CAPÍTULO IV
A ENTRADA EM CENA
Dada a índole turbulenta de Lutero, compreende-se logo que as suas novas doutrinas enunciando: - SÓ A BÍBLIA É NECESSÁRIA, - e É A FÉ QUE SALVA – não ficariam encerradas no limitado espaço de sua cela monacal. O frade revoltoso não era homem de meias medidas; depois de cair, necessariamente arrastaria outro consigo, pois as idéias concebidas na leitura falsificada da Epístola ao Romanos tornaram nele logo uma verdadeira OBSESSÃO, passando a informar toda a sua vida e as suas atividades.
Faltava apenas uma ocasião azada para serem manifestadas em público. E esta circunstância não tardou. Foi a pregação das indulgências na Alemanha.
Conforme confessou o próprio reformador, pouco significaram para ele tais benefícios espirituais, chegando mesmo a dizer ignorar o que fosse uma indulgência (W. W. I. 65).
Analisemos, aqui, o desenrolar dos fatos intitulados por nós: A ENTRADA DE LUTERO EM CENA.
1. A QUESTÃO DAS INDULGÊNCIAS
Havia tempo que a Santa Sé projetava construir em Roma uma grande basílica em honra de São Pedro, em substituição à velha igreja do mesmo nome.
A idéia do Papa Júlio II, em 1506, era fazer que a catolicidade contribuísse para levantar-se o monumento que devia ser como que a manifestação pública da unidade católica; o projeto ultrapassava os mais suntuosos edifícios do mundo. Para que os católicos de todo o mundo se interessassem pela obra comum, o Papa concedeu uma indulgência particular a todos os cooperadores desta empresa por meio de esmolas.
Já havia tal indulgência sido pregado em quase todos os países, com exceção da Alemanha, devido às grandes somas que, de direito, tenha o império germânico de dar à Roma, o que anteriormente suscitara certo descontentamento.
Julgou o Papa Leão X que tal animosidade desaparecera, podendo, também a Alemanha contribuir, opor seu turno, para ajudar à Basílica de Roma, e, por isso, mandou publicar a Bula das indulgências em março de 1515. Eram condições para se lucrar a indulgência: confissão, comunhão, um dia de jejum, a visita a sete igrejas ou altares e um esmola para a Basílica em construção. Foi nomeado o arcebispo de Mainz comissário desta indulgência, devendo ela entrar em vigor na Quaresma de 1517. O arcebispo nomeou como vice-comissário do arcebispado de Magdeburgo o dominicano João Tetzel, que já havia exercido a mesma função em Mainz, no ano anterior.
Como desempenhou o padre Tetzel este ofício?...
O dominicano era um orador popular, talentoso, mas, segundo consta das informações de Grisar, cometeu exageros ao explicar o modo de aplicação das indulgências aos vivos. Há quem afirme que os desvios nas expressões do pregador em nada afetaram a sua doutrina, sempre exata.
No ensino eclesiástico, a INDULGÊNCIA É A REMISSÃO DA PENA TEMPORAL DEVIDA AOS PECADOS JÁ PERDOADOS, benefício espiritual que a Igreja concede sob certas cláusulas a quem está em estado de graça, aplicando-lhe os méritos infinitos de Jesus Cristo, e os superabundantes de Maria Santíssima e dos Santos, os quais constituem o tesouro da Igreja.
A indulgência plenária perdoa toda a pena temporal, enquanto a parcial apaga apenas um parte dela. Para se lucrarem as indulgências, importa estar em estado de graça e cumprir o que elas prescrevem. Em virtude da Comunhão dos Santos, as indulgências podem geralmente ser aplicadas às almas do purgatório, sem que, entretanto saibamos com certeza os frutos praticamente a elas comunicados. Tal aplicação, de fato não depende só da Igreja, senão da vontade de Deus. Depois da revolta de Lutero, e para motivá-la, inventaram os protestantes mil e tantas calúnias contra Tetzel e o objeto de suas pregações, mas os ataques foram sem fundamento e sem provas.
2. A DECLARAÇÃO DE GUERRA
Tetzel não falou em Wittemberg, mas na Saxônia, em Juterbog; desta sorte, Lutero não ouviu pessoalmente a tal pregação, conhecendo-a através das informações de seus alunos e amigos.
Lutero se inflamou, achando favorável a ocasião para agir.
E logo começou, decidido a todos os excessos, com todo o ardor de seu temperamento impetuoso, ávido de proezas e novidades.
