Fidelidade da castidade
21. E Nosso Senhor Jesus Cristo não quis somente proibir qualquer forma do que se chama poligamia e poliandria, quer sucessiva, quer simultânea, ou qualquer outra ação externa desonesta, mas ainda, para assegurar completamente a inviolabilidade do santuário sagrado da família, proibiu os próprios pensamentos voluntários e desejos de tais coisas: “Mas eu vos digo que todo aquele que vir uma mulher com olhos de concupiscência já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mt 5, 28). E estas palavras de Cristo não podem ser anuladas nem sequer pelo consentimento do outro cônjuge, porque representam a própria lei de Deus e da Natureza, que nenhuma vontade humana pode destruir ou modificar (Confr. Decr. S. Ofício, 2 de março de 1679, prop. 50).
22. E até, para que o bem da fidelidade resplandeça com todo o seu brilho, as próprias manifestações mútuas de familiaridade entre os cônjuges devem ser caracterizadas pela castidade, de sorte que os cônjuges se comportem em tudo segundo a lei divina e natural e procurem seguir sempre a vontade do seu sapientíssimo Criador, com grande reverência para com a obra de Deus.
Amor conjugal e auxílio mútuo
23. Esta fidelidade da castidade, como lhe chama admiravelmente Santo Agostinho, resultará mais fácil e até muito mais agradável e nobre por outra consideração importantíssima: a do amor conjugal, que penetra todos os deveres da vida familiar e que tem no matrimônio cristão como que o primado da nobreza. “Requer, além disso, a fidelidade do matrimônio que marido e a mulher estejam entre si unidos por um amor especial, santo e puro, e que não se amem um ao outro como os adúlteros, mas do mesmo modo que Cristo amou a Igreja; porque o Apóstolo prescreveu esta regra quando disse: “Homens, amai vossas mulheres como Cristo amou a Igreja” (Ef 5, 25; cf. Col. 3, 19); certamente Ele a amou com aquela sua caridade infinita, não por vantagem própria, mas propondo-se unicamente à utilidade da Esposa (Catec. Rom., II, cap. VIII, q. 24). Falamos, pois, de um amor fundado já não somente na inclinação dos sentidos, que em breve se desvanece, nem também somente nas palavras afetuosas, mas no íntimo afeto da alma, manifestado ainda exteriormente, porque o amor se prova com obras (Cf. São Greg. M., Homil. XXX in Evang. Jo 14, 23-31, n. 1). Esta ação na sociedade doméstica não compreende somente o auxílio mútuo, mas deve estender-se também, ou melhor, visar sobretudo a que os cônjuges se auxiliem entre si por uma formação e perfeição interior cada vez melhores, de modo que na sua união de vida progridam cada vez mais na virtude, principalmente na verdadeira caridade para com Deus e para com o próximo, essa caridade que “resume toda a lei e os profetas” (Mt 22, 40). Em suma, todos podem e devem, seja qual for a sua condição e o honesto modo de vida que tenham escolhido, imitar o modelo perfeitíssimo de toda a santidade, proposto por Deus aos homens, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, e com o auxílio de Deus chegar ao cume da perfeição cristã, como o provam os exemplos de muitos santos.
24. Esta mútua formação interior dos cônjuges, com a assídua aplicação em se aperfeiçoarem reciprocamente, pode dizer-se com toda a verdade, como ensina o Catecismo Romano (p. II, cap. VIII, q. 13), causa e razão primária do matrimônio, não se considerando já por matrimônio, no sentido mais restrito, a instituição destinada à legítima procriação e educação dos filhos, mas, no sentido mais lato, a comunidade, a intimidade e a sociedade de uma vida inteira.*
A ordem no amor
25. Com este mesmo amor se devem conciliar tanto os outros direitos como os outros deveres do matrimônio, de modo que sirva não só como lei de justiça mas também como norma de caridade aquela palavra do Apóstolo: “O marido dê à mulher aquilo que lhe é devido; igualmente a mulher ao marido” (1 Cor 7, 3).
26. Ligada, enfim, com o vínculo desta caridade a sociedade doméstica, florescerá necessariamente aquilo que Santo Agostinho chama a ordem do amor. Essa ordem implica de um lado a superioridade do marido sobre a mulher e os filhos, e de outro a pronta sujeição e obediência da mulher, não pela violência, mas como a recomenda o Apóstolo com estas palavras: “Sujeitem-se as mulheres aos seus maridos como ao Senhor; porque o homem é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja”. (Ef 5, 22-23).
27. Tal sujeição não nega nem tira à mulher a liberdade a que tem pleno direito, quer pela nobreza da personalidade humana, quer pela missão nobilíssima de esposa, mãe e companheira, nem a obriga a condescender com todos os caprichos do homem, quando não conformes à própria razão ou à dignidade da esposa, nem exige enfim que a mulher se equipare às pessoas que se chamam em direito “menores”, às quais, por falta de maior madureza de juízo ou por inexperiência das coisas humanas, não se costuma conceder o livre exercício dos seus direitos; mas proíbe essa licença exagerada que despreza o bem da família, proíbe que no corpo desta família se separe o coração da cabeça, com grande detrimento de todo o corpo e perigo próximo de ruína. Se efetivamente o homem é a cabeça, a mulher é o coração; e, se ele tem o primado do governo, também a ela pode e deve atribuir-se como coisa sua o primado do amor.
Hierarquia doméstica
28. O grau e o modo desta sujeição da mulher ao marido pode variar segundo a variedade das pessoas, dos lugares a dos tempos; e até, se o homem menosprezar o seu dever, compete à mulher supri-lo na direção da família. Mas em nenhum tempo e lugar é lícito subverter ou prejudicar a estrutura essencial da própria família e a sua lei firmemente estabelecida por Deus.
29. Da observância desta ordem entre o marido e a mulher já falou com muita sabedoria o nosso predecessor Leão XIII, de feliz memória, na Encíclica que já recordamos acerca do Matrimônio Cristão: “O marido é o chefe da família e a cabeça da mulher; e esta, portanto, porque é carne da sua carne e osso dos seus ossos, não deve sujeitar-se a obedecer ao marido como escrava, mas como companheira, isto é, de tal modo que a sujeição que lhe presta não seja destituída de decoro nem de dignidade. Naquele que governa e naquela que obedece, reproduzindo nele a imagem de Cristo e nela a da Igreja, seja, pois, a caridade divina a perpétua reguladora dos seus deveres” (Enc. Arcanum, 10 de fev. de 1880).
30. São estas, portanto, as virtudes que se compreendem no bem da fidelidade: unidade, castidade, caridade, nobre e digna obediência; palavras que querem dizer outras tantas vantagens dos cônjuges e do seu casamento, enquanto asseguram ou promovem a paz, a dignidade e a felicidade do matrimônio. Não admira, pois, que esta fidelidade seja sempre considerada entre os insignes benefícios próprios do matrimônio.
8 de outubro de 2009
Matrimônio Cristão - Católico - Final 3/14
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