15. INÁCIO, TRIGO DO CRISTO
No martirológio romano, dentre a série imensa de milhares que deram por Cristo a sua vida, encontramos o seguinte relato: "Em Roma, Santo Inácio, Bispo e Mártir, foi o segundo sucessor do Apóstolo São Pedro na Cátedra de Antioquia; durante a perseguição de Trajano foi condenado a ser devorado pelas feras e levado algemado para Roma. Ali, por ordem de Trajano,foi submetido perante o Senado aos castigos mais cruéis e depois jogado aos leões. Devorado pelas feras, foi uma vítima pelo Cristo".
Assim são os mártires do cristianismo. As crueldades não lhe causam temor, suportam os maiores castigos e se gloriam de serem dignos de morrer por Cristo. O martírio para eles é vida, e derramar o sangue pela fé é recompensa que vem coroar uma vida de heroísmo.
Enumerando algumas figuras heroicas da gesta dos Mártires Cristãos, evocamos e engrandecemos a multidão das outras não menos heroicas, mesmo as mais anônimas, as mais obscuras, desde as mais altas figuras dos bispos e dos padres, até o menor do escravos, que com a mesma firmeza e ânsia pela glória do céu se deixaram martirizar.
Santo Inácio, bispo de Antioquia, se coloca entre os heróis da primitiva Igreja. Governando a Igreja de Antioquia, onde a semente cristã se desenvolvera de maneia admirável, foi Inácio vítima do ódio anticristão que se manifestara violento nas perseguições oficiais do Império Romano. Natural da Síria, é uma das grandes figuras dos tempos apostólicos, tendo sido discípulo dos Apóstolos e mais tarde sucessor de São Pedro em Antioquia, que, depois de Roma, era a mais importante cidade do velho mundo.
Governava Roma o Imperador Trajano, soldado garboso, de porte varonil, que, inimigo do luxo, fizera a pé sua entrada na capital romana, sob os entusiásticos aplausos do povo que o sabia capaz de continuar a grandeza do Império.
Grande administrador, defensor do direito e da justiça, mareou, porém, o brilho de sua glória, maculou sua memória pelo desregramento dos costumes e a perseguição que moveu contra os cristãos, seus melhores súditos. A Plínio, legado imperial da Bitínia, que pessoalmente examinou a conduta dos cristãos e escrevera ao Imperador, comunicando-lhe nenhuma falta neles encontrar, responde o Imperador com palavras que bem assinalam o seu caráter: "Não convém dar buscas aos cristãos, mas acusados e examinados, devem ser condenados à morte, caso não abandonem o cristianismo." "Sentença estranha", vai dizer Tertuliano, "Proíbe procurar os cristãos, reconhecendo implicitamente sua inocência, e por outro lado ordena que sejam punidos por simples denúncia". Este é o amor de justiça dos príncipes mais decantados da Roma pagã.
Acusado e condenado em Antioquia, foi Inácio levado a Roma, escoltado por soldados. Sua vigem foi um caminho para o martírio, e por onde passava, era festivamente recebido pelos cristãos. Escreve
durante a viagem as sete cartas, a Smirna, a Filadélfia, a Policarpo, aos efésios, magnesianos, tralianos e romanos. Nelas expande o seu amor a Cristo, o seu desejo de ser unido a ele e seu zelo pela salvação das almas. São suas cartas um dos mais preciosos documentos da Igreja antiga, em que se manifesta conhecedor da sua Constituição, grande administrador e notável místico com admiráveis meditações sobre Cristo e a vida espiritual. A carta aos romanos em que demonstra seu intenso desejo de morrer por Cristo, é no dizer de Renan "Uma das jóias da literatura primitiva cristã".
Não precisam os documentos a data de seu martírio. Certamente, quando das comemorações da vitória de Trajano sobre os Dácios.
Em todo o esplendor do ouro e do mármore já se levantara o Coliseu. Festas estrondosas se realizavam em Roma. Durante vários dias os anfiteatros regurgitavam e mais de dez mil gladiadores foram sacrificados e com eles umas onze mil feras. Das Províncias vieram os atletas. Os Governadores de países longínquos enviaram feras, prisioneiros e criminosos para a Metrópole, onde nas disputas na arena representavam dantescos espetáculos aos olhos dos vaidosos espectadores que constituíam a corrupta sociedade romana.
Ao penetrar o santo homem na capital do império, olhares sedentos de sangue se digiram a ele e pedem a sua morte. É o Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas, que morre, para que as ovelhas tenham vida.
Ei-lo na arena do majestoso Coliseu. Abrem-se os gradis e as feras se lançam sequiosas de sangue sobre os milhares que se espalham na arena. Os olhos de Inácio se voltam para Deus, tranquilos. Ao ouvir o rugido dos leões, exclama: "Eu sou o trigo do Cristo; pelos dentes das feras hei de ser triturado, para me tornar pão purificado."
A sociedade romana, ébria de poder, riquezas e prazeres, sacia seus olhares no anfiteatro, onde um pobre velho é atirado às feras.
Momentos após, poucos vestígios de sangue na branca areia marcaram o lugar, onde o mártir expirou, e donde sua alma se elevou para o reino da glória.
Alguns cristãos penetram na arena do anfiteatro, agora deserta, para retirar e guardar alguns poucos pedaços de ossos, que constituem as santas relíquias do Bispo de Antioquia.
Dele se conservam estas santas relíquias e as mais belas lições de vida e virtudes. Em suas cartas exorta os fiéis à vida de concórdia, união e obediência na comunidade cristã: "Onde está o bispo, escreveu ele, deve estar o povo, da mesma forma que se diz: onde está Cristo, está a Igreja".
De suas cartas extraímos trechos encantadores: "Só Um Jesus Cristo e não existe ninguém melhor do que Ele" (Carta aos Magnesianos, Cap.7). "Um cristão não tem direito ilimitado sobre si mesmo; seu tempo pertence a Deus" (a S. Policarpo, cap. 7). "É belo morrer a este mundo para Deus, para ressurgir para Ele" (aos Romanos, cap. 12).
A história deste Bispo, herói do cristianismo, Mártir de sua fé, empolga pela bravura e coragem de um gigante da fé e do amor de Deus, que tomba na arena do dever, triturado antes pelas feras que macularam a história do Império Romano do que pelas feras selvagens que o abateram na arena do Coliseu, glória da arte de Roma, e orgulho dos milhares de mártires que aí tombaram pela Igreja e por Cristo.
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