Na véspera da festa de Todos os Santos, orago da Igreja dos Agostinianos, uma multidão se acotovelava na praça para ganhar a indulgência da Porciúncula, quando Lutero apareceu com 95 teses contrárias às indulgências, as quais afixou à porta do templo. Era a declaração de guerra religiosa. O novo herege levantou-se contra o ensino da Teologia, declarando não terem as indulgências valor algum perante Deus, não passando de apenas canônicas impostas pela Igreja. Além disso, negou a doutrina referente ao tesouro da Igreja.
Finalmente pergunta Lutero: por que o Papa não constrói a basílica de São Pedro com seu próprio dinheiro, ele que possui riquezas maiores do que o mais abastado Cresus, em vez de recorrer aos fiéis pobres?...
No mesmo dia o revoltoso remeteu as teses ao arcebispo de Mainz, aconselhando-o a substituir a pregação das indulgências por outras, para evitar se escrevesse contra esta doutrina.
Tetzel, prevendo a significação e a rápida propaganda das teses de Lutero, pôs-se logo em campanha contra o adversário. Para este fim, publicou uma lista de 106 proposições por ele defendidas, em 20 de janeiro de 1518, publicamente, diante da Universidade de Francfort. Lutero estava com as armas e, em vez de refletir e comparar as doutrinas expostas por ele com as do seu adversário, começou a atacar com furor mal contido a doutrina escolástica sobre a confissão, a contrição e a satisfação.
Aos amigos que lhe observaram a excentricidade da nova doutrina, Lutero retrucou com aquela sua teimosia costumeira: “Pouco me importa alguns me considerarem herege; são cérebros escuros que mal cheiraram a Bíblia”. Permaneceu Tetzel firme e com perspicácia e preparo teológico que o exornavam, compreendeu logo profundamente a perversidade das teorias luteranas.
Enquanto muitos teólogos viram nestas discussões uma simples questão de palavras, Tetzel sentia estar em jogo uma verdadeira heresia, cujas consequências abalariam a fé em muitos católicos. De fato, a questão das indulgências foi desaparecendo rapidamente e, já em maio de 1518, toda a discussão se deslocara para a autoridade da Igreja. A novidade se espalhou célebre no meio do
povo, que apreciava, sobretudo a crítica de certos deslizes reais ou fictícios entre o clero e a instigação contra o pagamento de qualquer tributo ou sustento porventura exigido pela Igreja.. O povo não atinou logo não se trata aqui simplesmente de criticar abusos, mas ser desejo dos rebeldes um rompimento completo com a doutrina e a autoridade da Igreja.
3. PRIMEIRA REAÇÃO DA IGREJA
As idéias revolucionárias do heresiarca ecoaram na Alemanha inteira e abalaram a crença de muitos, tanto mais que o terreno se achava admiravelmente preparado para receber qualquer semente de protesto e insurreição.
Efetivamente, o século XVI era de uma quase universal decadência, e a Religião divina não escapava em sua parte material, ao influxo de ambiente tão corruptor dos costumes.
Havia abusos nos governos, e até no governo subalterno da Igreja, devido à ambição das honrarias, da fortuna e das posições. A doutrina católica não vacilou jamais, por ter as promessas divinas; o seus dirigente, porém seus membros são homens e, como tais, susceptíveis de se deixarem impregnar pelas idéias dos lugares, onde nascem e onde são educados.
Infelizmente, muito não sabem distinguir entre DOUTRINA e PESSOA, confundindo esta com aquela e atribuindo à primeira, - o que aconteceu com Lutero, - o que é exclusivamente da segunda. É o que aconteceu com Lutero e seus asseclas, admitindo-se estivessem em boa fé nesta guerra contra a Igreja.
Havia defeitos na vida dos católicos; não os havia, porém, no ensino eclesiástico. Pretendiam os descontentes atacar os abusos; podiam fazê-lo. Mas, ao invés, atacaram a doutrina, deixando subsistirem os abusos que cresciam cada vez mais, demolindo-se o verdadeiro ensino em proveito das pessoas ou dos seus erros.
Foi esta a grande aberração, ou a triste confusão de Lutero. O arcebispo de Mainz, D. Aberto de Brandeburg, vendo o erro tomar vulto, denunciou-o a Roma em janeiro de 1518.
Em 3 de fevereiro daquele ano, o Papa Leão X escreveu ao substituto do Superior geral dos Agostinianos, encarregando-o de persuadir Lutero, seu súdito, a desistir de suas opiniões perigosas ou erradas, para evitar que desta faísca do erro resultasse um incêndio, impossível talvez de se apagar mais tarde.
