3 de janeiro de 2010

Quinta ingratidão dos homens para com Jesus Sacramentado

Descuido em prover as coisas necessárias para o culto do Santíssimo Sacramento

Se eu não tivesse visto, em muitas partes da Cristandade, praticada este ingratidão ao Redentor Sacramentado, não me atreveria a dar-lhe crédito, porque não sei como cabe, em corações ilustrados com a luz da Fé, tanto descuido e avareza para o culto do Corpo e Sangue de Jesus, Que, com tanta liberalidade, os cumula de bens e os enriquece com todos os tesouros da Glória. Abre o Amante Senhor Sacramentado, nos Altares, Seu delicioso peito, fonte viva e perene, para benefício de Suas criaturas, e essas, insensíveis à vista da pobreza em que O pôs Seu amor, fecham suas gavetas e cofres e se negam a um pequeno gasto para sua casa. Das coisas mais mínimas e me menos valor, se vê nos Templos e nos Altares uma incrível penúria. Muitas vezes falta ao adorável Corpo de Jesus uma toalha decente, um purificador limpo e asseado, uma vela e uma pobre desditada lâmpada. (Continua)
Que dirias a esses, ó Alexandre Magno, que foste pródigo de um milhão em ouro só no funeral de um amigo? E tu, ó cega Cleópatra, que não farías se tivesses crido n'Este Sacramento? Tu que deste de beber a um amante, num vaso, aquela pérola que não tinha preço no mundo? Mas para que amontoar exemplos de gentios, quando vemos hoje tanta profusão de riqueza entre os Católicos em manter o fausto de suas casas, o primor de seus jardins, o asseio de seus quartos e o enorme de seus apetites? E, ao mesmo tempo, deixarão desfazer-se em pedaços os Sacrários, arruinar-se as paredes das Igrejas, e chorar sua desnudez os Altares.
Não se lembram, esses ingratos, de que Este Senhor Sacramentado é o mesmo que move os Céus para enviar-lhes benignas influências, faz corrar os rios para fertilizar seus campos; sustenta no ar as aves e no mar os peixes, para regalar suas mesas. Não se lembram de que Este mesmo, que lhes doura as searas com as espigas, e lhes fecunda de frutos as árvores. Os leões e os tigres indômitos se mostram agradecidos a quem lhes tirou os ossos atravessados nas queixadas, ou lhes salvou da morte os tenros filhinhos precipitados em um fosso. Só os homens, mais desumanos que as próprias feras, quanto mais enriquecidos por Jesus, tanto mais ingratos se mostram com Ele. Não sabem agradecer o benefício que recebem, semelhantes ao mar, que, recebendo em si a doçura das águas que todos os rios lhe tributam, toda a converte em amargura. Piores que as sanguessugas, que, chupando o sangue alheio, nunca dão o seu, a não ser espremidas ou mortas. Recebem os homens o Sangue de Jesus, alimentando-se de Sua Carne; porém, que miséria e avareza não usam com Este liberal Senhor Sacramentado!
Culpa é essa detestada até pelos próprios gentios: Improbus est homo, dizia um deles, qui beneficium scit sumere et reddere nescit. Não há maior maldade do que saber receber o benefício e não saber recompensá-lo. Ah! Pastores! Ah! Sacerdotes! Ah! Príncipes e grandes do mundo! E todos os que credes n'Este Divino Sacramento! Cuidai bem de não serdes reus de tão feia ingratidão. Escrevei, no livro de vossos supérfluos gastos, uma parte maior para o culto de Jesus Sacramentado. Dai a Este Senhor pelo menos o que gastais com um escravo, ou o que despenderíeis com um animal. Olhai, senhores daquelas terras, de cujo senhorio vos jactais, a pobreza que experimentam as Igrejas. Reparai, Pastores, em vossos Bispados, cujos frutos comeis e cujas rendas lograis, o desasseio e pobreza com que se acham tantas Paróquias. Considerai que não fica bem tanto ouro e prata em vossos palácios, tanta ostentação em vossas carruagens, e tanta falta e desalinho na Casa de Deus e nas mesmas Aras onde sacrifica o Eterno Pai Seu Filho Sacramentado.
Mas já é tempo de voltar-me contra aqueles que tem especialmente a seu cuidado a guarda d'Este adorável Sacramento; porque, do seu descuido e negligência, nascem, pela maior parte, as indecências que se veem nos Altares. Para não trocar uma toalha, para não lavar uns corporais, para não mudar uns purificadores, consentem que o rosto de Jesus se recline numa imundície. Passam-se muitos meses durante os quais as coias tocantes ao Sacrifício do Altar ficam em tal estado que, só vê-las e tocá-las, causa asco.
É isso ter zelo da honra de Deus? Poderão dizer esses com Davi, que amaram o decoro e a limpeza da Casa do Senhor? Amantíssima da pobreza era a Seráfica Virgem Santa Teresa, porém desejava que das mais ricas petrarias do Oriente se formassem os Cálices e as Patenas que tocam imediatamente o Corpo Sacratíssimo de Jesus. E mais: que maior prova queremos, que o que fez o mesmo Redentor Nosso? Toda Sua vida e morte foi um raro exemplo de pobreza; nasceu entre palhas e morreu em um madeiro; e em uma ocasião em que entrou triunfante em Jerusalém, e podia fazer alguma ostentação de Sua grandeza, bem se sabe quão pobre e humilde foi Seu triunfo. Porém, para consagrar Seu Corpo e Sangue, serviu-Se de um prato de finíssima esmeralda e de uma taça de uma ágata inestimável, que até hoje se venera no mundo.
Reis e Príncipes houve na terra que fizeram a maior estimação das mais mínimas coisas tocantes ao Santíssimo Sacramento; Bispos santíssimos houve que, com suas próprias mãos, decoraram suas Igrejas. O Grande Imperador Constantino carregava sobre seus ombros as esportas de terra para o fabrico de um Templo. São Venceslau, Rei da Boêmia, arava a terra e ceifava o trigo de que se haviam de fazer hóstias; podava as vinhas e pisava no lagar as uavs para o vinho dos Sacrifícios. Margarida, Rainha da Hungria, segurava com suas mãos a toalha enquanto os fiéis, nos maiores concursos, recebiam a Sagrada Comunhão. Muitos outros Príncipes, nos passados séculos, corriam a limpar as lâmpadas que ardiam diante de Jesus Sacramentado. Porém essa piedade católica já está desterrada dos palácios do mundo.

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