A ALMA DE TODO APOSTOLADO
J. B. Chautard
Sede perfeitos como perfeito é vosso Pai Celestial. Guardadas todas as proporções, o modo como Deus esta operando deve ser o critério, a regra da nossa vida interior e exterior.
Ora, já sabemos que Deus é naturalmente dadivoso, e a experiência nos mostra o fato de ele, neste mundo, espalhar com profusão os seus benefícios sobre todos os seres, e ainda mais especialmente sobre a criatura humana. Desta sorte, desde milhares, se não milhões de séculos, o universo inteiro é objeto desta inesgotável prodigalidade, desentranhando-se sem cessar em benefício. Entretanto, nem por isso Deus fica mais pobre, e essa munificência inexaurível de forma nenhuma pode diminuir, seja no que for, seus infinitos recursos.
Ao homem, Deus faz mais que conceder-lhe bens exteriores; envia-lhe o seu Verbo. Mas ainda aqui, neste ato de suprema generosidade, que outra coisa não é senão o dom de si mesmo, Deus nada abandona, nada pode abandonar da integridade da sua natureza. Dando-nos seu Filho, sempre o conserva em si mesmo. Sume exemplum de summo ómnium Parente Verbum suum emittente et retinente.
Por meio dos sacramentos, e especialmente por meio da Eucaristia, Jesus Cristo vem enriquecer-nos com as suas graças. Sobre nós as derrama sem peso nem medida, porque ele também é um oceano sem limites, cujo extravasamento escorre sobre nós, sem que jamais possa exauri-lo: De plenitúdine ejus nos omnes accépimus.
Assim devemos ser, de alguma sorte, nós os homens apostólicos que assumimos a nobre tarefa da santificação alheia: Verbum tuum considerátio tua, quae si procedit, non recedat; o nosso próprio verbo é o espirito interior que a graça formou em nossas almas. Vivifique logo esse espirito todas as manifestações interiores de nosso zelo; mas, como incessantemente o despendemos em prol do próximo, sem intermissão o devemos renovar também por via dos meios que Jesus nos oferece. Seja nossa vida interior como um tronco túmido de selva robusta a desatar-se sempre em flores de nossas obras.
Uma alma de apóstolo! mas é ela a primeira que deve ser inundada de luz e inflamada em amor, a fim de que, refletindo essa luz e esse calor, possa esclarecer e abrasar depois as outras almas. O que viram, o que consiferaram com os próprios olhos, o que quase palparam com as mãos, eles o hão de ensinar aos homens. Sua boca efundirá nos corações a abundância das doçuras celestes, diz São Gregório.
Podemos agora deduzir o seguinte princípio: A vida ativa deve proceder da vida contemplativa, traduzida e continuada exteriormente, desligando-se dela o menos possível.
Os Santos Padres, os Doutores à porfia proclamam esta doutrina. Priusquam exerat proferentem linguam diz Santo Agostinho, ad Deum levet animam sitientem ut eructet quod biberit, vel quod impléverit fundat.
É mister receber, diz o pseudo Dionísio, antes de comunicar, e os anjos superiores apenas transmitem aos inferiores as luzes cuja plenitude receberam. Nas coisas divinas, o Criador estabeleceu esta ordem: aquele que tem por missão distribuí-las deve ser o primeiro a participar delas e a encher-se com abundância das graças que Deus quer dispensar às almas, por seu intermédio. Então, mas somente então, lhe sera permitido tornar os demais participantes delas.
Quem desconhece esta palavra de São Bernardo aos apóstolos: Se sois sábios, sede reservatórios e não canais: Si sapis, concham te exhibebis, non canalem. O canal deixa correr a água recebida, sem guardar uma só gota dela. Ao invés, o reservatório enche-se primeiramente, e depois, sem se esvaziar, verte torrentes incessantemente renovadas sobre os campos que fertiliza. Dos que se devotam às obras, quantos há por aí que são apenas canais, ficando sempre secos mesmo quando procuram fecundar os corações! Canales multos hodie habemus in Eclésia, conchas vero perpaucas, ajuntava com tristeza o abade de Claraval.
Toda causa é superior ao seu efeito; logo, para aperfeiçoar os outros é mister uma perfeição maior do que para qualquer um se aperfeiçoar simplesmente a si mesmo. Como a mãe não pode amamentar o filho senão na medida em que ela própria se alimenta, assim também os confessores, os diretores de almas, os pregadores, os catequistas, os professores devem primeiramente assimilar a substância com que hão de nutrir em seguida os filhos da Igreja. A verdade e o amor divino são os elementos dessa substância. E só a vida interior traduz a verdade e a caridade divinas de maneira a torná-las verdadeiro alimento capaz de engendrar a vida.
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