Infelizmente, já não era uma simples fagulha, mas uma fogueira que lavrava. Parece ter Lutero encontrado em sua ordem vários cúmplices, partilhando das suas idéias e erros.
A única medida, que se conhece tomada pelos seus superiores, foi a de impedir a reeleição de Lutero como vigário de distrito.
Não continuou em seu cargo o monge deposto, prosseguindo, porém, em sua revolta, atacando a doutrina e a autoridade da Igreja Católica.
4. LUTERO E O PAPA
Em face da persistência de Lutero, os Dominicanos o denunciaram outra vez a Roma.
O monge rebelde receava a excomunhão e, prevendo-a, procurou evitar a impressão, que necessariamente ela exerceria sobre o público.
Em maio de 1518 pregou sobre as CONSEQÜÊNCIAS DA EXCOMUNHÃO, procurando mitigá-las o mais possível e dispor o espírito da população em seu favor.
Na mesma ocasião mandou ao Papa Leão X uma defesa de seus ensinos sobre as indulgências, queixando-se das acusações injustas a ele feitas.
Conta, a seu modo e de maneira falsa, a causa desta luta, declarando Não posso retratar-me. Apesar desta teimosia, declarou pela mesma carta escutar a voz de Leão, como sendo a voz de Cristo, que fala e dirige por Ele.
“Faze-me viver e matar, chama, aprova, rejeita como te agradar” escreve ao Papa; e, ao mesmo tempo, em linguagem desabrida e com revoltante cinismo, escreve a um amigo: “Pouco me importa agrade ou não ao Papa, homem como os outros. Houve até Papas que não só cometeram erros e crimes, mas até monstruosidades. Eu escuto o Papa como Papa, quando ensina as leis da Igreja, de acordo com os Concílios, mas não quando ele fala por própria cabeça” (Obras de Lutero, Weimar). Julgou a Santa Sé de seu dever adotar novas providências contra ele. Chamou Lutero a Roma, onde devia apresentar-se dentro de 60 dias.
Este estava resolvido a não obedecer e procurou proteção junto do príncipe Frederico e do imperador Maximiliano.
Solicitou a Frederico que o chamasse perante o Conselho do reino, então reunido em Ausburgo, por querer ser julgado por juízes alemães.
Para não irritar os espíritos, o Papa lhe concedeu permissão de comparecer em Augsburgo, ante o legado da Santa Sé, o Cardeal Cajetano, com faculdades para tratar do assunto.
Em 7 de outubro chegou Lutero a Augsburgo tendo ali várias conferências e entrevistas com o príncipe Frederico e o Cardeal, nos dias 12 e 13 do mesmo mês.
O enviado papal mostrou-se bondoso e paciente, e, tendo-lhe Lutero declarado estar pronto a seguir em suas palavras e obras, a doutrina da Igreja de Roma, indicou-lhe o dignitário os dois erros notórios: a negação dos tesouros da Igreja como depositária das indulgências, e a opinião da exclusividade de salvação pela fé somente.
O cardeal não admitiu discussões, já que os dois pontos se opunham formalmente à doutrina da Igreja. Lutero respondeu ao legado: “Não posso retratar-me, se não me provarem ter ensinado qualquer coisa contrária às Escrituras, aos Santos Padres, às decisões dos Papas ou do bom senso”.
A entrevista terminou infrutífera; o monge revoltoso protestava obedecer em tudo ao Papa, enquanto ao mesmo tempo não concordava com ele em nada.
Dali se retirou Lutero para a residência onde se hospedava, mas, com espanto geral, fugiu secretamente de Augsburgo, na noite de 20 para 21 de outubro, regressando a Wittemberg, onde achou apoio na pessoa do seu superior Stuapitz. Lutero, depois de ter feito um papel tão triste e covarde, sentia-se satisfeito em ver-se longe de Augsburgo, onde não encontrará o esperando apoio. Em 28 de novembro, para desculpar-se, apelou da sentença do Papa, para um Concílio geral.
Era apenas um meio de ganhar tempo.
Lutero estava definitivamente perdido e cada vez mais teimoso em suas idéias de revolta.
Uma carta a seu amigo Lenk, de Nuremberg, nos transmite as suas verdadeiras idéias e o seu ódio ao Papa.
“A luta não está nem começada”, escreve ele, “longe de estes senhores poderem esperar o fim. Remeto-lhe a relação dos fatos de Augsburgo, para ver que, como julgo, o verdadeiro Anticristo de que fala Paulo reina na Sé de Roma; penso poder provar que ele é pior que os turcos” (Enders Correp. I. 316-II/12/1518).
