23 de novembro de 2017

Sermão para o 23º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP



[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 13: O Cânon Romano V – Consagração do Cálice





Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Hic est enim cálix sanguinis mei.
Voltamos a considerar, caros católicos, as cerimônias da Missa em seu sentido espiritual. Insisto mais uma vez para que se interessem pela liturgia romana, para que a conheçam, a fim de amar esse tesouro inestimável de nossa fé católica. E que transmitam esse conhecimento e esse amor aos filhos. Tudo o que já falamos até aqui está publicado na internet.
Estamos no centro da Missa, no centro de nossa santa religião católica, no centro do mundo. Estamos na consagração, momento em que, pelas palavras do sacerdote, Nosso Senhor Jesus Cristo se faz realmente e substancialmente presente com seu corpo, sangue, alma e divindade. Já tratamos da consagração da hóstia. Passamos, então, à consagração do cálice. Simili modo, “de modo semelhante’ são as primeiras palavras que o padre diz. De modo semelhante, terminada a ceia, tomou este precioso cálice em suas santas e veneráveis mãos. Mais uma vez, como para a consagração da hóstia, se fala das santas e veneráveis mãos de Cristo. Mãos que fizeram tantas obras de santificação, mãos que foram pregadas na cruz para a nossa salvação. Mão dignas de toda a nossa devoção e veneração. Infelizmente, essa menção foi tirada de todas as orações eucarísticas no Rito de Paulo VI, permanecendo somente na oração eucarística I. São palavras que favorecem o respeito e a reverência ao sacramento. Ao dizer essas palavras, o padre pega o cálice com vinho em suas mãos e o eleva um pouco, colocando-o novamente sobre o corporal. Ao fazer menção à ação de graças, inclina novamente a cabeça e, ao mencionar a bênção, faz o sinal da cruz sobre o cálice. Tudo isso tem o mesmo sentido de quando é feito sobre o pão. Menciona ainda as palavras do Senhor: “tomai todos e bebei.”
Chega, então, às palavras da consagração propriamente dita: “este é, com efeito, o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança – mistério da fé – que será derramado por vós e por muitos em remissão dos pecados”. É por essas palavras que a substância do vinho será transformada na substância do sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aqui, como para a consagração do pão, o padre realiza o que está dizendo, não se trata de uma mera narração, lembrança ou comemoração. O sangue do Senhor se torna realmente presente. É o sangue da nova e eterna aliança. A palavra “eterna” não se encontra nas Sagradas Escrituras, tendo-nos sido transmitida pelo ensinamento oral de Cristo e dos apóstolos, ou seja, pela Tradição. O fato de não ser uma repetição palavra por palavra da Sagrada Escritura torna mais claro o fato de que não se trata de uma narração, mas da renovação do sacrifício de Cristo. É o sangue da nova e eterna aliança. De fato, a aliança estabelecida pelo sacrifício, pelo sangue de Cristo não passará como passou a aliança feita com os judeus. O Novo Testamento e o sacrifício de Cristo não serão substituídos por outro, pois já estamos também no máximo possível de perfeição.
O padre diz em seguida: mysterium fidei, mistério da fé. No rito romano tradicional, essas palavras são ditas ainda durante a fórmula da consagração. Enquanto o sacerdote realiza esse grande milagre, ele confessa que se trata de um mistério, reconhecendo a grandeza da bondade de Cristo, reconhecendo a grandeza do que está ocorrendo. Essas palavras são uma confissão de fé profunda e instantânea no que está ocorrendo e na presença real de Cristo sob as aparências de pão e de vinho. Essas palavras inseridas nesse momento são também da Tradição. Mais uma vez, não se repetem aqui simplesmente as fórmulas presentes na Bíblia, para deixar claro que não se trata de uma narração. Tirar o mysterium fidei das palavras da consagração atenua a confissão de fé na presença real de Cristo nas espécies consagradas.
