CAPÍTULO XLIX
Como Santo Antônio livrou da tentação a certa mulher de Santarém
No mesmo reino de Portugal, em Santarém, nos tempos del-rei Dom Dinis, vivia certa mulher mui pecadora, mas também mui devota de Santo Antônio.
Apertava com ela o demônio constantemente a induzi-la a que se matasse. E à pobre até lhe parecia que o próprio Jesus Cristo lhe segredava ao coração:
— Ó mesquinha, tantas maldades tens cometido que, só matando-te, te poderás salvar!
E o demônio que assim lá dentro a desinquietava com estas e semelhantes tentações, querendo também vexá-la exteriormente apareceu-lhe em forma humana a falar:
— Eu sou aquele Senhor a quem tens ofendido gravemente, e venho dizer-te que, se fores ao rio Tejo e nele te afogares em satisfação de tuas culpas, todas te hei-de perdoar e te darei a eterna glória.
Ora, aconteceu que, depois de o demônio muitas vezes lhe ter assim falado, o marido, num momento de qualquer arrelia, chamou-lhe “mulher endemoninhada”. Sanhuda por se ver escarnecida, desceu em direcção ao Tejo — era ao meio da manhã — na intenção de nele se afogar conforme o demônio tantas vezes aconselhara.
Quando passou junto à igreja dos Frades Menores, lembrou-se que era o dia da festa de Santo Antônio, e entrou dentro a encomendar-se ao Santo. Prostrada diante de sua imagem, toda em lágrimas fez sua oração:
— Ó meu Padre Santo Antônio, bem sabeis quanto vos quero!
Valei-me nesta aflição. Sê benigno para comigo, e mostrai-me se apraz a Deus que me vá no rio afogar ou se de todo em todo devo pôr de lado tal ideia.
Quando assim rezava, passou por ela um sono leve, e apareceu Santo Antônio a falar-lhe:
— Levanta-te, filha, e guarda este bilhete. Com ele serás livre dessa forte tentação.
E, acordando, viu a mulher que tinha ao pescoço um pedaço de pergaminho, no qual, a letras de oiro, estava escrito: “Eis a Cruz do Senhor! Fugi, inimigos da alma, pois venceu o Leão da tribo de Judá, raiz de David. Aleluia, Aleluia”.
E desde aquele momento foi livre da tentação, e enquanto guardou consigo o bilhete ou breve, nunca mais o demônio a apoquentou.
Soube do prodígio el-rei Dom Dinis — pois o marido o divulgou — e pediu para si o milagroso pergaminho. E o caso foi que, apenas sem ele, logo a pobre da mulher começou outra vez a ser tentada.
Compadeceu-se o marido, e como já não podia haver o breve, que dele não se desfazia el-rei, valeu-se dos Frades Menores que a Dom Dinis pediram uma cópia e a trouxeram. E quando a entregaram à mulher, eis que ficou livre da tentação, como dantes quando e consigo trazia o breve. E confessou devotamente seus pecados com lágrimas de contrição, e toda se converteu ao serviço do Senhor.
E por vinte anos ainda viveu santamente, e em paz acabou seus dias.
E el-rei Dom Dinis guardou o pergaminho original entre as suas relíquias que mais prezava, e com ele, por intercessão de Santo Antônio, muitos milagres se fizeram. Em louvor de Cristo bendito.
Amém.
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