Quem fala deste modo está decidido a continuar no erro e segui-lo até o fim.
Lutero prosseguirá com seus discursos inflamados de insubmissão e um dia exclamara cheio de amor próprio: “Roma pode experimentar condenar-me, mas Cristo, por sua vez, jamais se afastará de mim” (Cartas I. 30,.320 a Staupitz 13 dez.1518).
5. A DISCUSSÃO DE LEIPZIG
Exteriormente a luta acalmara um pouco.
Roma protelava, aguardando a conversão do filho pródigo.
Tendo falecido o imperador Miximiliano, em 12 de janeiro de 1519, foi só depois da eleição do seu sucessor Carlos V (out. de 1519) que o processo contra Lutero foi retomado. Nesse ínterim um novo acontecimento patenteara a má vontade de Lutero: a discussão de Leipzig.
Os erros de Lutero foram-se espalhando com a repulsa de uns e a aprovação de outros. Em breve as próprias universidades da Alemanha veriam as suas opiniões divididas, efeito das dúvidas e discussões suscitadas.
O enfraquecimento da fé e o relaxamento da moral eram um terreno propício para as novidades e revoltas. As universidades de Wittemberg, Ingolstad e Leipzig combinaram entre si um debate público para resolver a pendência. O lugar escolhido foi o castelo do conde Jorge de Sax, em Leipzig. Ali deviam reunir-se os representantes de cada partido.
O salão de honra do castelo foi dividido em duas partes destinadas às duas facções, com dois púlpitos no centro, um em frente ao outro.
A discussão teve início a 27 de junho de 1519 entre Carlostad e Eck. O enviado de Lutero foi vergonhosamente vencido, não podendo provar as suas teses, nem refutar as do seu antagonista.
Referindo-se, mais tarde, a esse fracasso, falou Lutero: “Em Leipzig Carlostad recolheu vergonha em vez de honra, mostrando-se um miserável polemista, com espírito tapado e tolo” (H. Boeckmer: Der Junge Luther 1929, pág. 255).
A impressão foi péssima para a pretensa reforma. Os partidários chamaram Lutero para vingar a desfeita e soerguer a honra comprometida da nova doutrina.
Em 4 de julho reencetou-se a polêmica, desta vez entre Lutero e Dr. Eck. Tudo convergiu logo para a palpitante questão: a autoridade da Igreja em matéria doutrina.
Lutero havia opugnado as indulgências, proclamando o valor supremo da Bíblia e a inutilidade das boas obras, mas não tinha ainda opinião formada sobre a jurisdição da Igreja em questões de doutrina. Caiu em contradição, titubeou, aderindo, publicamente às condenadas doutrinas de Huss, rejeitando a autoridade da Igreja. O Dr. Eck refutou vitoriosamente as asserções heréticas, e Lutero não fez papel mais brilhante do que o seu representante vencido, Carlostad.
Os ânimos dos sectários se exaltaram e vários começaram a grita contra as asserções católicas de Eck. A 14 de julho encerrou-se a discussão, levando os louros do triunfo o Dr. Eck, como o próprio Lutero depois declarou em uma carta a Melanchton: “Eck tem as vantagens: ele triunfa e reina. Estes leipziganos não nos saudaram, nem visitaram, mas nos trataram como inimigos, enquanto acompanharam Eck em toda parte... para nossa vergonha... aí está todo o drama: começou mal e acabou pior... discutimos mal” (Enders: corr. II, 85, 20 de julho de 1519).
O conde Jorge de Saxe, o povo de Leipzig, a universidade e os católicos hesitantes sentiram-se fortalecidos em sua fé, mas Lutero, recolhendo-se sob a capa do seu amor próprio ferido, se tornou cada vez mais intratável e grosseiro.
Ei-lo feito definitivamente herege.
6. FURORES DE LUTERO
Lutero compreendeu que Roma, diante destes acontecimentos, não mais permaneceria por muito tempo calada e resolveu tomar a frente , para romper publicamente com o papado.
Em 1520 publicou um pasquim intitulado: “Do Papado de Roma”.
Era uma resposta violenta e grosseira ao franciscano Agostinho Halfeld, que publicara um escrito em defesa dos direito divinos do papado.
