ainda à obra da nossa salvação, apresentando-O no Templo. Foi ela a primeira que ofereceu ao Pai Eterno o seu Divino Filho. Depois da oblação que Jesus, Pontífice supremo, fez de si mesmo logo na Incarnação, e que deverá acabar no Calvário, a oferta de Maria é a mais perfeita. Está fora de todos os atos sacerdotais dos homens: excede-os até, porque Maria é a Mãe de Jesus Cristo, ao passo que os homens são apenas Seus ministros.
Contemplemos Maria neste ato solene da Apresentação do seu Filho no Templo de Jerusalém. Todo o magnífico e minucioso cerimonial do Antigo Testamento convergia para Jesus Cristo; tudo nele era um símbolo obscuro que devia encontrar a realidade perfeita na Nova Aliança.
Sabeis que, entre as prescrições rituais a que estavam sujeitas as mulheres judias, ao ser mães, havia a de se apresentarem no Templo algumas semanas depois do parto. A mãe devia purificar-se da mancha legal que contraía pelo nascimento do filho, em consequência do pecado original; além disso, se o filho fosse primogênito e do sexo masculino, devia apresentá-lo ao Senhor para Lhe ser consagrado, como a Senhor Soberano de toda a criatura: Omne masculinum adaparíens vulvam sanctum Domino vocabitur. Contudo, podia ser resgatado mediante uma oferta mais ou menos considerável - cordeiro ou casal de rolas - segundo as posses da família.
Claro está que estas prescrições nem eram obrigatórias para Maria nem para Jesus. Ele era o Supremo Legislador de todo o ritual judaico; miraculosa e virginal fora a Sua conceição; absolutamente puro o Seu nascimento: Quod nascetur ex te SANCTUM, vocabitur Filius Dei. Não era, portanto, necessário consagrá-Lo ao Senhor, pois era o próprio Filho de Deus; não era de forma alguma requerido que Aquela que concebera do Espírito Santo e permanecera Virgem se sujeitasse à purificação.
Maria, porém, guiada pelo próprio Espírito Santo, que é o Espírito de Jesus, estava em perfeita conformidade de sentimentos com a alma do seu Filho. <<Ó Pai, dissera Jesus ao entrar neste mundo, não queres mais oblações nem holocaustos; são insuficientes para satisfazer a Tua adorável justiça e resgatar o homem pecador; deste-me, porém, um corpo para Te ser imolado; eis-me aqui, quero em tudo cumprir a Tua vontade»: Ecce venio. E que disse a Virgem? «Eis aqui a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a vossa palavra»: Ecce ancílla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum. Eis porque Maria quis cumprir esta cerimônia, mostrando assim quão profunda era a sua submissão. Com José, seu esposo, vai então apresentar Jesus, seu primogênito - Primogenitum suum - que continuará a ser seu Filho único, mas que deve tornar-se «o primogênito duma multidão de irmãos», que pela graça Lhe serão semelhantes: Primpgenitus in multis fratribus .
Ao meditar este mistério, somos forçados a dizer: «Vós sois um Deus oculto, ó Salvador do mundo»! Deus absconditus, Deus Israel Salvator. Jesus Cristo entrava nesse dia, pela primeira vez, no Templo, e era no Seu templo que entrava. Esse santuário maravilhoso, que causava a admiração das nações e o orgulho de Israel, no qual se realizavam todos os ritos religiosos e os sacrifícios cujo cerimonial tinha sido regulado pelo próprio Deus, esse santuário pertencia-Lhe: porque esse Menino, apresentado por uma jovem Virgem, era o Rei dos reis e o soberano Senhor: Veniet ad templum SUUM Dominator. E como vem Ele? No esplendor da Sua majestade? Como Aquele a quem são devidas todas as oferendas? Não; vem absolutamente oculto.
Ouvi a narração do Evangelho. Nas imediações do edifício sagrado, devia estar uma multidão tumultuosa: negociantes, levitas, sacerdotes, doutores da Lei. Pelo meio da multidão passa despercebido um pequeno grupo; são pobres, pois não levam o cordeiro, oferta dos ricos; levam apenas duas pombas, sacrifício dos indigentes. Ninguém dá por eles, pois não levam nenhum séquito; os grandes, os soberbos de entre os judeus, nem sequer olham para eles, e é necessário que o Espírito Santo ilumine o velho Simeão e a profetiza Ana para que reconheçam o Messias. Aquele que é o «Salvador prometido ao mundo, a luz que deve brilhar diante de todas as nações» - Salutare tuum quod parasti ante faciem omnium populorum - vem ao Seu Templo como um Deus escondido: Vere Deus absconditus.
De resto, nada exteriormente revelava os sentimentos da alma santa de Jesus; a luz da Sua Divindade permanecia oculta, velada; mas, aqui no Templo, renovava a oblação que fizera de Si mesmo ao Pai para ser «coisa Sua», pertencer-Lhe de pleno direito: Sanctum Domino vocabitur. Era como o ofertório do que se devia consumar no Calvário.
