[Sermão] As três ressurreições e os três tipos de morte da alma
Sermão para o 15º Domingo depois de Pentecostes
1º de setembro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…
“Jovem eu te digo: levanta-te.”
São Lucas é o único Evangelista a narrar
essa ressurreição, a ressurreição do único filho de uma viúva de uma
cidade chamada Naim. Uma grande multidão seguia Nosso Senhor em virtude
da belíssima doutrina que Ele ensinava – o sermão da montanha ainda
estava impresso nas almas – e em virtude dos milagres que ele operava
para confirmar a origem divina da sua doutrina, fazendo ao mesmo tempo
um grande bem ao povo com esses milagres. Além dessa grande multidão que
seguia Cristo, havia também uma grande quantidade de pessoas que
seguia, por compaixão pela pobre mãe viúva, o cortejo fúnebre desse
jovem. São Lucas nos diz ainda que o milagre ocorreu próximo da porta da
cidade. Ora, na porta das cidades dos judeus havia grande quantidade de
pessoas também, pois era nas portas que os judeus faziam os mercados e
os tribunais (Salmo 68,13). Esse encontro entre a multidão que seguia
Nosso Senhor Jesus Cristo, a multidão que seguia o cortejo fúnebre e a
multidão que se encontrava na porta da cidade não é um acaso, mas é
disposto pela vontade divina de Cristo, a fim de que o milagre seja
conhecido por muitos, a fim de que muitos possam crer nEle e naquilo que
Ele diz, para que muitos possam se salvar.
E Nosso Senhor ressuscita esse jovem
diante de uma multidão imensa de pessoas com uma grande facilidade. Ele
simplesmente diz ao jovem: Eu te digo, levanta-te. E para provar a
ressurreição, o jovem não somente se levantou e se sentou, como começou a
falar. Cristo mostra, então, seu domínio absoluto sobre a vida e a
morte, domínio que só pode ser divino. Essa ressurreição é bem diferente
das ressurreições feitas por Elias e Eliseu no Antigo Testamento,
também em favor de viúvas. Os dois tiveram que fazer vários gestos,
várias orações, implorando a Deus a ressurreição, enquanto Cristo
ressuscita o jovem com uma simples ordem, que se cumpre imediatamente. O
bom senso da multidão reconhece que aí está o dedo de Deus e essa
multidão se enche de um bom temor de Deus. Digo de um bom temor porque é
um temor reverencial e de respeito pela onipotência divina, e temor que
leva os presentes a glorificarem a Deus. Se ainda não reconhecem em
Cristo o Verbo de Deus humanado, ao menos o reconhecem como um profeta,
como alguém enviado por Deus para dizer a verdade. Também nós
reconhecemos Cristo como um profeta e muito mais do que um profeta, pois
afirmamos que Cristo é Deus. Por que não crer, então, em tudo aquilo
que nos ensinou e nos ensina pela sua santa Igreja? Por que não praticar
aquilo que Ele nos ordena fazer, se é para a glória de Deus e para o
nosso bem, para a nossa salvação?
Mas não devemos esquecer um detalhe
importante do Evangelho de hoje. Cristo opera o milagre da ressurreição
do jovem por compaixão pela mãe viúva. São as lágrimas da mãe, no fundo,
que moveram Cristo a realizar esse milagre, como as lágrimas de santa
Mônica moveram Cristo a converter seu filho, Santo Agostinho. As
lágrimas, as orações, as súplicas das mães pelos seus filhos – as dos
pais também, mas sobretudo as das mães – têm um grande valor e eficácia
diante de Deus. Que os pais não negligenciem as orações fervorosas pelos
filhos. Essas orações são parte integrante do dever dos pais em relação
aos filhos.
Todavia, é outra a lição principal do
Evangelho de hoje. Nós sabemos que a ressurreição do jovem filho da
viúva de Naim não é a única ressurreição que Cristo fez. Pelos
Evangelhos, sabemos que Cristo fez pelo menos três ressurreições. Mas é
bem provável que tenha feito muitas outras, pois nem tudo o que Ele fez
está escrito. Se se escrevesse tudo o que Cristo fez nem no mundo todo
poderiam caber os livros que seria preciso escrever, como nos diz São
João (Jo 21,25). Longe esteja de nós, portanto, limitar-nos à Sagrada
Escritura, desprezando a Tradição. Dizíamos, então, que são três as
ressurreições narradas nos Evangelhos. A ressurreição da filha de Jairo,
chefe de uma Sinagoga, a ressurreição do jovem filho da viúva de Naim
que acabamos de ouvir, e a ressurreição de Lázaro. A filha de Jairo foi
ressuscitada quando ainda se encontrava dentro da casa. O jovem foi
ressuscitado no caminho para ser enterrado. Lázaro foi ressuscitado
depois de 4 dias já sepultado. Cada um desses três mortos representa as
três classes de mortos que Nosso Senhor ressuscita diariamente. A morte
da filha de Jairo, ressuscitada ainda dentro de casa, representa o
pecado grave cometido por pensamento seguido de consentimento, mas que
não se traduziu em nenhum ato exterior. Pensar no mal voluntariamente,
alegrar-se com o mal cometido ou desejar fazer o mal são pecados
interiores que nos valem a morte se dizem respeito à matéria grave.