Este escrito, segundo atestou um protestante daquele tempo, zombava da lógica e punha a sua força em grandes palavras. Tratava Halfeld de asno, que não sabe zurrar, e expunha a sua doutrina herética sobrte o reino invisível da Igreja e o sacerdócio universal, que não deixavam mais lugar para o papado.
O monge revoltoso tornou-se um verdadeiro energúmeno, blasfemando, insultando a todos os que não estavam pelas suas idéias.
Prieirias havia refutado alguns erros de Lutero. Este não demora com a resposta: “Este homem miserável, escreve ele, produziu um escrito que parece feito pelo próprio Satanás, no fundo do inferno.,.. se tal é a doutrina de Roma, eu declaro que verdadeiramente o anticristo está sentado no templo de Deus e reina em Roma, a verdadeira Babilônia, revestido de púrpura, sendo a corte de Roma a sinagoga de Satã” .
O furibundo monge continua, parecendo um verdadeiro possesso: “Contra a cólera da Cúria Romana”, continua ele “parece não haver mais outro meio senão que o imperador, reis e príncipes enfrentem esta peste pela força das armas e a estirpem da terra”.
“Se nós castigamos ladrões com a forca, bandidos com a espada, hereges com o fogo, por que não agredimos com qualquer arma estes doutrinadores da corrupção, estes cardeais, estes papas e toda esta bicharada da Sodoma romana, que leva toda Igreja à putrefação? Por que não lavamos as nossas mãos no sangue dele?” (Corresp. III. 73. jan. 1521).
O dominicano inquisidor Jacques von Hostraten não é melhor acolhido.
Na expressão de Lutero, ele é um assassino, doido e sanguinolento, que não pode ser saciado senão pelo sangue dos cristãos... deve procurar besouros nas estrumeiras, em vez de cristãos, até aprender o que é pecado, erro e heresia... pois, continua o monge furibundo, nunca vi maior burro do que tu... és uma cabeça cega, tapada; tu, cão raivoso... inimigo da verdade, herege, pois trazes em ti mais veneno o que todos os hereges deste últimos 4.000 anos (Obras Lutero, Weimar II. 384).
As universidades de Lovaina e de Colônia não escaparam à sanha furibunda do reformador. Segundo o costume daqueles, haviam se pronunciado contrárias a certas asserções do professor de Wittemberg.
Este lhes respondeu logo: “Enquanto não me tiverdes refutado, ligo tanto às vossas condenações, quanto me importo com as blasfêmias de uma mulher bêbada!” (Obras Weimar VI. 157). Em uma carta a seu amigo Spalatino, trata estes doutores de “asnos de Lovaina e de Colônia”.
Em 1518, Lutero exclama com razão: “Eu sou completamente o homem das disputas, sou segundo as palavras de Jeremias, o homem da discórdia” (Grisar I. 340).
7. CONCLUSÃO
Eis como Lutero entrou em cena.
Vê-se logo não ser um reformador desejoso de extirpar abusos e de reconduzir os homens à prática de virtudes que tinham abandonado.
É um homem, só confiante em seu próprio valor e na sua personalidade, orgulhoso ao ponto de preferir as sua opiniões às do mundo inteiro; é um espírito irrequieto à cata de novidades, ou, como vimos no começo, um homem obsesso por uma idéia fixa, que pretende impor-se a todos.
Numa palavra, é um anormal, doente, uma espécie de nevropata.
Se, neste tempo, houvesse existido o espiritismo, é de presumir se houvesse Lutero lançado, de corpo de alma, nas práticas espíritas, sem pensar na fundação de uma seita herética.
Às pessoas sensatas pergunto se tal pode ser a disposição, o modo de agir, as pretensões de um reformador de religião, de um homem escolhido por Deus, como dizem os protestantes, para reconduzir a Igreja verdadeira à pureza de seus princípios e das suas doutrinas.
É impossível.
O simples bom senso protesta contra a asserção crentista.
O reformador de uma religião divina devia ser pelo menos, um homem de virtude, calmo, prudente; Lutero, no entanto, se apresenta como um vulgar insultador, insolente, grosseiro, indecente e, muitas vezes grotesco.
Através de sua vida, de suas palavras e atos, sente-se unicamente a paixão, o orgulho, a sensualidade, o espírito de revolta.
Lutero, pela doutrina, é o fundador do protestantismo; pelos atos, é o fundador da mentalidade comunista-revolucionária. Convinha salientar bem esta primeira fase da vida pública de Lutero, pois ela constitui, com os seus prelúdios já expostos, as premissas das inúmeras conclusões que, em breve, seremos impelidos a extrair desta vida agitada e tristemente fecunda.
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