Por isso, esse ato foi em extremo agradável ao Pai. Aos olhos dos profanos, nada havia de particular nessa ação tão simples, que todas as mães judias cumpriam. Deus, porém, recebeu nesse dia glória maior do que todas as que recebera até então nesse Templo, por todos os sacrifícios e holocaustos da Antiga Lei. Por que assim? Porque nesse dia é o Seu Filho Jesus que Lhe é oferecido e Lhe oferece Ele próprio homenagens infinitas de adoração, de ação de graças, de expiação e de súplica. É um dom digno de Deus. O Pai celeste deve ter recebido com uma alegria incomensurável essa oferenda sagrada, e toda a corte celeste deve ter fixado os olhares extasiados nessa oblação única. Doravante já não são precisos holocaustos nem sacrifícios animais: acaba de ser oferecida a Deus a única vítima digna d Ele.
E é pelas mãos da Virgem, da Virgem cheia de graça, que Lhe é apresentada essa oblação tão agradável. Iluminada pelo Espírito Santo, a alma de Maria compreendia o valor da oferenda que fazia a Deus naquele momento; a sua fé era perfeita; pelas Suas inspirações, o Espírito Santo harmonizava a alma da Mãe com as disposições interiores do Coração do seu divino Filho.
Assim como, em nome da humanidade, dera o seu consentimento, quando o Anjo anunciara o mistério da Incarnação, assim também nesse dia oferecia Maria a Jesus em nome da raça humana. Sabe que o seu Filho é o «Rei de glória, a nova luz gerada antes da aurora, o Senhor da vida e da morte ». Eis porque O apresenta a Deus para nos alcançar todas as graças de salvação que o Seu Filho deve, segundo a promessa do Anjo, trazer ao mundo: lpsa enim portat Regem gloriae novi luminis; subsístít Virgo adducens maníbus Filium ante luciferum genitum.
Não esqueçais igualmente que Aquele que Maria assim oferece é o Seu próprio Filho, que trouxe em seu seio virginal e fecundo. Que sacerdote, que Santo pôde jamais apresentar a Deus a oblação eucarística em tão estreita união com a divina Vítima, como a da Virgem naquele instante? Não só ela estava unida a Jesus por sentimentos de fé e de amor como também nós podemos estar, posto que em grau infinitamente inferior, mas ainda o laço que a unia a Jesus era único: o Salvador era o próprio fruto das suas entranhas. Eis porque, desde o dia em que apresentou Jesus como as primícias do futuro sacrifício, Maria tem parte tão preponderante na obra de nossa Redenção.
E vede como, desde aquele instante também, Jesus Cristo quer associar Sua divina Mãe à Sua qualidade de Vítima.
Guiado pelo Espírito Santo, eis que se aproxima o velho Simeão: Et Spiritus sanctus erat in eo ... et venit in Spíritu in templum. Reconhece naquele Menino o Salvador do mundo; toma-O nos braços e entoa cânticos de alegria por ter visto enfim com os seus olhos o Messias prometido. Depois de haver exaltado «a luz que se deve manifestar um dia a todas as nações >>, entrega Jesus a sua Mãe e, dirigindo-se a ela, diz-lhe:« Este menino está predestinado para ruína e ressurreição de muitos em Israel. Será um sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma ». Era o anúncio velado do sacrifício sangrento do Calvário.
Nada nos diz o Evangelho dos sentimentos que esta predição despertou no coração puríssimo da Virgem. Poderemos porventura supor que se tenha apagado da sua memória? S. Lucas vai nos revelar mais tarde, a propósito doutros acontecimentos, que Maria « conservava em seu coração todas estas coisas»: Mater ejus conservabat omnia verba haec in corde suo. Não se poderá dizer o mesmo daquela cena tão inesperada para ela? Sim, Maria guardava a lembrança daquelas palavras misteriosamente terríveis para o seu coração materno; desde então e para sempre lhe trespassaram a alma. A Virgem aceitou, porém, em perfeita harmonia com os sentimentos do coração de seu Filho, associar-se de perto e tão plenamente ao sacrifício divino. Vê-la-emos um dia, consumar, com Jesus, a sua oblação, na montanha do Gólgota; contemplá-la-emos de pé - Stabat mater ejus - a oferecer ainda o seu Filho, fruto das suas entranhas, para nossa salvação, como o fizera trinta e três anos antes no Templo de Jerusalém.
Agradeçamos à Virgem Maria o ter apresentado por nós o seu divino Filho; tributemos fervorosas ações de graças ao próprio Jesus, por se ter oferecido ao Pai pela nossa salvação.
Na Santa Missa, Jesus Cristo oferece-se novamente: apresentemo-Lo ao Pai; unamo-nos a Ele, com disposições de perfeita submissão à vontade do Pai celeste; unamo-nos à fé tão profunda da Virgem; é «por essa fé verdadeira e esse amor cheio de fidelidade » - Te veracitet agnoscamus et fideliter diligamus - que as nossas oferendas merecerão ser agradáveis a Deus»: Oculis tuae majestatis digna sint munera.
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