22 de maio de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV

O segundo elemento da santidade (e que, aliás, dá ao primeiro a sua razão de ser e o seu valor ) é a entrega de nós mesmos a Deus, a dedicação a Deus, o que S. Paulo chama «viver para Deus»: Viventes Deo.
Este viver para Deus encerra em si uma infinidade de graus. Supõe em primeiro lugar afastamento total de todo o pecado mortal; entre este e a vida divina há incompatibilidade absoluta. Há depois a separação do pecado venial, das raízes do pecado, de todo o motivo natural; desapego de tudo quanto é criado. Quanto mais completa for esta separação, mais libertados estamos, mais livres espiritualmente e mais se desenvolve e desabrocha também em nós a vida divina; à medida que a alma se liberta do humano, abre-se para o divino, saboreia as coisas celestes, vive a vida de Deus.
Neste feliz estado, a alma não só está livre do pecado, mas trabalha unicamente sob a inspiração da graça, levada por um motivo sobrenatural. E quando este motivo se estende a todas as ações, quando a alma, por um movimento de amor habitual e estável, atribui tudo a Deus, à glória de Cristo e do Pai, então há nela a plenitude da vida, a santidade: Vivit Deo.
Haveis de notar que, durante o tempo pascal, a Igreja nos fala muitas vezes de vida, não só porque
 Jesus Cristo, pela Sua Ressurreição, venceu a morte, mas principalmente porque abriu às almas as fontes da vida eterna. É em Jesus Cristo que encontramos esta vida: Ego sum vita. É por isso também que a Igreja nos faz ler frequentemente, nestes dias abençoados, a parábola da vida: «Eu sou a vida, diz Jesus, vós os ramos; permanecei e  mim e Eu em vós, porque sem mim nada podeis fazer». É mister permanecermos em Jesus Cristo e Ele em nós, para produzirmos muitos frutos.
De que maneira?
Pela Sua graça, pela fé que n'Ele temos, pelas virtudes de que Ele é o exemplar e nós imitamos. Quando, depois de renunciarmos ao pecado, morremos para nós mesmos, «como o grão de trigo morre na terra antes de produzir fecundas espigas», quando agimos unicamente sob a inspiração do Espírito Santo e em conformidade com os preceitos e máximas do Evangelho de Jesus, então é a vida divina de Cristo a desabrochar em nossas almas, «é Jesus Cristo que vive em nós»: Vivo
ego, jam non ego, vivit vero in me Christus.
Eis o ideal da perfeição: Viventes Deo ín Christo Jesu. Não podemos atingi-lo num dia; a santidade, inaugurada no Batismo, vai-se realizando só pouco a pouco, por graus sucessivos. Façamos de modo que cada Páscoa, cada dia deste período abençoado, que vai da Ressurreição até ao Pentecostes,  produza em nós uma morte mais completa ao pecado, à criatura  e um acréscimo mais vigoroso e abundante da vida de Cristo.
É preciso que Cristo reine em nossos corações e tudo em nós Lhe seja submetido. Que faz Jesus Cristo desde o dia do Seu triunfo? Vive e reina glorioso, Deus no seio do Pai: Vivit et regnat Deus. Cristo só vive onde reina, e vive em nós na proporção em que reina em nossas almas. É Rei como é Pontífice. Quando Pilatos Lhe pergunta se é Rei, Nosso Senhor responde: Tu dicis quia rex sum ego, "sou, sim, mas o meu reino não é deste mundo». «O reino de Deus está em nós: Regnum Dei intra vos est. É necessário que de dia para dia se realize em nós mais plenamente esta dominação de Cristo. É o que pedimos a Deus: Adveniat regnum tuum! Oh! "venha, Senhor, o dia em que reineis verdadeiramente em nós por Jesus Cristo»!
E por que não se dá ainda isto? Porque há muitas coisas em nós - vontade própria, amor próprio, nossa atividade natura - que não estão ainda sujeitas a Cristo; porque ainda não fizemos o que o Pai deseja: Omnia subjecisti sub pedibus ejus, "pôr tudo sob os pés de Cristo". É esta uma parte da glória que o Pai quer doravante dar ao Seu Filho Jesus: Exaltavit illum et donavit illi nomen . . .  ut in nomine Jesu omne genu flectatur. O Pai quer glorificar a Jesus Cristo, porque é Seu Filho,  porque se humilhou; quer que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus; tudo na criação Lhe deve estar sujeito: no céu, na terra e nos infernos; tudo o deve estar igualmente em cada um de nós; vontade, inteligência, imaginação, energias.
Veio a nós, como Rei, no dia do Batismo; mas o Seu domínio é-Lhe disputado pelo pecado. Quando destruímos o pecado, infidelidades, apego à criatura, quando vivemos da fé n'Ele, na Sua palavra, nos Seus méritos, quando procuramos agradar-Lhe em tudo -,  então Jesus Cristo é o Senhor, reina em nós, como reina no seio do Pai, vive em nós; pode dizer de nós ao Pai: «Vê, ó Pai, esta alma: vivo e reino nela para que o teu nome seja santificado ».
Tais são os aspectos mais profundos da graça pascal: desapego de tudo o que é humano, terrestre, criado; doação total a Deus por Jesus Cristo. A Ressurreição do Verbo Incarnado torna-se para nós mistério de vida e santidade. Sendo Cristo o nosso chefe, «Deus ressuscitou-nos com Ele»: Conresuscitavít nos. Portanto, devemos procurar reproduzir em nós os traços que caracterizam a Sua vida de ressuscitado.
É o que nos aconselha S. Paulo com tanta insistência, nestes dias. «Se ressuscitastes com Cristo», isto é, se quereis que Jesus Cristo vos faça participar do mistério da Ressurreição, se quereis partilhar dos sentimentos do Seu Sagrado Coração, se quereis «comer a Páscoa» com Ele e tomar um dia parte na Sua glória triunfante, «procurai as coisas do alto, anelai pelas coisas do céu que são duradouras, desapegai-vos das da terra» que são fugazes - honras, prazeres, riquezas: Si CONsurrexistis cum Christo, quae sursum sunt quarite . . .  non quae super terram. Morrestes para o pecado, e a vossa
vida está oculta com Cristo em Deus . . . E assim como Cristo ressuscitado já não morre, mas vive eternamente para o Pai, assim vós deveis morrer para o pecado e viver para Deus pela graça de Jesus Cristo: Ita et vos existimate: vos mortuos quidem esse pecato, viventes autem Deo in Christo Jesu. 

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