O padre continua, referindo-se ao sangue de Cristo, dizendo que ele será derramado por vós e por muitos em remissão dos pecados. Será derramado por vós, isto é, pelos presentes, e por muitos, conforme o latim, pro multis, conforme também os originais gregos da Sagrada Escritura e conforme as palavras mesmas de Cristo. Infelizmente, no rito novo traduziram o “por muitos” como “por todos” em português. É uma tradução errada, contrária a todos os textos da Sagrada Escritura e à Tradição. Ora, esse derramado “por todos” em vez de “por muitos”, sobretudo nas circunstâncias atuais, em que as pessoas perderam a noção de pecado e acham que já estão salvas independentemente do que fizerem, é no mais das vezes interpretado como a confirmação de que todos se salvam, é interpretado como a afirmação da salvação universal. “Derramado por todos” pode ser bem interpretado, se entendemos que o Sangue de Cristo foi suficiente e mais do que suficiente para obter para todos as graças para se salvarem, mas não no sentido de que todos se salvarão, pois é preciso ser fiel à graça e cooperar com ela para se salvar. Assim, a tradução errônea é aberta a más interpretações, mas não é herética e não impede que a consagração ocorra, mas pode induzir a um erro sério. É altamente conveniente que seja corrigida, como, inclusive, já pediu a Santa Sé há alguns anos. O original “derramado por muitos” indica que muitos efetivamente aproveitarão o sangue de Cristo para se converterem, para obterem o perdão dos pecados, para se salvarem, mas nem todos aproveitarão o sangue de Cristo derramado por nós, infelizmente. Podemos fazer para a consagração do vinho as mesmas observações tipográficas que fizemos para a consagração do pão. Depois das palavras “tomai todos e bebei” vem um ponto final. Há um parágrafo e, em letras maiúsculas, vêm as palavras da consagração. Não temos, portanto, dois pontos, que designam uma narrativa. As palavras da consagração, ou seja, as palavras “este é o cálice do meu sangue etc.” estão separadas do resto. (O missal de fiéis de Dom Gaspar já apresenta uma tipografia narrativa, como preparação para as mudanças que viriam depois.)  O que está sendo dito nas palavras da consagração se realiza efetivamente pela obra de Cristo, sacerdote principal na Missa, como já dissemos.
O padre faz a genuflexão imediatamente depois da consagração e antes da elevação para significar que Cristo está todo inteiro presente no cálice consagrado, independentemente da consideração dos fiéis. Faz a genuflexão também depois da elevação, depois que os fiéis adoraram o sangue de Cristo. No rito novo sobrou apenas a genuflexão após a elevação.
Pela força das palavras do sacerdote, o sangue de Cristo se faz presente sobre o altar. Como o sangue de Cristo está unido ao seu corpo, à sua alma e à sua divindade, Cristo todo inteiro se faz realmente e substancialmente presente no altar.
Após a consagração o padre diz: toda vez que fizerdes isso, fazei-o em memória de mim. Ele lembra aqui o mandamento de Nosso Senhor que institui ao mesmo tempo a eucaristia, a Missa e o sacerdócio. Toda vez que o padre fizer o que Cristo fez na última ceia, vai fazê-lo para lembrar Cristo. O que fez Cristo? Transformou o pão no seu corpo, o vinho no seu sangue, celebrou a primeira Missa como sacerdote. É isso que o padre faz por ordem de Cristo na Missa. Não é um memorial somente. Ele faz exatamente o que Cristo fez: transforma o pão no Corpo de Cristo, o vinho no seu Sangue e celebra a Missa.
Terminada a consagração do cálice, o sacrifício do calvário está renovado. A separação das espécies significa mística e sacramentalmente a morte de Cristo. Se houvesse a consagração apenas do corpo ou do sangue de Cristo, não haveria sacrifício. Com a consagração das duas espécies, a essência da Missa está realizada, o sacrifício é renovado. No momento da consagração, Cristo oferece novamente seu Corpo e seu Sangue à Santíssima Trindade. Na consagração, ocorre o maior mistério de nossa fé, como o padre diz nas palavras da consagração. O Verbo encarnado se oferece pela nossa salvação. Pela salvação nossa, pobres homens pecadores. Mistério tremendo do amor de Deus. Mistério tremendo do amor de Deus é a Santa Missa. Como dissemos na homilia passada sobre o assunto, a Missa é o mesmo sacrifício da cruz, mudando apenas o modo em que é oferecido. Na cruz, foi sangrento. No altar é incruento, sem sangue, sem sofrimento.
A consagração é a parte mais importante da Missa, caros católicos. Nela, Nosso Senhor se faz presente e renova o seu sacrifício. Muitos pensam que a parte mais importante da Missa é a comunhão e chegam a dizer que se não é para comungar não vale a pena ir à Missa. Chegam a dizer que se a pessoa está em pecado mortal, não tem sentido ir à Missa porque não pode comungar. Isso é um erro. A parte mais importante da Missa é a consagração. Aquele que está em pecado mortal encontrará graças abundantes para o seu arrependimento e conversão vindo à Missa, ainda que não comungue. É pela Missa que nos vêm todas as graças, pois ela é o ato central da verdadeira religião. É pelo seu sacrifício renovado sobre os altares que Cristo nos aplica as graças que alcançou na cruz. Da Missa, depende todo o resto.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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