Nosso Senhor diz, por exemplo, que aquele que olha uma mulher para
desejá-la já adulterou em seu coração. A filha de Jairo representa,
assim, o pecado interno. O jovem filho da viúva de Naim, ressuscitado no
caminho para o cemitério, representa o pecado grave cometido também
exteriormente e que tem, portanto, maior intensidade que o pecado
cometido só interiormente. Lázaro, ressuscitado depois de quatro dias
enterrado, representa o pecado grave que já se tornou uma inclinação
arraigada na alma e que a pessoa muitas vezes já nem consegue reconhecer
como um mal. Ora, é mais difícil curar o pecado que já se tornou um
hábito do que o simples pecado exterior, assim como é mais difícil curar
o pecado que se traduziu em obras ruins do que o pecado que é só
interior. O pecado puramente interior é mais fácil de ser abandonado e
perdoado: Cristo ressuscitou a menina ainda na casa. O pecado que é
também exterior já é mais difícil de ser abandonado e perdoado, dada a
sua maior intensidade: Cristo ressuscitou o jovem já no caminho para o
cemitério, cemitério que simboliza, nesse caso, a morte eterna causada
pela separação eterna de Deus. O pecado habitual, aquele que já é para
nós quase uma segunda natureza é muito difícil de ser abandonado e,
portanto, de ser perdoado: Cristo ressuscitou Lázaro somente após 4 dias
de sepultura, quer dizer, já muito perto da morte eterna. E depois de
ressuscitado, Lázaro ainda estava amarrado, mostrando que mesmo depois
do perdão de um pecado habitual a tendência, a inclinação para voltar a
cometê-lo é grande.
Todavia, Cristo ressuscitou cada um
desses três mortos, quer dizer, Cristo perdoa todos esses pecados que
esses mortos representam, mesmo os mais graves, mesmo os mais
arraigados, desde que estejamos dispostos a receber o perdão, quer
dizer, desde que (1) detestemos o pecado, desde que (2) tenhamos o firme
propósito de não mais cometê-lo, desde que (3) confessemos todos os
nossos pecados graves ao padre com sinceridade e simplicidade e desde
que (4) estejamos dispostos a cumprir a penitência dada por ele. A
confissão é o meio pelo qual a misericórdia divina ressuscita as nossas
almas. A confissão foi criada pelo Sagrado Coração de Jesus, que deseja
ardentemente a nossa salvação até o ponto de ser transpassado pela
lança. Todo pecado é perdoável, mas é preciso buscar logo esse perdão,
para não morrermos em pecado mortal. Lembremo-nos de que o filho da
viúva era jovem. Busquemos a confissão com confiança e rapidamente.
Devemos também tirar do Evangelho de hoje
a lição de que devemos cortar o mal imediatamente na raiz, quer dizer,
devemos combater a tentação, cortando-a quando ela começa a aparecer na
nossa imaginação e na nossa inteligência. Para combater a tentação
devemos fazer o ato de virtude contrário, devemos desviar o nosso
pensamento para algo lícito, bom e, se possível, santo. Devemos fugir
das ocasiões de pecado, nos mortificar. Se não cortamos esses maus
pensamentos imediatamente, terminaremos consentindo, depois passando
para as obras e criando um vício, um costume ruim. É mais fácil evitar
que uma árvore seja plantada do que cortar uma árvore já plantada ou que
tenha raízes profundas. É preciso, assim, evitar o plantio das árvores
más e arrancar as já plantadas. Mas isso não basta. É preciso ocupar o
terreno com as árvores boas da virtude, da obediência total à lei de
Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo na sua imensa compaixão diante de nossas
misérias, compaixão tal como a vimos relatada hoje no Evangelho, quer
ressuscitar a nossa alma. Mas ele pede também a nossa cooperação. Não
recusemos cooperar com um Deus que quer nos salvar.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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